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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Alguém percebeu (penúltimo capítulo)


Escrita por: GSilva

Capítulo 26 - Alguém percebeu (penúltimo capítulo)


ALGUÉM PERCEBEU

“Enquanto eu recobrava minha compostura e arrumava meu fone de ouvido, ele se virou para mim. Não consegui conter o espanto. Ele era incrivelmente lindo. Era uma cabeça mais baixo do que eu, magro e pequenino, parecendo uma criança, mas quando falou, sua voz surgiu como um trovão.”

 

            “Ele tinha um jeito diferente, percebi, um rostinho de aparência muito frágil para um garoto da minha idade. Seus olhos eram escuros e suas bochechas formavam covinhas quando sorria, e ele sempre abaixava o rosto quando o fazia. Pisquei, tentando parar de olhar para ele.”

 

            “A voz de Larry era inconfundível, provavelmente a voz mais grave que eu já havia escutado. Eu conseguia ouvi-lo através das palavras da professora, conversando com Pierre. Os dois sorriam a cada frase, e eu tive uma vontade súbita de me levantar e ir até ele, abraçá-lo. Segurei-me. Era impossível uma pessoa se apaixonar tão rapidamente por outra.”

 

            “Ele parecia tão magnificamente pequeno para um garoto de dezessete anos, mas lá estava, dirigindo-se para a mesa da professora. Eu ficava a uma distância de quatro mesas, mas, ainda assim, ele podia me ver. Tentei esconder-me atrás da Alison, mas não deu certo. A professora e ele começaram a conversar sobre algo, mas não foi essa parte que me deixou nervoso. Eu olhava para ele, quero dizer, realmente olhava para ele – tentava absorver o máximo de características: o jeito que falava, sua altura, sua voz, seu olhar – e de repente nossos olhares se encontraram. Ficamos por um tempo nos entreolhando. Ele deu um sorrisinho e voltou-se para trás, retornando ao seu lugar.”

 

            “Não estava suficientemente apaixonado por Larry, mas também não posso negar que não queria ficar com ele. É claro que eu queria; quase qualquer um na minha situação iria gostar disso. Ele era bonito, mas não era só seu corpo que me atraía como também seu jeito de olhar, sua voz. Tudo (bom, quase tudo) me atraía nele.”

 

            “Naquela noite, eu não consegui dormir. Não conseguia tirar a imagem do sorriso de Larry da minha mente, simplesmente não conseguia. Não conseguia afastar a imagem dele se retirando. Mas, tudo estava sendo diferente para nós. Muito diferente de Andrew. Melhor, talvez.”

 

“Ele estava ao meu lado, com o quadril encostando-se à minha mesa. Seus olhos castanhos me perfuravam como lasers e senti a tensão em sua expressão: seus lábios, agora brancos, estavam comprimidos numa linha tão rija que inibia a passagem de sangue; seus olhos tinham uma inclinação aparentemente irritada e frustrada. Desviei o olhar do dele. Era estranho olhá-lo daquela maneira. Ele parecia irritado com alguma coisa, eu só não sabia com o quê. Olhei para baixo e vi que sua mão estava em cima da minha mesa, segurando um pedaço de papel que eu já tinha visto.

— Greg, preciso falar com você. — Ele disse, seriamente.”

 

“Ele se aproximou. Não havia nada entre nós e a parede do corredor me impedia de ir mais para trás. Estávamos tão próximos que eu podia sentir seu perfume e sua respiração.”

 

“Meu coração provavelmente deve ter feito ginástica quando eu ainda era um feto, pois pulou de lado a lado no meu peito. Minha garganta se trancou, inibindo as palavras. Tudo que eu queria fazer era pular no lago e me afogar drasticamente, mas, mesmo assim, estiquei um braço e toquei o peitoral de Larry. Uma rede de sensações subiu por mim, deixando-me arrepiado e com calor. Eu realmente havia tocado nele.”

 

“Isso significava que Larry tinha brincado comigo? Tinha feito de propósito eu me apaixonar por ele, para depois falar que estava brincando? Espere, eu não estava apaixonado por ele. Não podia estar. Sentia que não ia dar certo.”

 

“No final, fomos nós três contra a multidão, saindo do caos para a calmaria, conduzidos apenas por nossos sentimentos. Não era Andrew que estava segurando a minha mão, era Larry. Ele apertava meus dedos com uma pressão gentil, deixando-me com vontade de abraçá-lo. Mas não o fiz. Não porque Andrew estava ali, mas porque senti que não devia.”

 

Eu nunca tive noção de como uma verdadeira festa era. Já tinha visto filmes e seriados com cenas de adolescentes bêbados em piscinas, pessoas largadas nos sofás, outras vomitando nos banheiros, mas acreditava que nem todas as festas eram daquela forma. Não sabia nem com qual roupa ia, ou se Larry realmente queria me acompanhar. E ele queria.”

Parado embaixo de um poste de luz branca, ele quase parecia uma criança, com exceção a seu modo de olhar. Ele estava usando um blazer preto, com calças jeans da mesma cor. Ainda não tinha colocado a máscara, e eu preferi daquela forma. Queria ver o rosto dele, não só os olhos ou a boca. Queria vê-lo por completo.”

 

“— Larry, espere um pouco. Se acalme.

— Me acalmar? Você quer que eu me acalme? — Ele perguntou se aproximando de mim novamente, mas, naquela vez, não gostei de sua aproximação. — Diga que nunca mais vai falar comigo, que nunca mais vai olhar na minha cara, diga que nunca mais vai gostar de mim, aí sim eu irei me acalmar.

Não respondi. A voz dele parecia grave demais em contraste com a música. Apenas fiquei fitando seus olhos.

— DIGA! — Ele gritou novamente. Tenho certeza que, se eu fosse escrever aquela cena, teria escrito seus gritos em caixa-alta.”

 

“— Greg, por favor, se você ainda está aí, responda. Por favor. Eu sei que não deveria ter me afastado de você, não deveria ter ido tão longe. Me desculpe, me perdoe por tudo. Eu te amo. Não como você me ama, mas ainda assim... Não quero que algo aconteça a você. Você é meu melhor amigo, agora que William mostrou quem verdadeiramente é. Por favor, me escute. Volte para mim.”

 

“Ele estava ajoelhado ao meu lado, segurando a minha mão. Larry estava com a cabeça abaixada, mas presumi que estava chorando simplesmente pela entonação da voz. E ele estava. Senti, com uma grande pontada de dó, que suas lágrimas estavam escorrendo por minha mão. E, quando ele levantou a cabeça, seus olhos estavam vermelhos. Ele me viu olhando-o e sorriu.”

 

“Larry era (sempre foi) muito mais prático do que eu, preferia agir ao invés de planejar. Por isso tinha falado e feito coisas tão estúpidas quando abri o jogo para ele. Não foi como se pudesse manter o controle; e sobre a vingança contra Alexia não seria diferente. Porém, realmente quis deixá-lo aprender com as próprias atitudes, todavia, não queria que Alexia tocasse um dedo nele, por isso deixei os olhos bem abertos.”

 

“Nós ficamos muito perto um do outro, podia sentir seu calor perto da minha pele. Ele abaixou as mãos e segurou as minhas, olhando-me seriamente nos olhos. Queria dizer que aquilo não ajudava, que apenas me daria esperanças de algo que nunca ia acontecer, que ‘criar um clima’ entre nós era a última coisa que eu queria. Mas ele sorriu.”

 

“Larry gritou meu nome no meio da correria, quando os policiais renderam Andrew e separam a briga, mas eu não me virei. Ele não conseguiu se aguentar e correu atrás de mim. Senti um puxão em meu ombro e senti braços me envolvendo. Ele estava me abraçando.”

 

“— São flores, veja. — Ele esticou ambos os braços, segurando o blazer com uma mão. Vi seus músculos expandindo-se, as veias por baixo da pele, seus pelos finos quase loiros. — Aqui está um olho, considerado por muitos como “Illuminate”. — Ele arqueou as sobrancelhas. — Significa um recomeço. Significa que a beleza sempre observa os maus momentos, sabe, tipo a calmaria que sempre vem depois da tempestade.

            — Recomeço? Agora você que parece um poeta. — Respondi, franzindo o cenho para ele com um sorrisinho. Ele deu de ombros.

            — Bom, sabe o que dizem, não sabe? Quando você já perdeu tudo, o recomeço é bem mais fácil.

            — Quem disse isso? — Perguntei. Ele abaixou a visão e pareceu timidamente envergonhado.

            — Eu.”

 

“Estávamos a um passo de distância, de modo que eu mal podia sentir sua presença. Mas, subitamente, senti-o se aproximar, com a respiração tocando o meu rosto. Seu perfume inundou o ar quando ele chegou mais perto. Sua forma tomou conta de toda a minha visão. Tudo o que eu via era ele, tudo o que eu sentia era ele. Eu apenas estava ali por ele, e, graças a ele, conseguiria descobrir a verdade. Mas por mais que soubesse que aquilo estava sendo complicado... Não, Larry nunca foi previsível, ele tinha que deixar mais complicado ainda. Nossos corpos se aproximaram. Mantive minhas costas apoiadas ao muro enquanto ele se pressionava contra mim. Olho no olho. Face a face. Nossos lábios se encontraram gentilmente, lentamente, evoluindo para algo mais gélido, carregado de emoção e força. Ele se pressionou contra mim por um momento, com seus lábios se movendo levemente, suas mãos contra meu quadril. E eu o senti por completo naquele instante.

            Foi apenas quando ele se afastou que percebi o que havia acontecido. Ele tinha... Larry me beijou.”

 

— Ei, garoto, você ainda está aí? — O homem perguntou ao telefone. Eu limpei minha garganta antes de responder, ouvindo os sons de sirenes no fundo da ligação.

— O que você disse não pode ser verdade. — Respondi. — Larry está bem. Nós conversamos há uma hora.

— O acidente ocorreu há menos de dez minutos. — Disse o homem. — Eu sei que é difícil para você, mas... Mas eu sinto muito. Não sei o que dizer.

— Você pode me contar a verdade. — Rebati.

Ouvi-o praguejando com palavrões absurdos. Um ruído passou rapidamente pela ligação, um som de uma voz. Gritos. Vários gritos. Pessoas chamavam por ajuda, em esperança de salvar um pobre garoto num acidente.

— Eu estou falando a verdade.

— Não! Eu não posso acreditar que ele está morto! — Gritei, machucando minhas cordas vocais.

— Greg? — Era a voz de minha mãe. Meus impulsos nervosos me levaram a olhar para a porta e lá estava ela, parada do lado de fora com um olhar de horror. — O que houve?

— Um homem no telefone está me falando que Larry está morto. — Respondi.

Minha mãe entrou no quarto, limpando as mãos nas laterais da blusa. Ela parecia um emaranhado de piedade, dó e vontade de ajudar. Com as mãos trêmulas, ela retirou o telefone das minhas mãos.

— Deixe-me ver.

Encostando o telefone no ouvido, ela pronunciou qualquer coisa (realmente não me lembro) e depois fez várias caretas que variaram de tristeza até desentendimento. Quando retirou o telefone de perto do rosto, seu olhar estava carregado de algo muito mais terrível do que a tristeza: a verdade.

— Greg, ele não parece estar mentindo. — Disse ela. — Eu acho que é verdade.

— Mas... — Eu hesitei. Não conseguia falar, mal conseguia respirar. A sensação era sufocante, me dava vontade de gritar. — Mas eu conversei com ele há pouco tempo. Não, não pode ser.

Minha mãe colocou o telefone na orelha novamente e murmurou o que eu tinha acabado de dizer. Seus olhos se encheram de lágrimas, e eu fiquei imaginando por quê. Inúmeras coisas passaram pelos meus pensamentos naquela hora, qualquer tipo de coisa: tudo. Lágrimas se formaram nos meus olhos quando ela desligou a ligação, com a boca rígida, e veio na minha direção.

— Eu sinto muito. — Disse ela, abraçando-me.

Não, não, não, não. — Resmunguei. — Não pode ser ele. Deve ser outra pessoa. Ele... Larry não pode estar morto.

— Querido...

— Eu o amo, mãe. — Interrompi. — Demorei demais para perceber, mas o amo; não tanto quanto amo o Lucas, mas, ainda sim... Ele não pode estar morto.

As lágrimas romperam quando eu pensei no sorriso dele, naquele incrível sorriso que poderia iluminar um cômodo inteiro. Ele sorria como se nunca tivesse algum problema, como se qualquer coisa pudesse ser feita ou resolvida através da sua felicidade. Lembrei-me dele, do recomeço, das brincadeiras, do diferente. Ele não podia estar morto, eu não conseguia acreditar. Não conseguia. Larry era como um pedaço de mim, algo que eu não podia viver sem. Eu o amava. Droga, como eu o amava. Não chegava a ser um amor romântico ou passional, digno de um namoro ou algo parecido, porém ainda o amava. Eu o queria por perto, queria estar com ele, mesmo que não ficássemos juntos como namorados. Então, quando aquele homem e minha mãe falaram aquilo, eu simplesmente não pude acreditar.

 

Mas era verdade.

 

***

Horas depois...

 

O Sol estava se inclinando sobre o horizonte quando permiti abrir meus olhos. Uma luz avermelhada entrava pela janela, derramando-se sobre minha cama, minhas paredes e meu chão. Era lindo, lindo demais para ser verdade. Tudo estava lindo. Tudo estava ótimo, exceto... A cor vermelha me lembrava dele, minha cama me lembrava dele, as paredes me lembravam dele, tudo me lembrava dele. Olhar para cada centímetro do meu quarto me fazia lembrar de Larry. Por isso, fechei os olhos novamente. Era uma sensação vazia, de choque: eu simplesmente não conseguia acreditar que aquilo realmente estava acontecendo. Minha mãe me deixou sozinho para pensar, embora tivesse protestado quando eu pedi isso a ela. As lágrimas cessaram. Fiquei completamente paralisado, olhando para a janela e para o céu além dela, pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada.

Ninguém me perturbou, nem meus pais nem meu irmão ou irmã. Eles pareciam entender pelo que eu estava passando. Parecia simples, para falar a verdade, a perda. Mas, se você olhasse nos meus olhos, poderia perceber a dor que eu estava sentindo. A realidade veio uma hora depois, quando não recebi mais alguma ligação de Larry ou alguma mensagem. Foi aí que eu parei para pensar pela primeira vez. Deitei-me com o rosto virado para cima, olhando o teto escurecido pela luz do crepúsculo.

            — Larry está morto. — Eu sussurrei para mim mesmo. — Ele nunca mais vai voltar. Eu não acredito.

            O ato de falar parecia queimar a minha garganta, então permaneci em silêncio durante o restante do tempo. Pensei nas consequências daquilo, primeiro, não nas causas. Por mais que eu achasse que não o amava, estava errado. Eu o amava. Eu precisava dele. Ele era... Larry.

            Abrindo os olhos, virei-me para o lado e peguei o celular, que estava começando a ficar sem bateria. Uma pontada passou por todo meu corpo, como uma agulha na minha medula espinal. Eu nunca mais veria aquela tela se acendendo com uma mensagem dele. Eu nunca mais acordaria à noite com uma ligação dele, me pedindo para nos encontrarmos no parque. Eu nunca mais...

            Desbloqueei a tela e vi as notificações. Havia dezenas de mensagens, de todas as pessoas possíveis: desde Aimee até Aqua, passando por Andrew e até mesmo Pierre. Respirei fundo, pensando qual visualizaria primeiro. Com coragem, abri a conversa da segunda pessoa mais importante para mim (guardando a mensagem do meu namorado para depois).

 

            Andrew: “Greg”

                              “Greg, você está aí?”

                              “Você viu o noticiário? Estão falando algo sobre algum acidente envolvendo um estudante do Colégio Vargas”

 

            Dez minutos mais tarde ele mandou outra mensagem, mas eu apenas li elas de uma vez só.

 

            Ele: “Eu vi.”

                    “Greg, eu sinto muito”

 

            Já faziam mais de quarenta minutos que ele havia me mandado aquilo, e pensei que talvez eu tenha sido um babaca sobre ter demorado tanto para responder. Mas, afinal, ele não podia me culpar. Eu não consegui fazer nada além de ficar deitado na cama.

           

            Eu: “É verdade. Ele morreu”

 

            Dizer aquilo, mesmo que por mensagem, me fez ter outro senso de realidade. Eu pensei, por um momento do meu choque, que aquilo podia ser um sonho ruim, um pesadelo, mas ter outra pessoa que também confirmou a morte dele... Aquilo apenas me provou que não era uma alucinação.

            Andrew leu a mensagem imediatamente e começou a digitar, mas, antes que eu pudesse ler o que ele estava escrevendo, mudei de conversa.

           

            Aqua: “Greg. O Larry...”

                        “É verdade?”

            Eu: “É”

 

            Respondi-a antes das outras, modelando a minha resposta para as mesmas perguntas. Todos perguntaram sobre Larry, se era verdade que ele estava morto, e eu não tinha mais argumentos. Comecei a responder sem pensar muito, apenas com “sims”. Eles e elas faziam justamente a pergunta que eu queria evitar.

            Larry está morto?

            É verdade?

            Minutos mais tarde meu celular vibrou com um toque diferente. Aquela mesma música foi o anúncio do inferno na minha vida, minutos atrás, mas não era mais o Larry. Era Andrew.

            — Alô? — Perguntei, com a voz baixa, atendendo-o.

            — Greg, eu sinto muito, muito, muito mesmo. — Ele respondeu. — Sério, eu estou sem palavras. Minha mãe me disse para assistir o noticiário local, porque estava passando algo sobre algum estudante do colégio, e quando liguei a televisão... Era ele, Greg. Eu sinto muito. Eu não consigo acreditar.

            — Eu também não.

            — Ele... Larry... — Andrew hesitou ao telefone. Ele parecia confuso, talvez até mais consternado do que eu. — Ele era a melhor pessoa que eu já conheci. Eu nem sei o que te falar.

            — Não precisa dizer nada. — Respondi. — Eu sei que você sente muito.

            — Me desculpe. Sério, eu... Eu fui muito negligente com vocês, devia ter ficado aí para não deixar que algo ruim acontecesse.

            — Andrew, não se culpe. Foi um acidente. Você não poderia fazer nada. — Rebati.

            — Eu sei, mas... Eu não sei. Eu estou confuso. Acho que dá pra perceber. — Ele respondeu.

            Ficamos em silêncio por um tempo, deixando a chamada correr. Eu não me importava com a maldita conta de telefone, eu não me importava com a maldita opinião dos outros sobre o silêncio.

            — A vida é um sopro. — Disse ele. — Num momento, ela está aqui. Em outro, já se foi.

 

            Andrew desligou sem se despedir, deixando-me com a consciência cheia e o coração vazio. Sem saber o que fazer, ou o que falar, ou com quem falar, voltei-me para a cama, sentando-me, e fiquei esperando por qualquer coisa que me tirasse do choque.

 

***

 

            Uma hora depois, mais ou menos, meus pais e meu irmão entraram no meu quarto. Eu me arrumei, secando as lágrimas e me sentando em posição ereta. Minha mãe passou a mão por meus cabelos antes de sentar ao meu lado, meu pai me deu uma leve batida no ombro e também se sentou.

            — Filho, você está bem? — Meu pai perguntou. Eu confirmei com acenos.

            — Estou.

            Minha mãe segurou na minha mão com uma leve pressão. Foi apenas nesse momento que percebi que os três estavam usando roupas inteiramente pretas. Luto.

            — O velório começará daqui a pouco. — Minha mãe disse. — Você foi convidado.

            — Eu não vou.

            Todos olharam para mim como se eu tivesse falado que tinha assassinado alguém. Não entendi porque tanta problematização. Eu apenas não queria ir.

            — Como assim? Ele era seu melhor amigo. — Disse Ryan.

            — Eu sei. Continuo não querendo ir. — Respondi, erguendo meu olhar para ele.

            — Mas, até a Alanis vai. Greg, você tem que...

            — Ryan! — Minha mãe interrompeu. — Essa é uma decisão dele. Se ele não quer ir, então tudo bem. Vamos apoiá-lo.

            Vi meu irmão engolir em seco antes de assentir levemente.

            — Mas, Greg, querido... — Disse minha mãe. — Tem certeza que quer ficar sozinho?

            — Isso é o que eu mais quero fazer. — Respondi com a voz baixa, desviando o olhar. Eu não conseguia olhá-los nos olhos. Cada olhar parecia me machucar como uma faca.

            No final, eles foram e eu fiquei. É claro, aquilo me rendeu uma tremenda consciência pesada: fiquei imaginando que deveria ter ido ao velório, que deveria ter visto-o mais uma vez. Mas esse era o problema. Eu não queria vê-lo machucado, arrumado como um cadáver, com uma flor branca sobre o paletó e os cabelos bem penteados. Eu queria lembrar-me dele como ele era: uma regata, uma bermuda, um sorriso no rosto e os cabelos despenteados. Eu queria lembrar-me dele. Minha última lembrança de Larry era o nosso beijo, o corpo dele pressionado contra o meu, o jeito como ele me olhou antes de nossos lábios se encontrarem.

            Sem pensar em mais nada (e pensando em tudo ao mesmo tempo), deitei-me novamente na cama e fiquei esperando a noite passar.

 

***

 

            Nada me tirava daquilo, daquela sensação de que o mundo estava desmoronando. Eu não conseguia pensar em nada além de Larry, no sorriso dele, nos olhos dele, na voz dele. Sabia que se pensasse demais, acabaria piorando ainda mais a minha situação, mas simplesmente não conseguia desviar meus pensamentos para outro lugar. Nem mesmo a lembrança de Andrew ou de Lucas me tirou daquele torpor.

            Fiquei sentado na cama durante horas, olhando para o nada, pensando em nada. Com olhos vazios, minha mente vagava entre o caos e o vácuo. Foi o apenas o som de passos que me fez acordar daquilo. Escutei alguém se aproximando do meu quarto, com passos rápidos, e imediatamente me levantei. Um resquício de felicidade passou por mim. Pensei que poderia ser Larry, que tudo aquilo foi um pesadelo muito horrível, mas, quando a porta se abriu, o pouco de felicidade que havia em mim se foi. Era a minha mãe.

            — Greg. — Disse ela, entrando. — Você está bem? Você deveria ter ido. O velório foi lindo.

            Desviei o olhar e dei as costas para ela. Eu não conseguia olhá-la, pois sabia que teria que explicar algo se ficasse olhando, e realmente não queria explicar nada. Além disso, vê-la com aquelas roupas pretas de luto apenas me lembrava de que não estava sonhando.

            — Você está bem? — Ela repetiu.

            — Não. — Respondi.

            Nesse momento, meu pai entrou no quarto como quem tinha acabado de correr por uma maratona. Ele estava ofegante, mas não achei que era algo sobre mim.

            — Ele ainda está aqui? — Meu pai perguntou à minha mãe. — Precisamos nos preparar para o enterro. Greg, você vem?

            Alguma coisa na frase dele desbloqueou imagens na minha cabeça. Eu sempre tive uma imaginação muito fértil, conseguindo imaginar cenários, personagens, vilões e situações para histórias fictícias que criava, mas aquela foi a pior visão que já imaginei. Vi Larry deitado dentro de um caixão, as mãos atadas na frente do corpo, tudo impecável, como se ele apenas estivesse dormindo. Vi o caixão sendo selado e colocado em seu lugar na terra. Vi os funcionários do cemitério jogando vários quilos de terra preta em cima dele, do caixão, e estremeci. Em breve, ele seria consumido por vermes, a beleza dele não estaria mais lá, nunca mais sorriria, nunca mais falaria qualquer coisa.

            — Não. — Respondi.

            — Greg... — Minha mãe protestou. — Muitas pessoas perguntaram por que você não foi ao velório. Suas amigas estavam lá.

            — Eu não quero ir.

            — Eu sei. Ninguém quer ir ao velório do melhor amigo. — Ela continuou. — Mas, querido, não é saudável ficar sem essa fase do luto. Você precisa vê-lo para deixá-lo ir.

            — Eu não quero deixá-lo! — Gritei roucamente. Minha voz não ecoou pela casa, ao contrário, pareceu permanecer apenas naquele pequeno cômodo.

            Meu pai se afastou, com um pouco de medo na expressão, e atou as mãos atrás do corpo.

            — Nós entendemos, filho. — Disse ele. — Pode ficar se quiser. Eu, sua mãe e seu irmão vamos no seu lugar.

 

            Dei um pequeno sorrisinho de agradecimento, olhando para meu pai. Era estranho receber o apoio deles em alguma coisa, porque quase nunca concordávamos no mesmo ponto de vista. Eles sempre foram muito autoritários, sempre tentavam me obrigar a fazer coisas que não queria, mas entenderam a minha situação naquele instante. Eles seriam desumanos se não entendessem.

            Por fim, minha mãe e meu pai saíram do meu quarto e ficaram andando pela casa. Eu não quis ver o que estavam fazendo, se estavam se arrumando para o enterro ou se apenas queriam ficar andando de um lado para o outro.

            Continuei no meu quarto até a luz do Sol retornar. Não demorou muito, para falar a verdade. A coloração azulada atingiu minhas paredes, meu teto e meu chão, manchando a minha cama e as minhas cortinas. Fiquei olhando pela janela aberta, para o céu sem nuvens atrás dela, e pensei que tudo estava indo rápido demais. De fato, como minha mãe disse, eu precisava sofrer por ele para deixá-lo ir. Era a única forma de curar.

            Então, pensando nele e nas coisas que fizemos juntos, novas lágrimas surgiram. Levantei-me e fui até a janela, apoiando-me sobre o parapeito e olhando para o lado de fora. O mundo parecia o mesmo, as mesmas pessoas desconhecidas fazendo trabalhos desconhecidos, os mesmos alunos desconhecidos estudando em colégios desconhecidos, pessoas que talvez já tivessem passado pela mesma coisa que eu. Eu rezei para que ninguém passasse pela mesma coisa que eu, porque era horrível: toda aquela sensação de vazio, de falta de algo, da noção que nunca mais o veria.

            Foi aí que meu celular tocou.

            Com uma rápida olhada, vi o nome “Andrew” piscando várias vezes na tela. Revirei os olhos. Ele provavelmente iria perguntar por que eu havia faltado ao velório e ao enterro, então ignorei. Deixei tocar, com aquela música que me lembrava do momento mais terrível da minha vida. Até que parou. E recomeçou. Parou. Recomeçou. Parou... Ao todo, mais de cinco ligações ignoradas. Ele provavelmente tinha se desesperado, pensando que algo também poderia ter acontecido comigo, mas eu não conseguia nem raciocinar direito, quem diria falar. Coloquei na minha cabeça que ligaria de volta assim que estivesse me sentindo melhor.

            Com o queixo apoiado nas mãos, fechei os olhos. Comecei a sentir o que o momento realmente me passava: era diferente do vazio, se tratava de algo mais humano, mais... Vingativo. O sentimento que veio era mais forte do que o vazio, como um formigamento que subia por minha corrente sanguínea e se derramava em meus pensamentos, deturpando meu modo de raciocinar. E se aquilo que aconteceu, na verdade, fosse culpa de alguém? E se... Não, o homem disse que foi um acidente. Não tinha porque culpar qualquer pessoa por um acidente.

            Ouvi o carro dos meus pais deixando o quintal com uma aceleração constante, e me virei para trás. Estava sozinho novamente, naquela casa fria e solitária. Não tinha ninguém por perto, e o mais próximo de contato humano que havia era meu celular. Respirei fundo, olhando para a tela. Com as mãos ainda trêmulas, cliquei em “refazer chamada”, e o telefone começou a discar o número de Andrew.

            — Greg? — Disse ele, atendendo.

            — Oi.

            — Você está bem? Meu Deus, que susto. Pensei que algo tinha acontecido. — Ele respondeu. — Por que não foi ao velório e por que não está aqui no enterro? Seu namorado estava lá e ele parece muito preocupado. Acho que você deveria falar com ele.

            — Eu vou. Eu só... Só queria ouvir a sua voz. — Respondi. — Eu não estou me sentindo bem para ir ao enterro. Pode mandar meus pêsames por mim?

            — Claro. Eu entendo.

            — Obrigado. — Eu disse rapidamente. — E diga ao Lucas que eu estou bem. Só preciso de um tempo. Ainda não superei tudo.

            — Ok.

            — E Andrew?

            — Sim?

            — Você pode vir me encontrar? Tipo, agora? — Perguntei antes que ele falasse qualquer outra coisa. — Eu sei que você está no enterro, mas... Mas eu preciso te ver.

            — Olha... — Disse ele, prolongando o som das vogais. — Acho que posso sair sem ser notado. E, aliás, eu quero mesmo falar com você. Algo sobre a polícia e sobre Larry. É muito importante para falar pelo telefone, precisa ser ao vivo.

            — Entendi. — Respondi. — Me encontre no parque perto de casa, então. Logo perto da entrada, há um lago. Você me verá assim que chegar.

            — Tudo bem. — Ele disse. — Até mais.

            — Até mais.

 

            Retirei o telefone do ouvido e pensei no que havia acabado de fazer. Foi a primeira vez que o convidei para me encontrar fora do colégio, imaginei o quanto estranho isso poderia ser aos olhos dos outros. Como as pessoas eram tão... Desconfiadas. Se ficassem sabendo, provavelmente, diriam que eu me aproveitei da situação para conseguir ficar com o Andrew. Rezei para que ele saísse sem ser percebido.

            Colocando uma blusa de lã que estava jogada em cima da minha cama, saí do quarto. Não olhei para os lados, para as paredes do corredor; meus olhos miravam o chão constantemente. Continuei assim até chegar ao lado de fora. Minhas cachorras latiam e eu não as mandei se calarem, ao contrário, deixei que latissem. Só Deus sabe como eu queria gritar, e não gostaria que alguém me mandasse calar a boca. Abri o portão sem usar muita força e saí.

            O vento estava gelado, congelando meus ossos e me dando arrepios. Suspirei enquanto passava pela casa do vizinho. Tudo me lembrava dele, tudo. Pensei em nossos momentos a sós, quando passávamos por aquele mesmo caminho para ir ao parque, às vezes tarde da noite. Lágrimas ameaçaram surgir, mas desistiram. Aparentemente, eu já tinha chorado o suficiente por dez pessoas.

            Cheguei ao parque. Tudo parecia morbidamente parado, com um ar de tristeza, como se o mundo inteiro estivesse de luto por Larry. Talvez estivesse. Talvez o universo tenha visto o quão horrível foi. Continuei andando até chegar perto do lugar que deveria estar evitando:

            O lago.

            Um arrepio sombrio percorreu todo meu corpo, desde a minha primeira célula até a última, revirando-me o estômago. Eu tive uma visão nesse momento, quase como uma miragem: a visão de um garoto encolhido contra a grama, chorando, e outro chegando mais perto para confortá-lo. Depois, vi os dois garotos conversando animadamente. E depois, e depois, e depois. Éramos nós: eu era o garoto que estava chorando, Larry era o garoto que queria me confortar. Lembrei-me de meses atrás, quando conversei com ele pela primeira vez, neste mesmo lugar. Eu estava tão chocado pelas coisas que haviam acontecido entre mim e Andrew, chorando na grama, quando ele se aproximou e tentou descobrir o porquê da minha tristeza. Foi a primeira vez que ele falou comigo, a primeira vez que se aproximou. Senti que nossas vidas mudariam daquele momento para frente, mas, se pudesse prever que isso iria acontecer, teria evitado qualquer contato. Lembro-me de que, naquele dia, a única coisa que eu queria fazer quando ele tentou conversar comigo era pular naquele lago e me afogar, para não ter que explicar. Não fiz aquilo naquele momento, mas deveria ter feito.

            Aproximei-me do lago lentamente, passo por passo, com o coração quase saindo pela boca. Fiquei imaginando quanto tempo demoraria a viagem entre o cemitério e o parque. Pensei na oportunidade que Andrew teria antes de me encontrar. E pensei mais. Pensei em Larry, na dor que me dava lembrar-me dele, na voz dele, no sorriso dele.

            Ajoelhei-me no chão assim como fiz quando conversei com Larry pela primeira vez. Um calafrio percorreu todo meu corpo. A terra estava fria, influenciada pela noite que se extinguia e pelo lago tão perto. A massa de água estava a menos de dez centímetros de distância de mim, de modo que pude me inclinar sobre ela. Vi meu reflexo. Eu parecia o mesmo, os mesmos cabelos castanhos, os mesmos olhos tristes. Nada diferente. Aqui ou ali, flores-de-lótus decoravam a água com tons verdes e brancos. Senti outra pontada. Larry já tinha me dito que adorava aquelas flores.

 

            Eu era diferente. Larry tinha dito isso. Ele me amava. Larry tinha dito isso.

            Andrew era só mais uma peça no jogo. Ele era o peão de Alexia. Todos nós o protegíamos a todo custo. Mas Larry... Larry era diferente.

            Larry não teve culpa. Ele não sabia onde estava se metendo. Amar pode ser perigoso, ele descobriu isso da pior maneira.

            Lucas Matheus era o meu amor, minha paixão construída por olhares e sorrisos, cuidadosamente moldada para ser meu alicerce. Ele me amava e eu o amava. E sentia falta dele. Eu queria ficar com ele para sempre.

            E foi assim, pensando em todos eles, que eu me aproximei mais da água e, sem pular ou fazer qualquer alarde, deixei meu corpo cair. A água cercou minha visão rapidamente e eu fechei os olhos, deixando-a me consumir. O mundo se tornou um reflexo gelado e leve de tristeza e solidão. Continuei descendo, afundando, com plantas enroscando-se aos meus pés e com a luz do Sol se extinguindo. Quando meus pés tocaram o fundo do lago, abri os olhos. Eu não conseguia ver nada além de uma luz opaca mais acima. Minhas mãos não alcançavam mais a borda do lago. Não tinha saída. E foi aí que me lembrei de algo muito importante:

 

            Eu não sabia nadar.

 

***

 

            Primeiramente, a água encheu as minhas vias respiratórias, depois, me puxou para baixo. Eu não conseguia alcançar nem dez centímetros acima, e o topo da massa de água estava a mais de um metro. O desespero começou a tomar conta de mim. Eu me debatia e me debatia, tentando alcançar a superfície, tentando achar o ar – até mesmo tentei agarrar numa alga ou coisa parecida para me puxar para cima, mas as raízes não sustentavam meu peso. Teve um momento que apenas fiquei rodopiando pela água, tentando gritar enquanto estava submerso, desperdiçando mais oxigênio ainda. Já tinha tido aulas de segurança pessoal e sabia o que fazer num caso de afogamento, então, abri os braços; mas, tecnicamente, eu teria que abrir a boca também para o ar me estabilizar e me puxar para a superfície, e isso era algo que eu não conseguia fazer. Meus pulmões já estavam cheios de água. Não havia como boiar.

            Diversas imagens passaram pela minha mente. A maioria era de Andrew e Larry, mas Lucas estava lá também. Eu vi os três sorrindo para mim, com os braços abertos. Uma imaginação, é claro. E então vi Larry, quero dizer, o vi como nunca tinha visto antes:

            Estávamos sozinhos no Colégio Vargas. Tudo estava vazio. Não havia alunos ou professores, funcionários ou espiões. Ele estava no centro do pátio de entrada, com os braços abertos, esperando por um abraço, e percebi que aquilo não era normal porque nunca tinha visto-o daquela maneira. Ele estava usando um terno e uma calça social, mas os cabelos continuavam bagunçados. Seu sorriso parecia brilhar. Foi aí que percebi: aquilo não era uma lembrança. Realmente, era ele. Eu estava com ele. Estava perto dele.

            — Mas que roupas são essas? — Perguntei, aproximando-me e sorrindo. Ele sorriu de volta.

            — Eu disse que nunca fui muito o que aparentava ser. — Respondeu ele. Sua voz parecia a mesma. — Você também está diferente.

            Olhei para mim mesmo quando o ouvi dizendo aquilo. De fato, eu estava com roupas diferentes: um terno e uma calça social, roupas parecidas com as dele. Levantei meu olhar para encontrá-lo me admirando com os olhos.

            — Você está lindo. — Disse ele.

            — Você também está. — Respondi.

            Olhei em volta, franzindo o cenho. Estava tão quieto, de modo que eu podia ouvir meu próprio coração – se ele estivesse batendo.

            — Onde estamos? — Perguntei.

            — No colégio. — Ele disse.

            — Sim, mas onde estão os outros?

            — Se foram. Esse é o nosso momento. — Disse ele, puxando-me pelo antebraço. Eu quase tentei me afastar, até sentir seu sorriso se extinguir. Alguma coisa não parecia certa. — Pena que não podemos ficar juntos.

            — Como assim? — Perguntei. — Nós já estamos juntos.

            — Não. Não estamos. — A voz dele soou séria. — Não está na sua hora, Gregory.

            — O quê?

            — Você tem que voltar.

            Tentei segurar no braço dele, mas meus dedos atravessaram sua pele como se ele nem sequer estivesse lá.

            — Larry!

            — Você tem que...

 

            Senti uma pressão absurda sobre meu peitoral e tive vontade de vomitar. Levantei-me rapidamente, sem pensar em nada, e um líquido nojento começou a sair por minha garganta. Engasguei e continuei a tossir até limpar minhas cordas vocais.

            Olhando em volta, percebi que estava de volta ao parque e Andrew estava ao meu lado. Ele segurava as minhas costas e eu estava deitado contra seu tórax. Quando consegui unir os pontos, pensar na imagem de Larry, na água e na tosse, percebi que Andrew tinha salvado a minha vida.

 

***

 

            Ele me abraçou vorazmente após meu ataque de tosse, apoiando o queixo nos meus cabelos.

            — Que merda, Greg, o que você queria fazer? — Perguntou ele, apertando-me.

            — Eu... — Hesitei. Minha garganta ainda parecia queimar de dor. — Eu não sei. Eu... Eu queria ficar sozinho.

            — Droga. Você quase se matou!

            — Me desculpe. Eu senti que conseguiria esquecer tudo se entrasse na água. — Respondi, falando a verdade.

            Por um tempo, ficamos parados, com ele me segurando e eu me segurando nele. Seus braços tremiam de susto ou de frio, apesar de eu ter apostado mais na primeira opção. Eu não queria assustá-lo, deixá-lo com medo de me perder definitivamente, apenas não sabia o que estava fazendo. Eu estava cego pela perda e pelo luto, mas tudo bem, porque renasci.

            — Me desculpe. — Repeti, levantando-me.

            — Fique deitado, você ainda não está bem. — Ele rebateu. Eu não acatei a seu conselho. Ele se levantou também e ficou na minha frente. Vi seus cabelos molhados pingando, suas roupas encharcadas e senti uma pontada de dó por fazê-lo passar por aquilo.

            — Eu estou bem. — Respondi. — Muito obrigado. Sério, eu não sei o que estava pensando.

            — Você não estava pensando, esse é o problema. — Ele rebateu.

            Eu desviei o olhar. Não conseguia olhar diretamente para ele, não no estado em que estávamos. Já tinha passado por muita coisa com ele, por desavenças e brigas, mas ainda não suportava vê-lo estressado comigo. Ele pareceu entender que eu não gostei muito do seu jeito e então se aproximou.

            — Desculpe. É que eu não suportaria te perder. — Disse ele.

            — Eu entendo.

            — Realmente, acho que você é a única pessoa que me entende. — Ele respondeu.

            Andrew me encarou por um longo instante, mas não se aproximou nem fez menção em querer chegar mais perto. Eu queria chegar perto dele, abraçá-lo, como sempre quis, mas mantive minha posição.

            — Na verdade, eu tenho algo superimportante para falar. — Disse ele. — Sobre tudo isso.

            Senti a seriedade na voz dele, em sua ausência de sorriso ou entonação.

            — O que houve? — Perguntei.

            — Se lembra de que eu disse que precisava falar com você sobre algo envolvendo a polícia? — Ele perguntou. Eu assenti. — Então, é sobre a investigação da morte do Larry. Todos achavam que foi um acidente, pelo modo como o carro bateu, mas não foi. A perícia disse que os freios foram sabotados. Não foi um acidente. Ele foi assassinado.


Notas Finais


Os últimos capítulos saem amanhã: Alguém Revelou (último capítulo) e Epílogo.


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