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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Como perder alguém


Escrita por: GSilva

Capítulo 3 - Como perder alguém


Fanfic / Fanfiction Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Como perder alguém

COMO PERDER ALGUÉM

            Não queria mais ficar ali, com eles me olhando como se eu fosse um animal num zoológico, então me virei e saí. Deixei respingos de sangue por onde passei. A dor veio depois, como se houvessem facas cortando meus pulsos. Franzi o cenho. Num primeiro impulso, fui para meu quarto, mas me lembrei de que estava com as mãos machucadas, então saí novamente, enganado – o que teria sido seria cômico em outros momentos. Corri para o banheiro.

            — O que ele disse? — Perguntou minha mãe, enquanto eu entrava na salinha do banheiro e fechava a porta. — Um garoto? Foi isso o que ele disse?

            Não ouvi as respostas. Coloquei meu braço sobre a pia e deixei o sangue correr para o ralo, indo direto para o encanamento. As linhas escarlates do líquido mortal desciam como um riacho rubro e horripilante. Forcei minha audição a escutar algo, por impulso, e percebi que havia o ruído de alguém chorando, na sala ao lado. Então Mon não foi embora, pensei. Mas ela nem ninguém podia me ajudar naquele momento.

            Foi então que ouvi risadas. Risos, gargalhadas, provenientes da sala de jantar. Como eles poderiam rir nesse momento? Eu já não estava sofrendo demais, machucado interna e externamente? Com medo, assustado, magoado e ignorado?

            Fechei o pulso, no âmbito da raiva, e o riacho de sangue se intensificou. Percebi que se não fizesse um curativo naquele momento poderia perder muito sangue...

            Abaixei-me alguns centímetros, apenas para pegar uma caixinha onde minha mãe mantinha bandagens e remédios em caso de emergência, e me voltei para cima. Após esquecer tudo o que aconteceu lá fora, a dor voltou com mais força. Eu seria capaz de gritar naquele momento, tão alto que ficaria um mês sem voz, mas decidi usar meu silêncio como um peso na consciência dos outros. Abri a torneira e o fluxo de água lavou o riacho de sangue na pia, e fui praticamente obrigado a colocar os cortes embaixo da água. A dor percorreu todo meu antebraço e eu arquejei. Esperei as pontadas passarem e vi que o fluxo de sangue parecia ter diminuído numa tentativa de meu organismo de estancar o sangramento. Retirei uma gaze debilmente da caixinha, usando toda minha habilidade do meu braço esquerdo.

            As lágrimas vieram mais dolorosamente do que qualquer machucado externo. Eu era sempre assim. Machucava as pessoas ao meu redor, explodia, destruindo tudo, machucava a mim mesmo internamente ou externamente e depois era abandonado para fazer os curativos. Sozinho. Foi essa palavra que perdurou em minha cabeça enquanto fazia o curativo. Eles seriam capazes de me abandonar, me deixar sozinho, sem ninguém? Talvez fossem...

            De repente, ouvi a porta sendo destrancada. Encarei como uma alucinação pela perda de sangue e recuei, mas depois me lembrei de que meu pai tinha a chave-mestra, que abria todas as portas da casa. Ele entrou. O rosto franzido, as mãos abertas como se estivesse impotente, os olhos cansados, atenciosos. Ele entrou e eu não pude impedir. Meu pai fechou a porta atrás de si e olhou para mim, com um sorriso calmo se formando em seus lábios. Como ele poderia rir de mim?

            — Acho que precisamos conversar. — Disse ele.

 

            Meu pai sinalizou para eu me afastar e obedeci. Ele tomou minha mão machucada nas suas e começou a fazer o curativo. Por um momento pensei que não falaríamos nada, mas ele quebrou o silêncio com uma pergunta comprometedora.

            — Você sabe que sempre pode falar o que quiser para mim, não sabe?

            Fiquei em silêncio por uns momentos.

            — Sei. — Respondi amargamente.

            — Então me responda. Quando foi que eu ou sua mãe lhe impedimos de falar algo? — Ele argumentou, mantendo as mãos firmes. Os cortes doíam mais, porém eu sabia que ele estava fazendo a coisa certa.

            — Nunca.

            — Exatamente. Então por que você nunca nos falou de você?

            De súbito, tive um ataque de raiva. A dor emocional, misturada com a reação de meus pais, desencadeou uma onda de raiva que ficou adormecida por algum tempo. Mas não naquele momento.

            — Você acha que é fácil assim? Simplesmente chegar para vocês e falar quem eu realmente sou?! — Ataquei, com a expressão de pura raiva, mas ainda evitando o olhar dele.

            — Acho.

            — Então você está enganado. Você não sabe nada sobre esse assunto. — Respondi.

            — Olhe, eu posso não entender, mas sei lidar com isso.

            — Lidar com isso? Pai, eu não tenho uma doença, não tenho um problema. O que eu tenho é... É... Uma característica. — Ataquei novamente. — Não é como se fosse um câncer e vocês tivessem que juntar dinheiro para pagar meu tratamento.

            — Eu sei filho. Eu só quis dizer que eu já conheci pessoas assim. — Respondeu ele. — Eu já tive amigos assim, você até deve ter conhecido um deles. Quero que você saiba que não tenho nada contra, mas...

            Olhei para ele. “Nada contra, mas...” é pior discurso de preconceito que existe. Queria falar para ele que manter o preconceito escondido por uma barreira de preocupação não ajudaria, não aconselharia, mas permaneci quieto.

            Felizmente, ele mudou de assunto, quase lendo meus pensamentos.

            — Eu quero que você saiba que eu não tenho porque não te amar. Saiba disso. — Ele disse, olhando para o curativo na minha mão. — Pronto.

            Olhei para meu braço. Parecia intacto, e as faixas que o cobriam apenas pareciam adornos que decidi colocar por pura moda.

            — Obrigado. — Disse, sinceramente agradecido. A dor havia desaparecido e o riacho de sangue não descia mais por meu pulso.

            — Eu te amo. — Disse ele, destrancando a porta. — Quando estiver pronto, pode sair. Nós não mordemos, só latimos.

            Eu dei um sorrisinho. Ele ainda foi capaz de fazer uma piadinha da situação.

            — Eu também te amo. — Respondi.

 

***

 

            Destranquei a porta e saí. Não encontrei ninguém, graças a Deus, mas sabia que eles estavam me observando, podia sentir. Monique não estava mais na sala de estar, ao lado do banheiro, e eu podia escutar sua voz conversando animadamente com minha mãe. Pelo que vi, minha situação mudou o humor de todos em casa. Eu me virei e então vi as duas, no final do corredor, ambas de braços abertos, me esperando para um abraço.

            Minha mãe parecia receptiva, com seus cabelos loiros caindo sobre os ombros, como uma auréola. E minha irmã estava, aparentemente, um pouco entretida. Foi fácil identificar a semelhança entre as duas. Mon tinha a pele morena e os olhos negros de meu pai, mas também possuía as expressões de minha mãe. Pensei que ela era muito mais parecida com meus pais do que eu e Ryan éramos.

            — Oh, Greg, pra quê tanto suspense? — Perguntou minha mãe, em tom de briga, mas com os olhos brilhando de felicidade.

            — Suspense? — Perguntei, com a voz mais aguda do que o normal.

            As duas me abraçaram, formando um conjunto de seis braços e três corpos que se juntavam. Foi bom aquele abraço, depois de tudo que passei. Fez-me sentir que alguém ainda poderia me amar.

 

            E, dessa forma, naquele domingo, eu simplesmente abri o jogo, coloquei as cartas na mesa, e decidi ser quem eu era.

 

***

 

            É claro que, ser quem eu era também significava destruir todos os enigmas e derrubar todos os segredos. Fui dormir com uma ideia na cabeça: a ideia de eu estar mesmo apaixonado por Andrew. Eu nunca havia me disposto a falar daquela forma sobre o que sentia por ele, mesmo já tendo contado para um grupo seleto que incluíam Ryan, Alanis, Eleonora e Anne. E naquele domingo eu fui capaz de confrontar meus pais, de quebrar uma mesa apenas com um soco, de me machucar severamente. Tudo por causa dele. Foi por esse motivo, e por outros, que eu formulei um tedioso e extenso discurso de declaração para Andrew. A ideia até podia ser retardada, infantil, mas eu faria do jeito certo. Iria esperar o intervalo entre a terceira e a quarta aula (que sempre durava quinze minutos) e o chamaria para ir até a biblioteca do colégio. Eu contaria tudo, tudo e mais um pouco.

            Dormi e não sonhei com ninguém.

           

            A segunda-feira seguinte amanheceu tenebrosa. O céu estava escuro e coberto por nuvens negras, um mau sinal. Meu irmão me acordou com três leves puxões e eu levantei desesperadamente, imaginando se estaria atrasado, mas não estava. Retirei o pijama e vesti o uniforme azul-escuro do colégio, e fui ao banheiro para terminar os processos que sempre realizava de manhã. Escovei os dentes, penteei os cabelos e lavei o rosto. Afinal, eu queria ter a melhor aparência se iria me declarar para Andrew...

            Por todo o caminho até o colégio, o qual eu e Ryan sempre percorríamos a pé, fiquei recitando o discurso de declaração em minha mente. Estava muito grato internamente por Ryan não me distrair. Refiz o plano, cuidando dos mínimos detalhes. Devia avisar Anne antes, para ela me ajudar e, digamos, “liberar” o Andrew na hora do intervalo, pois eles sempre andavam juntos. Refiz o plano. Repassei o discurso. Refiz o plano. Repassei o discurso. Refiz o...

            De repente, me vi já chegando ao Colégio Vargas. Os alunos vinham de lá para cá, carregando mochilas e rindo. Entrei rapidamente, como se tivesse sido empurrado. Se Andrew sempre chegasse no horário, se ele nunca se atrasasse, ao menos poderia me declarar para ele no momento da entrada e acabaria logo com isso. Mas ele sempre se atrasava, todos os dias, chegando na segunda aula.

            Esperei até o sinal tocar e fui para minha sala, com o coração, aparentemente, na garganta.

 

***

 

            Todos perguntaram por que eu estava com o pulso enfaixado. Respondia que havia caído e cortado às mãos, mas quando eles perguntavam se podiam ver os machucados eu respondia que não.

            A primeira aula foi estupidamente entediante. Filosofia. Thomas ficava ao meu lado falando de tudo que eu não queria ouvir, sobre como The Walking Dead era legal e Minecraft era o melhor jogo de todos. Eu gostava de Minecraft, já havia jogado diversas vezes, mas duvidava que fosse o melhor jogo de todos, então apenas o ignorei por grande parte do tempo. E então o sinal tocou, sinalizando que a segunda aula estava para começar.

            Engoli em seco. Refiz o plano. Repassei o discurso. E o vi entrando. A alça da mochila, como sempre, em apenas um dos braços, enquanto a outra pendia ao lado do corpo. O moletom bordô imutável sobre o tronco, os cabelos desgrenhados e negros, os olhos verdes e brilhantes. Nunca parei para pensar, mas, assim como para mim, os olhos dele eram sua característica mais marcante. Ele tinha-os verdes como esmeralda.

            E ele se aproximou, com as mãos envoltas nas mangas do casaco. Depositou a mochila em cima da mesa e olhou para mim, como se estivesse lendo meus pensamentos. E sorriu. O sorriso mais lindo que eu já vi. Era lindo, lindo e estranho, como os olhos dele estreitavam quando sorria, como a boca se curvava para cima e formava covinhas nas bochechas. Ele era lindo. Lindo demais para mim.

           

            Por toda a segunda e a terceira aula fiquei congelado. Não conseguia prestar atenção nas aulas, sabendo da clara presença de Andrew ao meu lado. Ele parecia estar entretido numa conversa com Anne e eu tentei ignorá-lo, mas não consegui. Ele era a única pessoa que eu não podia ignorar, ou simplesmente esquecer. Tentei pensar em outra pessoa, para me distrair, mas isso parecia muito errado e estranho, então desviei meus pensamentos para outro lado.

            E o sinal tocou, insinuando que o intervalo começava.

            De fato, meu coração estava na garganta e, se eu não me acalmasse, tinha certeza de que iria vomitá-lo. Comecei a tremer, como se estivesse com frio, mas o Sol brilhava lá fora e rapidamente Thomas notou meu nervosismo.

            — Você está bem? — Perguntou ele.

            — Eu... Eu estou bem. — Respondi, gaguejando.

            — Não sei, você parece meio nervoso.

            — Thomas. Eu estou bem. — Interrompi, grosseiramente.

            — Ok, então...

            Droga. No momento em que a sala ficou vazia, percebi que havia falhado em uma parte de meu plano. Refiz várias vezes e errei. Eu não contei à Anne, não falei para ela que queria abrir o jogo para Andrew. Droga. Droga. Droga.

            Levantei-me e fui em direção da porta, saindo da sala. Mas a leve visão da coordenadora no final do corredor me indicou que algo estava errado.

            — Oh, Greg, eu estava procurando por você. — Disse ela e eu engoli em seco pela 374682º vez naqueles dias. — Eu preciso que você faça algo...

            — Não pode ser depois? É que eu estou com alguns probleminhas para resolver agora... — Interrompi. Senti o olhar de Thomas em mim, com uma pergunta: Você não disse que estava bem?

            — Não, não pode. — Retrucou ela, com a voz grossa e rouca. Fiquei imaginando se conseguiria nocauteá-la e correr atrás de Andrew. Mas isso, é claro, não me traria nenhum benefício. — Parece que alguns documentos seus estão faltando na secretaria — continuou —, e eu quero que você vá lá para esclarecer as coisas. E, com isso, eu quero que você peça para os secretários tirarem fotocópias desses papéis aqui.

            Ela me entregou uma pasta azul e eu confrontei a vontade de jogar os papéis para cima e mandá-la ir para o inferno.

            — Tudo bem. — Respondi.

 

            Saí praticamente correndo do pavilhão. Thomas ficou para trás, provavelmente com o intuito de ir conversar com Alanis e El. Mas eu tinha coisas mais sérias para fazer do que engajar nos assuntos das duas...

            Poderia ter largado os papéis em qualquer canto, poderia apenas ter ignorado a requisição de meus documentos na secretaria, e poderia ter ido conversar com Andrew. Eu refiz o plano. Repassei o discurso. Mas o Colégio Vargas levava o assunto de documentos muito à sério e eu não ficaria com Andrew, de qualquer jeito, se fosse expulso. Então dei prioridade para a secretaria. Além de que, não existiria apenas um intervalo, não é? Eu teria todo o tempo do mundo para conversar com ele se quisesse, não precisava ser exatamente naquela segunda-feira.

            Subi as escadas que levavam à Secretaria e joguei os papéis sobre a bancada da recepção.

            — A coordenadora do Ensino Técnico quer uma cópia disto. Para agora. — Disse grosseiramente, usando o pouco de minha “autoridade de aluno”. Na rede hierárquica do colégio, os secretários eram os únicos que ficavam abaixo dos alunos, até mesmo do pessoal da limpeza.

            — Tudo bem. — Disse uma senhora, pegando a pasta azul.

 

***

 

            Os quinze minutos se passaram mais lentamente do que o normal, utilizando a fantasia para me expressar. Deixei a pasta azul, com as cópias e as malditas papeladas, na sala da coordenadora e voltei para minha sala, no início da quarta aula. Não havia ninguém lá, exceto por uma garota que eu não lembrava o nome. Izabel, Izabelle, ou alguma coisa parecida.

            Sentei-me em meu lugar e quase perdi a respiração completamente quando vi Andrew entrar pela porta, sozinho. Os minutos seguintes me sufocaram, como se minha cabeça estivesse envolta num saco plástico.

            A Garota Desconhecida se levantou, alegremente, e disse em voz alta:

            — Andrew, eu preciso falar com você!

            Evitei ficar olhando para os dois, para não denunciar que estava escutando a conversa.

            — O que é? Pode falar... — Respondeu ele, depositando os fones de ouvido na sua mesa particular. A voz dele era como música. Ai meu Deus, como eu gostava da voz dele.

            O resto da conversa se tornou uma rede de sussurros quase incompreensíveis.

            — Sabe aquela garota, Alexia, que vive andando com a turma dos góticos? — Disse a Garota Desconhecida.

            — Sei sim.

            — Então... É que ela me disse que queria ficar com você.

            Eu levantei o rosto, por puro impulso. A sala estava mais cheia e até Thomas já havia chegado, mas estava me ignorando. Olhei para Andrew.

            Ele estava sorrindo. Sorrindo. Droga, ele estava sorrindo. Como ele podia ser tão lindo? Mas aquele não foi um sorriso normal, foi o sorriso mais lindo que ele já deu, mais do que qualquer outro. E eu entristeci por saber que não era o motivo.

 

            Eu não consegui conter a desaprovação. Tenho certeza de que, se eu mesmo estivesse vendo meu rosto, conseguiria compreender o espanto contido na minha expressão. Andrew murmurou algo que eu não pude ouvir, provavelmente sobre a tal garota, Alexia. Já tinha ouvido falar sobre ela. Ela tinha grande, digamos, prestígio social entre os membros da nossa sala e da sala ao lado. Todos, exceto por um grupo separado, participavam de uma “empresa fictícia” arquitetada pelo Colégio Vargas, para expandir os horizontes empreendedores dos alunos. Ela, por sua vez, era Gerente de alguma coisa... Só não conseguia me lembrar do quê. Droga, se eu tivesse aceitado fazer parte dessa maldita empresa fictícia, talvez, conseguiria afastar Andrew dela.

            Anne, que geralmente se sentava ao meu lado, sentou-se à minha frente, aparentando estar contente. Mas havia algo, algo na forma como ela falava, como olhava para mim, que mostrava sua mágoa. Ela sabia que eu gostava dele. Ela era a única que poderia ter impedido qualquer relação de Andrew com outra pessoa.

            — O que aconteceu? — Perguntei, tentando parecer deslocado, como se não soubesse das notícias.

            — Nada. É segredo. — Disse ela, parecendo conclusiva, mas desconfiei da aproximação dela, porque, principalmente, ela nunca se sentava na minha frente. Ela queria me contar algo, mas não abriu o jogo logo de cara.

            — O que houve? — Perguntei novamente, desta vez um pouco mais insistente. — Eu quero saber. Por favor, me conte...

            A Garota Desconhecida, a responsável por dar a notícia para Andrew, chegou ao nosso lado. Senti uma pontada de raiva. Queria chutá-la, mas lembrei-me de que a culpa não era dela.

            — Você já sabe? — Disse ela, exclusivamente para Anne. Senti-me excluído, como se todos soubessem de algo menos eu.

            — Sei. Ela mesma me contou. — Respondeu Anne.

            — Gente — interrompi —, eu quero saber o que aconteceu. Alguém pode me contar?

            — Greg. — Disse Anne. — Digamos que Andrew está, sei lá, “disputado”.

            — Disputado? Tipo, alguém quer ficar com ele? — Perguntei, assustadoramente rápido. Era impossível esconder minha apreensão naquele momento. Mas elas não responderam. Parei um pouco para pensar, e descobri que não fazia sentido. Disputado? Queria dizer que havia mais de uma pessoa querendo ficar com ele?

            As pessoas foram entrando na sala, enchendo-a cada vez mais, e finalmente o professor fechou a porta. Eu teria prestado atenção na aula, teria mesmo, mas o nervosismo e o espanto do momento não deixaram eu me concentrar.

            Eu não tinha feito tudo? Não tinha repassado o discurso? Não refiz o plano? Eu tinha tudo para dar certo com ele, exceto, o fato de que ele era hétero e eu não. Mas, por mais do que um momento, eu esqueci esse detalhe importantíssimo. Seria impossível ficar com Andrew, e eu devia ter sabido disso desde a primeira vez que realmente prestei atenção nele, há algum tempo, quando o vi no topo da escadaria que levava à Secretaria. Droga. Nunca tinha percebido que meu coração era de vidro e o joguei em cima de Andrew. Ele desviou, despedaçando-me. Percebi, naquele momento, que minhas antigas paixonites apenas criaram rachaduras em mim, mas foi Andrew quem realmente estilhaçou-me.

            Fiquei com um ódio repentino. Ódio de Anne, pois ela podia ter impedido qualquer contato dele com Alexia, sabendo sobre meus sentimentos. Ódio da Garota Desconhecida, por ter passado a mensagem. Ódio de Alexia, porque ela não se preocupou em investigar antes, para saber sobre mim. E, acima de todos, senti um ódio descomunal por Andrew. Era incrível como ele conseguia desencadear os sentimentos mais extremos em mim. Tudo o que eu sentia por ele era extremo.

            Debrucei-me sobre a mesa e esperei a aula acabar, escutando os sussurros das pessoas ao meu lado.

 

            A quinta e última aula começou de forma normal, exceto pelo fato de que todos os garotos da sala já sabiam sobre as “boas novas”. Ela é uma gata, eles diziam. Você não vai desperdiçar essa chance, vai? E Andrew, como sempre, apenas abaixava a cabeça e exibia um sorrisinho tímido. Não era justo ele sorrir daquela forma, não naquele momento...

            E então um grupinho de pessoas desconhecidas entrou na sala, seguido pela professora. Ela pediu silêncio e todos se sentaram. Podia sentir os olhares em cima de Andrew. Eu não sabia o que estava acontecendo.

            — Bom dia, pessoal. Nós somos da Empresa Jovem, da qual vocês também fazem parte, e viemos apresentar nosso mais novo projeto. — Disse uma garota, entrando na frente dos outros integrantes do grupo. Todos eles trajavam uniformes do colégio, então concluí que também eram estudantes. — Eu sou Alexia, a Gerente de Vendas.

            Escutei risadinhas por todos os lados e juro que vi Anne olhando inquisidoramente para Andrew. Evitei olhar para ele. Apenas conseguia pensar: “Então é você que estragou minha vida!”. Queria gritar, sair correndo e chutar Alexia na cara, mas me concentrei e me acalmei novamente.

            Esse foi o momento mais desconexo que tive. Quase como se meus sentimentos estivessem gritando por ajuda, parei de prestar atenção em tudo, em todos, apenas me concentrei em mim mesmo. Não olhei mais para Andrew ou para qualquer pessoa ao meu lado. Mas, quase no final da quinta aula, ouvi uma voz dizendo que os próximos dias seriam uma “folga” (ou “feriadão”, como costumávamos chamar) e, então, não fiquei mais tão depressivo. Pelo menos poderia ignorar tudo isso até a próxima semana...



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