1. Spirit Fanfics >
  2. Mais cinco minutos, talvez? >
  3. Capítulo 17- Diego.

História Mais cinco minutos, talvez? - Capítulo 17- Diego.


Escrita por: Celinn

Capítulo 17 - Capítulo 17- Diego.


 

Aqui vai uma pequena lista de coisas que nunca são uma boa ideia:

1 –Desligar o telefone na cara do seu irmão logo depois de receber a notícia de que está morrendo.

2 - Correr para o hospital, no corpo de um garoto possivelmente asmático, como se um exército de soldados canibais estivesse te perseguindo.

3 - Gritar com algumas enfermeiras por elas não deixarem você entrar para ver seu próprio corpo em coma.

4 - Gritar com o segurança do hospital, minutos depois de ele te expulsar por ter gritado com as enfermeiras.

5- Pedir o celular do segurança emprestado para ligar para o seu irmão, porque foi completamente proibido de entrar no hospital.

E se eu disser que o telefonema sequer foi o ponto alto da minha noite, você acreditaria?

Olha, falando sério, eu não era uma dessas pessoas que gostava de justificar tudo na vida com azar. Não mesmo. Digo, sempre acreditei no livre arbítrio o suficiente para descartar completamente essa coisa toda de destino e carma. Mas vou te contar: Aquilo estava passando dos limites. Quer dizer, como se já não bastasse toda aquela maluquice com o Erik, a lista imensa de merdas para resolver e a ligação catastrófica do meu irmão, eu ainda tinha sido completamente barrado na recepção do hospital!

Certo, eu sei que talvez eu devesse ter esperado até Caleb parar de surtar pelo telefone e me contar o que diabos tinha acontecido, e não simplesmente ter desligado na cara dele para poder sair correndo como se eu fosse um maratonista pegando fogo, mas... Sério! A adrenalina simplesmente começou a bombear em minhas veias no nível máximo. Era como se eu tivesse sido atingido por uma enorme descarga elétrica ou tomado um milhão de copos de café, porque de repente eu estava completamente agitado.

Quando cheguei ao hospital eu estava tremendo. Não sei exatamente se era pela comoção de tudo ou simplesmente porque o Erik não era nem um pouco atlético, mas meus dentes estavam batendo e eu me sentia tonto.

Mas de alguma forma, eu ainda tive cabeça o suficiente para ir pedir informação na recepção, em vez de simplesmente sair correndo como uma besta desenfreada pelos corredores de hospital. O que não foi uma boa ideia, porque a garota de cabelos cacheados que estava sentada de frente do computador sequer olhou para minha cara quando disse que não poderia me dar informação alguma sobre o estado paciente, que no caso era eu, simplesmente porque não erámos parentes.

— Escuta — Eu disse a ela, tentando enfiar ar nos meus pulmões ao mesmo tempo. — Eu só preciso saber sobre o estado atual dele. Apenas isso!

Ela continuou sem olhar para a minha cara.

— É contra a política do hospital fornecer informações pessoais dos pacientes.

— Certo, eu sei que não pode dar informações pessoais. Mas eu sou... Amigo íntimo da família! E eu preciso mesmo saber o estado do paciente, então se você...

— Somente membros da família estão autorizados a essas informações. — Ela levantou os olhos pra mim. — Entre em contato com um deles se quiser informação ou volte quando as visitas forem liberadas.

Sabe quando você sente todo o seu sangue subir para a cabeça? Daquele tipo que faria o filme “ Um dia de fúria” parecer um desenho fofo da Disney? Conhece essa sensação? Não? Sorte sua, pois é horrível.

— Olhe aqui — Eu praticamente estava me pendurando no balcão para falar com ela. Não era exatamente a pose mais ameaçadora do mundo, mas a gente faz o que pode. — Eu não estou com saco e nem tempo para bater papo com você. O meu irmão... Quero dizer, o irmão do paciente já está dentro dessa espelunca e eu não estou com nenhum telefone aqui para entrar em contato com ele. Então, me faz a droga do favor de só me dizer se Diego Vega ainda está vivo ou se eu preciso me preparar para o funeral?

Ela me encarou por um tempo, despois bufou e começou a discar um número no telefone. Por um minuto realmente achei que ela tinha se compadecido e me daria as informações. Mas logo em seguida descobri o quão ridiculamente errado eu estava.

Ela ligou para a supervisora. Que, por falar nisso, não ficou nada feliz em me ver. Bem, pelo menos eu acho que ela não estava feliz. A cara dela tinha tanta expressão quanto o chão; não dava pra saber.

—Lucy disse que você está causando problema na recepção. — Ela me censurou. — Qual é o seu problema?

— O meu problema é que a Lucy aqui não está cooperando com o meu desespero. E eu preciso muito saber sobre o estado de saúde de um paciente.

A tal supervisora me olhou dos pés a cabeça com um olhar de entojo. Uma reação que eu estava bastante acostumado desde que me envolvi com o Erik.

— Você é da família? — Ela perguntou com desdém.

— Bom... Praticamente, sim. — Considerando que é do meu corpo que estamos falando...

— “Praticamente” não é da família. Volte quando visitas forem permitidas. E caso continue causando problemas, nós chamaremos o segurança.

Então ela me deu as costas.

E... Foi aí que eu surtei.

Quer dizer, já que uma conversa fina não estava adiantando, decidi me rebelar. Afinal, a essa altura eu poderia estar praticamente morto! Aquilo estava mexendo com meu psicológico, sabe? E quem inventou aquela história de que situações de emergência aguçam a mente é um cretino filho da mãe!

— Que se foda! — Foi minha resposta para a supervisora. — Pro inferno você, A Lucy e toda essa bosta de hospital! E quer saber mais, sua mocreia mal-humorada? Eu estou há um mês em uma situação de merda que envolve vida ou morte, preso em um corpo que não é meu, e pra completar toda essa cagada colossal, acabei de receber um telefonema dizendo que eu estou morrendo. Estou morrendo de novo, você entendeu? Você faz ideia de como isso me faz sentir puto da vida? Você faz ideia da merda que é isso?  Então, será que pode ao menos ser menos cretina e fazer alguma coisa por mim?

E, afinal, ela fez algo por mim, sim!

Ela chamou o Ramon.

Ramon, por falar nisso, é nome do segurança que me segurou pelos ombros e me arrastou porta a fora enquanto eu berrava uma lista longa e diversificadas palavrões. Não que eu estivesse direcionando toda aquela ira para alguém exatamente. Eu só estava com muita vontade de desabafar.

Quando eu estava muito mais calmo e o Ramon tinha concordado em não me dá uma chave de braço e nem chamar a polícia, contei a ele o porquê do meu chilique dentro do hospital. Não vou dizer que o cara me apoiou ou me deu palavras de encorajamento, mas ao menos ele me deixou usar o celular dele para ligar para alguém da minha família. O que foi muito mais significativo do que tapinhas nas costas ou qualquer serviço que o hospital me ofereceu.

Então, não que eu tivesse outra escolha, liguei para Caleb e resumi, bastante, toda a situação para ele.

E cinco minutos depois, a porta do hospital abriu revelando um irmão muito furioso.

Agora, note que eu disse “furioso”. Nada de “ triste”, “ desolado” ou pelo menos “chateado”. Simplesmente furioso. Puto da vida, em linguagem popular.

Quando seus olhos me encontraram, ele veio marchando até mim. Caleb me encarava como se eu fosse um cachorro que acabou de fazer xixi em cima do tapete preferido dele. O rosto estava todo vermelho e, se eu não estivesse enxergando errado àquela distância, ele parecia meio enlouquecido. Parecia muito estressado e em um impasse de emoções. Eu não sabia se ele queria gritar, chorar, me abraçar ou me bater.

Mas, para minha completa descrença, a primeira coisa que ele me disse quando me encontrou foi:

— Você, definitivamente, não deveria ter desligado na minha cara. — E ainda me apontou um dedo.

E esse comentário infeliz me levou a uma não tão delicada resposta:

— Aquilo foi mesmo necessário? — Perguntei, nem um pouco carismático. — Me ligar daquele jeito, como se os anjos já estivessem tocando as trombetas do apocalipse? Precisava mesmo? Ah, e vamos pular a parte do seu sermão e coisa e tal, ok?  Primeiro eu preciso saber o que foi que aconteceu. — E antes que ele começasse a me enrolar de novo, acrescentei: — Tudo! Desde o início. Depois eu deixo você falar a merda que quiser.

Devido a situação, esse pode não ter sido o reencontro mais lindo do mundo. Mas, hey! Eu não estava com tempo para abraços e choros, certo?

E acho que Caleb também não.

Ele me encarou por mais alguns segundos, antes de soltar um longo suspiro e cruzar os braços sobre o peito. Depois começou a olhar para tudo que não fosse eu. Não sei o que estava deixando ele tão irritado, mas algo me dizia que não tinha sido por causa do telefonema. Ou pelo menos não só por causa disso.

— Quer saber o que aconteceu? — Ele disse por fim. — Certo, vou dizer o que aconteceu: Seu coração e cérebro está parando! É isso que aconteceu. Você desligou na minha cara tão rápido, que não pude te dizer, mas há duas horas, ligaram lá em casa dizendo que o seu estado estava piorando.

 Fazendo uma pequena pausa dramática, ele tomou fôlego. Acho que ele pensou que eu iria interrompe-lo ou algo assim. Mas como não o fiz, continuou:

— Acontece que alguma coisa deu errada na sua extensa lista de ferimentos e o seu corpo foi levado imediatamente para a cirurgia; depois seu coração ficou parado durante quase dois minutos, até que conseguissem reanimá-lo. Eles tiveram que aplicar uma injeção de adrenalina para você voltar. — Caleb suspirou. — Em outras palavras, você está a um passo de ter uma parada cardiorrespiratória e os médicos começaram a debater se conseguiriam te manter vivo por mais uma noite. E, por conta disso, eles disseram que nós deveríamos estar preparados para o pior. Disseram que as primeiras quarenta e oito horas serão as mais críticas e que você não está estável ainda.  Em resumo de tudo, sabe o que isso significa, não é? 

Acho que em algum momento desse discurso eu me esqueci de respirar. E meu coração começou a bater um pouco mais rápido do que de costume.

Já mencionei o quanto meu irmão é sútil e delicado em dar notícias catastróficas? Pois acredite, ele é! O problema é que eu não era um ouvinte muito sensível. E talvez seja por isso que não tive nenhuma reação quando escutei o que ele disse. Quer dizer, sabe quando assistimos alguma notícia trágica na TV e pensamos “ Nossa, coitada dessa gente”? Foi mais ou menos assim que me senti. Como se aquilo estivesse acontecendo a alguém muito distante. E não comigo.

 Foi por isso que não consegui pensar em nada para dizer a ele que não fosse:

— Uau. Que merda! Eu sinto muito! E agora?

Coisa que, descobri em seguida, Caleb não gostou muito de ouvir.

Aparentemente ele interpretou minhas palavras como deboche, embora, eu juro, não tenha sido a intenção. Mas acontece que... Bem, o que mais eu poderia responder? Ninguém tinha me preparado para isso ou tinha me dito o que fazer quando isso ocorresse. Ou se tinham, certamente dormi na aula.

Mas isso não impediu que uma veia em sua testa pulsasse e ele dissesse entredentes:

— Diego, eu não estou brincando.

— Eu também não! Mas... Eu não sei o que dizer!— Não foi uma explicação muito boa. Mas foi tudo em que consegui pensar.

Aquilo realmente era demais para mim. Ter que lidar com isso depois de tudo, realmente não era muito fácil. Minha mente estava um turbilhão de coisas. Eu não conseguia realmente me concentrar na situação, na minha própria mente e ainda lidar com o Erik; principalmente porque tudo que eu sentia dele era ansiedade e pânico. E isso não estava ajudando.

Só que, definitivamente, meu irmão não estava para piedade:

— Certo, então eu digo: Sabe porque você não sabe nem o que responder? — Apertou os olhos para mim. — Porque você está tão acostumado a ter sempre o controle de tudo, que quando as coisas finalmente acabam em um beco sem saída, a sua fixa não cai. Você simplesmente não percebe. Entendeu?

Pisquei por alguns segundos.

— Na verdade, não. Não entendi nada. Por que você está tão mal-humorado e descontando os pecados em mim, afinal?  — Acabei cruzando os braços.

Se alguém ali deveria estar com raiva, esse alguém deveria ser eu, não?

Caleb soltou uma risada amarga.

— Puta que pariu! Você é realmente inacreditável, sabia? — Ele resmungou. — Digo, eu te liguei, realmente preocupado, sabia? Eu estou realmente enlouquecendo com toda essa merda, Diego! 

— Escuta, Caleb, eu não... — Tentei dizer, mas ele simplesmente me ignorou.

— Mas como exatamente você reage a tudo isso? Simplesmente me olhando com cara de paisagem, e ficando tipo “ ah, tá! Estou morrendo. Obrigada por avisar, cara! Foi legal! ”. — Então ele franziu a testa. — Qual a droga do seu problema?

— Francamente, Caleb, me dá um desconto, pode ser? — Respondi no mesmo tom irritado. — Ninguém me deu um manual me ensinando a como lidar com a minha própria morte, não.

— O problema, vou te dizer, é que você está tão afundado na vida de outra pessoa, que não está mais nem aí. Nem mesmo para a sua verdadeira família. — Ele cuspiu.

Franzi a testa, me sentindo um pouco magoado.

—Você sabe que isso não é verdade!

O que isso tinha a ver? Ele ia mesmo passar a noite toda reclamando comigo? Geralmente, quando encontramos um parente em leito de morte nós não ficamos enchendo o saco dele, ficamos? 

Quer dizer, por qual motivo ele achava que eu tinha ido correndo até ali? Mesmo sabendo que de nada adiantaria na minha situação? Bem, vou dize o porquê: Eu estava preocupado com ele. E como não estaria? Caleb não parecia nada bem quando ligou.

Mas tudo o que estava fazendo era me tacar pedras.

Eu poderia imaginar algo mais perfeito?

— Ah, não? — Desdenhou. — E quanto ao papai? Você notou que nem uma vez perguntou por ele? Em nenhum momento você quis saber como ele está com tudo isso? — Ele acusou. — Se, por exemplo, ele não está quase entrando em depressão ou bebendo tanto ao ponto de desmaiar? Você alguma vez se preocupou com isso?

Confesso que ouvir aquilo doeu.  Quer dizer, eu estava no olho da tempestade! As coisas não estavam sendo muito fáceis pra mim também.  Ele não precisava ter sido tão babaca.

—E então? — Falei com uma voz fria— O que você quer que eu faça? Ele está mal, arrasado e você quer... O quê?  Que eu vá falar com ele? Não, melhor ainda: Quer que eu conte a toda verdade?  Acha que as coisas vão melhorar se eu fizer isso?

— Você pode, uma vez na vida, não começar a agir como um idiota? — Ele me criticou. — Eu sei que você está apenas se escondendo atrás do seu sarcasmo porque não sabe lidar com a situação. Mas estou falando sério, Diego. As coisas estão muito além do que você pensa. — Ele apontou para mim. — E ir falar como o papai não vai mudar nada. Nós dois sabemos disso.  Você sabe o realmente que tem que fazer. E eu espero que faça, antes que seja tarde demais!

Apesar das palavras de Caleb terem soado reflexivas, a ordem contida nelas fez com que um arrepio desagradável subisse por todo meu corpo.

Ah, certo. Então era disso que se tratava! Agora eu sabia o motivo de ele estar daquele jeito.  Mas por que ele estava agindo como se fosse uma criança? Eu já havia explicado por que tinha tomado aquela decisão, não tinha?

Deixei um suspiro exausto escapar.

— Essa realmente... — falei — não é uma boa hora para falarmos sobre isso.

— É mesmo? — Ele ironizou. — E quando será uma boa hora? Quando eu estiver no seu enterro? Porque eu não estou nem aí se você não quer falar sobre isso agora. Você vai ter que falar. Cedo ou tarde. Não só pra mim, como para o Erik...

— Eu vou falar. — Interrompi, antes que continuasse com o show. — Eu só preciso saber o que fazer primeiro.

— Ah, pelo amor de Deus! Você já sabe o que tem que fazer.  Você apenas não quer fazer! — Ele explodiu. — Falando sério, você acha mesmo que você é tão incrível assim que pode salvar qualquer um de qualquer coisa? Por favor! Nenhum de nós é capaz disso! Você mais do que ninguém deveria saber!

Eu bufei. Principalmente por saber que ele tinha razão.

 Porém, quanto mais eu me dava conta da seriedade da situação, menos fraqueza eu queria mostrar.

— Então, quem, Caleb? Se não eu, quem? Quem foi o responsável por toda essa cagada colossal? Quem você acha que deveria tomar a responsabilidade? De quem você acha que é a culpa?

— Eu não estou nem aí para de quem é a culpa! — Caleb me segurou pelos ombros e me sacudiu um pouco, como se quisesse colocar bom senso na minha cabeça. — O que estou dizendo é que tudo o que eu quero é que isso acabe e que as coisas voltem ao normal para que eu tenha o meu irmão de volta! — Ele suspirou. — Por favor! Pare de tentar se outra pessoa e volte logo a ser... Você.

Bem, Caleb ao menos acertou em uma coisa. Eu também queria voltar a ser quem eu era. O problema era... A preço de quê?

— Eu não estou sendo outra pessoa. — Coloquei minhas mãos sobre a dele. — Mas a minha vida toda você me mandou crescer e tomar responsabilidade pelos meus atos. Então, bom, é isso que estou fazendo. E, pra ser sincero, não está sendo fácil e eu nem sei porque estou tão firme nisso, mas... — Tomei folego. — A questão, Caleb, é que todo mundo comete erros na vida. Você sabe. Mas a maioria deles não envolve causar a morte de alguém. Os meus, sim. E, mesmo que isso possa vir a se tornar uma cagada colossal, eu prefiro não fazer nada para não ter que carregar esse fardo depois...

Se você acha que Caleb se comoveu com minhas belas e filosóficas palavras está redondamente enganado.

Ele voltou a me encarar. E acho que não gostou muito do que viu, porque franziu o cenho de novo.

— Deus...É a mesma coisa que falar com uma porta! – Caleb passou as mãos pelos cabelos, suspirando. Depois voltou a me olhar. — Eu entendo o seu ponto de vista, Diego. Sempre que eu olho para você... Para o Erik, no caso, eu entendo. De verdade.  — Ele confessou. —Mas eu simplesmente não posso deixar a nossa situação de lado. Você simplesmente não tem um pingo de bom senso! Então me desculpe se suas atitudes abnegadas não me fazem sentir aquecido e feliz por dentro.

Revirei os olhos.

Certo, definitivamente estava havendo um caso grave de erro de comunicação ali. Eu não sabia qual a coisa certa a dizer para convencer Caleb, e ele tampouco sabia o que dizer para mim. Então, se dependesse de nossas gloriosas habilidades de fala, iriamos mesmo passar a noite toda naquele bate boca.

Só que, ao contrário de Caleb, eu teria que acordar cedo para ir à escola.

Então eu decidi acabar com aquilo:

— Muito bem. — Disse eu. — Então o que você quer que eu faça? Como, exatamente você acha que eu deveria acabar com isso?  — Apontei para mim mesmo quando disse a palavra “isso”. — Você tem alguma sugestão? Estou aberto a elas. 

— Diego... — Ele começou, mas eu ignorei.

— Eu não posso fazer isso, Caleb. Entendeu? — Eu o encarei. Como se aquilo fosse funcionar como telepatia. — Eu. Não. Posso! Não é que eu não queira, eu não posso! — Franzi o cenho. — E, se quer saber minha opinião, eu acho que você também não poderia. Quer dizer, puxa, Caleb! Você ainda chora vendo filmes da Disney! É claro que você não faria nada também. Então não venha apontar coisas pra mim, como se tudo isso fosse fácil, ok? Isso é hipocrisia da sua parte.

E então eu simplesmente dei as costas para ele.

Mas não fui muito longe. Eu mal tinha chegado em frente a saída de emergência do hospital, poucos metros depois do pronto socorro, quando parei e me virei para ele novamente.

Caleb estava encarando as minhas costas. Acho que ele não esperava que eu simplesmente fosse embora daquele jeito. Ou esperava, não sei. Só sei que o cretino não teve nem mesmo a audácia de vir atrás de mim.

— Hei! — Eu gritei para ele. — Me leve pra casa.

Mesmo àquela distancia, vi uma de suas sobrancelhas subir.

— Como é? — Ele esganiçou.

— Me leve pra casa. — Repeti. — Eu vim, literalmente, correndo até aqui. E não vou fazer isso de novo.

Caleb soltou um chiado bastante indignado.

— Eu não sou seu maldito motorista, sabia? Nem o seu cachorro para fazer tudo na hora que você quer.

— É, mas você é meu irmão mais velho. E não está exatamente muito promissor no cargo. Então, faça algo útil e me leva para casa. Sim?

Pela primeira vez na noite, ele não discutiu comigo. Acho que ele aceitou bem meu argumento dessa vez. E, mesmo que estivesse deveras chateado, Caleb não me odiava ao ponto de me deixar ir realmente andando sozinho. A sua preocupação fraterna com o meu bem-estar era superior a qualquer outro sentimento hostil.  Ou pelo menos eu preferia pensar que sim.

E, de qualquer forma, dessa vez ele estava com o carro do papai. O que tornava as coisas muito mais fáceis para nós dois.

—Você não tem nenhuma dignidade? — Reclamou quando entrou e bateu a porta do carro. —Se ia fazer toda aquela pose, deveria simplesmente ter ido embora.

Eu apenas suspirei e apoiei minha cabeça no vidro.

— Sim, eu deveria. — Falei sério. — Mas eu nunca sei quando vai ser a última vez que vou ver você. Então achei que seria imaturo ir embora daquele jeito.

Estava escuro e eu não estava olhando para ele, mas sabia que Caleb estava balançando a cabeça.

Depois de algum tempo ele também suspirou.

— Eu só estou preocupado com você. — Admitiu. — Não sou bom em lidar com perdas. Você sabe.

— Eu sei. — Falei cansado. — E, pra sua informação, eu sinto falta de casa. De você. E do papai. Mas... O que eu posso fazer? Eu criei a confusão onde estou metido. Então sou eu quem precisa me tirar dessa.

— Eu ainda tenho problemas para acreditar nisso... — Murmurou. — Mas você pode ao menos me fazer um favor?

Desencostei a cara do vidro e virei para ele.

— Depende. O que é?

— Não morra. — Disse simplesmente. — É a única coisa que eu estou pedindo. E, ao menos dessa vez, me escute. Ok?

Olhei para ele por mais alguns segundos. Depois voltei a olhar para janela e fiz o que qualquer pessoa no meu lugar faria: Eu menti.

— Não irei.

                                                                                  J

Depois disso, bem, só posso dizer que não voltei para a casa do Erik com uma sensação muito melhor do que a de quando eu saí de lá.

Na verdade, eu diria que estava pior.

Afinal, não é uma sensação agradável quando, de uma hora para outra, eu, que nunca pensava muito nas consequências do que fazia, precisava carregar o peso do mundo nos ombros. E piorava ainda mais com o fato de que eu estava mentindo para duas pessoas: Meu irmão... E o Erik.

Certo, talvez “mentir” seja um termo muito forte. Mas definitivamente eu não estava sendo sincero com nenhum deles. O que com certeza não faz meu estilo. Quer dizer, geralmente eu prefiro soltar a verdade e cada um que lide com ela, mas, como Caleb sutilmente me disse, eu estava me enfiando cada vez mais em um beco sem saída.

Seria muito estranho da minha parte dizer que aquilo estava me frustrando mais do que a minha enorme possibilidade de morte?

Pelo menos com a morte eu sabia lidar. Digo, eu já até morri uma vez! E, tudo bem! Não é e nem foi uma experiência agradável. Mas pelo menos eu já estava preparado para aquilo. Então não é como se eu fosse começar a arrancar meus cabelos por algo assim.

Até porque, o que mais poderia acontecer comigo?

Que já não tivesse acontecido, é claro.

— Diego — A voz do Erik soou logo em seguida. — Tem certeza de que você está bem?

Isso fez com que eu despertasse dos meus próprios pensamentos. Coisa que, tenho quase certeza, foi o que levou Erik a me fazer aquela pergunta. Me refiro ao fato de eu ainda estar parado na porta de entrada da casa, olhando par ao nada e divagando.

— Hum, sim. — Disse a ele, voltando a andar. — Tudo bem.

Erik fez uma breve pausa e para minha surpresa, ele soltou:

— Então...Posso fazer uma pergunta?

— Bem, isso vai depender. —Sussurrei em resposta enquanto subia, da maneira mais silenciosa possível, as escadas. — Sua pergunta vai me exigir algum esforço mental?

— Provavelmente. — Confessou.

— Isso pode esperar até amanhã?  — Eu disse, pouco paciente. — Quero dizer, você já deve ter notado, mas minha cabeça está doendo pra caralho agora...

— Não, não pode esperar até amanhã. — Ele resmungou repentinamente irritado. — É realmente importante!

Então, eu notei. Erik não estava realmente irritado. Ele estava assustado. E impaciente. E nervoso e... Uma penca de outros sentimentos desagradáveis que eu poderia passar a noite falando sobre, mas que não fazia nenhuma diferença, já que tudo significava a mesma coisa.

Eu não o respondi até finalmente cruzar o corredor e entrar no quarto, fechando a porta atrás de mim.

— Certo. O que você quer? — Perguntei a ele.

Erik não parecia muito certo do que ia perguntar. Mas, Deus, se nem ele sabia o que queria, quem iria me culpar por não estar interessado?

Poxa, qual é! Eu estava vivendo meu próprio drama pessoal naquele momento. Não estava muito a fim de me enfiar, de novo, nos dramas do Erik. Até porque eu tinha certeza que ele podia esperar até o meu acabar.

Embora isso tenha mudado no momento em que ele disse:

— Você pode... — A voz saiu meio embargada. — Pode me dizer o que é que você não está me contando?

Um som parecido com um repentino soluço saiu da minha boca. Acho que foi pelo fato de ter sido pego de surpresa. E pode apostar que me pegou de surpresa.

Aquilo definitivamente não estava nos meus planos.

Mas o quê, de todos os acontecimentos dos últimos dias, tinha estado, não é mesmo?

Não sei nem porque me dei o trabalho de tentar consertar.

— Hã... Não sei do que você está falando.  — Respondi automaticamente e... Nossa, excelente resposta! Palmas para o gênio!

— Você sabe exatamente do que eu estou falando! — Erik acusou. — E não aja como um idiota, porque eu sei que você não é.

Aquilo era um complô contra mim? Primeiro Caleb, e agora o Erik? Deus, eu realmente devo ter emputessido meio mundo de gente para estar pagando meus pecados dessa forma.

Mas a questão é: O que eu deveria dizer a ele?

Quer dizer, fora o óbvio.

Porque não sei se aquele era o melhor momento para dizer alguma coisa do que realmente estava acontecendo.  Se é que realmente existia um momento certo. Digo, mesmo que eu não soubesse o que ele realmente faria, eu tinha certeza de que não ia aceitar muito bem.

Nem eu estava aceitando aquilo bem!

Mais uma vez me afundei em pensamentos e o Erik provavelmente deve ter percebido pelo meu longo momento de hesitação que eu não pretendia dizer nada a ele.

 Devo dizer, aqui e agora, que eu subestimei o garoto.

— Você não vai mentir pra mim de novo, Diego! — Disse de maneira áspera. — Não é você quem vive cobrando a verdade dos outros? Me infernizou até que eu dissesse sobre mim e Isaac! Mas o que está fazendo agora? Você chama seu irmão de hipócrita, mas o que você é, então?

Puta merda! Eu realmente deveria começar a tomar mais cuidado com as coisas que eu falava. Porque, aparentemente, elas sempre se voltavam contra mim.

Cheguei à conclusão de que não conseguia pensar em nenhum outro modo de conseguir sair daquilo que não fosse contando a verdade.

E isso eu ainda não queria fazer.

Respirei fundo.

— Bem, é o seguinte — falei de forma lenta. — Não é que não possa te contar. Eu só... Não quero.

E como diz o ditado: Pra bom entendedor, meia palavra basta.

Mas o negócio é que o Erik definitivamente não era um bom entendedor. 

— Então você assume que está mesmo escondendo algo? — A voz meio titubeou. Mas antes que eu dissesse algo, ele mesmo concluiu: — Isso tem a ver com o que aconteceu hoje, não é? A discussão com seu irmão e o fato de você ter piorado. De alguma forma... tudo isso tem a ver comigo também, não é?

Bem, aí está! Ele disse. Não eu. Eu não falei nada. Ele concluiu a situação sozinho. Tudo o que eu fiz foi assentir. Porque achei que, ao menos dessa vez, não valia a pena mentir.

— É. — Murmurei. — De certa forma, tem. Vai parar de fazer perguntas agora?

Mas é claro que ele não ia!

— Se me envolve de alguma forma, você não acha que eu mereço saber? — Ele soou magoado. — Não acredito que você pode ser tão egoísta e cruel a esse ponto!

Fechei os olhos e suspirei.

Depois de tudo, eu nem ficava mais surpreso em receber isso dele. De modo que simplesmente decide que... Bem, que eu não estava mais nem aí.

Digo, a merda já tinha sido jogada no ventilador mesmo. Eu já estava morrendo. E como Caleb disse: Eu teria que contar aquilo cedo ou tarde.

E eu estava no meu limite!

 Então do que adiantaria continuar negando?

— Quer saber, Erik? — Eu disse de maneira brusca. — É sobre você, sim. E sobre mim. E sobre nós dois...

E então a coisa toda saiu. De maneira clara e límpida. Quase uma linda cachoeira de desastre. Derramei tudo o que tinha acontecido sobre ele.

E Isso, até o momento, se tornou uma das minhas mais espetaculares cagadas.

Por quê?

Bem, porque eu fui pra cima dele da mesma forma que Caleb fez comigo no hospital. Contei a ele tudo, de uma maneira nenhum pouco sutil. Foi uma coisa meio “Hey, Erik, sabe o outro plano espiritual? Aquele que a gente vai depois que morre? Bem, os caras de lá estão atrás da sua cabeça. E advinha quem está responsável pela entrega dela? Isso aí! Eu mesmo. Mas espero que não se importe. Stay Strong, amigo!”...

É, eu sei que foi estupido ter dito dessa forma. Mas eu tentei negar a realidade o máximo possível e olha só como as coisas ficaram? Então não me culpe se a bomba explodiu desse jeito. Não deu muito para controlar o que eu falava.

 De modo que eu concluí:

— Eu sei que você vai dizer que deveria ter contado antes, e, certo, talvez eu devesse. Mas, realmente não sabia como fazer isso sem causar um choque, ok? E me desculpe, meu caro, mas você não parece ter um cabeça boa o suficiente para lidar com isso sem surtar. E as coisas já estavam ruim o bastante, então achei que era melhor ficar quieto para ver se podia resolver tudo antes que a coisa toda fosse para o ralo. Mas você e Caleb não me deram folga!

Quando terminei, meu coração estava batendo muito rápido.

Bem, depois disso o quarto, minha cabeça, e tudo mais ficou em um silencio insuportável.

Muito bem — eu estava pensando— agora eu tinha mesmo conseguido. Erik ia surtar e a coisa ia ficar pior do que estava.

Viva eu!

Só que, para minha completa surpresa, Erik não surtou realmente. Na verdade, quando voltou a falar, tinha uma voz bem branda:

— E então, agora você está morrendo? Por minha causa? — Ok. Branda foi exagero. Mas, certamente, contida. — Está dizendo que... A situação atual toda está assim... Por minha causa?

— Não, claro que não. — Eu disse, irritado. Ele não ouviu o que eu tinha dito? — Acabei de falar que a culpa foi minha. Eu fiz a merda. Você foi apenas acidente.

Fiquei esperando mais alguma reação dele, mas, como se a situação toda não pudesse ficar ainda mais esquisita, Erik riu.

Mas não com humor.

—Você deve realmente me achar um idiota, não é?— Então, como se eu tivesse acabado de tacar fogo em um saco cheio de filhotinhos, ele rosnou: — Como você pode fazer isso?  Sabia de tudo o tempo todo... E não me contou? Por que não confiava em mim?

E, no final, eu realmente tinha razão. Eu sabia que ele ia ter um chilique.

Eu só não esperava que ele fosse direciona-lo a mim...

— Bem, Erik, o que você esperava? Eu estava com medo de contar pra você, sim. Eu sei que não sou a melhor pessoa pra dizer isso, mas você é meio... Temperamental... — Eu já estava ali mesmo. Era melhor falar a verdade.

Mas, veja a ironia: Erik cobrou a minha sinceridade, e, quando eu finalmente a dei, ele ficou todo putinho.

Vai me dizer que uma pessoa dessa não é temperamental?

— Você não acha que a decisão deveria ter sido minha? — Ele argumentou. — Considerando que é da minha vida que estamos falando?

Dei de ombros, e soltei um riso.

— Na verdade, foi exatamente por eu considerar a sua decisão, que eu não contei. Quer dizer, não me leve a mal, mas você toma decisões ruins...

Eu estava sentindo o sangue ferver. A questão era: Quem estava fazendo aquilo? Erik ou eu?

— Mas isso não só da sua conta!

— Bem, tecnicamente é sim. Porque esse corpo também é meu. E, porque todo o resto está ligado a mim. Então tudo isso me diz respeito...

— A minha vida não te diz respeito! E o meu corpo não é seu! Droga, Diego! É exatamente por isso que está tudo errado aqui!  — Ele berrou. — Eu tomo decisões ruins? E quanto a você? O que eu fiz foi realmente tão diferente do que você fez? Você também procurou a sua morte!

Tenho que admitir que ouvir aquilo me deixou puto (E um bocado chateado). Afinal, depois de tudo o que eu tinha feito em consideração a ele! Bem, talvez não a parte do banheiro com Isaac. Mas isso foi sem querer.

Mas, e a parte em que eu realmente estava me sentindo mal por ele? Isso não contava? O fato de eu ter preferido assumir a culpa sozinho porque estava preocupado com ele... Realmente não contava?  

É, aquilo definitivamente foi a gota d’agua.

—Quer saber, Erik? Que se foda! Se você quer tanto assim se sentir importante, eu deixo a decisão toda pra você. — Disse firme a ele. — Está nas suas mãos agora. É você quem decide. E então? Você realmente está disposto a morrer para que tudo isso acabe?



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...