"Não há com o que se preocupar se houver amor.
— Felicity For Now"
Apertou o celular entre as mãos suadas e gélidas, como se dessa forma a pequena frase que acabara de postar ficasse gravada dentro dela.
Respirou fundo ao se lembrar do porque de ter postado aquela frase. Gastón, esse era o motivo. Ela sabia que eles já haviam esperado demais para ficarem juntos como também sabia que estava evitando a muito tempo ter sua primeira vez com ele, ter sua primeira vez como mulher. Mas é óbvio que não havia falado nada com ele ainda, isso iria requerer uma ocasião especial, ocasião essa que ela já tinha toda preparada em sua mente, e iria colocar a sua ideia em prática assim que chegasse em casa depois do trabalho.
— Moça, é o último ponto. Não vai descer? — foi retirada de seus devaneios pelo condutor do ônibus que a olhava de forma estranha.
Deu uma olhada no ônibus e percebeu que era a única que se encontrava lá, olhou pela janela e viu que o ônibus não estava estacionado muito longe de seu local de trabalho.
— Eu vou descer aqui, obrigada — saiu do ônibus e deu uma olhada para os lados na rua, antes de começar a caminhar pela extensa calçada.
Não era todo dia que vinha de ônibus, Gastón sempre a levava para o trabalho antes de ir para empresa, mas como era sábado e não era o dia de trabalho do mesmo, insistiu para que ele ficasse dormindo em casa, coisa que ele não aceitou de bom grado mas estava tão cansado e ela foi tão irredutível em sua decisão que só restou que ele aceitasse. Mas só concordou quando ela disse que ele poderia ir busca-la.
— Bom dia, menina Nina — a simpática senhora da loja de doces a saldou — vai trabalhar hoje?
— Bom dia, senhora moraz — deixou que um genuíno sorriso escapasse por entre seus lábios — pois é, me escalaram para trabalhar hoje e eu não pude negar.
— Eu entendo, menina. Bem, vou deixar você ir trabalhar, na volta dê uma passada aqui para comer um doce.
— Pode deixar — foi em direção a senhora e deu um abraço, que foi retribuído de forma apertada — até mais senhora, Moraz.
— Até menina — se desvencilhou do abraço com um sorriso divertido nos lábios, não importa quantas vezes Nina a dissesse que não era mais uma menina, ela sempre ia a tratar como tal.
Continuou andando com pensamentos aleatórios passando por sua cabeça que só se tocou que chegou ao seu destino quando ouviu o barulho do sino da porta que avisava a chegada e a saída de alguém do estabelecimento.
Entrou e caminhou de forma atrapalhada, tentando passar pela assustadora quantidade de clientes que esperavam impacientes na fila.
— Graças a Deus você chegou — a garota morena do outro lado do balcão disse, com alívio evidente na voz — não sei se ia aguentar mais um minuto. Eu não dou conta disso tudo sozinha.
— Eu não sabia que isso daqui era tão cheio aos sábados — murmurou em direção a mesma enquanto passava por uma pequena porta de madeira que lhe dava acesso ao outro lado.
— Bem vinda ao inferno, porque é isso que isso daqui é aos sábados — a garota lançou uma piscadela em direção a Nina que apenas a repreendeu com o olhar, seguiu para os fundos da cafeteria, onde deixou sua bolsa e jaqueta, colocando um avental por cima da roupa que usava.
Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e se dirigiu para o balcão, mas seu trajeto foi impedido por Dylan que apareceu em sua frente, totalmente ofegante, como se tivesse acabado de correr uma maratona.
— Nina, o chefe tá te chamando lá na sala dele.
— O que ele quer comigo? — se o chefe a tinha chamado, coisa boa não deveria ser.
— Não sei, ele não me disse, só disse para te chamar — o garoto que parecia afobado, pegou um copo de água que estava sobre a mesa redonda que havia ao lado dos dois e bebeu em um gole só — o que foi? — questionou quando Nina ficou o olhando como se olhasse a uma nova espécie de animal — eu estou com sede.
— Sei — murmurou para o garoto — pois bem, eu estou indo falar com ele, mas fique no meu lugar no balcão, pelo menos pelo tempo que eu for conversar com ele. A Miranda precisa de ajuda.
— E quando é que ela não precisa de ajuda? Aquela garota reclama de tudo.
— Dyl, não fale assim, ela é legal — o repreendeu e deu um leve tapinha nas costas dele o empurrando em direção ao balcão — agora vai lá e a ajude.
— Tá bom, sempre sobra pra mim mesmo.
Sorriu uma última vez e andou em direção a sala de seu chefe com o nervosismo tomando conta de todo o seu corpo, o que ele poderia querer com ela?
Levou a mão fechada em punho em direção a porta e bateu, sentindo a gélida madeira em contato com os nós de seus dedos. Depois de alguns segundos de silêncio, pode ouvir a grave voz de seu chefe do outro lado da porta dizendo que ela podia entrar.
— Senhor Tyler? — perguntou colocando a cabeça por entre a porta e o ombral, entrando com o corpo quando o viu sorrir e fazer um gesto com a mão para que ela entrasse — Dylan disse que o senhor queria falar comigo. Aconteceu alguma coisa?
— Oh minha querida — lhe lançou um sorriso que a sua covinha da bochecha esquerda ficou marcada — nada de muito sério, não se preocupe, não é nada com o seu emprego, na verdade, estou muito satisfeito com o seu trabalho.
Se perguntassem a Nina se ela gostava do senhor Tyler, com certeza ela diria que sim, ele era um senhor de meia idade, tão rechonchudo e baixinho que dava vontade de apertar; Nina sempre comenta com Gastón que ele tem cara dos biscoitos que sua vó fazia, não de um jeito ruim, mas de um jeito completamente adorável.
— Bem, menina, você conhece um tal de senhor Perida? — sua expressão ficou obscura enquanto pronunciava o nome, quase como se estivesse falando do pior bandido do mundo.
— Sim, é meu namorado — respondeu com o cenho fincado, tentando entender o que Gastón tinha a ver com o que quer que fosse que seu chefe fosse dizer.
— Tem certeza que estamos falando do mesmo senhor Perida? — sua expressão se tornou confusa — um de cabelos grisalhos, alto e aparentando ter seus quarenta e poucos anos? Olha menina, não é por nada não, mas você não acha ele muito velho pra você, não?
A cabeça da garota começou a trabalhar rápido e ela começou a pensar, em quem teria o nome Perida e seria mais velho. A resposta veio como um furacão em sua mente confusa, rápida e assustadora. O que o pai de Gastón teria a ver com aquilo? Se ele estava envolvido no que quer que fosse, Nina já sabia que coisa boa não era.
— Não, de forma alguma, não senhor Tyler — respondeu prontamente ao seu chefe para que ele tirasse a ideia maluca da cabeça de que Nina namorava o pai do menino que ama — eu não o namoro, mas sim o filho dele, houve um engano.
— Ah sim, minha querida — ele sorriu travesso e colocou a a mão sobre o peito — você me deu um baita de um susto agora.
Nina tentou rir com ele, mas os pensamentos que rondavam o pai do Gastón não deixaram, só a deixaram mais apreensiva.
— Bem, eu não vou te atrasar mais, eu só queria dizer que esse senhor, o senhor Perida — fez um gesto com a mão como se o próprio Perida estivesse aqui e ele estivesse o apontando para mim — ele veio aqui hoje, e pediu para que você fosse demitida do café.
— O que? — a surpresa só a deixou murmurar essas duas palavrinhas de forma baixa, mas que foi o suficiente para o senhor Tyler ouvir.
— Pois é menina. Veio aqui todo cheio de pompa só porque é poderoso — curvou a boca um pouco mostrando claramente que não havia gostando nem um pouco do senhor Perida — pediu para que eu mandasse você embora e me ofereceu um bom dinheiro por isso — ele abriu uma gaveta que havia em sua mesa e de lá tirou três maços grandes de dinheiro.
— Senhor Tyler! O senhor aceitou?! Vai me demitir? — Nina estava tão chocada que poderia jurar que sua cabeça explodiria a qualquer momento.
— Não, menina, que besteira — ele riu enquanto colocava o dinheiro de volta em sua gaveta — eu não vou te demitir, só aceitei o dinheiro pra passar a perna naquele velho venenoso e asqueroso — ele riu de novo enquanto passava as mãos pelos cabelos. Outro fato sobre o senhor Tyler, ele é extremamente vaidoso — eu achei melhor te avisar só pra você ter noção de que tem alguém querendo te fazer mal — Nina sentiu o momento em que seus olhos foram penetrados pelos do senhor Tyler — mas fora isso, está tudo bem — ele trazia um sorriso divertido nos lábios.
Alguém leva esse homem para um manicômio. Era o que Nina tinha em sua mente assustada.
De verdade, ela não sabia mais com o que se preocupar, com o pai do Gastón que pelo que parece quer acabar com a vida dela; com o próprio Gastón que provavelmente vai ficar abalado quando soubesse de toda aquela história; ou com o senhor Tyler que parecia cada vez mais a beira da loucura.
Respirou fundo e tentou colocar os pensamentos em ordem. Definitivamente, ela não deveria nem ter levantado da cama naquele dia. Sua vontade era de voltar a dormir pra ver se o dia resolvia ser generoso com ela, e começa de novo, de forma mais... Normal. Mas, ela sabia que isso não era possível.
Se levantou da cadeira que até então estava sentada e olhou em direção ao senhor de olhos gentis (e loucos).
— Obrigada por avisar, senhor Tyler — abraçou o próprio corpo com os braços como se pudesse passar algum tipo de proteção para sí mesma — e tome cuidado o senhor também, quando ele souber que não me demitiu, provavelmente ficará irado.
— Besteira — abanou as mãos no ar como se estivesse desdenhando do assunto ou mostrando que não tinha interesse por ele — eu sei me defender, menina. Não se preocupe comigo, se preocupe com você. Quer saber? Tire o dia de folga, você não parece bem. Nem precisa me agradecer — ele disse sem tirar o sorriso do rosto.
Ainda atordoada com tudo que ouviu, Nina caminhou novamente em direção aos fundos do café e pegou sua bolsa e sua jaqueta. Deu uma desculpa tão esfarrapada para os colegas que estavam no balcão que nem se lembra mais qual foi.
Seguiu para fora da loja e caminhou, e caminhou, até que chegasse em casa, não estava a fim de pegar ônibus e precisava de uma caminhada pra ver se colocava a cabeça no lugar.
Quando chegou em casa — ainda sem uma decisão formada do que iria fazer — ela seguiu para cozinha, de onde provinha um delicioso cheiro de café e sorriu ao ver Gastón de costas, sem camiseta, mexendo de forma atrapalhada em algo no fogão.
Com certeza, a melhor parte de seu dia.
Se aproximou dele, aproveitando que ele ainda não havia notado sua presença e o abraçou, encostando sua cabeça nas costas do mesmo.
Sentiu ele estremecer pelo susto e murmurar seu nome de forma surpresa.
Ainda com os braços dela em volta de sí, ele se virou e ficou de frente para ela, a enlaçando pela cintura e deixando um casto beijo em seus cabelos.
— Achei que ia chegar mais tarde — ele murmurou de forma baixa enquanto passava as pontas dos dedos delicadamente pelas costas dela.
— Eu também — levantou a cabeça, que até então estava encostada em seu peito — eu preciso te falar uma coisa.
Quando saiu aquela manhã de casa, Nina saiu ensaiando essa frase, ela já até a tinha montado em sua cabeça, iria fazer um lindo jantar, eles iriam comer e ela iria dizer, eu preciso te contar uma coisa... Aí ela iria dizer que havia decidido se entregar a ele como uma mulher se entrega a um homem, de corpo, porque sua alma já estava completamente entregue a ele.
Mas veja bem agora, agora ela dirá sim essa frase, mas não do jeito que queria, agora ela provavelmente vai decepciona-lo ao dizer o que seu pai fez. Mas era preciso, não podia mentir para ele desse jeito, eles eram um casal e estavam nessa juntos, apenas só eles, como ele mesmo havia dito na noite anterior.
— Eu também preciso te dizer algo — ele curvou seu rosto para que ficasse na altura do dela, e roçou seus lábios, deixando alí um suave beijo, cheio de carinho, ternura, cuidado, e o mais importante, amor — mas eu acho melhor mostrar — disse quando os lábios desfizeram contato com os dela. Nina sentiu sua mão ser enlaçada com a dele — agora feche os olhos — ela o olhou confusa, pensando logo em recusar, mas ele foi mais rápido — vai Nina, não precisa ter medo, você vai gostar — ela então cedeu e fechou os olhos.
Seus pés começaram a dar ritmados e pequenos passos, como uma criança que está aprendendo a andar, com medo de cair a todo momento.
— O que é Gastón?
— Espere e você já vai ver — sentiu sua mão ser apoiada em algo macio, que ela reconheceu como o sofá da sala.
Depois de alguns segundos em silêncio, Nina ficou apreensiva, sabia que Gastón não estava mais ali — pelo menos, não ao seu lado — tinha ouvido os passos dele se afastarem.
— Eu estou aqui — ouviu sua voz um pouco distante — espere só mais um pouco... E... Agora, pode abrir.
Abriu os olhos de forma lenta como se estivesse com medo do que fosse encontrar, e realmente estava.
Arregalou os olhos quando viu quem estava a sua frente, ao lado de um sorridente Gastón.
— Surpresa! — ele disse ainda sorrindo.
Com certeza, aquela era uma surpresa, uma surpresa que não poderia ter escolhido pior hora para chegar a vida deles, no meio de toda aquela bagunça em que ela ia se transformar.
— É como eu sempre digo, se a filha não vai até a mãe, a mãe vai até a filha — ouviu sua mãe falar de forma divertida.
Definitivamente, tudo que Nina queria era que aquele dia fosse deletado e começasse outro, totalmente diferente.
Vida, ela pensou, se você tem mais alguma surpresa do tipo para esse dia, fale agora, ou cale-se para sempre.
Concluiu seu pensamento e torceu os dedos para que aquela fosse a última peça pregada pelo universo.
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