História Maré - Maré (Capítulo Único)

Quando coloquei o rosto para fora da janela, senti a brisa gelada da manhã. Ainda descalça, sai da cama e fui até a cômoda, pegando o vestido amassado que tinha largado ali na noite anterior. Vesti, sem me preocupar em bagunçar ainda mais meu cabelo loiro, tão desbotado quanto o meu interior.

Senti na mesa de madeira, sentindo as frágeis pernas da cadeira ameaçando ceder. Não me importei, porque não faria diferença se quebrasse ou não, eu ainda me sentaria ali. Mesmo se aquela mesa cedesse, eu continuaria sentando ali, exatamente do jeito que você gostava de fazer todas as manhãs.

Com os pés descalços, me permiti andar pela areia da praia. Ao longe, vi o sol mandando seus primeiros raios da manhã para me cumprimentar. Eu, mesmo sem saber se merecia tamanha recepção, sorri e imitei uma câmera com os dedos, do mesmo jeito que você faria se estivesse aqui comigo.

Depois de caminhar por longos minutos, tentando capturar fragmentos da sua voz no vento e pedaços de nós dois espalhados pela areia, resolvi sentar perto do mar. Ali, pedindo licença, me permiti chorar.

Esparramei as mãos na areia e agarrei todos os grãos possíveis, com toda a força que ainda restava em mim. As lágrimas grossas e quentes, que insistiam em cair e borrar minha visão, se misturavam com a maré que chegava aos meus pés.

De olhos fechados, percebi que não podia mais me lembrar do seu rosto com a mesma perfeição de antes. Lembrava das orbes negras, dos cabelos escuros e finos, do sorriso angular, do queixo pontudo e do nariz fino, mas eu podia sentir que algo faltava. Não conseguia mais lembrar do brilho dos teus olhos ou do som da tua risada, nem sequer podia lembrar da sensação que era tocar tua pele rosada.

Eu sempre quis muitas coisas na vida, sabe? Queria ser independente, ter sucesso profissional, saber cozinhar e comprar o maior número de cactos possíveis, além de ter uma casa na praia. E eu tinha tudo isso agora, mas de nada me adiantava, se eu não tinha mais você. Sem o teu abraço quente feito o sol, sem a tua mão macia feita algodão, sem teu sorriso brilhante feito as mais belas estrelas do céu noturno, nada do que eu tinha adiantava. 

Queria ver o teu rosto, estampado nesse mar azul que me cerca. Queria ter certeza de que em algum lugar, onde quer que fosse, você estaria bem e pretendia voltar o mais rápido possível. Mas quando partiu, você não cogitou a ideia de voltar, não é? Eu sei disso, meu amor.

Morar na praia, no meio de areia quente e mar agitado, nunca foi o teu sonho. Você só parou nesse fim de mundo porque teu amor por mim era maior que a imensidão desse mar azulzinho, e você dizia que podia suportar tudo assim. Mas a água evapora, não é, meu amor? A água evapora e vai pra bem longe, igual você. As gotas vão subindo de pouquinho em pouquinho, da mesma maneira que os teus sentimentos por mim foram sumindo, mesmo que dissesse o contrário e negasse esse processo natural que acontecia no teu coração.

A cama dura da casa vazia que comprei na praia, sabe que você não vai voltar e se deitar em um de seus travesseiros macios novamente. O chão de madeira cheio de lascas e riscos, sabe que não vai mais sentir a sola dos seus pés sobre si. O cacto que você tanto amava, aquele bem no cantinho da janela, sabe que nunca mais será regado pelas tuas mãos carinhosas. Eu, uma mulher despedaçada, sei que teus lábios não vão mais tocar os meus e os teus olhos não vão mais brilhar para mim.

A maré subiu mais cedo do que o esperado, levando consigo o nosso castelo de areia e toda a minha felicidade. Mas não se preocupe, meu amor, mais cedo ou mais tarde, eu vou ficar bem.