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História Mariana - Artur


Escrita por: Jorogumo

Notas do Autor


A rosa negra irá desabrochar novamente.

Capítulo 2 - Artur


 

O DIA

 

As pessoas sempre costumam pensar o pior das outras antes de realmente questionar o motivo de seus atos. Talvez não seja certo culpá-los, todos nós precisamos de mecanismos de defesa e, como diz o ditado, a melhor defesa é o ataque. A melhor das intenções pode ser interpretada como um ato hediondo, na maioria das vezes não existe “colher aquilo que você planta” quando se refere a algo positivo. É muito mais comum ouvir essa frase quando algo ruim acontece com alguém ruim. Alguém ruim. Não é certo classificar pessoas por maldade ou bondade, na verdade. Ninguém realmente é nenhum dos extremos, mesmo que aparente ser – lobos em pele de cordeiro. O potencial para os dois lados da moeda são igualmente influenciáveis e sempre se pode virar o jogo e assumir outra face, seja para tirar proveito de uma situação, se livrar de algo indesejado, entre milhares de coisas.

Ainda assim, existem pessoas que se encontram estagnadas com uma imagem distorcida dos outros e de si mesmo, o que é bem triste, mas o pior disso é que não irão mudar nunca. Não irão mudar porque não querem. Mentiras bonitas, verdades feias. Dizem que a melhor forma de mentir é convencer a você mesmo do que está falando e essas pessoas aparentemente foram longe demais. Isso tudo não é uma regra fixa, é claro que haverá exceções o tempo todo e mesmo que não mudem, na maioria dos casos existe um histórico por traz disso. Uma quebra de confiança, abuso ou apenas uma sede incansável por essa imagem de benfeitor.

Não é fácil descobrir quem é assim e talvez não seja difícil perceber que é assim. As únicas pessoas que conseguem ver a verdadeira pele desses “lobos” são as que acabam sofrendo por causa deles.

– Sonhou com ele de novo? – ele está abotoando a camisa, perfeitamente lavada e passada. Provavelmente já cheirou a dose matinal de cocaína e está pronto para o trabalho.

– Não chamaria isso de sonho. – não tenho a mínima ideia de quantas horas dormi essa noite. Meu rosto está inchado o suficiente para significar que foi por muito tempo. – Acho que nevou debaixo do seu nariz.

Sempre me pego pensando quando comecei a romantizar drogas. E ainda mais importante que isso, quando comecei a romantizar usuários dela. Nunca realmente chego a uma resposta definitiva, mas sei que ver tantas gerações acabou me deixando assim. Talvez ele também tenha uma pequena influência, ou talvez muito maior. Preciso me consultar com um psicanalista. Devo ter pensado em voz alta, pelo menos essa última parte, porque Robert está me olhando fixamente. Provavelmente só esteja sob o efeito do seu pó mágico.

– Sabe que pode marcar o médico que precisar quando quiser, mas você não tinha um lugar para ir hoje? – é, falei em voz alta. Merda. Não me importo de ter falado do médico, até porque quem vai pagar é ele. Merda é por ter lembrado aquele bendito evento. São meus “amigos”. Não sei se consigo aguentar aqueles olhares de julgamento ao me verem e, mesmo que eles tentem disfarçar, o espanto. – Deixei dinheiro para você na sua gaveta. Também tem um presentinho.

O ritual de saída está quase completo, só falta a última parte. Ele para em frente ao espelho do lado da porta e deixa cada fio de seu cabelo grisalho perfeitamente no devido lugar. Normalmente não gosto de rotina, mas abro uma exceção para isso. Nesse momento do dia sempre percebo como gosto da aparência dele. A beleza definha, por isso, é bela. Robert não é jovem e é visível, mesmo que tente esconder com tratamentos caros. No fundo, isso não importa. Não importa se um homem é alto ou baixo, jovem ou velho, desde que ele seja um milionário.

Carpe diem, amor. – é sempre a última coisa que fala antes de passar pela porta. Não entendo essa fixação por expressões antigas, talvez ele ache que isso o torna mais inteligente de algum jeito. Bom, pelo menos mais inteligente do que eu ele já se acha. É difícil passar um dia sem ser rebaixado pelo enorme QI dele. Robert gosta que eu seja ignorante, como se isso fosse um charme e não um defeito.

A coisa mais bizarra desse apartamento é a regra sobre cigarros. Você pode se drogar com qualquer coisa existente, desde que não tenha fumaça. Só de pensar que vou precisar descer para desfrutar de algo que só reduz minha vida é como tomar um soco no estômago. Quase desisto toda vez, mas lembro de que sou um viciado fodido. Estou pouco me lixando para a opinião dos outros moradores, então não preciso ir muito longe para me saciar. Elevador, alguns degraus e pronto. Quando o cigarro está aceso finalmente percebo que desci apenas de roupão, um tecido praticamente transparente. Ótimo. Pelo menos ninguém falou nada até agora, porém, é bom olhar ao redor para saber se não tem nenhum pervertido ou ele me olhando.

É isso que estava procurando quando a vejo. Não consigo acreditar nos meus olhos. O tempo a manteve intocada e ainda pior que isso, parece estar mais jovem ainda ao vivo. Seu cabelo loiro brilha mesmo dentro do carro. E seu rosto é algo tão extraordinário. Não há nenhum sinal de nenhum procedimento plástico nem maquiagem. A beleza dela é tão comum e ao mesmo tempo tão diferente de qualquer coisa que já vi. Não consigo ver seus dentes, porém, tenho quase certeza que eles seriam tão brancos que refletiriam a luz. Diria que é perfeita, se não fosse a expressão que faz enquanto me olha. Aquele mesmo julgamento, a surpresa, a decepção. Tudo que tinha medo de enfrentar vindo de uma das pessoas mais próxima que tenho naquele grupo.

Um mal estar toma conta de mim e não consigo perceber o motivo disso até notar que não estou respirando desde que a vi. Um, dois, três. Respiro fundo e fecho os olhos. Quando abro novamente, vejo outro rosto conhecido enquanto ela desaparece no táxi.

– Artur! Está tudo bem? – sinto que vou receber aquele olhar tão temido novamente, mas ele parece animado em me ver. O tempo não o fez mal, pelo contrário, o início de um cabelo grisalho surgindo me faz quase querer cair em seus braços. – Talvez deva reduzir o consumo de cigarros e me doar esse.

– Bruno? Já está na hora? – ele intercepta o cigarro antes de chegar nos meus lábios, quase encostando seus lábios nos meus. O que estou pensando? Meu Deus. Já tenho Robert. Preciso me lembrar disso, ainda mais agora.

– Sim, meu bem. Será que cheguei cedo demais? – ele joga metade do cigarro na lixeira, o que me faria ficar revoltado se não estivesse pensando no que ele está falando. Merda, de novo. Não deveria ter convidado ele para passar aqui antes de ir, mas não resisti. Bruno não sabia o caminho e parecia tão feliz em ir. Pensei que isso me contagiaria na época em que o convidei. O que não é verdade.

– Não. Na verdade, eu que estou atrasado. Vamos subir, preciso me arrumar e você pode deixar isso. – e com isso, eu quero dizer a mochila imensa que ele carrega. Nunca o imaginei como mochileiro, mas isso seria uma fantasia e tanta.

– Se quer minha opinião, até que gostei de você assim. – seus olhos varrem meu corpo de cima a baixo antes de soltar uma risada espontânea. Talvez tenha me enganado. Um pouco de felicidade não vai me fazer mal. Não consigo me controlar e sorrio de volta naturalmente, algo que não acontece há muito tempo.

– Artur? Quem é esse? – felicidade dura pouco. Merda, novamente. Robert sempre compra café. É um hábito tão frequente quanto cheirar seu pó mágico. Provavelmente minha memória está ficando fodida por tantas medicações e drogas. Mesmo esses fatos cotidianos são esquecidos com facilidade. É claro que essa cena pode ser facilmente explicada dentro de um relacionamento normal. Normal. Essa palavra não encaixa no meu. Robert não confia completamente em mim e ele realmente não deveria. Posso parecer um pouco prepotente, mas já aprendi muito para não repetir os mesmos erros nessa vida.

– Ah, sou Bruno. Você deve ser o pai dele, não é? – ah, como ele é encantador. Não consigo ficar com raiva, mesmo sabendo que ele não poderia ter dito coisa pior. Robert fica vermelho instantaneamente. Se isso fosse um desenho animado, ele estaria soltando fumaça pelos ouvidos. Na realidade, estou prestando tanta atenção nele que quase consigo ver isso acontecer, mas meus pensamentos são embaralhados quando sinto Robert agarrando meu braço com força.

– Este é Robert, meu namorado. Vou levar Bruno no evento, amor. – digo a última palavra me aproximando do rosto do meu amado, como se fosse beijá-lo, porém, não é isso que vou fazer. Meus lábios chegam perto o suficiente de uma de suas orelhas para sussurrar as palavras mais convictas que já disse na minha vida. – Se você me tocar assim de novo, meu amor... Não será o primeiro que morre por minha causa.

O clichê só existe porque dá certo. Não sei ao certo se estou banalizando ameaçar alguém de morte, mas é algo típico daquelas novelas mexicanas. Acho que sou um grande protagonista, nesse caso, porque a cor vermelha do seu rosto mudou na mesma hora. Robert está tão pálido quanto a sua bunda que nunca pega Sol. É bom, não é? Ter essa sensação de poder, mesmo que seja por pouco tempo.

– Tudo b-bem. Preciso ir. – covarde. Ele sai tão rápido que nem cumprimenta Bruno, que ainda está com a mão estendida. A expressão em seu rosto não parece estar tão alarmada quanto à de Robert, mas tenho quase certeza que ouviu o que falei.

– Bom, vamos entrar. Já estamos atrasados, não é mesmo? – escondo o braço dentro do roupão antes de entrar no prédio, afinal, não importa se você se droga e odeia sua vida, você precisa manter as aparências. Sinto um toque em minha cintura e por um momento penso que é ele. Até tenho esperanças de ser, ao mesmo tempo em que desesperadamente não quero que seja. Paro de caminhar, não quero virar e descobrir se estou certo ou errado.

– Ah, desculpa. Não queria me perder de você. – era apenas o Bruno. Claro que é. Como eu posso ter viajado tanto? Ele parece ser tão gentil, dócil. Imagino quantos segredos não estão escondidos por trás dessa máscara. Finalmente continuo a caminhar, sua mão continua em mim, mas agora está em um dos meus ombros.

Sinto outra mão tocando meu ombro e dessa vez tenho certeza que é ele. Não é apenas uma paranoia. Ele sempre está perto de mim. Perco totalmente o ar assim que me viro para encará-lo. Ele está tão melhor que eu. Quase não posso suportar saber que minha vida foi destruída por alguém que continua vivendo normalmente. Onde está sua barba mal feita? Ou suas olheiras acentuadas? Afinal, ele está sempre perto de mim ou eu estou sempre perto dele? Nem ao menos sei onde ele vive agora. Talvez seja muito longe ou talvez seja do outro lado da rua.

– Artur. Precisamos conversar. Isso não pode continuar. Olhe o que ele fez no seu braço! – ele simplesmente cospe as palavras de maneira rápida, porque sabe que não vou ficar perto por muito tempo. Bruno não parece estar entendendo nada e não o culpo por isso. – Existem coisas sobre aquele dia que você não sabe. Acredite em mim.

– E o que você fez comigo? Esqueceu? Não há nada para conversar. – cada sílaba é dita com ódio. Antes que possa me controlar, já estou com uma das mãos em seu pescoço. É claro que minha intenção não é matá-lo. Não me rebaixaria a fazer o que ele fez. O recado é sucinto o suficiente para fazê-lo sair do prédio com o rabo entre as pernas.

– A sua vida é bem agitada, não é? Você está bem, meu bem? – não consigo me controlar perto de Bruno. Ele não pergunta por educação. Realmente parece se importar como estou. Apenas sorrio o que é mais do que suficiente para fazê-lo sorrir de volta. – Não era seu ex? O que aconteceu?

– Ele me matou. – não digo isso no sentido literal, é claro. Mas ele levou tudo de mim. Meu orgulho, minha dignidade, minhas esperanças e meu dinheiro. Ele levou tudo até que eu não mais existisse. Isso é homicídio.



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