História Me deixe sozinha - Fotografias

Me deixe sozinha cap. 38

 Ficamos conversando naquele telhado até uma chuva inesperada nos forçou a correr pelas escadas até a loja, onde a moça, que mais cedo nos olhava com um duplo sentido, ria de como em poucos segundos ficamos molhado.

-Caiu de repente né.

 Murilo está vermelho demais para responder à pergunta dela, ele apenas faz um aceno envergonhado com as mãos e me leva pela mão até o fundo do mercado.

-Por que estamos aqui? Mais algum lugar secreto?

 Ele parece sério, sinto que minha piada veio em um momento desnecessário.

-Sinto que você precisa ver isso, não é bem uma coisa boa, mas, acho que agora faz parte da sua história agora, mesmo que infelizmente.

 Ele abre a porta que ficava no fundo do local, e entramos em um escritório organizado, mas simples, tenho certeza de que é de Murilo, sua mãe é sofisticada demais para ter apenas um notebook em cima de uma mesa de madeira. Ele vai até essa mesa e abre uma gaveta com uma chave que não sei de onde ele tirou, seu olhar é triste, acho que eu sei do que se trata. Ele caminha até minha direção, e tem uma polaroide em suas mãos, a quanto tempo não vejo uma dessas.

-Essa é a Rebecca, achei que deveria saber.

 Parece que o tempo em que estávamos no telhado comendo pizza e rindo como dois idiotas foi a anos, o clima agora era pesado e triste, mas ele tem razão, eu queria saber como ela é, mas agora tenho medo do que verei naquela foto.

-Obrigada.

 Minha voz é fraca quando eu pego a foto da mão de Murilo, que assim que me entrega, volta para a gaveta, eu resolvo olhar para a foto, não sei bem o que eu esperava, mas com certeza não era aquilo. Na foto estavam Murilo, Victoria e a tal Rebecca, era ela quem mais chamava atenção, ela tinha um sorriso gigante, mas olheiras profundas, eu conseguia ver a tristeza disfarçada dela, seus cabelos eram curtos, na altura do ombro, e totalmente liso, estava bagunçado, como se tivesse acabado de acordar, seus eram verdes, e sua boca pequena e carnuda, se olhasse bem, via que ela tinha uma pequena cicatriz na boca, talvez uma marca de nascença, ela sorria, mas seus olhos choravam.

-Ela era linda, mas parecia triste.

Murilo concorda sem olhar para mim, ele está focado em achar algo em sua gaveta, continuo a olhar a foto, o cabelo de Murilo estava azul? É claramente ele, mas me confundi bastante, antes que eu pudesse comentar isso com ele, ele já sorri, enquanto caminha até minha direção, com mais fotos em sua mão.

-Essa aqui é bem mais bonita.

 Ele me entrega as outras fotos, e eu devolvo a de Rebecca, até me esqueço de falar sobre seu cabelo azul quando vejo as fotos, são fotos minhas, a primeira sou eu com Victoria, estamos as duas fazendo caretas, que eu tenho certeza que deveria ser fofas, mas acabou sendo um desastre, gostei dessa, a outra sou eu com Murilo, estamos de mãos dadas, e eu não sei bem em que lugar, mas a árvore ao fundo é familiar, e última sou eu, sozinha, eu pereço estar cochilando, mas estou com uma das mãos segurando meu rosto para não cair na carteira, estou dormindo na aula, isso sim é surpreendente.

-Eu tirei essa no dia em que Victoria tinha dormido na sua casa, você estava adorável.

Não consigo tirar meus olhos da fotografia em minhas mãos, é como outra pessoa, ela parece até mesmo mais feliz que eu, não sei ao certo como isso me incomoda, acho que porque é injusto o fato de que ela seja eu, mais feliz, mais radiante, eu tenho isso, mas não sei como ser feliz como ela parece ser.

-Você está bem?

 Antes que ele pudesse notar mais ainda o quanto estou alterada, eu devolvo as fotos para ele, e sorrio.

-Estou, acho que a chuva parou, pode me levar em casa?

 Sua expressão de preocupação logo se torna um sorriso radiante, que ambos compartilhamos.

-Com certeza.

 Ele segura minha mão e nós vamos embora, mas a foto ainda circula minha mente, tanto a minha quanto a que mostra a expressão triste de Rebecca. Tenho que mudar de assunto.

-Seu cabelo era azul?

 Ele ri, isso sim me distrai, sua risada doce é algo que eu poderia escutar todo dia, o dia todo.

-Meu cabelo já foi de todas as cores que eu pude colorir, mas acho que essa aqui ficará por um tempo.

Fico imaginado o Murilo com todas as colorações possíveis, não tem como ele ficar estranho com o cabelo colorido.

-Por que?

Ele fica sério novamente, como isso é estranho.

-O que foi Murilo?

 Ele parece tão angustiado com a possível resposta, que apenas deixo para lá, pelo menos por enquanto.

-Ainda quer saber o porquê de eu ter deixado Luiz se safar?

 Minha frase acorda ele de seus pensamentos, ele apenas acena com a cabeça, ainda alterado por causa de minha pergunta anterior.

-Ele claramente abusou de mim, e tentou me agredir, isso já conta como um delito sério, mas o idiota esperava que eu me entregasse, então ele nem percebeu que tem uma câmera bem perto daquela área, se ela não tiver filmado tudo, poderemos fazer com que filme na próxima.

 Murilo finalmente diz algo.

-Próxima?

 Respiro fundo, essa parte vai ser meio constrangedora de dizer.

-Eu sei que ele fará isso de novo, ele não é do tipo que aprende uma lição, então eu vou, meio que, aceitar um pouquinho o que ele disser ou fazer comigo, apenas o suficiente para que possamos incrimina-lo.

 Murilo para bruscamente na calçada, exatamente como eu esperava que ele fizesse.

-Você vai dar bola para ele.

 Não era uma pergunta, mas eu respondo como se fosse.

-Sim, mas não será de verdade.

 Ele respira fundo, mas quando eu achei que ele fosse explodir, ele simplesmente caminha até mim e coloca a mão em meu ombro.

-Se você tem certeza disso, eu irei te ajudar.