História Me deixe sozinha - Visualizado

Me deixe sozinha cap. 56

                Após um caminho de 15 minutos com conversas focadas apenas em consolação, chego ao hospital onde para minha surpresa encontro Victoria já acordada conversando com Carlos, que mal consegue disfarçar o quanto chorou, assim que entro ela sorri, mas dura pouco tempo, ela sabe o que estar ali representa, então sua expressão se torna fria.

-Ele já foi.

                Não foi uma pergunta mas respondo com um silencioso aceno de cabeça, Carlos divide a mesma expressão de Victoria após minha resposta, mas é o primeiro a quebrar o silêncio.

-Preciso avisar meus pais de onde estou, vou deixar vocês a sós.

                Ele dá um leve beijo na testa de Victoria antes de sair já com o celular nas mãos, o que me faz lembrar do meu, procuro minha bolsa, antes de me lembrar que a tinha deixado dentro do ginásio, o que provavelmente significa que agora é só cinzas, eu já ia trocar ele, mas pegaria os contatos antes, o contato de Murilo, meu peito se aperta com a possibilidade de não conseguir falar com Murilo, mas Victoria parece saber o que estou pensando e acena para eu me sentar ao seu lado enquanto me acalma.

-Está tudo bem, ele disse que voltaria.

                Eu rio sem a menor vontade, eu sei o que ele disse, e mesmo repetindo isso em minha cabeça sempre que sentia minha garganta apertar, resolvia.

-Sim, ele vai voltar, só não sabemos quando, e nem onde, nem mesmo sabemos se ele poderá falar conosco, ele nem pode se despedir de você.

                Ela faz um som de deboche com a boca e ri, mas eu meio que sei que ela está magoada por não poder se despedir, então eu faço o mesmo que ela, e começamos a rir, apesar de querer apenas chorar, nós nos forçamos a isso, a rir em meio a tristeza, Victoria é sempre assim, ela se recusa a ficar triste, mesmo nos piores momentos, talvez ela não goste de demonstrar fraqueza, apesar de eu não achar que ficar triste seja um fraqueza, ela parece bem com isso, e por isso eu respeito a escolha dela, ela percebe meu rosto preocupado e me empurra de leve.

-Não se preocupe com contato, ele escreve cartas, mas não deixaria de falar com você, agora, à enfermeira me disse que você entrou no ginásio, você só pode estar louca.

                Ela me belisca enquanto dizia a última parte, mas eu apenas rio, mesmo não sendo muito sincero, ficamos conversando sobre como os bombeiros eram bonitos, ela falou de Julia, pelo visto elas conversavam bastante na sala, e agora faz sentido o porquê de todos os professores terem uma rixa com Victoria, mas a conversa flui até os pais de Victoria chegaram, os quais eu só via de longe, fomos apresentados, eles me agradeceram, recebi sermões das enfermeiras e mais tarde Eduardo veio me buscar, não me lembro direito se realmente dormi, mas sei que foi ainda mais doloroso estar triste quando o sol nasceu, quando eu via as pessoas tentando me animar, qualquer coisa que eu fazia me lembrava dolorosamente de quanto tempo eu passaria longe de Murilo agora, eu me deparava pensando em quando eu fiquei tão ligada a ele, quando eu percebi que era com ele que eu queria passar a vida, e quando eu percebi que isso parecia impossível, era como se cada detalhe quando eu estivesse com ele, me mostrasse que tínhamos pouco tempo, e assim foi.

                A escola havia suspendido as aulas por três dias para não só limparem tudo quanto verificarem o porquê do acontecido, para descobrirem que foram alguns fios desencapados, quando elas voltaram eu fui encarada agradecida novamente e também repreendida, mas eu sentia que estava tudo no automático, mesmo quando algo incomum acontecia, era como se eu já esperasse, a vida se tornou previsível, bem, até certo ponto, eu passava tanto tempo com as garotas que quase fiquei de recuperação, mas fora isso, eu ria, comia com Victoria e Julia, elas me enfiaram no mundo do Kpop e agora passo grande parte do meu tempo apenas tocando músicas em meu violino, que estava empoeirando de tanto tempo que eu não mexia com ele, quase tudo que eu fazia, era como encontrar uma distração, uma vez ou outra eu Murilo conversávamos por ligações de péssima qualidade que sempre caiam no meio da ligação, e isso me jogava cruelmente ainda mais fundo na minha atual vida automática.

                Comecei a conversar com o pai de Murilo que agora cuidava da antiga loja de Murilo, e também com o Rafael o bombeiro bonitão, mas era sempre repreendida, ele era como um super protetor autônomo, o que meio que impedia Julia de fazer qualquer coisa, mas foi por causa disso que ela conseguiu me ajudar no incêndio, o pai de Murilo me ofereceu um emprego na loja que eu aceitei sem pensar duas vezes, então assim era meu dia a dia, escola, curso, trabalho, no meu tempo livre, eu não ia para a casa, ia para o telhado, onde as coisas do Murilo ainda estavam, mas uma coisa estava diferente, na lona que cobria o sofá nos dias de chuva estavam pregadas inúmeras fotos nossas, de antes e depois da minha perda de memória, eu ficava horas apenas imaginado quando e como ele tirou cada uma dessas fotos, já cheguei a dormir nesse lugar, perdida em pensamentos, e nesse ciclo diário, três anos se passaram.

                Eu acordei atrasada para a escola, mas não me esqueci de pegar a pequena foto ao lado de minha cama e olhar atentamente antes de sair, ainda verificando minhas mensagens pelo novo celular, mas eu paro bruscamente ao ver ou melhor, ao não ver as mensagens de Murilo, o fuso horário de onde ele estava era diferente, então mal podíamos conversar, mas sempre tinham mensagens de bom dia, boa noite ou simplesmente um te amo, mas hoje não, era apenas minha última mensagem, um eu sinto sua falta enviado mas não visualizado, fiquei parada olhando para meu celular até me lembrar que estava atrasada e voltar a correr, a mensagem me afetou, mas liguei o automático novamente e prossegui.