- Não vamos conseguir, Pierre. Estamos oficialmente falidos, meu filho – eu sei que é feio ouvir a conversa dos outros, mas não tive culpa, juro! Eu tinha acabado de chegar na agência de modelos que meu namorado é dono. Me dirigi à copa do local, viciado em café do jeito que ele é, com certeza estaria por lá. A mãe dele, Marilene, carinhosamente chamada por mim de Lene, soltou essas palavras assim que eu cheguei na porta da copa. Eu engoli seco e decidi não entrar. Falindo? Eu nem sabia que a Star Models ia tão mal. Sabia que ela não estava a mil maravilhas, mas falir já é demais. Eu já disse que sei que é feio ouvir a conversa dos outros? Pois é, mas também é muito feio você ser uma pessoa curiosa que não corre atrás das respostas para suas curiosidades, então...
- Mãe, não é oficial e nem vamos falir. Olha, hoje o Ryan vem aqui, aquele diretor, sabe? Temos muitas chances de manter a agência funcionando. Se ele gostar do trabalho de nossas modelos, ele vai nos recomendar e até é possível que firme uma parceria com a gente. Ainda há chances!
- Filho, nós estamos afogados em dívidas, com cachês de modelos atrasados, funcionários sem receber direito há meses. O aluguel do prédio! Não conseguimos mais pagar e já veio uma ameaça de despejo!
Opa, espera aí. Despejo? Eu ouvi certo? A agência então só sobreviveria através de um milagre. Céus, eu sei o quanto o Pierre ama esse lugar, essa empresa! Foi algo que o pai dele construiu antes de falecer e que ele deu continuidade. A Lene também é apaixonada por tudo aqui. E eles dependem disso para viver! Eles não sabem fazer outra coisa da vida. E ela já não está numa idade boa para conseguir outro emprego. Será difícil. Talvez se eu ligasse para o meu pai, ele pudesse mandar dinheiro para cobrir essas dívidas...
Eu venho de uma família toda formada por médicos. Meu pai administra o próprio hospital em Nova York, onde o dono é meu avô, pai do meu pai. Minha mãe também é médica, ela conheceu meu pai na faculdade de Medicina. Os dois se apaixonaram na primeira vez que estudaram um corpo humano besuntado de formol. Eu sempre me perguntei COMO isso foi acontecer. E sinceramente nunca vou saber responder...
Obviamente, sou a ovelha negra da família. Vim pra Califórnia atrás do meu sonho que está longe de ter a ver com medicina...
- Amor, você está aqui? – AIMEUDEUSDOCÉU fui pega no flagra escutando a conversa deles... e olha que eu nem ouvi mais nada depois da parte da ameaça de despejo!
- Oi meu lindo! Pois é... hehe... eu... eu estou aqui. Na verdade acabei de chegar – vejam como me atrapalhei um pouco antes de conseguir responder. CHESSUS ME AJUDA!
- Eu ia perguntar exatamente isso, há quanto tempo você está aqui – Pierre disse isso e em seguida grudou nossos lábios – vamos ao meu escritório? Estou esperado um cliente importante.
- Mas é claro, vamos lá! – Deve ser o tal diretor... ainda bem que ele não percebeu minha mentirinha sobre ter acabado de chegar e tal.
ALGUNS MINUTOS DEPOIS...
O interfone está tocando aqui na sala do amor da minha vida. E eu estou aqui, sentada em cima da mesa, enquanto duas das melhores modelos da Star estão sentadas a nossa frente (em cadeiras), para marcarem presença para o diretor. Assim ele já pode ver um catálogo ao vivo de alguma das beldades daqui.
Pierre desligou o aparelho e levantou-se para receber o diretor.
- Meninas, não esqueçam de serem simpáticas – Pierre advertiu as duas, enquanto se dirigia à porta – Olá, Ryan, que prazer conhece-lo pessoalmente! Gosto muito de seu trabalho!
Eu observei o tal do Ryan, um homem perto de seus 55 anos, de nariz proeminente. Feio que dói, coitado. Ele está lá conversando com o Pierre e eu não consigo ouvir nada da conversa. Ryan está observando calmamente as duas lindezas que estão sentadas em minha frente. Elas sorriem alegremente em postura elegante. Eu as observo, lembrando que ainda estou em cima da mesa. Puta que o pariu, eu ainda não sai de cima da mesa! Desci imediatamente e pude ver de relance que Ryan me encarava. Que vergonha, céus... ele vai pensar que não temos modos nessa empresa! Será que ele sabe que sou a namorada do chefe? Por que olha, na posição que eu estava, poderia ser facilmente confundida com uma criança de 10 anos que só apronta... céus, agora esse tal de Ryan está entrando na sala, se recomponha, Lilly! MASOQUÊ? Ele parece estar vindo em minha direção e...
- Qual seu nome, querida? – Ryan me surpreendeu com sua voz grossa.
- É é é Melissa, senhor Ryan – respondi novamente me atrapalhando com as palavras, desligada da vida que sou. Estendi a mão para ele que prontamente a segurou.
- É essa! – ele disse olhando para Pierre – ela será nossa garota principal. Ela tem a cara do clipe, tem o jeito da nossa protagonista. E é linda...
- Acho que está havendo um engano, Ryan – Pierre o interrompeu, pronto para explicar que eu não era modelo.
- Por quê? Ela tem outro trabalho para fazer no dia? Quanto esse cliente pagou? Não importa, eu pago o dobro! Se preciso for, o triplo! E se você me der prioridade, garanto que fecharemos muitos outros trabalhos importantes, Pierre.
SENHOR ME BELISCA. Eu tô sonhando ou estou sendo confundida com uma modelo? Tudo bem que hoje modelo não é sinônimo de ser magrinha e altona. Hoje temos todos os tipos de corpos. Pelo menos aqui na Star, temos gordas, magras, altas, baixas, alternativas, tatuadas, modificadas, com várias cores de cabelo, com todos os tons de pele, com quase todas as belezas possíveis. MAS EU? GENTE, ACREDITEM, SOU BEM SEM SAL. Tenho aqui minha sobrinhas na barriga quando sento, mas ate aí é normal. Estou totalmente sem maquiagem nesse momento, estou sendo a pessoa mais desatenta e largada do mundo – se bem que isso sou sempre -, estou até com uma roupa velhinha... ai céus, a roupa. Agora entendi tudo, estou usando uma camiseta gigantesca do Metallica fazendo a vez de vestido, com uma camisa xadrez vermelha amarrada na cintura, com essa linda bolsa de caveira holográfica, perfeita para um clipe de rock. E meu cabelo pode estar todo bagunçado, porém, preciso admitir que ele é lindo. Um pouco de amor próprio faz bem, sabiam? OPA! PERAÍ QUE EU TENHO QUE CORTAR O PIERRE NESSE PONTO DA CONVERSA ENTRE ELE E O TAL DO RYAN:
- Olha, senhor, na verdade ela não é... – meu lindo namorado ia dizendo.
- Não sou uma modelo muito barata. Tenho contratos exclusivos! – falei aumentando meu tom de voz.
Pierre fez sua melhor cara de “O QUÊ?”, com a sobrancelha levantada e os olhos me censurando. Hashtag me desculpa Pierre, porque eu vou ser modelete pra te ajudar, me deixa.
- Pois eu sempre sei, assim que bato o olho, quem é que PRECISA fazer meus vídeos e você é perfeita para isso. Nunca erro, não é a toa que sou um dos diretores mais famosos da Califórnia!
- Creio que apenas o dobro do que o senhor iria pagar não cubra minha quebra de contrato com o outro cliente... – estou encarando despretensiosamente minhas unhas. Tática! Além do mais, sou uma ótima atriz, literalmente. Sim, eu trabalho com isso, porém, estou longe de ser modelo RISOS NERVOSOS.
- Ok, nós fechamos no valor que você quiser, estou autorizado pela gravadora a não limitar os valores. Vamos acertar os preços?
- Ah, claro, só me dê um segundo com minha modelo, senhor Ryan – Pierre enfatizou a palavra modelo, olhando friamente para mim e em seguida me puxou para fora da sala.
- O que você pensa que está fazendo?
- Amor... eu ouvi, tá? – vou fazer a sincerona agora - Já sei que vocês estão falindo. Vou conseguir uma boa grana para vocês pagarem as contas se você aceitar esse trabalho. E ainda uma parceria para a agência, se tudo der certo. Confie em mim, posso não saber modelar, mas atuar eu sei muito bem. Você sabe disso!
- Então você estava ouvindo escondida minha conversa com a minha mãe, Melissa? – opa, me chamou de Melissa. Pior do que minha mãe e meu pai quando decidem que eu errei em alguma coisa. DECIDEM, porque eu nunca erro!
- Pie, você sabe que agora não é hora para discutirmos isso! O futuro da agência está depois dessa porta e eu posso muito bem ajudar!
Pierre estava visivelmente nervoso. Ele é um cara muito ciumento e se eu bem conheço, está pensando em mil e uma bobagens.
- Não sei não... já ouvi muito falar em teste de sofá nessas grandes produções. Além do mais é a gravação de um clipe de uma banda com cinco caras! Não quero você envolvida nisso!
- Amor, pare com esse orgulho imbecil! Vai lá e cobre horrores desse Ryan. Ninguém vai me fazer mal nenhum e eu sou muito bem treinada em defesa pessoal caso venham com esse papo de teste de sofá... isso é assédio, sabia?
- Tá, tá – ele se deu por vencido, mas com a expressão mais preocupada do mundo – não acredito que vou mentir para um cliente importante desses... – ele bufou e entrou na sala, fechando a porta na minha cara. SACO! Eu queria ouvir as negociações... se bem que esse papo de “valores”, “precisa ser essa”, mimimi, está me fazendo sentir como uma prostituta. AI MEU DEUS VOU SER MUSA DE UM CLIPE! Agora que eu parei para pensar... que banda será que é? Esse Ryan aí é importante e já trabalhou com vários artistas. Porém meu interesse artístico se limita ao teatro, não costumo estudar muito sobre clipes, vinhetas, TV, esse tipo de coisas sabe? Acho que preciso de um chá de camomila porque os nervos estão aflorando aqui.
- Lilly! O que houve? Você está branca que nem leite! Vem aqui, você precisa se sentar – Lene me tirou da minha nuvem de pensamentos, me puxando bruscamente e me colocando em um estofado que ficava no corredor – espera aqui que eu vou buscar uma água! – ela nem me deu tempo de resposta e foi logo correndo buscar um copo para mim. Em poucos segundos ela já estava na minha frente, me empurrando o liquido goela a baixo.
- Você quer ir ao médico? – ô mulher desesperada!
- Não precisa não, Lene. Eu só estou um pouco assustada.
- Por quê? O que aconteceu? É com o Pierre?
- Não, na verdade o Pierre está indo muito bem com o Ryan, fechando com algumas das nossas meninas – falei assim porque não estou preparada para dar a notícia de que eu também estou incluída.
- Jura? Mas essa notícia é maravilhosa! – a doida dava risada olhando para o teto, como se agradecendo a Deus.
- Lene... esse trabalho é para qual banda? – preciso saber com o que estou prestes a lidar.
- Se chama Avenged Sevenfold, conhece?
AI MEU SENHOR CLARO QUE CONHEÇO!
- Ah, claro – disfarcei minha empolgação muito bem. Já disse que sou ótima atriz? Cara, eu adoro Avenged Sevenfold.
- Com quais modelos ele fechou?
- Ermm... eu... sei lá – menti porque não posso dizer “olha dona Lene, ouvi toda sua conversa com o meu boy magia, sei que vocês estão praticamente falidos, logo, menti pro seu cliente mais promissor e virei modelo assim, da noite pro dia”.
Nesse momento a porta da sala do Pierre se escancarou.
- Obrigada, Ryan, nos vemos amanhã! – ele apertava a mão do diretor.
- Tchau, docinho, amanhã você terá muito trabalho! – Ryan disse olhando para mim e minha sogra franziu a testa. Eu só consegui pensar em como esse Ryan é brega por me chamar de docinho.
- O que ele quis dizer com você terá muito trabalho? – Lene continuava séria.
- Tá feliz agora, senhorita modelo? – Pierre vai comer meu fígado, estou sentindo pelo tom que ele está usando comigo. Minhas amigas o chamam de Sr. Ciúmes - por que será, não é?
- Como assim modelo? – coitada da Lene tá mais perdida que tarracha de brinco quando cai no meio de uma pista de dança.
- Olha amor, é praticamente a mesma coisa com que eu já trabalho. Sou atriz, lembra? Não vai mudar muita coisa – me defendi.
- Você nem sabia o roteiro, Lilly! – Me chamou pelo apelido, não deve estar tão bravo assim...
- E eu ainda não sei – eu e meu dom para estragar as coisas.
- Pois eu garanti que não haverão cenas de sacanagem.
- Alguém me explica o que está acontecendo? – Lene levantou o tom de voz.
- Longa história, mamãe. Mas a sua norinha vai ser a protagonista do clipe do Sevenfold...
- Como é que é? – já vi que o resto da tarde será longa...
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