História Melanie - Capítulo Único (mesmo)

Mesmo tentado me convencer que o sentido temporal seguido pelo restante do mundo era a convenção na qual eu deveria reger a minha vida, acabei atrasada novamente. Era muito cômico, já que as pessoas ao meu redor se organizavam já pensando no meu suposto atraso. Os encontros eram marcados a partir de um “chegue meia hora antes” seguido de um “não me deixe esperando”. Mas o tempo não passava da mesma forma para mim, ah não. Eu estava sempre correndo atrás das engrenagens.

Corri até a entrada do prédio com tamanha pressa que acabei atropelando uma senhora que observava ironicamente a torre do relógio da igreja ao lado do meu destino. Ela me olhou com cara de poucos amigos, embora não tenha dado muita atenção. Era uma freirinha toda puritana com tempo de sobra para imaginar milhares de cenas, todas contendo uma Melanie atrasada, esbaforida, descabelada (...) pedindo as devidas desculpas para ela e talvez até para Deus. Corri para as escadas pensando nisso.

Será que Deus estava anotando aquele atropelamento em minha ficha de “coisas erradas feitas pela Melanie”? Quantas páginas aquela ficha teria? Fichas têm mais de uma página? Deus anota coisas ou ele se lembra de tudo?

Você percebeu o porquê dos meus atrasos?

Se percebeu, ótimo. Se não, desculpe. Estou muito atrasada para explicar.

Subi a escadaria principal pulando alguns degraus e deixando algumas folhas de meu parecer cair pelo caminho. Eu não iria precisar delas, eu precisava do meu corpo sentado na cadeira na sala onde meus professores e colegas estavam. Era disso que eu mais precisava.

Quando finalmente cheguei no último andar, estava achando que havia esquecido dos pulmões no térreo. Tive que me escorar no corrimão daquele andar para poder puxar o ar e ver se meu coração desistia de saltar feito louco.

Como numa quebra de ritmo em meio a uma (nem tão) clássica música de death metal, acalmei meu coração e corri em direção à sala 1366-B no fim daquele corredor. Estava escuro e vazio, assim como meu peito, que acompanhava todo o desenvolver da ansiedade cultivada carinhosamente pela minha consciência. Estava muito apressada para perceber qualquer coisa. Até mesmo o fato de eu estar no corredor errado, indo em direção à porta errada.

Abri-entrei-fechei.

Embora soe pornográfico, foi exatamente o que eu fiz ao adentrar a sala onde a reunião estaria acontecendo.

Mas a única coisa que vi ao me virar cuidadosamente para não atrapalhar a possível discussão daquela sala foi uma figura de negro bem na minha frente, sorrindo com a expressão mais sádica que eu poderia supor. A pessoa estava tão próxima a mim que não tive tempo nem de me assustar. Senti uma pontada dolorosa na cabeça e depois... Nada. Apenas uns fleches de luz e uma voz longínqua cantarolando calmamente:

Você não se desculpou...