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História Melodia sociopata - Semelhanças sombrias


Escrita por: Jingotbelts

Notas do Autor


!ALERTA DE GATILHO! Contém agressão e tortura!

Capítulo 9 - Semelhanças sombrias


Fanfic / Fanfiction Melodia sociopata - Semelhanças sombrias

 A partir daquele momento, tomamos a decisão de não permitir que eu voltasse para o gelo. No caso, eles tomaram tal decisão, já que fiquei quieta como a sombra silenciosa que era.

Franklin recebeu um papel de advertência e uma detenção para cumprir no dia seguinte, então teve que ficar ainda durante um tempo no colégio.

 O que me restava era ficar sentada no velho banco, observando. Entendendo.

Aprendendo.

 Que falta fazia o livro... Eu o havia lido com uma velocidade absurda. A coragem para pedir outro livro estava escondida por trás de falta de confiança e acanhamento, algo que não deveria existir, mas a parte fraca. A irrelevante parte fraca em mim fazia seus sentimentos e emoções serem relevantes. Fazia eu sentir na pele seu frio na barriga.

 Eu poderia muito bem pedir um livro emprestado para Franklin, já havia o feito uma vez. Mas nããão... Algo em mim não permitia, como sempre. Aquele medo insistente. Resolvi encarar meu celular, sem ter muito o que fazer com o aparelho. Havia algumas fotos, mas não muitas. Apenas fotos de bailarinas e alguns figurinos. Ah, os figurinos... Arte! 

Tudo continuava tedioso; eu observava meus colegas patinando e mexia no celular. Repetia o ato várias e várias vezes, e o tempo parecia não passar. Olhei em volta. Franklin não estava por ali.

 Meus olhos pararam de rodar ao se fixarem sobre óculos reluzentes e um olhar severo. Olivia Dawn, minha confidente e única amiga verdadeira se aproximava rapidamente.

 — Stell! — Disse saltitante pouco antes de acabar com a distância entre nós. — Desculpa, tive que dar uma ida no centro! O Tye me avisou que você foi me ver, o que foi bom porque precisava mesmo conversar com você. 

 O que quer que fosse, parecia ser sério. 

 — Precisa? — Pisquei repetidas vezes, sem entender a urgência da situação.

 Ela se sentou no banco, do meu lado. Eu conseguia ouvir o bater de seus dentes. Mesmo com o grande casaco de lã azul, a calça de couro, seu cachecol cinzento e touca branca, o frio encontrava fortes brechas para atormentá-la.

 Seus olhos percorreram o interior da minha alma, só conseguia pensar no quanto de meus pensamentos ela poderia ler. Ela estreitou o olhar e tombou a cabeça para o lado.

 — Você e Rob?

 Neguei.

 — Não, não, certo — e então, encarou o chão. Segundos depois, se voltou para mim novamente: — Você e Franklin.

 Paralisei. Pensei. Refleti. Eu e Franklin. Ela tinha completa certeza do que dizia. 

Desviei o olhar e liberei um suspiro pesado. Ela se pôs reta no banco e tocou meu ombro com a mão enluvada e cheia de gelo – o que chamou minha atenção.

 — Ele namora, Liv — falei friamente.

 — Por enquanto — sorriu travessa. — Ela é do tipo patricinha, eles dois nunca deram certo. Você tá aqui a tempo o bastante pra saber disso.

 Fechei os olhos e, não sei por quê, mas aquilo não me deu esperanças. Pisquei mais duas vezes e encarei o celular, depois meus colegas patinando, celular, gelo de novo.  Meus olhos se moviam exatamente nestas direções, respectivamente. Colegas patinando, celular, gelo. Colegas, celular, gelo. Colegas, Franklin, celular-

 Opa!

 — Pessoal, eu preciso ir — falei alto, levantando rapidamente. — Ainda tenho que passar no mercado, já que meu querido irmão super responsável  trouxe uma caixa com serezinhos vivos pra nossa casa, sem me consultar. 

 Olhei em volta, mas tudo que via além do lago e da escola eram árvores e gelo. Muito, muito gelo.

 — Ééé... Onde fica o mercado mais próximo?

 Todos se entreolharam, confusos. Nenhum deles parecia saber. 

— Puts, cara! — Tyler disse acanhado e, por um momento, quase esqueci que estava ali — A gente normalmente compra coisas no centro, mas é meio longe.

Que coisa! Comprimi os lábios e olhei em volta. Uma mão se estendeu ao ar, voluntariamente. Olhos castanho-claro.

 — Eu posso te levar, se quiser. Já pretendia ir para casa depois de levar a Karen, só tinha voltado pra avisar o pessoal — Enquanto ele falava, Liv abria seu clássico sorriso malicioso, que aparecia em todos os momentos em que eu falava com um garoto na frente dela. A garota escondeu o sorriso por trás do celular de sua capinha lilás. Sinceramente, Olivia era um arco-íris. Talvez isso fizesse dela uma pessoa alegre. — Você vem?

 Assenti e encarei Olivia com um pequeno sorriso de canto.

Gesticulei com a boca, discretamente: "Não tenho chances"

 Ela apenas me mostrou a língua e fez um coração discreto com as mãos, qual tratou de disfarçar.

 Revirei os olhos e segui Franklin pela floresta de gelo.

 ... Floresta de gelo.

Parece um tipo de título para algum livro infantil.

Estava começando a escurecer, então preferi não me afastar muito do garoto de olhos castanhos. Se ficasse de noite, eu poderia acabar me perdendo, e isso não seria nada legal. Será que falta muito?

 — Franklin-

 — 675 Wolcott Hill Road, faltam apenas alguns quilômetros — me interrompeu rapidamente, como se soubesse que eu ia perguntar onde era o mercado. — Fique tranquila, Tella. Não vou te sequestrar!

 Franklin se virou em um pé só, em minha direção, sorrindo bobo e docemente. Sorri de volta e continuamos andando. Eu nem me lembrava da última vez em que havíamos ficado à sós de verdade, sem contar aquele dia na biblioteca.

 — Quer falar sobre o que? — sua voz me atingiu. E céus, que voz.

 Pensei por uns instantes, e então, o assunto veio como um tiro.

 — Seus problemas com Lola? — Sugeri.

 Ele diminuiu o passo e continuou a andar de costas. Nossos olhos brincaram de se encontrar e não se separar.

 — Não temos tempo o suficiente pra esse assunto. É complicado demais. — respondeu sério. — Quê mais?

 Mas eu quero saber!, quis dizer. Todavia, seria muito rude se o fizesse, então pedi que minha mente trabalhasse, buscando por outro assunto.

 — Espero que não me ache muito inconveniente por isso, mas, sobre você e a Karen?

 Houve silêncio e ele parou de andar, desviando o olhar. Mal, talvez? Tão bem a ponto de eu não precisar saber? Indo?

 — Contemplativo.

E voltamos à dinâmica anterior.

 Uma palavra difícil. Gosto disso.

 — Ela não é uma pessoa... — prosseguiu, fazendo uma pequena pausa: — fácil, assim  dizendo. Pensa ter poder sobre os outros só porque é filha do professor William. — Frank deu de costas contra uma árvore, e um punhado de neve caiu sobre seu cabelo. reprimi uma risada e dei leves tapinhas para tirar o gelo. Ele suspirou, sem tiar o sorriso do rosto: — Obrigado. Como eu ia dizendo, Karen acha que pode pisar em todos, e eu não gosto nem um pouco dessa atitude. Nunca gostei. Tem mais coisas envolvidas, mas é outro assunto bem complicado. — Ele se desencostou da ávore e, por um instante, parecia que estávamos perto demais. Mas não era pra tanto. Apenas parecia. Voltamos a andar. — Sobre o que mais quer falar?

 Outra vez, minha mente se pôs a trabalhar, e encontrou algo útil.

 — A casa dos sonhos. O livro da tal... Como era o no-

 — L.D.M.W. — outra vez, me interrompeu. — A abreviação do nome da escritora. É sobre o livro? posso te emprestar de novo, se quiser.

A autora era uma jovem, foi o que ele me disse uma vez. Queria saber o que aconteceu com ela, e, se haviam outras obras. O frio na barriga era controlável agora, então, talvez, se ele tivesse algum outro livro de L.D.M.W., eu poderia pedir emprestado.

 — A autora.

 Franklin paralisou. O assunto parecia mexer com ele, mas isso só conseguia atiçar mais minha curiosidade.

 — Bem... — suas mãos se acomodaram nos bolsos do casaco branco. — Ela passava todo verão aqui na cidade. Sobrinha de uma senhora que tinha um museu sobrenatural e uma loja esotérica que Tyler adorava visitar. Eu morria de medo — ele riu, seu tom era nostálgico —  Éramos grandes amigos, eu, Tyler e ela. Até que um dia... ela simplesente sumiu. E então...

Não sabia como me sentir em relação aquilo. Algo em mim parecia sentir um pouco de pena, mas a outra parte simplesmente não entendia. Senti um calafrio estranho e alguns flashes diante de meus olhos, mas assim que pisquei algumas vezes, a sensação parou.

 — E então...?

 — Bom, era a única lembrança que realmente tínhamos dela. Ele procurou publicar o livro no nome dela, e conseguiu, mas não existem muitos exemplares. Há mais ou menos dois meses, ela foi vista no norte da Califórnia. Dizem que ela se envolveu com o Arcano Treze ou algo assim. Tyler e eu recebemos mensagens pouco antes do sumiço, mas as coisas que ela dizia não tinham sentido. — Ele coçou a nuca e lançou um olhar preocupado a mim. — Ela dizia que tinha encontrado, mas não dizia o que, depois, dava que o número não existia. No dia anterior  nós a vimos pela última vez.

 — Então ela está desaparecida?

 Franklin assentiu.

 — É por aí. Nem a tia dela sabe seu paradeiro. Não comente com Tyler, eles eram muito próximos...

 Avistei o mercado de aparência rústica. Um enorme letreiro amarelo e verde: "D&D Market". Entramos e comecei a procurar ração para gatos. Qual o tipo? Filhotes? Adultos? Puxei meu celular do bolso e tentei mandar uma mensagem para Bernard.

 Sem. Sinal.

 Okay....

 Peguei de filhotes, mesmo. E azar de Bernie se reclamasse, porque toda aquela baboseira estava completamente fora de meus planos. Me dirigi ao caixa, com Frank me acompanhando. Fui pegar uns trrocados no bolso e...

 ....

 Sério?!

 — Tudo bem, Tella — interveio Franklin, sorrindo. — Eu pago.

 — Não, por favor — tentei barrar, mas ele já havia entregue o dinheiro ao atendente, que embrulhava o Whiskas Filhotes em uma sacola de papel. — Não era para ter feito isso.

 Saímos da lojinha, caminhando a passos lentos, de volta a neve.

 — Mas fiz — sorriu brincalhão. — É o mínimo que eu poderia fazer, Stella. Você caiu no gelo!

 — Shhh, fale baixo! — rimos. — O mundo não pode saber desse desastre...

 — Falar baixo que você caiu no GELO? — mais risadas, até que paramos para encarar os olhos um do outro. — Okay, parei. Mas sério, é o mínimo.

 — Podemos falar... sobre aquilo?

— Não quero te atrasar, é uma longa-

 — Eu espero — o interrompi, confiante.

 Ele abriu a boca prestes a falar, mas se calou, encarando o chão. Sua respiração estava calma, e saia um vapor frio de nossas bocas por conta do frio. Estávamos parados entre árvores de gelo, quietos. Apenas respirando.

 — Certo. Vou direto ao ponto: quando eu e meu pai viemos morar aqui, em Connectcut, perto da casa da minha tia, eu ficava lá com minha prima pra que ele pudesse trabalhar — sua voz começou a vacilar. — E... no galpão da casa dela, tinha... — ele piscou algumas vezes e começou a olhar para cima, respirando fundo. — Tinha um pé de cabra... e ela teve a brilhante ideia de me humilhar na frente das amigas. Não é algo sobre o que eu goste de falar... nunca falei sobre isso com ninguém... — ele apoiou a mão direita em uma árvore: — Até você chegar.

 O som de sua voz parecia distorcido, como se meu cérebro emitisse um eco distante de tudo o que dizia. Imaginei que fosse coisa da minha cabeça por ouvir uma notícia tão bombástica, afinal, a cena em que Lolla o espancando com o pé de cabra passava pela minha cabeça naquele momento, estranhamente realista. Primeiro as pernas, para que ele não pudesse reagir, depois... Oh, Franklin, que dor! Lágrimas desciam por seu rosto, subitamente ele parecia desolado, como se não existisse mais felicidade alguma no mundo. Nunca pensei que aquilo o machucasse tanto assim.

 — Eu nem imaginava — coloquei minha mão sobre a sua. — Nossa, Frank, eu... eu sinto muito por perguntar, de verdade. Isso deve ter sido horrível!

 Ele se virou de costas e puxou a barra do casaco junto com a camiseta, revelando uma grande mancha roxa nas costas e uma cicatriz antiga. Levei uma mão a boca e outra ao seu ombro. Senti uma lágrima escorrer por minha bochecha. Nem Karen sabia disso? Os flashes voltaram e, por um segundo, pude jurar que estávamos em minha oficina, eu o vi claramente apoiado em uma das paredes manchadas mostrando a ferida, era como se em momento algum eu ligasse, nem mesmo parecia tê-lo tocado ou chegado perto. 

Quando a sensação passou, estávamos na floresta outra vez, ele estava com a cabeça encostada na parede. Seu casaco estava abaixado como se nunca o tivesse levantado, sua camisa continuava presa dentro das calças. Enquanto me perguntava como ele poderia ter feito aquilo tão rápido, quando se virou outra vez para mim, notei que seu rosto não apresentava nenhum indício do tanto que havia chorado segundos atrás. Nadinha mesmo.

— Eu sou um babaca —  ele disse. 

Prontamente o abracei dizendo que nada daquilo era sua culpa, que estava tudo bem e que eu o entendia. Não conseguia entender por que ele diria algo assim depois de tudo o que havia passado.

Caminhando em silêncio, não conseguia parar de pensar em como Franklin havia sofrido. Estávamos perto da minha casa, mas parecia tão longe, como se os pensamentos escrevessem uma distância. Por quanto tempo Lola teria feito aquilo com o primo? E o mais importante, por quê?

 O que eu poderia dizer para confortá-lo?

"Pode ficar tranquilo, vou vingar suas marcas"?

"Relaxe, eu a matarei por você"?

 Isso apenas o assustaria! Eu apenas fiquei quieta, pensando em alguma maneira de mostrar que ele não estava só. De que o passado não era mais forte.

 Havíamos chegado. Eu estava de frente para o portão, paralisada, pensando intensamente se entraria ou não. Decidi entrar, e calmamente, dei dois passos naquela direção. Isto é, apenas até sentir o toque da mão de Franklin na minha.

Fiquei um pouco tonta e minha cabeça começou a doer fortemente, nunca havia sentido uma dor tão aguda quanto aquela.

Rffn yrzoenaçn aãb é zvaun

Já faziam dois meses? Eu não sabia. Tudo o que eu sabia era descrito em uma única palavra. Dor. Olhei. Encarei as pequenas marcas. Eu tinha furos vermelhos em todos os dois braços, por toda a parte, ardendo, doendo, me deixando tonta. Os pensamentos confusos me atormentavam, e não, eu não aguentava mais!

Mamãe nunca gostou de mim. Por isso ela se foi. Ela e seu bebê. Eles me odiavam. O adultério foi uma prova de ódio. Puro ódio.Papai também não quis ficar. Ele também. Todos eles nos odiavam! Mas mamãe...

Ela me odiava.

Uma lâmpada foi acesa em meu rosto. Fechei os olhos para evitar a luz, os forçando a abrir lentamente. Tudo o que encontrei foi um par de inocentes olhos castanho claro, uma chave prateada, minhas correntes caindo. Quem era ele? Talvez filho do doutor.

 — Meu irmão — implorei, sem forças. Me apoiei sobre o ombro do garoto e fomos até J. Assim que o libertamos, nós três corremos discretamente até o primeiro andar da casa.

 Passamos sorrateiramente pelo corredor, e da cozinha, pude ouvir lamúrios de um monstro impiedoso.

 — Stella... era nosso filho... NOSSO! — o estrondo de um punho colidindo com a mesa de carvalho foi ouvido. Continuamos nosso caminho.

 Me senti traída, lembrando da terrível surpresa que tive ao realizar o sonho de mamãe. Em meio aos restos mortais, eu havia encontrado uma vida que não pôde continuar por causa dela. Nem tinha tamanho, e ela o levou consigo. Aprendi com aquilo que vidas não tinham tanta importância assim, coisa que antes já questionava, mas agora estava claro.

 Chegamos até a porta dos fundos, finalmente. Me virei para o menino de olhos castanho claro e o agradeci, o alertando para manter o sonho em sigilo completo.

 Ele levou um dedo a própria boca e voltou para o interior da casa. Olhei para meu irmão, e juntos, começamos a correr para longe.

 Bem, bem longe.

Por quanto tempo ainda temos que fazer isso? não me sinto muito bem...

Senti minhas pernas fraquejarem. Teria caído, se ele não tivesse me segurado.

 Ele, o garoto de olhos castanhos, que achava que havia sido um sonho, que salvou nossas vidas daquele inferno de lugar. O filho do doutor.

 — Ei, tudo bem? — franziu o cenho preocupado.

 Céus, era ele... era ele! Como pude me esquecer?

 — Sim, eu só... fiquei... tonta. Lembrei de algo ruim.

 Suas mãos continuavam ao meu redor. Nos afastamos um pouco e ele pigarreou.

 — Se importa em falar sobre? Se não quiser, não-

 Arregacei as mangas do casaco vinho, mostrando vários pontos de incisão. Marcas de agulhas. Marcas doloridas. Franklin se calou no instante em que as viu.

 — Ah — foi tudo o que ele disse. — Stella, eu...

 — Te vejo amanhã, na escola — disse sem expressão, abrindo o portão e entrando em casa. Não estava pronta para explicar.

 Não olhei para trás e, provavelmente, foi o melhor a se fazer.


Notas Finais


TOR 13 REHPYC

"Você sabe de quem é?"


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