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História Memórias da Guerra: Dias Sombrios - O Reencontro


Escrita por: PietroStark

Capítulo 2 - O Reencontro


Fanfic / Fanfiction Memórias da Guerra: Dias Sombrios - O Reencontro

CAPÍTULO 02: O REENCONTRO

12 de abril de 2016, Londres, Inglaterra.

Eu acredito, que ás vezes são as pessoas que ninguém espera nada que fazem as coisas que ninguém consegue imaginar.      - Alan Turing

 

Era noite, o asfalto estava molhado, havia chovido mais cedo durante a tarde, agora já eram quase 22:00 horas, Dimitri aguardava a chegada de um velho conhecido, na frente do pub, eles haviam servido juntos na Segunda Guerra Mundial, pelo Exército Vermelho.

Oleg Dimitri estava com seus 92 anos, cabelos grisalhos dos lados, um tanto careca no meio, barba feita, tinha ferimentos de guerra no peito esquerdo, o ferimento fora causado pela explosão próxima de uma mina, matando vários de seus companheiros e deixando-o entre a vida e a morte.  

Um homem se aproximava, os carros passavam com velocidade nas ruas movimentadas de Londres, os sinais abriam e fechavam, pessoas paravam e continuavam a andar, os muitos pubs britânicos sempre estavam cheios, este Pub era conhecido pela sua diversidade nas cervejas, era noite e a cidade estava cheia. Jogo entre os times ingleses Manchester City e Manchester United passava no grande monitor do pub, dava para ver do lado de fora, através das grandes vidraças das janelas, pessoas paravam ali em frente para acompanhar o jogo, mas Dimitri apenas esperava, o silêncio era quebrado pelo som dos carros, seus motores, vez ou outra suas buzinas, uma miragem surgiu no meio da fumaça, entre as esquinas e corredores dos prédios antigos daquela região, se aproximava cada vez mais, com passos largos mas vagarosos, o homem parou diante de Dimitri, abraçando-o em seguida, era Korölenko Junkö, seu semblante era de alguém castigado pelo tempo, apesar de ser um ou dois anos mais novo que Dimitri, havia uma grande cicatriz em seu rosto, passando pelo olho direito, começando na bochecha e terminando acima da sobrancelha, uma bala havia passado pelo seu rosto, cortando aquela região e deixando pra sempre marcado na pele os horrores da guerra.

Ambos entraram no pub ao mesmo tempo, sentaram-se em uma das poucas mesas ainda não ocupadas, os berros lá de dentro poderiam ser ouvidos até mesmo do lado de fora, nenhum dos times tinha feito gol, mas a emoção tomava conta daquele ambiente.

- Boa noite, cavaleiros, mais um ano o senhores aqui, começo a achar que vou partir antes de vocês! – o dono do pub, James Blonfield acenou para os dois enquanto entregava quatro grandes canecas de cerveja, a espuma escorria pelas bordas.

- Então, meu velho, como tem passado a vida no último ano?

- Sabe... não vejo mais a vida como antes, sinto que apenas sobrevivo dia após dia, eu quero viver Junkö! – batendo na mesa, lamentando a vida.

- O que foi que aconteceu? Todo ano nos reunimos nesse mesmo pub, nessa data em especial, mas sabe... em um ano acontecem muitas merdas, por exemplo, minha neta nasceu mês passado, meu velho. – disse Korölenko tentando acalmar o amigo.

- Sua neta? Aquela? Filha de Julienne? Caramba, parece que foi ontem que você me contou sobre a gravidez, meus parabéns! – Dimitri se esforçou para abrir um sorriso.

- Obrigado, obrigado. É verdade, o tempo voa nos dias de hoje, mais do que nunca, às vezes penso que gostaria de ter nascido nessa época em que vivemos, sabe... Toda essa tecnologia de hoje em dia, ontem mesmo meu genro estava me ensinando a mexer nisso que eles chamam de tablet.

- Compreendo, mas sabe Lenko, creio que não estarei aqui ano que vem para nossa reunião de sempre – com uma melancolia no tom da voz, Dimitri completou – estou com câncer.

- Ora, não pode ser, que tipo de câncer? Você é um lutador, como assim? Desde quando está com esse câncer? – assustou-se Korölenko falando rapidamente.

- E você conhece algum tipo de câncer que tenha cura? Não é o caso desse – Dimitri parou por um segundo, parecia ter engasgado com alguma palavra, quando levantou o braço – James! Aqui, traga o de sempre, por favor! E se possível, aquelas batatas rústicas deliciosas de madame Anne, obrigado!

James era o dono, gerente, garçom e ajudante de cozinha do pub. Um homem de meia idade, com cabelos ruivos, barba por fazer, olhos profundos e castanhos, parecia ter trabalhado a semana inteira sem dormir, mas possuía uma carisma como ninguém, madame Ann era a mãe de James que trabalha com o filho no pub.

- É pra já, mãe Russia! – o homem estendeu o braço para ambos, brincava com o fato dos velhos amigos serem russos e sempre se encontrarem, naquela data, em seu pub.

- Dimitri, quanto tempo? – voltando seu olhar para o amigo em sua frente indagando-o.

- Ora, o médico disse que... – Dimitri foi interrompido pelos gritos no local, Manchester City havia feito o primeiro gol do jogo, os torcedores do time gritavam de alegria, enquanto os do time adversário tinham as palmas das mãos sobre a cabeça, alguns tampavam o rosto com a caneca de cerveja.

- O médico disse que...?

- São oito meses, tempo suficiente pra mim, já estou velho e cansado e, agora, sozinho.

- Mas e sua filha Julienne e sua netinha? – espantou-se Korölenko.

- A minha filha tem a vida dela em Bruxelas, junto do marido dela e agora sua filha. – Dimitri parou por um segundo, uma lágrima escorreu de seu olho direito, brilhando como se tivesse acabado de ver a estrela mais linda no céu - Julienne... ela é a coisa mais bela que fiz na minha vida, talvez a única, é o meu orgulho, minhas duas garotas, minha mulher me deixou e não culpo ela. Estávamos casados fazia quarenta e dois anos, ela está pro mundo, assim como o mundo está pra mim.

- Você tem amigos Dimitri e você tem sua família... – Korölenko foi interrompido pelo amigo.

- O que eu tenho? A única mulher que amei me deixou, minha filha e neta moram longe, moro em uma casa grande, não tenho ninguém, nem mesmo empregados para me fazer companhia, Denver morreu faz dezoito anos, meus irmãos todos mortos durante a guerra, meu pai se matou, minha mãe morreu por mim, meus avós? Nunca sequer me conheceram... não tenho tios ou tias, não tenho mais ninguém, nada... nem mesmo uma planta. – grunhiu baixinho Dimitri.

- Sua mãe... não foi sua culpa e você tem a mim, seu amigo.

- Diga isso para meu pai. Ah, conte outra, não temos contato, internet, telefone, nem mesmo cartas! Nos vemos uma vez por ano, pensei que estivesse morto, que não viria até aqui hoje.

- Sinto muito, meu amigo, por tudo isso, sinto que sua vida tenha sido cheia de dor e arrependimento.

- Acredite, ninguém sente mais do que eu. – virando a caneca e dando um gole na bebida, a espuma deslizava pela caneca.

Outro gol, gritava desesperado o narrador do jogo, dessa vez do time Manchester United, empatando o jogo decisivo. As batatas já haviam chegado, a cerveja também.

A noite estava tornando-se uma grande melancolia, os lobos uivavam lá fora, a névoa subia, os tiros ecoavam pelos corredores sem saída, os gritos permeavam o local, e o medo congelava os olhos de cada ser vivo que ali respirava, esse era só mais um dos muitos devaneios de Dimitri, pesadelos que o mesmo tinha nas noites mal dormidas.

Os dois velhos conversaram sobre como a vida poderia ter sido diferente, se ao menos tivessem tentado seguir por caminhos opostos. A noite fora longa, o time de Manchester, os Red Devils, como era conhecido o Manchester United pelos seus torcedores, venceu o adversário pelo placar de 2x1, a comida era boa, a bebida ia e vinha, do balcão até as mesas, as vozes eram muitas, estavam cansados, James ia fechar o pub, os velhos foram os últimos a saírem, despediram-se da senhora Ann e em seguida de James, que bravejou antes que a porta fosse fechada:

- Vejo os senhores aqui ano que vem novamente!

Os dois amigos sorriram, acenaram e fecharam a porta, sem dizer nenhuma palavra.

- Bem, é isso, até ano que vem, meu velho companheiro! Acredite, você irá estar aqui, vivo e forte como nunca antes. – dizendo tais palavras Korölenko abraçou Dimitri, despedindo-se, seguindo em direção a escuridão e entrando novamente no meio dos corredores e esquina, entre os prédios antigos.

Oleg estava deprimido, queria acreditar com tanta veracidade o que o amigo dizia, mas sabia que, no fundo, a morte aguardava-o fazia tempo. E talvez, ainda mais no fundo, ele sabia, tentando esquecer, ele a merecia, o homem caminhou pelas ruas da cidade, olhando tudo ao redor, parando e gastando um pouco de seu tempo fitando o céu e as estrelas, as pessoas estão ocupadas demais com suas telas de smartphone, seus jogos e suas televisões caras, desperdiçam um tempo precioso pra vida, quando bem acima de suas cabeças, além da sua compreensão, está um evento único, belo e puro, algo que nem mesmo o homem seria capaz de criar, algo que sempre esteve e sempre estará para aqueles que dispuserem um minuto de seu tempo, contemplando as estrelas e a imensidão de suas luzes, ofuscando toda e qualquer criação concebida pelo homem, aquilo sim é um evento único.

Na imensidão da noite, as luzes iluminavam as calçadas enquanto Oleg Dimitri adentrava o portão de sua casa, as luzes das janelas do segundo andar estavam acesas, um provável esquecimento do idoso.

Passando pelo hall de entrada e dirigindo-se diretamente para grande salar de estar, com poltronas reclináveis e sofás de canto, um grande tapete bali bege, no centro da sala, uma pequena mesa de vidro com conhaque e dois copos, Oleg sentou-se em uma das poltronas, ao lado da lareira, pegando a garrafa de conhaque e abrindo-a, levou a boca e antes que pudesse bebê-la tudo pareceu esbranquiçar, e as lembranças de seu passado voltaram como um lapso nervoso... Dimitri agora estava caído no chão da sala, a garrafa ao lado do corpo, manchando o tapete com a bebida.

União Soviética, entre 1924 à 1937.

É uma manhã de inverno em 1924, nasce Oleg Dimitri MikhailoDimitrov, fruto do amor entre duas pessoas, um amor que se perderia mais tarde. A família materna da mulher desaprovava o relacionamento, bem como a gravidez, mais um filho nascido, a desaprovação eram gritantes, existia um preconceito já que a família do homem vinha de origem humilde e na fazenda, todos abandonaram o casal e seus filhos. O pai abusava de Dimitri quando criança, tendo sofrido diversas formas de abuso, físico e psicológico, Dimitri era o caçula de cinco irmãos, todos homens, todos filhos de um pai, todos filhos sem mãe, a mesma morrera durante o parto do mais novo da família Dimitrov, Oleg sempre foi culpado pelo pai por ter sido o responsável da morte de sua esposa, os irmãos assistiam os abusos diariamente e nada faziam, talvez por medo, medo de sofrerem o mesmo, talvez porque gostassem e culpassem o irmão caçula pela morte da mãe, assim como o pai fazia-o.

Sempre sofria na mão do pai, a família materna abandonou todos eles, o pai Kläszkic Mikhail, tornou-se um alcoólatra com o passar dos anos, transformando-se em um homem violento, sem escrúpulo nenhum. O pai suicidou-se alguns anos mais tarde, depois de anos de tortura e abuso, a vida no álcool e a depressão o levaram a morte, se enforcando na noite de 12 de Abril de 1937, um dos irmãos de Oleg, Blackzskovics MikhailoDimitrov, nutria uma grande amizade pelo irmão mais novo, tendo sido o único a se opor contra o pai por conta dos abusos sofridos pelo irmão, uma ou duas vezes apanhou no lugar de Dimitri, outras evitou que o irmão apanhasse, saiam para brincar no grande campado da família, às vezes no balanço perto de uma grande árvore, em frente ao rio. Margareth Isla Dimitrov, a mãe dos garotos, ela havia feito o brinquedo meses antes do nascimento de Blackzskovics, o irmão protetor, sendo este o filho mais velho.

União Soviética, Exército Vermelho, de 1937 à 1943

Os irmãos todos foram pra guerra mais cedo. Passado, presente e futuro. Dimitri estava sendo treinado pelo Exército Vermelho, a Segunda Guerra Mundial já havia estourado.

 O ar estava pesado, uma fumaça negra mesclava-se à neblina, que era quase palpável. Suas narinas sentiam o gelo do ar passar por elas, rasgando-as em uma ardência natural do frio, culminando em um choque térmico que lhe dava um gosto cinzento na boca, como se aquele ar gelado fosse um cigarro que o obrigavam a fumar à força, o que lhe remeteu às vozes infantis do seu passado cinzento, vozes estas que ainda ecoavam de forma dolorosa em sua mente.

Cada tiro, cada passo, ninguém poderia saber, todos estavam indo para a morte, não esperavam voltar pra casa.

Ninguém esperava. Mas o Exército Vermelho estava prestes a cometer uma das maiores atrocidades da Segunda Guerra Mundial e da história, o fim da Guerra se aproximava e lá estava Berlim.  



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