História Memórias de uma Judia - 1945

Foi numa noite fria. Acho que estavam uns oito ou dez graus negativos. O céu estava estrelado e eu sentia o cheiro de terra molhada. Você entende isso? Eu sentia um cheiro que não era de carniça, pela primeira vez em anos. Eu sentia algo.

Começamos a caminhar lentamente em direção à liberdade. Mas para que lado fica? Eu não sei.

Era agonizante andar. Meu corpo não tinha forças para me sustentar, eu deveria pesar quarenta quilos no máximo e, veja bem, eu tinha trinta e dois anos. Depois de vinte ou trinta passos, minha respiração ficou curta, meu coração batia forte e minhas pernas cederam.

Nós ainda precisaríamos atravessar uma geleira e eu não sabia se conseguiria. Implorei para meu marido me encontrar um pouco de água, mas não havia água para ser encontrada.

-Precisamos seguir em frente. Estamos quase lá.

E eu sei que meu marido mentiu ao dizer isso. Não estávamos “quase lá”. Mas a minha filinha, ela estava viva. E eu precisava fazer de tudo para levá-la viva em direção ao hospital, eu precisava ajuda-la.

Eu forcei meu corpo a seguir em frente quando retomei um pouco de força. Os panos sujos que cobriam apenas uma pequena parte do meu corpo estavam rasgados. Eu não tinha vergonha e nem me senti perturbada. A modéstia havia me abandonado há muito tempo.

Meu corpo inteiro tremeu e pensei que teria uma convulsão, mas permaneci. As pontas dos dedos do meu pé grudaram na geleira e eu não tinha força para levantá-los. Caí mais uma vez dolorosamente no chão congelado.

-Quase lá, quase lá.

E me levantei com muito esforço. Finalmente, depois de uma longa caminhada, minha família inteira chegou à entrada do hospital. Minhas pernas duras de sangue seco se recusaram a me levar mais longe. A força e a vontade de seguir me abandonaram.

Eu disse ao meu marido que ele seguisse em frente, encontrasse alguém para voltar por mim e levasse nossa filha a salvo. Não havia escolhas a serem feitas.