1. Spirit Fanfics >
  2. Memórias Rasgadas >
  3. Capítulo XII

História Memórias Rasgadas - Capítulo XII


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Obrigada pelos comentários, mensagens, favoritos e a todos os que têm acompanhado o enredo!

Capítulo 12 - Capítulo XII


Capítulo XII

 

Entre trabalhos e exames da faculdade, part-time, sessões de estudo na biblioteca e encontrar algum tempo para estar com Armin e ajudar Nanaba, Levi foi empurrando a preocupação ou curiosidade acerca do que se passava com Eren para um canto. Só que no fundo, Levi sabia que a rotina podia quebrar a qualquer momento, mas não imaginou que fosse começar daquela forma.

O professor de Análise Numérica pediu que ficasse na sala de aula após a conclusão do exame que já tinha entregado e com a sala vazia, perguntava-se por que razão o professor queria falar com ele.

– Ackerman. – Começou e Levi encolheu-se ligeiramente ao escutar o seu apelido de família que tanto odiava. – Sabes por que motivo quero falar contigo?

– Não, senhor. – Respondeu com um nó na garganta, pois o professor não parecia nada satisfeito.

– Não fazes mesmo ideia?

– Não, senhor. – Repetiu, tentando encontrar uma razão para aquilo e ambos não repararam em alguém que ia entrar na sala, mas parou e ocultou a sua presença. Permaneceu perto da porta, mas fora do campo de visão dos dois.

– Lembras-te do trabalho de grupo que pedi que fazerem na aula anterior?

– Ah sim. Havia algum erro grave? – Tentou arriscar, sentindo o nó na garganta cada vez maior. Desde que tinha entrado naquele curso, considerava-se um aluno até bem razoável e não costumava ter problemas para compreender e aplicar os conhecimentos.

– O trabalho estava praticamente impecável, mas não estou a falar do conteúdo e sim dos nomes que não aparecem no trabalho. – Viu a surpresa nos olhos cinzentos. – A tentar ficar com todo o crédito e dar nota zero aos teus colegas?

– Ah, eu…

– Ou os teus colegas não colaboraram e tu pensaste que podias dar-lhes uma lição? – Questionou e sem dar oportunidade ao aluno de tentar responder, continuou. – Quem dá as notas sou eu. Não és tu que tens que avaliar os outros e se tinhas algum problema com os teus colegas, falavas comigo em vez de optar por vias mesquinhas. O que foi? Não tens boca para falar? Os cobardes agem assim quando confrontados. Não te adianta ser inteligente, se… – O discurso foi interrompido pelo som de saltos altos a adentrar a sala e o professor olhou para a colega que acabava de entrar sem pedir licença.

– Professor João Soares, bom dia. – Sorriu, olhando de soslaio para o ar cabisbaixo de Levi que permanecia em silêncio.

– Professora Reiss. Muito bom dia. – Disse um pouco ruborizado pelo sorriso que recebeu e também pela aparência sempre atraente da colega. – Posso ajudar em alguma coisa?

– Há uma semana que tenho utilizado esta sala porque o anfiteatro e a minha sala habitual de aulas está sob reforma com os novos computadores. – Explicou, pousando a mala sobre uma das mesas. – Ia esperar até que a conversa com o teu aluno terminasse. – Acrescentou. – Só que não quis acreditar no que estava a ouvir.

– Como? – Perguntou o professor e mesmo Levi olhou discretamente para a professora que não afastava o olhar do colega.

– Exatamente o que ouviu. – Disse, colocando uma mão na cintura. – Não acredito no que tive que ouvir e nem admito que fale assim com ele ou qualquer outro aluno. O Levi é um ótimo aluno. Inteligente, dedicado e cumpridor e se o professor Soares perdesse menos tempo no telemóvel ou no computador a fazer coisas não relacionadas com as aulas, teria notado isso e saberia que está a ser injusto. Não o posso culpar por ter colocado o nome dele num trabalho que aposto que o fez sozinho, não foi? – Olhou para Levi que um pouco incrédulo, apenas assentiu. – Como você mesmo admitiu o trabalho estava impecável e sabe tão bem como eu que foi ele a fazer e que só não disse nada porque o professor Soares estava tão interessado na aula com os seus alunos estariam interessados no trabalho.

O professor levantou-se irritado.

– Não admito que fale assim comigo! Quem pensa que é? Ele nem é…

– É meu aluno também e conheço bem a forma de trabalhar dele, assim como a sua. Por vezes partilhamos os mesmos espaços e posso testemunhar ao vivo ao seu desinteresse nos alunos e nas aulas.

– Não penses que estás num pedestal, Reiss! O diretor…

– O diretor Pixis ficará a saber da forma questionável como trata os alunos e dá as aulas, caso decida repetir um episódio destes. – Disse com um tom sério e seco. – Os cobardes usam ameaças vazias, os outros trabalham.

O professor recolheu as próprias coisas e saiu da sala, dizendo entre os dentes qualquer coisa como “isto não vai ficar assim”. Historia esperou que o colega abandonasse por completo a sala antes de sorrir e dizer:

– Estás bem? Não deixes que aquele energúmeno te faça acreditar que és algum cobarde. Ele não tinha o direito de repreender-te daquela forma. – Sorriu. – E sei perfeitamente que és bem mais interessante fora do contexto das aulas. – Viu confusão nos olhos cinza e riu. – Desculpa, mas Ymir tinha uma foto bastante interessante no telemóvel dela.

Pensei que preferisse manter a distância”, pensou o jovem surpreendido. 

– Eu…

– Desculpa, não queria deixar-te desconfortável. É verdade que é a primeira vez que falo contigo fora do contexto das aulas e já devia ter dito qualquer coisa. Esta foi uma boa ocasião para tentar retribuir o favor que fizeste e não comentar com ninguém o que viste.

– Não foi um favor. Simplesmente não era um assunto meu.

– Mas eu agradeço na mesma. – Insistiu. – E se aquele professor de meia tigela tentar prejudicar-te falar comigo e eu resolvo o problema junto do diretor. Ele não te pode tratar daquela forma.

– Eu agradeço, professora Reiss, mas não quero criar problemas.

– Nada disso. Acredita que o único que terá problemas é ele. – Sorriu novamente. – Pronto, acho que já te roubei tempo livre suficiente, podes ir e qualquer coisa vem falar comigo.

– Obrigado, professora Reiss.

Abandonou a sala de aula sem qualquer intenção de correr à professora. Podia ser só uma suspeita, mas o professor João Soares poderia acabar por querer prejudicar a docente de Direito e tudo por causa dele. Mesmo que tivesse a certeza que Ymir e Historia guardassem bem o segredo relativamente ao relacionamento, ele temia que se alguém quisesse perturbar e complicar a vida das duas, seria mesquinho e persistente a ponto de descobrir o que havia entre elas. Podia transformar-se num inferno porque quando as pessoas descobriam um segredo teu, tentavam arrancar todos os outros e inventavam tantos outros para atormentar o alvo. Ele conhecia essa sensação, aliás viveu isso na pele.

Depois desse episódio foi até à biblioteca para estudar para os outros exames até que teve outra aula e em seguida o part-time, onde devido à afluência de pessoas foi obrigado a servir mesas. Sempre que regressava ao balcão, o gerente reclamava que tinha que falar mais alto e parar de evitar contacto visual com os clientes. Levi pedia desculpa e voltava ao trabalho.

A certa altura viu Jean entrar acompanhado por duas raparigas. As duas traziam livros de Direito nas mãos e Levi recordou-se que Armin tinha referido que Jean estudava Direito, portanto, as raparigas deviam ser colegas de curso. Uma de cabelos ruivos, olhos castanhos e com várias sardas no rosto que ria e tocava no braço de Jean. A outra de cabelos castanhos e olhos com o mesmo tom ajeitava a saia curta, mantendo o sorriso divertido, consequência provável da conversa que estariam a ter.

Contrariado, Levi viu que não teria outra escolha se não atender a mesa dos três. Se Hitch também não estivesse a desprezá-lo como os outros, até podia ter pedido para que ela se ocupasse daquela mesa. Só que a colega estaria a rogar-lhe todas as pragas depois de ele recusar-se a dar o contacto de Marco.

– Boa tarde. Então, o que vai ser?

– Para mim pode ser…

– Huh? Não percebi. – Interrompeu Jean. – Fala mais alto. – E as duas riram enquanto Levi manteve o silêncio.

– Deixa o coitado do rapaz. – Disse a estudante de cabelos castanhos. – Traz-me um Ice Tea limão e uma fatia daquele bolo de morango que têm na vitrina.

– Para mim um chocolate quente e um croissant simples. – Disse a ruiva.

– Para mim um café e o livro de reclamações se não vir um sorriso quando trouxeres os pedidos.

O jovem de cabelos negros ignorou o comentário e afastou-se, indo até ao balcão preparar tudo, visto que os outros colegas também estavam ocupados com outros clientes. Após a preparação do pedido, serviu os três e ignorou novamente as provocações de Jean mesmo que a certa altura, já estivesse a chamar a atenção de outros clientes. Esses que como esperava não se incomodavam com aquilo, pelo contrário também riam sempre que ele passava. Nem mesmo os colegas de trabalho disfarçavam e cada vez que deixava o balcão, sentia os olhares e sorrisos maldosos na direção dele.

Por mais memórias que momentos daqueles despertassem, tentou manter tudo dentro dele. Já sabia como aquilo funcionava. A partir do momento que demonstrasse parte fraca, tudo iria piorar. O que não esperava é que num desses momentos em que segurava uma bandeja cheia, um pé fosse colocado à sua frente e sem que tivesse tempo de parar, tropeçou e caiu de joelhos. Derramou tudo e partiu também copos e chávenas ao mesmo tempo que estragava também os bolos.

Os risos ecoaram mais alto.

Podia ver-se novamente no refeitório da escola. Tantas vezes experienciou aquele tipo de humilhação que teoricamente devia tornar a situação um pouco mais suportável. Porém, a teoria não vencia a realidade e por isso, teve que engolir em seco quando sentiu a visão embaciar-se um pouco.

Não, aqui não. Não posso. Tenho que aguentar”, dizia a si mesmo enquanto se levantava um pouco trémulo e viu que nenhum dos colegas trazia nada para limpar. Engoliu as lágrimas e abaixou-se para recolher os cacos maiores para a bandeja, tentando ignorar os comentários e risos.

– Não te esqueças deste bocado aqui!

– Olha aqui esta nojeira que fizeste.

– Muito lento, não achas?

– Vá, olha um bocadinho para a câmara!

Depois dirigiu-se ao balcão onde o gerente lançou mais um olhar desaprovador e ele desculpou-se pela milésima vez naquele dia. Ia buscar a vassoura e esfregona quando viu Hitch aparecer e entregar-lhe os referidos objetos sem dizer uma palavra.

– Obrigado. – Murmurou de forma quase inaudível antes de ir limpar no meio dos olhares atentos.

No fim, o gerente ordenou que fosse tratar do lixo, dizendo que esse devia ser o único talento que o jovem de cabelos negros tinha. Assim, o turno dele terminou a deparar o lixo no exterior, apesar da chuva que caía há algumas horas.

A caminho de casa recebeu algumas mensagens de Armin, mas Levi disse que não se iriam encontrar naquela noite porque tinha ainda matéria para estudar. Essa era parte da verdade, ainda que ele também não quisesse ver ninguém depois do dia que estava a ter. Queria estar sozinho.

Felizmente Hitch emprestou-lhe um guarda-chuva, caso contrário estaria encharcado quando chegasse a casa. A colega que também o atormentou nos últimos dias parecia sentir-se culpada ou ter pena. Qualquer que fosse o motivo, ela apenas atuava em silêncio e incapaz de encará-lo.

Não que ele se queixasse. Até era melhor assim.

Pelo caminho, Levi surpreendeu-se ao encontrar Kuro que miou enquanto ele passava perto de alguns carros estacionados. Ele parou de imediato, conhecendo o som e ao abaixar-se viu o felino que miou novamente antes de saltar para os braços dele.

– Hei, hoje era uma boa noite para ficares com a Nanaba. – Disse, sorrindo um pouco ao sentir a cabeça do gato contra o queixo dele. – Obrigado, Kuro. – Deixou escapar, continuando a andar.

Nanaba já lhe tinha dito mais do que uma vez que os animais sentiam e sabiam quando alguém precisava de carinho. Ele acreditava nisso cada que Kuro o fazia sentir-se daquela forma e se aconchegava mais perto dele.

Quando estava a chegar ao apartamento, surpreendeu-se ao ver o senhorio parado perto da porta.

– Finalmente dás a cara. Sabes que não podes fugir para sempre.

– Eu… – Começou, sentindo-se bastante confuso. – Fugir?

– Não tenho que aturar caloteiros!

– Caloteiro? – Repetiu com um nó na garganta. – Mas eu já paguei a renda.

– E estás à espera que eu pague a conta da luz?

– Conta da luz? – Falou, tentando recordar-se de ter recebido algum envelope com isso. É verdade que quase só vinha a casa para dormir por causa das coisas que teve para fazer nessa semana, mas mesmo assim, ele nunca se tinha esquecido de pagar uma conta.

– Não te faças de desentendido!

– Mas o senhor não me deu a conta para pagar e mesmo que quase não tenha estado em casa esta semana em outras ocasiões deixou debaixo da porta e…

– Não venhas com histórias! Entreguei ao teu amigo, portanto, faz o favor de pagar o que deves!

– Entregou ao… só um minuto. – Disse, abrindo a porta e ao entrar no apartamento, encontrou o moreno no sofá. Estava deitado, mas com o telemóvel na mão. – Onde está a conta da luz?

– Não sei. – Respondeu com descaramento.

– Vou perguntar de novo, onde está a conta? – O gato saltou dos braços dele para o chão.

– Já disse que não sei. Não faço ideia do que estás a falar. – Respondeu num tom cínico.

– Quero o dinheiro e não ouvir estas discussões ridículas e ensaiadas! Eu já ouvi muitas histórias e não nasci ontem! – Disse o senhorio parado na porta.

Vendo que claramente o homem de idade e bastante irritado não iria acreditar em nada do que dissesse e também que Eren não iria colaborar, optou por solucionar o problema de outra forma.

– Quanto é a conta? Diga e eu dou-lhe o dinheiro agora. – Falou e viu o senhorio observá-lo por alguns instantes antes de responder.

– Cerca de 90 euros.

– Noven… – Murmurou com um ar incrédulo, mas como não tinha o papel para provar e argumentar, foi até ao quarto de onde voltou com o dinheiro em questão. Tinha sempre uma parte do salário em casa, caso surgisse algum imprevisto ou mesmo para pagar diretamente as contas ao senhorio. Ainda que naquele caso, a quantia fosse bem mais elevada do que o habitual.

Contudo, optou por pagar e não prolongar a discussão até porque não tinha como provar e o senhorio não parecia aberto para conversar sobre o assunto. Depois de receber o pagamento, o homem saiu pouco depois e já sentado no sofá, Eren disse:

– És tão otário. Sabes que te roubou, certo? Porque não me acusaste? Ou porque não te recusaste a pagar?

– Sei que fizeste isto de propósito. – Falou, indo até frigorífico.

– Claro e volto a fazer de novo. Quero ver o quão otário, podes ser. – Respondeu e enquanto se levantava, deixou escapar outra vez mais uma expressão de dor que passou despercebida, pois Levi estava de costas. – Não tens vergonha de ser assim ridículo? Devias ter visto a tua cara. Só te faltou chorar e pedir desculpa enquanto eras roubado.

Levi caminhou em direção ao quarto onde já estava Kuro e fechou a porta à chave. Mudou de roupa enquanto ligava o computador. Tudo em gestos mecânicos e em seguida, sentou-se na cama. Forçava-se a engolir o nó na garganta, tentando concentrar-se no conteúdo de um vídeo de um youtuber que costumava seguir, mas a mente viajava pelos acontecimentos daquele dia.

Então reparou que tinha um email do professor de Análise Numérica com o assunto “Nota dos Trabalhos”. Ao clicar no email, encontrou uma tabela com as notas e seguindo a coluna e linha correspondente ao nome dele, teve que confirmar várias vezes, sentindo uma espécie de murro no estômago.

– Zero. – Murmurou incrédulo e os colegas cujos nomes não acrescentou no trabalho, tinham classificações diferentes. Todos com dezoito. A nota que devia ter sido dele estava atribuída aos colegas que não fizeram nada. Aquele trabalho também influenciaria a nota final, portanto, mesmo que tivesse uma boa classificação no exame, aquilo mancharia a média e consequentemente, o resultado final do semestre.

Tudo por causa de uma estupidez. Aquele professor estava disposto a ignorar as capacidades dele, o esforço e dedicação. Tudo para lhe ensinar uma lição por mais injusto que tudo aquilo fosse.

Com os olhos no ecrã e com tudo errado que tinha acontecido naquele dia não foi capaz de segurar as lágrimas. Cobriu a boca, questionando por que razão tudo parecia dar errado na vida dele. Por mais que tentasse manter-se à margem das coisas, tudo acabava por desmoronar.

Fechou os olhos e ouvia outra vez os risos à sua volta. Esses que sempre o acompanharam ao longo da vida. Havia sempre alguém que queria rir de tudo o que de errado acontecia na vida dele. Em casa, na escola, na rua e claro, na faculdade não era diferente. Mesmo os olhares de desconhecidos que tantas vezes viu, não conseguia olhar para eles sem ver vontade de rir. Como se o mundo inteiro risse dele. Como se a existência dele fosse de facto, ridícula. Como se as poucas coisas boas que acontecia ou que tentava fazer, sumissem mediante os risos, as ofensas, os golpes no corpo, os cortes na alma.

Estava tão cansado de sentir-se daquela forma, de viver aquele ciclo interminável. Não era paranoia. Tudo despedaçava-se sempre. Despedaçava-se com ele no meio da multidão que ria dele. Despedaçava-se quando chegava ao quarto e se encontrava mais sozinho do que nunca. As palavras nunca seriam suficientes para explicar aquela tristeza enraizada e aquela vontade de não acordar no dia seguinte. Aquela vontade de gritar alto e sonhar que com isso, parte daquela dor saísse. Mas não saía. Sangrava sempre mais e não podia, não era capaz de explicar uma coisa dessas à melhor amiga ou mesmo a Armin. Das duas uma: ou tentariam dizer-lhe que nem tudo era assim ou ficariam sem saber o que dizer. Qualquer uma das opções faria com que no fim, acabasse por forçar mais um sorriso e dizer que não se preocupassem e que tudo acabaria por melhorar. Mesmo que ele não acreditasse nisso. Mesmo que há muito tempo não acreditasse em nada.

Não, ela também está com exames. Vou preocupá-la como sempre e não quero fazer isto ao Armin porque está na mesma situação e não merece lidar com isso. Alguém que tem uma visão tão bonita do mundo não devia ser estragado por mim. Não devia ouvir como me odeio, como quero desaparecer, como desejo qualquer coisa que faça isto parar. Por pior que seja, só quero um remédio definitivo. Quero ter o direito de parar de sofrer. Quero ter o direito de parar, desistir e…”, abafou o soluço ao recordar o rosto de Hanji, a testa dela encostada à dele, prometendo que iria melhorar e implorando que não deixasse de acreditar nisso.

Abriu os olhos embaciados pelas lágrimas, deixando o computador de lado. Não ia conseguir ver nada, distrair-se com nada enquanto não cuidasse daquela dor que o engolia. Mais uma vez por ela, não iria ceder aos pensamentos suicidas, mas precisava de uma alternativa. Não queria sair do quarto. Não queria que Eren o ferisse ainda mais. Não queria que ele fosse a razão de um deslize definitivo, mas teria que encontrar uma solução.

Saiu da cama e ajoelhou-se diante da cama, puxando a caixa onde guardava maioritariamente os medicamentos. Como precisava de levantar-se cedo na manhã seguinte, sim era irónico que pensasse em despertar no dia seguinte, quando o desejo dele era o oposto. Porém, agarrou-se mais uma vez aquela ténue promessa que fez à amiga para não desistir e lutar mais um pouco mesmo que estivesse a afogar-se. Cada fôlego era doloroso, mas ele ia tentar só mais um pouco.

Abriu a caixa, desviando as inúmeras caixas. Algumas vozes dentro da sua cabeça diziam-lhe que bastaria uma daquelas caixas, na dose certa e não veria o dia seguinte. Forçou-se a não pensar nisso e encontrou ao fundo da caixa, as ligaduras e as duas lâminas.

Viu os olhos cinza, um pouco avermelhados refletidos numa das lâminas e levantou-se, indo até ao guarda-roupa de onde retirou uma t-shirt velha. Depois voltou a sentar-se no meio do quarto e sob os olhos atentos e quem sabe, tivesse imaginado alguma tristeza, viu Kuro observá-lo. Baixou o rosto, puxando uma das mangas da camisola para cima. Não queria ver o animal a olhar para ele.

– Isto é melhor do que sentir toda esta merda cá dentro. – Murmurou e começou a rasgar lentamente a pele perto do pulso, sentindo alívio com as primeiras sensações de dor que o atravessaram e ajudaram a desviar as atenções de todo o resto. Aquele foi o primeiro de muitos outros cortes daquela noite.

Não se orgulhava de o ter feito e inclusive pensou em cortar o suficiente para não acordar, mas com tristeza, despertou na manhã seguinte com a certeza que teria somente perdido sangue suficiente para que a consciência o abandonasse. Não o suficiente para partir. Ainda não.

Pela manhã, limpou os ferimentos onde colocou as ligaduras. Recolheu a t-shirt ensanguentada a que juntou outras roupas sujas e saiu cedo para ir à lavandaria. Quando saiu Eren estava a dormir e ainda que o sol timidamente se mostrasse no céu, Levi preferia até que o céu estivesse bem nublado. Os olhos vermelhos e inchados sofreriam menos com a luz e receberia também menos olhares.

Depois da lavandaria onde aproveitou o Wi-fi do local para passar o tempo no Tumblr e ver outras coisas na internet, dirigiu-se ao supermercado para comprar algumas coisas. Respondeu também a algumas mensagens de Hanji e Armin para assegurar que estava tudo bem. Nenhum deles imaginava o tumulto interno que viveu e como desejava não estar ali naquele momento.

Levi observava as coisas à sua volta e perguntava-se várias vezes quando seria a última vez que veria tudo aquilo. Desejava que o tempo que lhe restava fosse curto. Às vezes desejava que alguma coisa fugisse ao seu controlo e dessa forma pudesse abandonar tudo sem que Hanji ou Armin se sentissem culpados. Se fosse um imprevisto, um acaso, eles não podiam experienciar culpa e mesmo a tristeza passaria com o tempo.

Com esses pensamentos deprimentes em mente, regressava ao apartamento mais uma vez na companhia de Kuro. Porém, antes que pudesse pensar em retirar as chaves do bolso depois de colocar as sacas no chão, ouviu vozes exaltadas dentro de casa.

– Pensas que és quem, Eren? Agora não tens um caralho e estás com todo este drama quando sabes que vais precisar de mim outra vez! Mais ninguém quer saber de ti!

– O mundo não gira ao teu redor, Jean!

– Ah, já sei. Estás a querer tentar contar com a sem-teto da Annie? Ela não tem onde cair morta porque é uma atrasada como tu!

– Não fales assim dela! Lava a boca antes de falar dela!

– Se não o quê? Achas que tenho medo das tuas ameaças?

Com um nó na garganta, Levi questionava-se se devia esperar que a discussão terminasse antes de entrar. Aquele tipo de situação também lhe provocava más lembranças. Quantas vezes ouviu discussões em casa? Quantas noites não conseguiu dormir? Quantas noites se perguntou se alguma vez as coisas iriam mudar?

A discussão continuava e como não sabia quando iria terminar, resolveu entrar em casa. Tentava apostar na possibilidade de que isso servisse como motivo para que parassem. Até porque mesmo que fosse quase hora de almoço, nada garantia que alguém não fosse fazer queixa ao senhorio por causa do barulho e Levi não queria mais problemas com ele.

– Olha, chegou o teu amigo, Eren. – Comentou Jean e Levi passou sem dizer nada.

– Não tentes desviar o assunto. Já disse que…

– Ah já sei porque ainda não saíste deste buraco. Encontraste um saco de pulgas daqueles que gostas tanto. – Disse com desdém ao ver o gato que eriçou os pêlos enquanto Levi abria a porta do quarto.

– Jean deixa o gato e…

– E o quê? – Interrompeu. – Tu não me dás ordens e nem me dispensas assim! – Berrou.

Várias coisas aconteceram em simultâneo. Ao ver que Jean ia avançar na sua direção, Eren recuou ligeiramente num ato reflexo com receio de que a dor que ainda não tinha desaparecido, voltasse a piorar. Quem sabe o felino tenha visto esse receio ou simplesmente não tenha gostado do tom agressivo e alto de Jean e por isso, cravou as garras nas pernas dele. O moreno surpreendeu-se com o comportamento do gato e tentou dizer a Jean para não fazer nada ao animal, mas não teve tempo. Sem pensar, Jean deu um pontapé no gato que ao tentar atacar de novo, recebeu outro pontapé mais forte e bateu contra o frigorífico, miando claramente numa grande queixa de dor. O gato continuou com um miar sofrido e Jean não parecia satisfeito, pois entre palavrões ia na direção do animal até que Levi que tinha paralisado por momentos, apareceu na frente dele. Jean recebeu um murro certeiro no rosto.

– Tenta bater em mim, filho da puta! – Esmurrou novamente Jean e agarrou nos cabelos desse que tinha caído no chão. Nem teve oportunidade de impedir todas as vezes em que teve o rosto esfregado e empurrado contra a parede sob o olhar de choque de Eren. – Nunca mais pisas aqui, entendeste?! – Afastou o rosto ensanguentando da parede e arrastou o jovem desnorteado pelos cabelos e também com alguns pontapés colocou-o fora do apartamento. – Aparece aqui outra vez e faço-te desaparecer, filho da puta! Ninguém vai saber o que aconteceu e se alguém te encontrar, nem a tua família vai saber que és tu! Cobarde de merda! Fora daqui!

Ainda o pontapeou mais uma vez para a zona das escadas e viu que Jean tentava colocar-se de pé, mas teria dificuldades nos próximos minutos. Não ficou lá para ver e virou as costas, voltando para casa e após fechar a porta com violência, olhou para Eren.

– Aquele filho da puta entra aqui novamente e os dois têm o mesmo destino, entendido?

O moreno apenas conseguiu assentir e logo viu a expressão preocupada aparecer na cara de Levi ao ouvir Kuro miar ainda no chão e sem conseguir levantar-se. O jovem de cabelos negros foi ao encontro do gato com as mãos trémulas e abaixou-se perto dele.

– Desculpa, Kuro. Deixa-me ver… – O gato miou alto mesmo que estivesse a tentar colocá-lo nos braços com cuidado. – Eu sei que dói, mas deixa-me pegar em ti. Tenho que te levar, ok? Precisas de um veterinário. Shh, vai ficar tudo bem.

– Ah… – Balbuciou Eren. – Queres ajuda?

– Fica longe de mim. – Respondeu num tom ríspido.

– Hei, eu estou preocupado ok? Mesmo que o Kuro não goste muito de mim, eu… – Disse num tom que se dividia entre o magoado e preocupado. – Eu quero ajudar. Deixa-me ajudar. Ele está a sofrer.

– Traz-me um casaco para o cobrir. – Disse, optando por aceitar alguma ajuda visto que não poderia mover-se muito com Kuro nos braços. – Tenho que o levar e se começar a chover…

– Eu levo guarda-chuva e vou contigo. – Ofereceu-se e Levi olhou de soslaio. – A sério, esta não era hora para discutirmos. Ele precisa de ser visto por alguém.

Depois de envolverem o gato no casaco e nos braços de Levi, saíram pouco depois. Ao ter que abrir o guarda-chuva, aliás mesmo antes a descer degraus e em alguns movimentos apressados pela casa, Levi notou diversas vezes uma expressão de dor no rosto do moreno que ignorava esse desconforto em favor de se apressarem. Notou também pela primeira vez em dias, que havia algumas manchas negras a desvanecer no rosto dele.

– Estás bem?

A pergunta apanhou Eren desprevenido. Foi a tal surpresa que quase deixou o guarda-chuva cair e para equilibrar o mesmo, teve que fazer mais um movimento que lhe causou desconforto.

– Isso não importa agora. Foca-te no gato. – Respondeu até um pouco sem jeito.

Há uns minutos atrás Levi parecia preparado e capaz de fazer com ele, o mesmo que fez com Jean. Agora a mesma pessoa perguntava se ele estava bem. Algo que nem mesmo o namorado, melhor dizendo, ex-namorado fez e este último era o responsável pelo agravar da situação. E depois do que tinha feito a Kuro, Eren chegava até a desejar que o castigo do outro tivesse sido pior.

Quanto a Levi escolheu não insistir até porque Eren tinha razão. A prioridade naquele momento era tratar de Kuro. Depois de caminharem por vários minutos, os dois chegaram à clínica veterinária onde o jovem de cabelos negros já tinha ido algumas vezes na companhia de Nanaba. O veterinário, um senhor de idade, cabelos grisalhos, óculos de hastes finas e pequenos, e uma barba farta sorriu ao reconhecer de imediato um dos jovens.

– Levi, já há bastante tempo que não nos vemos.

– Dr. Zackly preciso que veja o Kuro, ele… ah…

– Um idiota perturbado espancou-o e ele não está nada bem. – Completou Eren perante a hesitação do outro em explicar o que tinha acontecido.

– Venham os dois. Preciso que coloquem o pequeno lá dentro e enquanto a minha assistente não chega, preciso que me ajudem.

Os dois jovens seguiram o veterinário até que a assistente chegou a certa altura e mesmo um pouco contrariados, eles estiveram que passar para a sala de espera vazia. O veterinário não quis dizer-lhes nada sobre o estado de Kuro e isso não ajudava a calmar a ansiedade dos dois. Levi ainda se sentou, mas via que Eren escolhia andar pela sala mesmo que pudesse não ser confortável. Algo que se notava pela expressão de dor que aparecia. Os olhos verdes estavam quase sempre nos ponteiros do relógio da sala de espera. Nenhum dos ponteiros parecia mover-se e quando se moviam, o tempo passava sem qualquer novidade acerca do estado de saúde do gato.

E se for muito grave? E se…? Vou matar o Jean”, pensava dividido entre o nervosismo e a raiva.

– Senta-te. Estás a irritar-me. – Disse Levi ao fim de algum tempo.

Embora fosse bom vê-lo preocupado com a saúde de Kuro, Levi estava a tentar permanecer calmo e toda aquela agitação do moreno não estava a ajudar. O que não esperava é que Eren se sentasse ao seu lado, apesar de uma nova expressão de dor.

 – Estou sentado. Estás contente?

– Contente não é a palavra. – Respondeu, passando a mão nos cabelos. – Estou é surpreendido por não estares a discutir.

– Para fazeres o mesmo que fizeste com o Jean? Não, obrigado. Quero ter a oportunidade de fazer algo igual ou pior ao Jean assim que o Kuro estiver bem.

– Não te vou bater. – Revirou os olhos.

– Não tenho tanta certeza disso. – Respondeu com alguma ironia e depois começou a olhar para o espaço à volta deles. – Sabes que odeio sítios que me façam lembrar hospitais. Entretém-me com alguma conversa enquanto não temos notícias. – Viu Levi arquear uma sobrancelha – Se ficarmos em silêncio a ouvir aqueles malditos ponteiros do relógio, vou ficar doido!

– E queres que diga o quê? Nós não temos nada para conversar.

– Pronto, começo eu. Quem é a Nanaba? A tipa para quem ligaste antes de sairmos. Também é veterinária?

– Não. Ela foi assistente de um veterinário, mas eu já devia saber que ela não teria o equipamento para cuidar dele. – Suspirou. – Pelo menos confirmou que o Zackly estava a trabalhar. Melhor que seja alguém conhecido do que tentar encontrar outro. – Respondeu e antes que o moreno pudesse perguntar ou dizer mais alguma coisa, continuou. – E tu? Posso saber porque estás a viver à base de bolachas e iogurtes?

– Eu não sei cozinhar, lembras-te?

– Porque não aprendes? Passas tanto tempo agarrado ao telemóvel que podias aproveitar para aprender algo útil. Eu também tive que aprender.

– Isso és tu. Eu não preciso dessas coisas. – Respondeu o moreno.

– Não podes viver de bolachas e iogurtes. – Contrariou o outro.

– Isto é tudo até a minha mãe deixar-se de dramas. Assim que voltar para casa não tenho que me preocupar com nada disso.

– E até lá pretendes sobreviver assim? – Insistiu Levi.

– O que é que tu tens a ver com isso? – Perguntou irritado.

– Nada. Tu é que queres conversar. – Respondeu o jovem de cabelos negros num tom desinteressado.

– Então é melhor ficares calado porque não se consegue ter uma conversa contigo. Só consegues irritar-me.

Levi retirou o telemóvel do bolso e optou por realizar o desejo do moreno. Ia ignorá-lo. Como é que Eren pensou que seria uma boa ideia conversarem? Era claro como a água que os dois não tinham nada para falar. Há muito tempo que não havia nada a ser dito entre eles e que o destino os juntasse naquela ocasião, parecia ser uma piada de mau gosto.

Quanto a Eren praguejava mentalmente por ter esquecido do telemóvel. Não tencionava que a conversa fosse curta, mesmo que na teoria não tivessem muito para falar. Só que a culpa também era de Levi. Por que razão insistia em falar sobre temas que o irritavam? Seria possível que pudessem falar de alguma coisa sem que aquele fosse o resultado? Talvez não, mas o moreno odiava ainda mais ter que ficar em silêncio naquela espera interminável e sem nada para fazer.

Quando finalmente ouviram a porta abrir-se, Eren foi o primeiro a levantar-se. Em poucos segundos, os dois jovens estavam na frente do veterinário.

– Então como é que ele está? Podemos vê-lo? – Perguntou Eren.

– O pequeno está medicado. Fizemos um raio-X por desconfiar que havia uma fratura e de facto, a pata direita tem uma pequena fratura. Foi necessário colocar um molde para limitar os movimentos da pata e assim ajudar a recuperação. – Informou com calma. – Está dolorido noutras zonas, mas felizmente não tem hemorragias internas nem nada de semelhante. Era uma das hipóteses visto que se tratou de uma agressão violenta, mas felizmente foi somente uma suspeita sem fundamento. Hoje tem que ficar aos nossos cuidados, mas se quiserem, podem entrar para vê-lo.

Eren passou na frente, seguindo a assistente e Levi ficou para trás para poder falar um pouco mais com o veterinário.

– Obrigado, Dr. Zackly. Quanto é que devo? Sei que ainda tem que incluir a estadia de hoje, mas…

– Fica descansado, Levi. Não vou cobrar a consulta ou o tratamento. Só a estadia, pode ser?

– Mas…

– Considera um agradecimento meu a ti e à Nanaba por todos os pequenos que já tiraram das suas. – Sorriu, colocando a mão sobre o ombro do jovem por alguns instantes. – Vai lá. Ele deve estar um pouco atordoado pela medicação, mas vai fazer-lhe bem ver os donos.

– Obrigado, Dr. Zackly. – Agradeceu antes de seguir pelo corredor e porta por onde viu Eren entrar.

Quando encontrou a sala, viu o moreno de costas com uma das mãos no gradeamento que o separava de Kuro. Este estava deitado num pequeno “ninho” de cobertores com a pata imobilizada.

– Desculpa. – Ouviu Eren murmurar.

Levi depressa deduziu que não era um pedido dirigido a ele, mas ao gato. Ainda assim, confessava-se surpreendido e ficou ainda mais ao aproximar-se para ver melhor como estava o felino. Viu pelo menos uma lágrima no rosto do moreno, mas não comentou nada, concentrando-se em Kuro. Colocou um dos dedos por entre o gradeamento e viu os olhos do gato com sono evidente olharem para ele e seguiu-se um miar baixinho.

O jovem de olhos cinza sorriu um pouco.

– Hei… shh, nada de miar e nem te mexas. – Disse, tocando de leve com o dedo na outra pata que não se encontrava imobilizada e ao seu alcance. – Vais ficar bem. Hoje não vens comigo, mas manhã venho buscar-te. Vou comprar uma comida diferente e especial, ok? Quero que melhores depressa.

Levi e Eren ainda ficaram vários minutos no interior da sala antes de sair e despedirem-se com promessas de regressarem no dia seguinte. O moreno estava bem mais calado e o companheiro ao seu lado não quis comentar nada. Teriam permanecido assim, nessa ausência de troca de palavras, caso algumas pingas de chuva não tivessem começado a cair.

– Deixa-me levar isso. – Disse Levi num tom seco e ia tirar o guarda-chuva fechado na mão de Eren, que estava bastante distraído e só se apercebeu que a realidade estava a chamá-lo de volta, quando sentiu a mão do outro tocar na dele.

Não pensou.

Foi instintivo.

Aquelas imagens surgiram como uma praga e sentiu naquele toque uma ameaça irracional.

Perante o ar surpreso de Levi, o outro distanciou-se com uma tal rapidez que o deixou confuso com a reação. Quis ser tão rápido que Eren até tropeçou nos próprios pés, caindo de costas contra a parede.

– O que estás a fazer? Só queria o guarda-chuva. Não tenho uma doença contagiosa. – Estendeu a mão na direção de Eren e visivelmente ainda atordoado, viu o moreno fitá-lo com…

– Não toques em mim! – Falou num tom alto.

Para muitos aquilo podia parecer só uma ameaça, mas Levi já tinha visto aquela expressão antes. Ele próprio já tinha experienciado aquela sensação em todas as ocasiões em que o tio quis ensiná-lo a ser o mais forte e o último a manter-se de pé em confrontos. Só os mais fortes sobreviviam, os outros eram mortos pelo medo. Portanto, aquela expressão era inconfundível.

– Eren? – Chamou, abaixando-se pois o moreno continuava sentado no chão.

Ao ver Levi de cócoras à sua frente, repentinamente o jovem de olhos verdes começou a questionar por que razão reagiu daquela forma. Era um exagero. O outro até podia questionar a sanidade dele.

– Eu…

O que poderia dizer? Que desculpa podia dar quando ele próprio estava confuso?

– Posso ajudar-te a levantar?

– O quê? Não! – Respondeu ainda desnorteado com as próprias reações e apesar da dor, levantou-se sem aceitar qualquer ajuda.

O jovem de cabelos negros apanhou o guarda-chuva que tinha ficado no chão e abriu-o. Em seguida, reparou que Eren ainda demonstrava um ar perdido e bastante desorientado, mas todas aquelas expressões de dor associadas aquela reação, estavam a preocupar Levi. Não podia continuar a fingir que não estava a ver nada daquilo.

Naquele momento, teria que deixar de lado as más lembranças que tinha. Elevou um pouco mais o guarda-chuva e avançou poucos passos até estar bem na frente do moreno, abrigando-o da chuva fraca que caía. Levi ergueu a outra mão e viu Eren prender a respiração e tentar não encolher-se.

– Por que pensas que te vou fazer mal? – Perguntou. – Eu não vou fazer nada disso, mas quero que me digas onde estás a sentir dor ou pelo menos que me deixes tocar para confirmar uma coisa.

– E queres saber porquê? – Perguntou o moreno.

– Posso? – Insistiu e apesar de não saber muito bem o que fazer ou pensar, o moreno acabou por anuir. Em resultado disso, Levi tocou no peito de Eren, procurando alguns pontos em específico.

Os olhos verdes observavam com receio, entre o tremor e confusão, os toques cuidadosos da mão que o explorava, mas não queria causar-lhe dor. Quanto a certa altura, tocou num ponto errado, a mão depressa se afastou.

– Sentes ou já sentiste dificuldade em respirar? – Perguntou o jovem de olhos cinza e viu incredulidade nos olhos verdes à sua frente.

– Como é que…?

– Já tive costelas partidas suficientes para reconhecer os sintomas. – Respondeu. – Isto não vai passar só com repouso. Tens mesmo que ser visto por um profissional. Temos que ir a um hospital.

– Não… eu não quero ir. – Abanava a cabeça em tom negativo e com algum desespero, acrescentou. – Eu juro que fico deitado durante dias naquele maldito sofá, mas…

– Escuta, eu não posso ajudar. – Cortou Levi. – Desta vez não posso tratar disto. – Manteve o tom calmo, mas assertivo.

– Mas… isto é tudo uma grande estupidez. – Tentou desviar o tema mais uma vez. – Puta que pariu, eu vou mesmo matar o Jean.

Subitamente a atmosfera tranquila parecia ter sido abalada.

– Foi ele que te fez isto? – Perguntou Levi num tom de voz que aos ouvidos de Eren soava diferente do anterior, como se tentasse esconder ou controlar qualquer coisa. – Vocês não são namorados?

– Ex-namorado. – Corrigiu Eren. – Aquele filho da puta só fez merda nos últimos tempos.

– Ele bateu-te? – Quis saber sem rodeios.

– Foi só…

– Ele bateu-te. – Afirmou, retirando as suas conclusões daquela hesitação. – Tu estavas com medo de mim. Que caralho é que fez? Além de bater, ele fez mais alguma coisa?

– Eu… – Ainda estava atónito com o tom seco e raiva visível nos olhos cinza à sua frente. Porquê? Por que razão se importava? Como conseguiu deduzir que algo mais teria acontecido?

– Puta que pariu, como é que aguentas um tipo desses? Ele não pode fazer uma coisa dessas! Tu não podes deixar!

– Achas que eu quis?! Se eu pudesse teria… eu teria… – Sentiu a voz tremer. – Huh? Porquê? – Tentava limpar as lágrimas sem entender a razão. Talvez fosse porque finalmente estava a falar do que aconteceu. Ver a raiva e preocupação de outra pessoa que estava a dar importância ao que aconteceu, abriu qualquer coisa dentro dele. Como se um balde de água fria tivesse caído sobre ele e uma semana depois reconhecesse que não foi somente uma discussão ou luta idiota. Aconteceu algo bem mais grave e ele recusou-se a ver, reconhecer ou dar um nome ao que aconteceu.

– Eren. – Murmurou e os olhos verdes embaciados pelas lágrimas focarem-se no outro que tocou no rosto dele, aumentando a vontade que tinha de chorar. – Eu não posso mudar o que aconteceu. Ninguém pode, mas deixa-me ajudar. Vamos pelo menos tratar dessa dor física, ok? Sei que não gostas de hospitais, mas não vais para lá sozinho. Nem vais ficar lá sozinho. Mesmo que eu não seja a melhor companhia do mundo, vou ficar lá contigo. A menos que prefiras que chame outra pessoa. A tua amiga Annie ou ligue à tua mãe. Há mais alguém que eu não conheça e queiras que vá contigo? É só dizer.

– Não… eu não quero falar disto a ninguém. – Deixou escapar um soluço.

– Ok, como quiseres. – Afastou a mão do rosto do moreno e em seguida, sentiu que este segurava na manga do casaco dele.

– Não vais embora?

– Não. – Assegurou. – Vais entrar lá comigo e sair de lá comigo. Podemos ir? – Viu Eren acenar afirmativamente e como ainda se encontravam a uma distância considerável do hospital, assim que avistou um táxi, fez sinal de paragem.

Podia ver o desconforto em cada passo dado por Eren. Podia ser mais uma despesa imprevista, mas Levi não queria pensar nisso, sobretudo quando via a expressão desolada no moreno de olhos verdes.

 


Notas Finais


Até ao próximo capítulo!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...