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História Memórias Rasgadas - Capítulo XV


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Espero que todos tenham tido um ótimo Natal e uma boa passagem de ano!

Agradeço por todos os comentários, mensagens, favoritos e a todos os que acompanham o enredo e peço desculpa pelo atraso na atualização, mas estive uns dias foras e o vírus da gripe não quer abandonar-me por isso, acabei por atrasar tudo...
Vou tentar compensar com algum capítulo especial ou oneshot, mas não posso dar datas por enquanto.

Capítulo 15 - Capítulo XV


Capítulo XV

 

Decorreram aproximadamente duas semanas desde da visita a Kuro na casa de Nanaba. Desde então os exames e trabalhos diminuíram e de grande parte, Levi até já tinha recebido os resultados. Em geral não podia queixar-se, pois estavam bons à exceção de Análise Numérica com o professor João Soares. A média dessa matéria estava mais baixa que as restantes devido ao zero no trabalho de “grupo”. Quanto a isso não podia fazer nada e nem mesmo as perguntas discretas no fim das aulas por parte da professora Historia Reiss fizeram com que Levi falasse a verdade. Ele optou por manter a docente e a namorada longe de ódios alheios. Já Ymir cumprimentava-o sempre que o encontrava e parecia também estar a tornar-se amiga de Armin. Não era raro que Levi encontrasse o loiro na companhia da rapariga de gargalhadas altas que não parava de os convidar para festas.

Se bem com a Comic Con a menos de uma semana, Armin estava em regime de poupanças e Levi podia dizer que estava a fazer o mesmo. Sim, os dois ainda estavam juntos porque o jovem de cabelos negros perdeu a coragem de falar. Naquela mesma noite em que teve algum tempo com Eren na sala, o loiro ligou para agradecer pelo bilhete. Com tanta coisa na cabeça nunca mais se lembrou que quando comprou os bilhetes, selecionou a opção de os enviar por email para aos destinatários. Na altura em que fez isso pareceu-lhe lógico e uma boa forma de surpreender o loiro e a melhor amiga. Ao não considerar qualquer ponto negativo, tornou a situação mais complicada. Por muito compreensivo que Armin fosse, Levi não acreditava que contar a verdade trouxesse algum benefício. O estudante de medicina não aceitaria o presente e podia até nem ter vontade de ir a um evento do qual claramente era um fã indiscutível.

Portanto, Levi acobardou-se e não arruinou a alegria e entusiasmo do namorado que desde então não passava um dia sem falar como estava ansioso pelo evento. Além disso, Hanji também mostrou grande euforia, prometendo estar presente. Com aquele presente deixou duas pessoas felizes e tudo seria arruinado caso optasse por contar a verdade a um deles. Ainda que em breve tivesse que encontrar coragem para contar à melhor amiga que Eren estava no apartamento, pois Hanji ia ficar lá durante o fim de semana em que ocorreria o evento. O que significava que não podia pedir a Eren para desaparecer, principalmente porque o moreno ainda estava a recuperar.

No entanto, havia temas como os encontros esporádicos com Marco dos quais a amiga jamais poderia imaginar. Hanji odiava tanto Marco como Eren, ainda que as razões fossem diferentes. Era evidente que a situação também não era justa para Armin, mas Levi empurrava esses pensamentos para longe com os comprimidos fornecidos por Marco e também com o trabalho dado pelo Sugar Daddy. Esse novo trabalho não era fácil, mas despertou bastante o interesse dele, fazendo com que passasse horas a ver ou ler dezenas de tutoriais sobre programação. Era um difícil, mas também aliciante. Portanto, estava satisfeito com a decisão de ter aceitado a proposta. Devia ser a única decisão de que se orgulhava nos últimos tempos. As outras eram bem questionáveis e quem sabe, fossem as drogas a nublar a consciência ou simplesmente o cansaço de tentar fazer a coisa certa e acabar sempre no poço.

Contudo, se nada ia melhorar, se tudo terminava sempre da mesma forma, considerou que fosse justo que o tempo terminasse com algumas decisões egoístas da parte dele.

Puta que pariu! – Segurava os cabelos negros entre os dedos e atirando a cabeça para trás, deixou escapar mais um gemido bem audível. – Ah!

Ainda estava bastante sensível com os últimos arrepios e choques de mais um orgasmo a provocar tremores pelo corpo. Os olhos verdes semiabertos, o rosto avermelhado e a respiração ofegante indicavam que o jovem ainda estava a recuperar. Pelo que Levi podia notar a expressão desprovida de dor demonstrava como mais uma vez conseguia o que pretendia.

O jovem de olhos cinzentos apoiou os braços nas pernas do moreno, aguardando que este último “regressasse” à realidade. Observava-o com um ar satisfeito.

– Muito intenso para ti? – Provocou o jovem de olhos cinza, lambendo os lábios.

– Pára de provocar. – Disse ainda ofegante, tentando não ver a expressão de malícia no rosto do outro. – Nem eu sabia que podia ter tantos orgasmos por dia. – Viu Levi arquear uma sobrancelha. – Ao contrário do que possas pensar, se tivesse um por dia, podia considerar sorte.

– Pouca estamina? – Questionou.

– Namorado mais interessado nele próprio. – Passou uma mão nos cabelos de Levi com mais cuidado, agora que estava mais calmo. – Vamos mudar de assunto. Vais mesmo sair?

– Eu disse que ia ajudar a Nanaba. – Respondeu, arrumando as calças do moreno e sentindo que a mão deixava de afagar os cabelos dele. Aparentemente, Eren ficava um pouco afetuoso sempre depois de um orgasmo.

– Mas amanhã vais estar com aquele oxigenado de manhã e à tarde vais trabalhar. – Afirmou o moreno sem esconder o quanto não estava contente com isso.

– Cuidado para que não pensem que vais sentir saudades minhas. – Falou com um meio sorriso antes de se levantar.

– Vai sonhando. – Ironizou. – Já sabes que me aborreço aqui sozinho.

– E é por isso que concordei com a visita da Annie. – Recordou. – Por que não a chamas amanhã também?

– Ela trabalha amanhã. – Disse, deixando escapar um suspiro demorado.

– Sugiro que vejas filmes ou pede à Annie que te traga livros. – Falou, indo até ao quarto.

– Eu não gosto de ler.

– Então perde tempo com filmes e redes sociais. Não deve ser difícil. – Comentou Levi. – Pede sugestões à Annie.

Eren ainda aparentava amuado, mas Levi não podia ceder sempre aos caprichos do moreno. Tinha outras obrigações e coisas para fazer. Além disso, Annie iria melhorar o humor de Eren que amuava sempre que o jovem de cabelos negros falava em sair. As visitas da loira tinham começado há quase uma semana quando numa das idas ao ginásio, ela pediu para visitar o amigo. Confrontado com a preocupação evidente da loira, ele acabou por ceder e não se arrependia da decisão.

Eren podia ter várias más influências na vida dele, mas Annie não era uma dessas pessoas. Pelo contrário, ela mostrava preocupação autêntica pela saúde de Eren, ainda que este não tivesse contado a verdade acerca do que aconteceu. O que levou Annie a tentar obter essa informação de Levi que se esquivou às perguntas. Contrariada a jovem de cabelos dourados aceitou que nenhum dos dois ia falar e passou a visitar também com a intenção de motivar o amigo a voltar à faculdade, assim que o atestado médico terminasse. Considerando esse cenário ou mesmo a ideia de que o moreno precisava ganhar o seu próprio dinheiro, Annie começou também a sugerir alguns trabalhos que o amigo podia fazer.

Porém era evidente a aversão de Eren pela ideia de trabalhar. Levi não comentava, mas se não fosse pelo dinheiro extra que recebeu, provavelmente teria muitas dificuldades em sustentar as despesas do apartamento. Mesmo que Carla tivesse deixado parte da renda paga, as contas continuavam a cargo dele, assim como a aquisição de bens alimentares, as idas à lavandaria e as despesas das idas de Eren ao Centro de Saúde para mudar ligaduras e ser visto por um médico.

Nesses momentos vejo como realmente vivemos em realidades diferentes. Ele nunca teve que pensar no valor do dinheiro, mas eu desde pequeno fui confrontado com isso”, suspirou antes de entrar no centro de acolhimento para mais uma noite de trabalho.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

– A sério, um dia devias abrir uma pastelaria. – Disse Eren com a segunda fatia de bolo na mão.

– Sim para diabéticos viciados em bolo de chocolate. – Comentou divertida com as pernas estendidas sobre as do amigo que estava com ela no sofá. – O único bolo que consigo fazer é este. Isto não me torna apta para abrir uma pastelaria.

– Eu trabalharia para ti.

– Não mintas, Eren. Só ias estar lá a comer bolos. – Apontou a amiga e ele riu.

– Talvez. – Olhou para o bolo. – Tenho que me controlar.

– Com medo de engordar? – Brincou a loira.

– Devia, tendo em conta que não saio deste sofá infernal, mas não é isso. Devíamos guardar qualquer coisa para o Levi. – Disse, continuando a comer.

– Eu bem disse que estás a conviver melhor com ele. – Annie sorriu. – Se ele não tivesse namorado, eu ficaria desconfiada.

– Sim, o oxigenado. – Comentou, ocultando mais uma vez a relação com Levi. Não o fazia porque o companheiro de apartamento tivesse pedido. Ele não disse ou comentou nada sobre partilhar ou não essa informação com Annie. Como se isso não interessasse e também como moreno já previa o desapontamento da loira, acabou por não dizer nada.

– Por que não tentas melhorar a tua relação com o namorado dele? Também falavas que jamais irias tolerar viver com o Levi, mas agora parece que ultrapassaste isso.

– Eu? Ser amigo daquela barata tonta? Annie, eu nem sei o que o Levi vê nele. Talvez seja por terem quase a mesma altura.

A loira riu.

– Não pode ser assim tão terrível. – Comentou. – Pareces uma namorada ciumenta a falar, sabias?

– Vira a boca para lá, Annie. – Disse irritado. – Eu só acho que ele podia conseguir melhor.

– Tipo tu? – Provocou a rapariga.

– Eu sei que sou material de qualidade, mas não exageremos. – Disse ainda mal-humorado. – Vá, passa-me uma fatia e conta-me como foram os ensaios. Nem sabes como sinto falta disso, mas agora mesmo que quisesse, não tenho dinheiro.

– Um trabalho resolvia isso, mas tu é que sabes. – Entregou mais uma fatia ao amigo.

Eren estava a tentar ignorar todas as dicas pouco subtis de Annie acerca de arranjar trabalho. Arrepiava-se só de pensar na possibilidade, dado que a maior parte das sugestões fariam com que acabasse a servir mesas. Se tivesse mesmo que trabalhar, pretendia algo com mais classe.

Infelizmente ao abdicar do plano de prejudicar Levi, Eren teria que continuar sem o dinheiro da mãe enquanto não encontrasse uma forma de usar o dinheiro que iria herdar no futuro. Sem plano novo à vista, precisava de algum rendimento para as coisas básicas como ter dinheiro no telemóvel ou para comprar roupa. Não podia continuar a sobreviver apenas com aquelas roupas e sapatos. Aliás, se tivesse dinheiro podia voltar aos ensaios com Annie, pelo menos enquanto não o transferissem para o Instituto para onde queria ter ido em vez da faculdade de medicina.

Nunca esteve nos planos dele seguir medicina. Mesmo que em tempos tivesse admirado a profissão do pai, Eren dizia várias vezes que achava tudo muito complicado e com muito estudo
à mistura. Para o moreno que gostava mais da componente prática das aulas e se entediava com a teoria, cometeu o erro inocente de dizer que preferia ser bombeiro ou polícia. Ambas as profissões permitiam ajudar as pessoas e por isso, a seu ver, eram trabalhos igualmente respeitáveis.

Eren jamais ia esquecer o olhar desapontamento e desdém que recebeu do pai ao partilhar as suas aspirações de criança. Grisha deixou bem claro que o filho dele não se rebaixaria a tal coisa e teria uma carreira digna do apelido Jaeger. Ao tentar entender por que razão as outras profissões não eram dignas, o pai ergueu a voz. Deixou bem claro que não estava disposto a ser contrariado e em busca de alguma explicação por parte da mãe, Carla limitou-se a dizer que teria muito tempo para escolher, mas que devia escolher bem. Ela também não aprovava as aspirações dele. Possivelmente só a avó ofereceu apoio e posteriormente abriu as portas para outro sonho. Esse também não teve aprovação dos pais e por isso, quando o pai decidiu empurrá-lo para medicina, a mãe não discordou.

Porém, além da falta de vontade de estudar, Eren sabia que também não tinha a mínima vocação para medicina. Portanto, acabaria por voltar ao plano anterior e se tivesse que conseguir algum trabalho temporário, era o que faria.

Depois de Annie ir embora, o jovem de olhos verdes ainda esperou pelo regresso de Levi. Este chegou tarde e falaram pouco antes de o moreno adormecer. Teve apenas tempo de falar do bolo que a loira que tinha trazido e que o outro deveria experimentar.

Na manhã seguinte, Eren pretendia ter acordado mais cedo para ter mais tempo para convencer Levi a não sair. Porém, quando despertou o outro estava praticamente de saída e o moreno teve só tempo de tratar apressadamente da higiene. Ele aprendeu depressa que sem o mínimo de higiene, dificilmente Levi aceitaria os avanços dele.

– Podias-me ter acordado. – Disse Eren emburrado, vendo Levi trancar como sempre a porta do quarto antes de sair.

– Para ficares o tempo todo a tentar convencer-me a não sair? – Questionou, colocando as chaves no bolso do casaco. Esse que o moreno até gostava de ver no jovem de cabelos negros, embora não fizesse ideia como poderia ter comprado algo assim. Era uma marca de luxo e o casaco cheirava a novo, misturado com o perfume igualmente atraente.

– Com medo de não conseguir resistir? – Provocou, colocando as duas mãos no peito de Levi. – Não tenho direito a um beijo? – Deslizava as mãos sem quebrar contacto visual.

– Um beijo. – Concordou. – Só um. Não quero perder o autocarro. – Pôs a mão atrás da nuca do moreno que sorriu antes de debruçar-se um pouco para encontrar a boca de Levi.

Com a intenção de que não fosse só um contacto simples, o moreno pediu passagem com a língua e ambos se arrepiaram com a avidez do jovem de cabelos negros que respondeu ao pedido. As mãos de Eren seguraram a cintura firme e infelizmente, maioritariamente escondida pelas roupas que os separava. Ambos inclinaram o rosto à medida que as línguas se moviam um contra o outro.

A mão na nuca do moreno acariciava a pele com as unhas, causando inúmeros arrepios e alguns gemidos abafados. A outra mão agarrava a cintura de Eren, mantendo-o perto.

– Pronto, aqui tens o teu beijo. – Sussurrou, distanciando-se um pouco.

Porém, Eren seguiu a boca dele, mordiscando os lábios e roubando mais alguns beijos curtos.

– Só mais um. – Pediu e Levi cedeu a mais um beijo bem demorado e molhado, provocando mais gemidos entre os dois. – Se ficares, posso ficar de joelhos para ti.

– Não. Ainda não é uma boa ideia que faças isso. – Disse, beijando Eren novamente. – Enquanto tiveres dores, deixas as hormonas a meu cargo. – Mordeu o lábio do moreno. – Depois quando estiveres melhor, vemos se ainda estás com vontade.

– Estou com vontade agora. – Eren encostou mais o corpo a Levi que sentiu o membro duro nas calças do moreno.

– Hum… vou ter mesmo que perder o autocarro? – Perguntou o jovem de olhos cinza.

– Vais ficar? – Perguntou o moreno mais animado.

– O suficiente para não te deixar assim. – Acariciou o membro por cima das calças, antes de se ajoelhar. – Depois tenho que sair… – Abaixou as calças de pijama do moreno juntamente com os boxers. – Entendido? Nada de novas interrupções.

– Si…sim. – Anuiu, ruborizado enquanto Levi apenas usava a mão para masturbá-lo lentamente.

– É assim que gosto de ver. – Usou a ponta da língua para percorrer a extensão. – Obediente…

Puta que pariu…

– Vai ser um pouco mais rápido porque não quero chegar mais atrasado, mas desde que chupe até engolir não deves ter razão de queixa. – Comentou antes de abocanhar o membro e as mãos do moreno seguraram os cabelos negros, gemendo alto com os movimentos rápidos da boca quente que o envolvia.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Quando saiu de casa, Levi avisou Armin que estava um pouco atrasado e por isso, mudou o local onde se encontrariam. Em vez de ser em frente à Universidade, disse que seria melhor encontrarem-se perto do centro, onde havia uma paragem de metro. Dessa forma, seria mais fácil recuperar parte do tempo.

O loiro concordou, afirmando que dessa forma ficariam mais próximos da loja onde queria ir. Pelos vistos, o namorado tinha descoberto uma loja que não só vendia como alugava fatos para cosplay. O que demonstrava a popularidade do evento que iria ocorrer em breve. Embora Armin já tivesse fato, tanto ele como Hanji insistiam que Levi também deveria aderir ao cosplay. Ainda que o loiro estivesse a fazer um grande segredo relativamente ao seu fato, recusando-se a revelar que personagem de anime teria escolhido.

– Como é que descobriste a loja? – Perguntou Levi com as mãos nos bolsos, caminhando ao lado do loiro.

– Na página de Facebook do evento havia muita gente a falar sobre o fato de cosplay que iam levar e alguém perguntou onde poderia encontrar um sítio bom para comprar, que não fosse online porque as coisas poderiam não chegar a tempo do evento. – Explicou Armin entusiasmado. – Pelos vistos era só uma loja que vendia roupa barata, mas decidiram arriscar e colocar fatos para cosplay.

– A Komic não tem nada desse género? Lembro-me de ter visto algumas perucas. – Comentou Levi.

– Sim, mas além de não ter muita variedade, só permitem a compra. – Respondeu Armin.

– Alugar é um risco. Podem perder dinheiro. – Apontou o jovem de cabelos negros.

– Eles têm um sistema para evitar isso. – Disse o loiro. – Ficam com dados suficientes para te encontrar caso surja algum problema. Mas sim é sempre um risco. – Colocou a mão no braço de Levi, entrelaçando os braços dos dois. – Tens alguma ideia do que gostavas de vestir?

– Não sei. Nunca pensei nisso. – Respondeu, confirmando mais uma vez como graças à dosagem constante de drogas das últimas duas semanas, o sentimento de culpa ao receber gestos de carinho de Armin pareciam diluir-se em quase nada.

– Consigo ver-te como várias personagens. – Disse Armin animado. – O Jellal de Fairy Tail, o Hitsugaya Toshiro de Bleach, o Izaya de Durarara!!, o Yato de Noragami também te ficaria bastante bem. – Observava o jovem de cabelos negros. – Ou o Takumi Usui ou ainda melhor, o Ayato de Diabolik Lovers!

– Parece que pensaste muito nisto e não acredito que viste Diabolik Lovers. Aquilo não tem propriamente uma história.

– Ninguém vê Diabolik Lovers pela história. Tu viste os vampiros? Aquilo é entretenimento e aquela loira burra não sabe apreciar a sorte que tem. Eu queria ser a Eva deles.

Levi revirou os olhos, abanando a cabeça, temendo seriamente pelo dia em que Armin e Hanji se encontrassem frente a frente.

– Tu e a Hanji parecem almas gémeas quando se trata de gostarem de coisas estranhas.

– A Hanji sugeriu que fosses como Ciel e ela iria como Sebastian.

– Vou pensar no tema. – Ironizou sem qualquer intenção de aceitar aquela sugestão, pois recordava claramente os comentários da melhor amiga para justificar a escolha. Não era só porque ela era fã, mas também havia algo relacionamento com a altura das personagens.

Quando entraram na loja de roupa além dos preços mais baixos do que o habitual, o jovem de olhos cinzentos começava a perguntar-se se estariam no local certo. Via somente roupa “normal” e mesmo a expressão de Armin demonstrava alguma confusão. Isto até que uma funcionária apareceu e Levi surpreendido, deixou escapar:

– Annie?

– Levi? – Veio a resposta quase em uníssono com a questão do estudante de matemática.

Os cabelos loiros da rapariga estavam presos numa trança que caía sobre o ombro direito. Levava um vestido rosa escuro de malha com dois grandes bolsos na frente, umas leggings pretas por baixo e calçava uns sapatos sem saltos.

– Vocês conhecem-se? – Perguntou Armin.

– Do ginásio. – Respondeu a loira com um sorriso. – E também porque o Eren está na casa dele e eu fiz stalking até que me ajudasse a falar a com o meu amigo e depois até consegui a morada para aparecer lá de vez em quando.

– Não sabia que trabalhavas aqui. – Comentou Levi.

– És um dos meus part-times. – Explicou Annie.

– És amiga do Eren? – Questionou Armin.

A rapariga não pôde deixar de notar uma certa acidez no tom do jovem de olhos azuis ao referir o nome de Eren. Já podia imaginar que o loiro não tivesse uma boa experiência com o moreno, mas procurou confirmar um outro detalhe que explicaria aquele tom de voz.

– Sim e imagino que sejas o namorado do Levi que apesar do vosso relacionamento, está a fazer um grande favor ao Eren. – Sorriu de leve. – Fiquei bastante curiosa por conhecer quem eras. – Fez um ar pensativo a observar o loiro. – Embora agora que te vejo, tenho a sensação de que não é a primeira vez.

– Agora que falas nisso também acho que já te vi antes. – Respondeu Armin igualmente curioso.

Os dois mantiveram o silêncio antes de haver uma expressão de reconhecimento entre eles.

– Saber?

– Sakura?

Levi arqueou uma sobrancelha, tentando contextualizar-se. Então, recordou como Armin referiu mais do que uma vez que quando esteve no evento no ano anterior conheceu uma cosplayer de Fate Stay Night, Saber.

– Sabia que já tinha ouvido a tua voz antes e o teu rosto também era familiar. – Disse Armin animado. – Estava à espera de te encontrar no evento deste ano.

– Pois, eu também. – Admitiu a loira. – Passámos um bom bocado no ano passado. Não sei porque não trocámos contactos na altura e por isso, não vamos cometer o mesmo erro de novo, Sakura. – Piscou o olho, retirando o telemóvel de um dos bolsos do vestido.

– Claro. – Disse Armin também com o telemóvel na mão.

– Sakura. – Repetiu Levi curioso. – Só consigo lembrar-me de personagens femininas, mas também sei que…

– O teu namorado não sabe? – Perguntou a loira divertida, vendo Armin corar. – É provavelmente que seja a primeira Sakura em que pensaste, Levi. Algo da tua infância.

– Suponho que não estamos a falar de Naruto. – Arriscou o jovem de olhos cinza.

– Podia ser, mas não. – Disse Annie que assim que acabou de trocar números com Armin, aproximou-se do jovem de cabelos negros para mostrar uma fotografia. Nela estava Annie com um impressionante cosplay de Saber e ao lado dela com direito a laços nos cabelos, meia branca numa das pernas, vestido branco com efeitos rosas estava Armin.

– Sakura Kinomoto. – Concluiu Levi com um meio sorriso. – Armin, confesso que não imaginava nada assim, mas agora estou ansioso para ver.

– Sou um fã da série até hoje. – Admitiu o loiro corado. – Era suposto ser surpresa.

– Mas assim até podem tentar combinar os fatos. – Sugeriu Annie. – Imagino que estejam aqui pelos fatos de cosplay e até ficarias bem de Syaoran Li.

Apesar de alguma vergonha inicial de Armin por ter tido o seu cosplay revelado, Annie desempenhando um bom papel como vendedora, depressa mudou a atmosfera a favor de uma conversa bem agradável e interessante.

Levi mudou de roupa várias vezes e a certa altura, Hanji começou a enviar também mensagens entusiasmadas, pois Armin deveria ter comentado qualquer coisa sobre o que estavam a fazer. Isso fez com que Levi tivesse que enviar várias fotos à amiga para que também ela pudesse dar opiniões acerca do que ele deveria levar para o evento.

De soslaio, o jovem de olhos cinza ia vendo como Armin e Annie colocavam a conversa em dia e partilhavam o gosto por várias séries. Era como assistir ao reencontro de velhos amigos e estavam tão absortos na própria conversa que não notaram a expressão dele quando recebeu uma mensagem que não vinha de Hanji. Ele puxou a cortina do provador, onde iria mudar de roupa novamente e abriu a mensagem.

 

Eren – Mensagem:

Conta-me quantos beijos já deste no loiro?

Dá-te + tesão q ele esteja a beijar uma boca q minutos antes de sair, esteve no meu pau? :p

 

Levi – Mensagem:

Pensava que te irias comportar. Foi o que combinámos.

 

Eren – Mensagem:

Estou sem nada para fazer.

Sei q gostas destas mensagens

 

Levi – Mensagem:

Já combinámos que não envio SMS quando estou com o Armin

 

Eren – Mensagem:

Não sei porquê. Sei que ficas + excitado assim

 

Levi – Mensagem:

O que queres, Eren?

 

Eren – Mensagem:

Que venhas para casa.

Agora.

 

Levi – Mensagem:

Controla as hormonas, Jaeger.

 

Fechou o ecrã onde estavam as mensagens trocadas com o moreno e respondeu a mais um comentário insano da melhor amiga antes de mudar de roupa. Já tinha experimentado fatos suficientes por um dia e graças a Hanji também já tinha uma ideia do que iria vestir no evento.

Quando saiu do provador, Armin apressou-se a incluí-lo na conversa. Ao que parece Annie também era uma grande fã de anime, séries como “A Guerra dos Tronos” e afins. Não foi complicado envolver-se na conversa e deixar bem distantes os sentimentos de culpa.

Se a mente dele não estivesse encoberta pela névoa dos comprimidos que tomava regularmente, Levi sabia que não seria capaz de manter aquela mentira. Mesmo com a cobardia de raramente dizer o que realmente pensava, sem as drogas o namorado acabaria por notar qualquer coisa errada. A culpa seria mais evidente. Os dias na Universidade seriam insuportáveis. Desde que o professor João Soares expos aos colegas de curso o que ele tentou fazer, agora ridicularizavam-no quase todos os dias. Estavam a dar-lhe a atenção que não queria e para ser imune às palavras humilhantes que lhe dirigiam, só se a mente se encontrasse dormente.

Também no trabalho apenas Hitch parecia conter-se nos comentários ou risinhos. Ninguém esquecia o episódio proporcionado por Jean e os vídeos gravados na ocasião atraíram outros curiosos ao café nos primeiros dias que se seguiram. Havia também mais gente nas traseiras do café, somente para tentar humilhá-lo com palavras e atirar lixo e ver como recolhia tudo sem dizer nada.

Sentia como se estivesse a ver cada acontecimento de longe. Como se estivesse a testemunhar a vida de outra pessoa e não a dele. Não deixava de ser deprimente, mas tudo parecia mais distante e menos doloroso. Ainda assim, a cada dia que despertava sabia que o relógio devia estar prestes a parar. Tudo perderia a importância em breve.

Estava cansado de adiar o inevitável e por isso, tomou uma decisão. Estaria uma última vez com a Hanji, iria ao evento com ela e Armin, antes acabaria o trabalho do Sugar Daddy e depois… pouco depois do evento colocaria um ponto final à rotina miserável que era a vida dele.

Ao fim do dia quando saiu do trabalho, Levi notou ao longe as primeiras luzes de enfeites de Natal. Já tinham começado com o rol de músicas irritantes que tocavam o dia todo no café e por isso, até chegava a agradecer que o deixassem passar a maior parte do tempo no exterior a tratar do lixo.

 

Flashback

Finalmente tinha conseguido adormecer com as mãos cobertas de pensos. As mãos tapavam os ouvidos e o pequeno corpo encontrava-se completamente encoberto por algumas mantas. Não esperava ser acordado abruptamente e com tal força que o puxou a ele e os cobertores.

A criança caiu no chão desorientada e enquanto se desenvencilhava dos cobertores, notou que graças à queda, estava a sangrar do nariz.

Os olhos cinzentos receosos mostraram-se pouco depois e em frente dele com um cheiro intenso a cigarros no ar, encontrava-se um rosto familiar.

– Tio Kenny?

– Levanta-te. – Ordenou. – A tua mãe diz que está farta de te ver e ouvir por isso, vens comigo para não espantares os clientes.

– Huh? Mas eu nem saí do quarto. – Tentou argumentar, procurando um lenço para limpar o sangue no nariz. – É Natal. Eu pensava que… ah! – Queixou-se quando o tio agarrou nos cabelos dele para levantá-lo bruscamente do chão. – Tens 30 segundos para calçares qualquer coisa e sairmos, percebeste?

– Sim… – Murmurou, procurando o único par de sapatilhas que tinha, vestiu um casaco e pegou na mochila que estava num canto.

– Rápido. – Falou num tom impaciente. – O cliente deve estar a chegar e ela não quer que te veja.

Em pouco tempo, Levi passou rapidamente na frente do tio, preparado para sair.

Após largos minutos a caminhar com temperaturas quase negativas de inverno em que Kenny empurrou o sobrinho várias vezes para andar mais rápido, os dois chegaram à casa pequena. A criança já lá tinha estado em ocasiões anteriores.

Um velho aquecedor mantinha uma temperatura mais aceitável da que se sentia no exterior e a TV há horas que passava filmes que Kenny assistia, vendo de soslaio a criança de cabelos negros sentado próximo ao sofá e no chão com o caderno sobre as pernas.

Pessoalmente, o homem de barba mal feita com a segunda lata de cerveja na mão não compreendia como o miúdo podia passar horas a fazer contas no caderno, mas preferia isso do que lidar com uma criança irrequieta. Porém ao ver algumas lágrimas escorrem no rosto do sobrinho, revirou os olhos, pensando que preferia que a criança fosse menos chorona.

– Queres que te dê motivos para chorar? – Perguntou Kenny num tom ríspido.

Consciente de que aquela pergunta incluía violência se desse a resposta errada, Levi limpou o rosto rapidamente.

– Desculpa.

– O que foi? – Perguntou sarcasticamente. – Preferias estar em casa a ouvir a puta da tua mãe a gemer a noite toda? És um mal-agradecido de merda.

– A mãe disse que se as minhas notas fossem boas que podíamos comer bolo hoje. – Disse, parando de escrevinhar no caderno.

– E tu acreditaste? – Ironizou.

– É o meu aniversário.

– Ninguém quer saber do teu aniversário. Já vai sendo hora de meteres isso na tua cabeça. – Disse num tom irritado. – Sempre fui da opinião que a tua mãe devia ter abortado, mas como és filho de um filho da puta qualquer com dinheiro, acho que ela ainda pensa ganhar dinheiro contigo. Já lhe disse que é uma perda de tempo.

– A mãe disse que se continuar a ser bom na escola, posso conhecer o meu pai.

– Escuta, o teu pai seja lá quem for, sabe que engravidou a tua mãe e nunca quis saber. Só tu e a tua mãe é que não enfiam isso na cabeça. Quando a ficha cair, ela vai ver que esteve a desperdiçar tempo e dinheiro contigo. – Acabou de beber a cerveja. – E quanto ao ser bom na escola também não vai mudar nada. Não és um privilegiado. Provavelmente nem vamos conseguir manter-te na escola e mesmo que por milagre acabes o ensino obrigatório vais acabar na rua ou de quatro como a tua mãe. A menos que aprendas coisas úteis comigo e dessa forma, possas entrar no negócio certo da família.

– Eu não sou muito bom nessas coisas, tio. – Murmurou. – A professora antes das férias disse que se continuar com boas notas posso ir para a faculdade. Há bolsas e… posso até ser um médico se me esforçar muito.

O tio deixou escapar uma gargalhada e em seguida, atirou a lata de cerveja vazia na direção do sobrinho que não teve tempo de defender-se e sentiu o objeto bater-lhe na cabeça. Passou a mão no local dolorido, segurando a queixa pois era provável que recebesse mais um insulto se mostrasse novamente parte fraca.

– Precisas de cair na realidade, puto. Não vais ser médico nem merda nenhuma na vida. Um dia vais olhar para trás e ver que eu tinha razão. Estarias melhor se nunca tivesses nascido. A tua mãe vai acabar por concordar comigo. Que idade é que tens mesmo?

– Nove… – Deixou escapar um soluço.

– Não sabes nada da vida, Levi e experimenta continuar a chorar e eu garanto-te que vais passar o resto do teu aniversário e Natal com motivos reais para chorar. Vê se aprendes de uma vez que não és igual aos outros, ninguém quer saber se tu existes e ninguém vai querer saber quando desapareceres!

Fim do Flashback

 

Ele tinha razão. Não há dia que não me arrependa de ter nascido. Teria sido melhor não existir do que viver com estas memórias e com isto cá dentro”, desviou os olhos das luzes de Natal que via ao longe, reiniciando o caminho de regresso a casa, “Mas este ano não quero e nem vou ver mais um Natal”.

Quando chegou ao apartamento não esperava ver Eren a tentar levantar-se do chão perto da casa de banho. Notou o chão húmido e revirando os olhos, concluiu que mais uma vez o moreno pensava que não era necessário limpar o chão e que podia arriscar-se a partir mais qualquer coisa. No entanto, assim que Levi se aproximou viu que havia um pano debaixo das mãos do jovem de olhos verdes que olhou para ele e parecia um pouco ruborizado.

– O que estás a fazer? – Perguntou o estudante de matemática, ajudando o companheiro de apartamento a levantar-se do chão. – Já disse para só tomares banho quando eu estiver em casa. Estavas a tentar limpar?

– E se estivesse? – Perguntou aparentemente envergonhado.

– O que foi? Pensas que é alguma coisa vergonhosa limpar algo que tu próprio sujaste?

– Não quero que fiques com a ideia errada.

– Sei que não fizeste isso por mim, por isso é bom ver que tens algum bom senso de pelo menos de preocupares em não cair por estupidez própria. – Observou mais o moreno. – Dói-te alguma coisa? – Perguntou um pouco preocupado por ver como o moreno hesitava em movimentar-se muito.

– Não. – Respondeu. – Estava à espera que doesse e por isso, estava a levantar-me devagar.

– Vai-te sentar, Eren. – Passou a mão nos cabelos castanhos. – Vou ter que secar isso. Não sei quantas vezes vamos ter esta conversa. Também não podes andar aí com o cabelo a pingar com este frio.

– Fico aborrecido em casa. – Falou, sentando-se no sofá com um ar amuado. – Custava-te assim tanto ter uma TV?

– Vê no telemóvel. – Respondeu o jovem de cabelos negros, indo até ao quarto buscar o secador para ocupar-se em primeiro lugar dos cabelos molhados de Eren.

Pouco depois, tendo o som do secador como o único som a cortar o silêncio entre os dois, o moreno de olhos verdes que sempre se sentia um pouco perdido com aqueles gestos instintivos e de cuidado por parte do outro, procurava um tema de conversa. Então lembrou-se de uma das mensagens que recebeu de Annie ao fim da manhã e resolveu tocar no assunto.

– Então, sabias que ela trabalhava numa loja dessas. – Comentou Levi. – És tu o amigo que se recusou a acompanhá-la no último evento?

– Eu não gosto muita dessas coisas com japoneses, sobretudo depois de ter visto a cenas que têm com polvos.

– Andaste a ver porno japonês com polvos? – Indagou o jovem de cabelos negros, arqueando uma sobrancelha. – E resolveste basear tudo o que pensas acerca de uma cultura através do porno?

– Vi por acaso, ok? Eu nem sabia o que ia ver até estar tudo a acontecer. – Disse incomodado com o rumo da conversa e resolveu acrescentar outra informação. – Vi o “normal” deles também. Se é que posso considerar relações incestuosas ou tentativas de violação em transportes públicos como algo normal. Os japoneses são muito estranhos.

– Realmente tens muito tempo livre com a tua mão. – Ironizou Levi.

– Não fales como se nunca tivesses visto porno na vida. – Acusou Eren que corou ao sentir o hálito do outro próximo à orelha ao responder:

– Gosto mais de praticar do que ver a teoria.

– Qualquer pessoa prefere a prática. – Disse sem olhar para o outro que desligou o secador. – Ainda assim, não entendo o fascínio por ver desenhos animados japoneses. Tudo bem que posso ter visto Dragon Ball, mas era criança. Os adultos não gostam de… – Recebeu um golpe na cabeça. – Hei!

– Pensas que anime é coisa de criança? A Annie não te mostrou nada de qualidade.

– A Annie não teve a oportunidade. Eu nunca me interessei.

– Parece que terei que ser eu e educar um puto mimado que se baseia em coisas estúpidas para julgar uma cultura inteira. – Disse, recolhendo o fio do secador.

– Não vou querer ver. Quero ver coisas a sério com pessoas reais. – Disse o moreno, revirando os olhos.

Tch, a tua ignorância arrepia-me. Vou preparar o jantar e depois de comermos, vamos ver se consigo colocar algum bom senso dentro dessa tua cabeça.

Fiel às suas palavras, após o jantar e limparem tudo desta vez com a colaboração um pouco “forçada” de Eren que Levi considerava estar bem o suficiente para enxugar a loiça, este último trouxe o computador até à sala para tentar “educar” o moreno. Após algumas perguntas acerca dos gostos do jovem de olhos verdes, o outro decidiu arriscar e escolher uma das suas séries favoritas com poucos episódios.

Para Eren a ideia de que fossem assistir algo na sala juntos era no mínimo estranha. É verdade que às vezes tentava convencer Levi a permanecer mais tempo na sala antes de se fechar no quarto. Queria sentir-se menos sozinho, sobretudo depois de não ter companhia durante o dia mas nunca tinham ficado na sala a ver nada. Apenas algumas trocas de palavras e com alguma sorte, Eren conseguiria convencer o outro a fazer outras coisas mais interessantes. Aliás, ainda pensava nessa possibilidade quando Levi colocou o computador na frente dos dois. Estava convencido que ficaria aborrecido em poucos minutos e tentaria aproveitar o tempo de outra forma.

Pensou isso até…

Wow, não há censura nisto? – Perguntou sem afastar os olhos do ecrã. – As crianças vem isto?

– Pelos vistos há uma criança a ver isto agora. – Ironizou Levi, mas não recebeu resposta e sorriu um pouco ao ver o ar tão concentrado de Eren no ecrã. Olhou para o moreno algumas vezes pelas cenas fortes que havia ao longo da série, mas para quem dizia não estar disposto a ver nada por alguns minutos, ele parecia bem absorto no enredo que surgia no ecrã.

– Eles mereceram aquilo. Quem é que faz aquilo com um cão? – Perguntava indignado, ficando como previa, ao lado da personagem principal.

 

When you are miserable, you need someone even more miserable than yourself

(Quando és infeliz, precisas de alguém ainda mais infeliz do que tu)

 

Aquela era uma das cenas que recordava Levi a razão por ter aquela série como uma das suas favoritas. Em várias cenas de Elfen Lied era possível ver a podridão que havia no mundo e que por mais que se tentasse fazer a coisa certa, a maldade parecia não conhecer limites. Talvez por se identificar com algumas cenas, se tenha agarrado tanto aquele mundo da animação que colocava em imagens e palavras aquilo que muitas vezes sentia por dentro.

– Esperava que acabasse de uma forma diferente. Queria que a Lucy tivesse sobrevivido, embora não seja muito claro o que aconteceu. – Comentou Eren no fim dos episódios.

– No Manga é mais evidente. – Respondeu Levi, desligando o computador. – Posso deduzir que anime afinal não é assim tão terrível ou infantil como pensavas?

– Isso não significa que vá querer cometer a loucura de me vestir como personagens ou fazer coleções como a Annie, mas… não é tão mau como pensava.

– Bom, contento-me com essa resposta. – Disse Levi ao levantar-se do sofá.

– Talvez não a parte da mutação genética, mas é um bocado deprimente pensar que o resto existe… pessoas que são capazes de todas aquelas monstruosidades. – Murmurou pensativo, desviando o olhar.

– Mais do que possas imaginar. – Passou a mão nos cabelos do moreno. – Boa noite, Eren. Descansa.

Quando olhou na direção do quarto, Eren viu que a porta já estava fechada. Em determinadas ocasiões como aquelas, o moreno tinha a sensação de que várias coisas ficavam por dizer. Como se a escolha daquele anime, um dos favoritos de Levi, não fosse mesmo uma mera casualidade ou apenas pela falta de censura que havia na história tornando-o bem sangrento e violento. Possivelmente seria pelas outras mensagens que havia naquele enredo e que destacava o pior que podia existir em cada um.

O jovem de olhos verdes deitou-se no sofá e pouco depois de fechar os olhos, ouviu várias vozes diferentes. Os risos misturavam-se com os insultos e frases humilhantes. As dezenas de sombras que estavam à sua volta, não o rodeavam até porque ele próprio se encontrava entre elas. Todos apontavam na mesma direção e ao seguir essa direção, viu a poucos metros que de joelhos no chão, Levi tentava levantar-se e ergueu ligeiramente o rosto. Além das lágrimas, era possível ver uma mágoa e raiva palpável no olhar de um rosto marcado por vários arranhões e outras manchas.

Incomodado com essa imagem, acordou sobressaltado. Era só um pesadelo. Provavelmente uma lembrança distante.

Não quero lembrar-me de nada disto. É passado. Não vai mudar nada”, repetia a si mesmo.

Quando acordou na manhã seguinte depois de uma noite pautada por insónias, viu que Levi já se movia pela cozinha. Ele tinha avisado que ia sair de manhã para ir à lavandaria e assim como tinha avisado, não iria acordar o moreno. Se este quisesse ir, que acordasse cedo.

No entanto mesmo com poucas palavras trocadas de manhã, Eren ainda teve tempo de preparar-se para sair com Levi que parecia estar entretido a trocar mensagens. Um olhar discreto do moreno permitiu ver que não era com Armin e sim com Hanji. O que de certa forma o tranquilizava um pouco mais, ainda que não conseguisse entender a razão por detrás de tanta irritação ou incómodo sempre que Levi referia o loiro.

Aliás pela má noite de sono, Eren acordou com pouca vontade de conversar e até Levi perguntou se estava tudo bem, pensando que teria algo a ver com dores. Porém, o moreno logo explicou que não tinha nada a ver com dores, mas não deu grandes explicações, dizendo que queria sair com ele mesmo que fosse só para ir à lavandaria. A razão? Estava farto de estar em casa e o outro não estranhou, mas também não procurou grandes conversas de manhã e nem entender por que razão ao contrário de outras manhãs, Eren não estava novamente a pensar com as hormonas antes de sair. O que ele não esperava era o tédio que iria passar na lavandaria, pois Levi não fazia mesmo qualquer esforço para manter uma conversa, optando inclusive por ter levado o caderno que quase sempre o acompanhava debaixo do braço. Os olhos verdes viam dezenas de cálculos que não faziam qualquer sentido, mas por alguma razão entretinham o outro ao seu lado enquanto o som das máquinas ecoavam naquela manhã de domingo na lavandaria.

Como é que alguém consegue entreter-se com uma coisa assim?”, questionava-se, suspirando pela centésima vez de tédio.

 

Flashback

Desde da primeira vez que se encontraram, Eren tentou perguntar discretamente a algumas pessoas onde podia encontrar o rapaz com quem esteve na enfermaria. Só que ou não sabiam quem era ou diziam que provavelmente estava à procura da pessoa errada.

No entanto, após mais um momento conflituoso na escola, o moreno de olhos verdes acabou por regressar ao local mais óbvio, onde deveria ter procurado nos dias anteriores. Depois de ser atendido pela enfermeira, notou que não estava sozinho e que na cama ao lado em silêncio e com um caderno sobre as pernas estava o mesmo rapaz de há uns dias atrás.

– Levi?

Os olhos cinza com as mesmas olheiras evidentes e cansaço evidente, ergueu o rosto.

– De novo metido em confusões, Eren? – Perguntou antes de olhar novamente para o caderno.

– Tu também? O que estás aqui a fazer?

– Quebra de tensão. – Respondeu, continuando a escrevinhar no caderno.

– O que estás a fazer? – Perguntou, aproximando-se e vendo vários cálculos em folhas. – Estás a fazer trabalhos da escola em vez de aproveitar para dormir e não fazer nada?

– Isto é melhor do que não fazer nada.

– Já da última vez também tinhas um caderno com números. Por que razão gostas tanto disso? Desenhar não seria melhor? – Perguntou, tentando entender o adolescente de olhos cinzentos.

– Eu gosto dos números.

– Gostas de números? Porquê? – Indagou cada vez mais confuso e Levi parou de escrever para olhar para o moreno.

– Porque eles não mentem. – Respondeu, fechando o caderno e arrumando as coisas. Saiu da cama. – Dois e dois são quatro aqui e em qualquer parte do mundo. As pessoas podem enganar, mas isto é uma verdade absoluta que não muda e esse tipo de coisa… dá-me conforto.

Fim do Flashback

 

– Continuas tão estranho como antes. – Deixou escapar e viu os mesmos olhos cinza das lembranças, dedicarem-lhe atenção com uma expressão confusa. – Tu e os números… isso não mudou.

– O que penso sobre eles não mudou. – Respondeu Levi que em seguida arqueou uma das sobrancelhas. – Pensei é que tu já não te lembrasses disso.

– Sabes que te acho mais interessante agora.

– Não tenho paciência para as tuas hormonas, Jaeger. Não quiseste nada antes de sairmos, agora aguentas até chegar casa e eu ter vontade. – Respondeu, voltando o olhar para o caderno.

– Hum, não é isso. Refiro-me ao que quer que seja que estás a tomar e te deixa assim mais frontal e menos preocupado com a moral de tudo. – Comentou o moreno e viu o jovem ao lado, observá-lo de soslaio. – Não é assim tão surpreendente que tenha notado. Não és tão desinibido quando estás completamente sóbrio e eu próprio já consumi o suficiente antes para notar alguns sinais.

– E estás a falar nisto agora porquê?

– Porque embora te deixe mais desinibido também ficas mais filho da puta. Se estivesses mais sóbrio com certeza não terias aceitado o meu tratamento silencioso de manhã.

Levi revirou os olhos.

– És tu quem gosta de conversar, Jaeger. Eu fico bem em silêncio e se passo a ser filho da puta apenas porque escolho ignorar o que se passa ao teu redor, posso viver bem com isso.

– Não suportas passar um dia sem te preocupares comigo, exceto quando estás bem pedrado. – Apontou em tom de provocação.

– Há realmente coisas que não mudam. – Levi voltou a atenção para o caderno. – Continuas a pensar que és o centro das atenções.

O moreno tentou mais algumas provocações, mas o jovem ao lado dele ignorou-o por completo. Eren sabia que Levi estava a consumir qualquer coisa há algum tempo. Notava como desinibia os comportamentos do estudante de matemática e como era mais fácil conversar com ele, mas também era mais provável que ouvisse algo de que não gostasse. O filtro na língua e o cuidado para não o magoar diminuíam consideravelmente, mas mesmo assim, por muito que Levi quisesse, a consideração pelos outros não sumia por completo.

Eren notava isso quando após algum comentário mais ríspido ou tentativa de afirmar que não se incomodava com o estado dele, bastava que tropeçasse ou acontecesse qualquer outra coisa que tantos ignorariam, mas Levi vinha de imediato para o lado dele. Como se fosse impossível desligar por completo aquela parte que o fazia preocupar-se com os outros e isso Eren não conseguia entender. Assustava-se também por ver o quanto esperava por esse comportamento e como se desiludia ou se irritava quando isso se direcionava para outra pessoa.

Às vezes, o jovem de olhos verdes via fragmentos do adolescente de há uns anos atrás. As memórias reavivam-se cada vez mais nos últimos tempos. Não sabia como e nem se realmente queria sufocar novamente tudo aquilo. Só que em algumas ocasiões os pequenos fragmentos que se manifestavam na atualidade faziam com que desejasse que se mantivessem por mais tempo e não desaparecessem na névoa provocada pelas substâncias ilícitas que o outro andaria a consumir.

Se por um lado, o lado mais confiante o atraía sobretudo para as pequenas aventuras quentes no sofá do apartamento, por outro lado, não queria admitir que sentia falta dos gestos de carinho e atenção cada vez menos frequentes. Nesses gestos via mais da pessoa que Levi realmente era e isso deixava-o baralhado com o que sentia ou como devia reagir.

Nessas alturas pensava que o melhor seria sair o quanto antes daquele apartamento. Porém, seguia-se logo outro pensamento que lhe deixava um sabor amargo na boca acerca da ideia de sair e não cruzar-se mais com Levi. Não viver nada aquilo de novo. De esquecer tudo de novo.

Aterrorizava-o a ideia de não ser capaz e não queria encontrar explicações para isso. Queria simplesmente não pensar em nada. Queria ser capaz de não pensar em nada.

Quando pensava que estava a distanciar-se desses pensamentos, das perguntas nas quais não queria pensar, a realidade mostrou que as coisas não seriam tão simples.

Estavam a regressar ao apartamento depois de sair da lavandaria em silêncio. Podia não ter reparado, mas qualquer coisa na sua mente alertou-o para a cor, modelo, matrícula do veículo que passou perto dos dois. Podia ter sido mais um de tantos carros, mas sem imaginar que aquela seria a reação, Eren prendeu a respiração. Paralisou por completo e Levi demorou alguns momentos a perceber que os passos já não seguiam atrás dele.

– Eren?

Ele sabia que iria vê-lo outra vez. Aliás, em algumas conversas, o nome surgia e depressa desaparecia com a mudança de tema. Nada indicava que paralisasse daquela forma e no entanto, algo tão mundano como ver o carro a passar, trouxe de regresso as memórias daquela noite ou mesmo quando reconheceu o que tinha acontecido. Pensava que seria capaz de lidar melhor com aquilo, mas estava paralisado e a ouvir Levi a repetir o nome dele, enquanto pousava as duas sacas no chão e parava na frente dele.

A voz estava cada vez mais distante e a própria respiração mais alta.

Estava a ficar tonto com a respiração tão descontrolada e as formas e cores começavam a embaçar-se. Será que ia perder os sentidos ali? Por algo tão… insignificante? Porquê?

– Eren, escuta. Sou eu. – As duas mãos frias e ao mesmo tempo que lhe transmitiam um tipo de calor diferente, repousavam no rosto de pele morena. – Respira fundo. – Os olhos verdes fecharam-se, mas não abandonaram a consciência, optando por seguir aquela voz calma e as indicações que lhe eram dadas. – É só um ataque de pânico. Está tudo bem. – Ouviu algum tempo depois, sentindo a carícia no rosto de uma das mãos.

– Ataque de pânico? – Murmurou o moreno ainda um pouco trémulo.

– Sim.

– Eu… – A voz tremeu e desta vez as mãos deixaram o rosto dele e o corpo à sua frente colou-se ao dele num abraço. Os olhos verdes abriram-se surpresos, mas o jovem não recusou o contacto. Pelo contrário, retribuiu o gesto e o nó na garganta aumentou.

Aqueles braços eram tão familiares. Alguma vez no passado estiveram em torno dele para trazer-lhe conforto e segurança, quando sentiu-se desmoronar. Estavam ali de novo. Por muito que quisesse esquecer e manter tudo encoberto pela negação, ele estava ali de novo. Mesmo que o tivesse magoado ao ponto de não merecer perdão e muito menos um gesto daqueles, Levi estava ali de novo.

Duas lágrimas caíram pelos olhos verdes e apertou mais o corpo do jovem de olhos negros com os braços. Não importava o quanto aquilo pudesse ser desconfortável para as costelas que ainda não estavam completamente saradas. Algo dentro dele sentia falta daquilo. Sentia falta de quem o abraçasse com aquela vontade de o proteger do mundo, de o proteger de tudo.

Sentia falta de um abraço que sentisse como verdadeiro.

– Não podemos ir para casa… – Acabou por ser capaz de sussurrar e Levi distanciou-se apenas o suficiente para encarar os olhos verdes.

– Porquê? O que aconteceu? O que foi que te deixou assim?

Não podia negar a preocupação genuína nos olhos à sua frente. Era mais um daqueles momentos em que se provava que nem mesmo com as drogas a correr no sistema do outro, ele era capaz de desligar-se das outras pessoas. Não era capaz de desligar-se dele e o moreno optou por dizer a verdade em vez de esconder.

– O carro… ele passou de carro… ele não vive aqui, portanto, deve ter vindo ver-me.

– Ele? – Indagou Levi confuso por alguns instantes até que uma suspeita veio à sua mente. – O Jean? – Viu o moreno anuir, confirmando. – Ele não teria coragem… e se tiver, eu disse o que ia acontecer se aparecesse lá de novo.

– Mas…

– Eren, eu não vou deixar que ele se aproxime ou sequer entre em casa, entendido? E se tiver que partir as pernas dele para passar a mensagem, eu não vou pensar duas vezes. – Disse com uma expressão mais sombria. – Ele não sabe do que sou capaz…

– E se…?

– Eren. – Segurou nas mãos do moreno. – Se quiseres, ligo à tua mãe e tenho a certeza que irás para casa e ela tomará as medidas necessárias para que o Jean não se aproxime. Posso também falar com a Annie, mas não penso que seja o melhor porque ele conhece-a. Ou podes confiar em mim… o que preferes? Achas mesmo que o deixo passar da porta?

– Não… eu não quero falar com a minha mãe ou com a Annie sobre isto. Quero lidar com isto sozinho e ao mesmo tempo, a ideia de ficar sozinho… pareço tão patético.

– Shh. – Encostou o dedo indicador aos lábios do moreno. – Não, não pareces patético. Não és patético. Eu estou aqui. Não estás sozinho. Vamos para casa e quando estiver perto, vemos se o carro está lá. Se estiver, esperas um pouco enquanto o tiro de lá, pode ser?

– Hum, hum.

– Não vais ver ninguém que não queiras. Podes confiar em mim.

Fiel à promessa, Levi confirmou que o carro de Jean não se encontrava nas redondezas quando chegaram ao apartamento. Verificou também que o ex-namorado de Eren não estivesse na entrada ou perto da porta e com isso o moreno relaxou mais um pouco. Ainda assim, não quis comer muito à hora do almoço e enrolou-se no cobertor do sofá, onde se manteve deitado grande parte do dia.

Levi pediu dispensa do trabalho à tarde, pois Eren mostrou-se bastante relutante quanto à ideia de ficar sozinho em casa. Vendo a forma como o moreno estava a reagir e comportar-se, o jovem de olhos cinzentos considerou que seria melhor ficar no apartamento. Ainda que não houvesse troca de palavras entre eles, exceto aquelas em que Eren pedia para que não se afastasse muito. Isso levou a que Levi se sentasse no chão com as costas contra sofá com o computador sobre as pernas, optando por fazer mais um pouco do trabalho para o Sugar Daddy. O trabalho estava perto do fim e aquela tarde demonstrou ser bastante produtiva. Concentrar-se daquela forma também tornou mais distantes os pensamentos de preocupação, visto que era consciente que cada vez que demonstrava sentimentos de inquietação relativamente ao moreno, estava a abrir portas para que esse o magoasse outra vez.

Contudo mais tarde, após mais uma refeição em que Eren parecia mais indisposto do que com vontade para comer, veio a hora de dormir e…

– Tenho aulas amanhã. Não posso ficar a dormir aqui no chão, Eren. – Explicava com calma, vendo o moreno encolher-se e sentiu um nó na garganta quando viu os olhos verdes lacrimejarem.

– Eu sei. – Murmurou.

– Mas como se supõe que vou dormir contigo assim?

– Eu vou dormir. – Respondeu, mantendo o tom de voz baixo. – Podes ir. Não tens que te incomodar comigo… eu… eu nem sou assim. Eu não me afeto pelas coisas… – Viu Levi puxar o cobertor.

– Vem Jaeger.

– Ir onde? Vamos onde? – Soluçou, seguindo atrás do jovem de estatura mais baixa em direção ao quarto.

Habitualmente aquela divisão do apartamento era um local proibido para o moreno que sempre era expulso ou ouvia comentários ríspidos para nem pisar na entrada do quarto. Porém, aquela noite foi a primeira vez que Levi não só deixou que entrasse, mas permitiu que dividissem a mesma cama.

Tudo parecia tão surreal aos olhos do moreno que somente se deixou levar pelo momento, pelas carícias nos cabelos que não paravam por mais que o tempo passasse. Quando foi a última vez que alguém se deitou com ele daquela forma? Sem que existisse uma conotação sexual, um interesse, um fingimento qualquer? Quando foi a última vez que se deixou tão vulnerável nos braços de alguém que deixava a cabeça dele repousar contra o peito que se movia somente com a respiração constante e tranquila.

No entanto, segundo Eren tinha visto, Levi até podia ter adormecido primeiro porque não tinha sido discreto quando antes de deitar-se na cama tomou dois comprimidos diferentes. Não os que já tinha visto em ocasiões anteriores, mas outros que não reconhecia mas ao despertar a meio da noite, percebeu que pela falta de movimento, que seria algo para dormir.

Quando Eren acordou a meio da noite não foi pelo desconforto de estar a dormir com alguém e sim pela estranheza de uma situação tão incomum para ele. Não compreendia como alguém a quem sem dúvida, teria feito e dito coisas terríveis, podia ficar ao lado dele daquela forma. Mesmo que naquele dia não se tivesse sentido como ele próprio. Nunca imaginou que pudesse ter um ataque de pânico apenas por pensar na ideia de ver Jean outra vez. Agora que pensava nas coisas com maior clareza, quase tinha vontade de rir de tanta estupidez.

Separou-se um pouco do corpo adormecido ao seu lado e apoiando-se num dos cotovelos ainda com algum espasmo de dor, observou o rosto adormecido. Os cabelos negros desordenados e caídos ligeiramente sobre os olhos e a respiração calma que escapava por entre os lábios que tocou com os dedos e estavam secos.

Se eu fosse uma pessoa diferente, podia agradecer-lhe com palavras ou quem sabe algum outro gesto, mas… eu só conheço uma forma de agradecer”. Aproveitou que Levi continuava preso a um sono aparentemente profundo para se sentar na cama e colocar uma das mãos por baixo da camisola, sentindo com certeza o corpo que o outro escondia e que muitas vezes quis ver nos últimos dias, mas o jovem de cabelos negros sempre negava os pedidos para tirar a roupa.

– Não entendo porquê. Ele parece em melhor forma do que eu. Caralho, acho que quero… – Decidiu retirar a mão quando Levi se moveu um pouco e o braço dele bateu contra a mão de Eren, que ia desviar o braço quando ao tocar, sentiu algo diferente perto do pulso. Curioso, puxou um pouco da manga e arregalou um pouco os olhos ao ver ligaduras um pouco ensanguentadas.

Paralisou por alguns momentos, tentando processar um pouco do que estava a ver e procurou o outro braço de Levi. Ao puxar a manga viu um cenário semelhante, embora o outro tivesse mais marcas do que ligaduras. Marcas que pareciam mais recentes do que outras que se estendiam pelo braço como arranhões cruéis e profundos que faziam as mãos morenas tremerem.

Ele corta-se? Mas… porquê? Pelas coisas que dizem? Por que raio…? Ele é alguma espécie de… suicida?”.

Antes de conseguir organizar os pensamentos, sentiu um golpe na mão e em seguida, viu Levi de olhos abertos e sentar-se também na cama.

– O que estavas a fazer?

– Tu cortas-te? – Eren foi direto ao ponto ainda atordoado.

– O que é que tu tens a ver com isso?

– Porquê? – Perguntou incomodado com a forma como o outro se esquivava à resposta, ainda que esta fosse óbvia. – Sei que consomes qualquer coisa de vez em quando, mas isto… é por minha causa? – Arrepiou-se ao ver o meio sorriso no rosto do outro. Não era malícia e sim qualquer coisa que lhe provocava algum medo inexplicável.

– Pensas mesmo que o mundo gira ao teu redor, não é?

– Porquê? Sei que as coisas não devem ser fáceis, mas daí até fazeres isto… querer morrer? Sabes que podes morrer, certo? – A voz tremeu um pouco. – Não és suicida, pois não? Quer dizer, as coisas podem ser más mas nunca o suficiente para…

– Deve ser bom viver em tanta ignorância. – Cortou Levi, mantendo o olhar e tom seco na direção do moreno.

– Hoje disseste que ficavas comigo, que eu não estava sozinho. – Disse com um nó na garganta.

– Nunca disse que ficaria sempre e além disso, eu nem sei ao certo como te surpreendes com o que faço, Eren. Não digo isto por acreditar que o mundo gira ao teu redor, até porque antes de apareceres, eu já sabia que preferia não existir. Tu foste apenas a cereja no topo do bolo. O resto já tinha acontecido antes de chegares e me encheres com as tuas mentiras. – Disse, mantendo um tom tão tranquilo e desinteressado que estava a perturbar o moreno.

– Eu…

– Agora chegas de novo, finges que nunca me viste antes ou esqueceste mesmo, visto que sou tão insignificante na vida dos outros… qualquer justificação é indiferente.

– É mais complicado do que pensas, eu não quis…

– Não tens que justificar nada. Eu não quero nada de ti. Eu não espero nada de ti. – Interrompeu novamente. – Quando não esperas nada a não ser desapontamento, a desilusão deixa de fazer sentido e ficas dormente por dentro… não o suficiente claro. Tive que recorrer a drogas para enfrentar os dias, para ser capaz de dormir, para lidar contigo enquanto me arrasto nestes últimos dias porque eu não tenho futuro. Tu vais voltar à vida de antes. A ser miserável em silêncio, a fingir que não sentes, não te lembras, que nada importa até ao dia em que vejas o mesmo poço que eu… ou quem sabe, os ricos não vejam o mundo tão podre como os pobres.

– Isso não… as coisas não são assim… eu… tu não podes…

– O que foi? Queres negar que isto é verdade? Não entendo o motivo, Eren. Tu foste mais uma das pessoas que disseste que eu não deveria ter nascido, que te arrependeste de me ter conhecido e que eu devia desaparecer. Vou realizar um antigo desejo teu em breve, não devias estar contente? Já pensaste quantas pessoas já passaram na tua vida e as mataste por dentro e elas continuam por aí? Eu não vou ser uma delas. Eu vou mesmo desaparecer e tu vais esquecer... ri-te agora na minha cara como fizeste antes.

– Foram palavras estúp…

– As palavras têm mais poder do que pensas, assim como as ações. Quantas vezes disseste só palavras? Quantas vidas não terás arruinado? O quão miserável és para te sentires bem e de consciência tranquila, sempre que te deitas todas as noites?


Notas Finais


Até ao próximo capítulo!


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