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História Memórias Rasgadas - Capítulo XVII


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Obrigada pelos comentários, mensagens, favoritos e a todos os que acompanham a fic!

Capítulo 17 - Capítulo XVII


Capítulo XVII

 

Veneno.

As sementes da desconfiança eram como veneno e ele não queria deixá-las florescer ou não queria admitir que a parte racional dele questionava várias coisas ultimamente. Usualmente, orgulhava-se bastante da razão que existia na mente e que o levava a obter respostas, satisfazer a curiosidade, abrir novos horizontes e aprender coisas novas. Uma mente excecional diziam muitos à sua volta.

Porém, essas capacidades não estavam totalmente sob o seu controlo e por isso, não as podia silenciar para priorizar os sentimentos e assim ser capaz de confiar de confiar cegamente.

Jean podia não compreender como funcionava a mente dele, mas entendia o essencial das pessoas em geral para saber que todos se sentem inseguros, principalmente no que diz respeito aos sentimentos. O mais pequeno sinal de desagrado da pessoa amada podia levantar dezenas e até centenas de questões sobre nós próprios. O que foi que fiz? Será que agora já não gosta de mim? Será que posso mudar alguma coisa? Será que ainda vou a tempo? Como faço para não perder essa pessoa? Como faço para ter a certeza de que ainda sente o mesmo? Ou como posso fazer para que algum dia venha a sentir o mesmo que sinto? Tantas perguntas e a maioria das respostas não traz conforto e sim mais insegurança.

Por mais apaixonado que estivesse, Armin não era inocente a ponto de não saber que qualquer coisa estaria a acontecer. Ele sabia que os sentimentos não eram recíprocos desde do princípio em que basicamente insistiu que Levi aceitasse o relacionamento para que pudessem ver se de facto, tinham ou não futuro juntos. Armin pensou que pudesse transformar os gestos de carinho. Julgou que pudessem florescer para o mesmo sentimento que havia dentro dele. Queria vê-lo nos olhos de Levi, mas apesar dos raros sorrisos que recebeu e do carinho que recebia, os olhos do namorado contavam uma história diferente. Um enredo fechado para o amor que Armin procurava.

No entanto, ele ainda queria acreditar que era possível pelo menos ficar ao lado de Levi e impedi-lo de seguir as vias destrutivas que o mesmo confessou que sempre sentia uma vontade de tomar. Logo no início Armin acreditava ter feito alguma diferença, mas depois em algum momento, perdeu o controlo novamente. Viu como o namorado estava claramente de volta ao consumo de substâncias ilícitas e mais do que isso, esquivava-se bem mais das perguntas e a insistência terminava com alguma reação mais brusca e com ele a ir-se embora. Como não o queria perder, Armin aceitou as respostas vazias e evitava as perguntas que estavam na ponta da língua. Tudo para não o perder. Para que não se distanciassem de vez e assim dessa forma, tentar encontrar uma forma eficaz de pelo menos ajudar Levi.

A cada dia que passava mais Armin notava que essa estratégia não estava a funcionar. Ele estava apenas a fingir que estava tudo bem, mas não queria abdicar disso porque não sabia o que se seguiria. Queria poder estar com Levi mesmo que ele não retribuísse os sentimentos.

Surgiu então Jean e os comentários venenosos. Mesmo o companheiro de quarto com quem não trocava mais de meia dúzia de palavras diariamente, notou que qualquer coisa não podia estar bem e usou isso para semear a desconfiança. Dizia ter provas que o namorado não era tão fiel como o loiro pensava. Curiosamente não referiu Eren como o responsável, mas Marco que Armin já tinha visto pela Universidade, mas nunca deu muita importância a isso até que Jean frisou esse facto, dizendo que Levi e Marco encontravam-se várias vezes longe dos olhares dos outros.

Posteriormente, começou a dizer que também acreditava que vivendo com Eren debaixo do mesmo teto, Marco não fosse a única diversão de Levi.

Armin não queria acreditar em nenhum desses comentários, mas a repetição, o facto de sentir Levi cada vez mais distante e a própria insegurança desempenharam papéis importantes para que acabasse por exemplo por ligar a Annie e que agora estivesse…

– Como vês, eu não estava a mentir. – Dizia Jean com um meio sorriso.

– Eles estão só a conversar. – Murmurou Armin envergonhado por ter cedido à insistência do outro e por estar a seguir e vigiar o namorado de longe.

– Escolheram um sítio longe dos olhares. Por que achas que fizeram isso? – Provocou Jean.

A vários metros, Levi conversava com Marco que pouco depois se levantava e passando a mão no peito do jovem de cabelos negros, aproximava-se para murmurar qualquer coisa perto da orelha.

– Aposto que estão a conversar sobre a matéria das aulas. – Ironizou Jean e sorriu mais uma vez satisfeito ao ver que Armin saía rapidamente dali. – Eu avisei!

 

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– Para onde vamos, Marco? – Perguntava Levi, vendo que o rapaz novamente com um pirulito na boca não seguia o caminho habitual até à sala, onde costumavam estar mais à vontade.

– Hoje quero ficar ao ar livre.

– Porquê? Está frio cá fora.

– Vais gostar, gato. – Afirmou com um sorriso e arqueando uma sobrancelha, Levi deixou-se levar pela mão que o puxava por alguns corredores e a certa altura o fez correr até um dos elevadores. Não estava a entender o motivo para tudo aquilo, mas porque sabia que Marco seria uma boa distração, não ofereceu resistência. Além disso, também precisava de comprar mais produto para aguentar os dias que ainda lhe restavam e para isso, estava disposto a fazer quase tudo para continuar com aquele sentimento de dormência dentro dele.

Depois do elevador, Marco continuou a guiá-lo desta vez para umas pequena escadaria em caracol que terminava num local empoeirado e uma porta que teve que ajudar a empurrar. Pensava que iam para alguma espécie de arrecadação esquecida da faculdade de filosofia, mas em vez disso, estavam no terraço. Havia alguns cigarros velhos pelo chão por isso, indicava que alguns funcionários ou mesmo alunos já teriam estado ali há algum tempo para fumar sem ser vistos. Isso quando proibiam o fumo em alguns espaços pela Universidade, mas depois viram que era uma luta inútil contra os vícios e sobretudo métodos que os alunos utilizavam para lidar com o stress.

– Um dos meus novos clientes mais paranoicos não queria que lhe passasse as pastilhas em frente a todos ou dentro de uma sala porque pensa que estamos a ser vigiados em todo o lado e então trouxe-me até aqui. – Explicou Marco. – Acho que também esperava mais privacidade comigo, mas isso é uma coisa que sou eu que decido a quem dar. – Piscou o olho.

Levi caminhou um pouco pelo espaço que quanto mais afastado da porta menos cigarros velhos tinha e parecia um pouco mais limpo. Avançou até alcançar o gradeamento que seria bem fácil de avançar e que daria origem a uma queda bem aparatosa. Dificilmente alguém sobreviveria a uma queda daquela altura e embora, a intenção de Marco não fosse dar-lhe aquele tipo de ideia, desde que tomou a decisão de ir adiante com as ideias suicidas, era fácil que a mente dele se encaminhasse por esse rumo.

– É um bom lugar. Sempre a descobrir coisas novas pela faculdade.

– Sempre graças aos meus contactos e charme pessoal. – Sorriu, chamando Levi para se sentarem perto do gradeamento onde o chão parecia mais limpo.

Minutos mais tarde, os dois estavam sentados lado a lado com cigarros na boca, deixando escapar o fumo quente entre os lábios que contratava com as temperaturas baixas daquele dia que mais do que outono, parecia ser de inverno.

Os olhos cinzentos encontravam-se focados no céu igualmente cinzento que se ia intercalando com poucos pontos azuis, onde ocasionalmente podia aparecer um sol que aquecia muito pouco.

Olhou tantas vezes para aquele mesmo céu e nunca esperou respostas. Quando estava completamente cinzento, furioso com trovões a ecoar, podia ver-se nele. Podia ver-se ainda mais quando a chuva caía e aquela imensidão podia absorvê-lo durante horas.

– Não perdeste esse hábito.

– Huh? – Balbuciou ao escutar a voz de Marco.

– Não é a primeira vez que te vejo tão absorto em qualquer coisa que parece que só tu que estás a ver no céu. É quase sempre quando o tempo está assim, cinzento. – Inspirou um pouco do fumo antes de o deixar escapar. – Pessoalmente, prefiro os dias de céu azul e sol.

– O que é normal e acho que cheguei a gostar desse céu azul e sol quando pensei que podia tocar neles. – Estendeu a mão na direção do céu. – Mas no fim de contas, este é o tipo de paisagem que combina com alguém como eu.

Marco colocou uma das mãos sobre a perna de Levi que olhou de soslaio.

– Gatinho pareces mais abatido.

– Mais do que o habitual? Eu nunca estou muito diferente, Marco. – Respondeu.

– Tens consumido bem mais do que o normal e hoje quando olhei para ti assim que chegaste, tive a sensação de que aconteceu qualquer coisa. Qualquer coisa que te fez ficar assim…

– Assim como? – Questionou curioso pela resposta.

– Como se estivesses a ir para algum lugar onde não te posso alcançar.

Levi sorriu um pouco, fechando os olhos.

– Talvez não tenha sido mesmo uma casualidade que nos tenhamos encontrado naquela noite na ponte. Consegues ver-me e eu estou habituado a ser invisível para todos. – Sentiu Marco sentar-se sobre as pernas dele e abriu os olhos. Em vez do beijo e de algo sexual que acontecia sempre que se encontravam naquela posição, veio um abraço inesperado. – Marco?

– Não há mesmo nada que possa fazer, gatinho?

– Nem parece teu. – Sorriu um pouco, passando uma das mãos nas costas do outro. – Fizeste tudo o que pudeste.

– Menos fugir contigo para longe.

– Demasiado romântico, não achas?

Os dois riram um pouco.

– É, é um bocado. – Admitiu Marco, mantendo o abraço. – Posso ficar assim mais um pouco? Sei que se calhar não é o que estavas à espera, mas estou carinhoso hoje.

– Podes ficar assim o quanto quiseres. – Respondeu Levi. – Sabes que gosto mais de abraços do que aquilo que admito.

Marco apertou um pouco mais o abraço.

– Hum, então vou fazer com este abraço seja mesmo muito bom.

 

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A professora de Direito foi chamada ao gabinete do Diretor Pixis sem que fosse informada acerca do tema de conversa. Só quando estava sentada diante da secretária, viu sobre a mesa alguns papéis e um nome que há algum tempo vigiava ainda mais de perto. A mulher de cabelos loiros conhecia a perspicácia do homem do outro lado da mesa e por isso, supôs que seria uma questão de tempo até que a chamasse.

– Com o nome que vê à sua frente, consegues imaginar a razão pela qual a chamei, professora Reiss?

Os olhos azuis focaram-se sobretudo na tabela que indicava as mais variadas classificações dadas por outros colegas. As notas eram boas, principalmente tendo em conta o curso em que o jovem frequentava. Todavia, reparou que algumas sofreram pequenas quebras mais recentes e ela sabia que não era porque o rapaz de inteligência notável estivesse a sentir mais dificuldades com a matéria lecionada. Ela sabia que teria que existir outra razão para aquelas pequenas quebras na média, mas uma em concreto fez com que recolhesse uma das folhas. Um zero num trabalho e seguindo o nome do colega responsável encontrou um nome conhecido.

– Aquele filho da mãe… – Murmurou.

– Então não é somente uma suspeita da minha parte que a professora tem de facto, dado uma atenção especial ao aluno de nome Levi Ackerman. – Comentou o Diretor sem desviar o olhar da mulher que amachucando ligeiramente a folha na mão, encarou o homem à sua frente.

– Espero que não pense que estou a favorecê-lo. As classificações que recebeu da minha parte foram merecidas. – Afirmou a professora, mantendo o tom profissional.

– Não estou a pôr isso em causa.

Decidida a colocar as cartas na mesa, Historia contou ao Diretor a conversa que escutou entre o professor João Soares e o Levi, a forma como ela interferiu e como pensou que tivesse intimidado o colega a ponto de pensar duas vezes antes de atribuir uma má classificação ao aluno.

– Pelos vistos eu deveria ter reportado a situação em vez de confiar que ele teria colocado a mão na consciência e que veria que aquilo não é forma de falar com um aluno ou com ninguém.

– De facto, reportar essa situação na altura teria sido o mais correto a fazer e com certeza, falarei com o seu colega para revermos esta situação. – Afirmou Pixis. – No entanto, é verdade que mais do que qualquer outro professor nesta Universidade, a professora Reiss tem tratado com mais atenção de temas como bullying, chegando inclusive a iniciar as aulas mais recentes com pequenos discursos de sensibilização. Gostava de saber o que sabe acerca do Levi para que se sinta motivada a fazer isso com cada vez mais intensidade.

– Sei o que qualquer pessoa que o observe com um pouco de atenção sabe. – Respondeu a docente sem hesitação. – Ele é um aluno que dadas as circunstâncias certas podia ser brilhante, ou seja, com classificações ainda mais elevadas do que as que têm agora. Só que é também uma pessoa isolada que dificilmente vemos na companhia de outra pessoa. Sendo certo que há pessoas que gostam de estar sozinhas e precisam desse tempo sozinhas, basta observá-lo um pouco para ver que esse caso não é totalmente aplicável.

– Testemunhou alguma situação?

– Infelizmente à exceção daquela com o professor Soares não vi mais nada, mas oiço rumores de outros alunos e quero sensibilizá-los para que não se limitem a ver, mas quero que ajam de acordo com o que é certo. – Colocou a folha sobre a secretária. – É muito fácil focarmo-nos em nós próprios e ignorarmos o sofrimento dos outros porque se interferirmos, significa que estamos a trazer o problema também para o nosso lado. Ninguém pensa em como isso pode mudar a vida de alguém ou como pode marcar a diferença entre acreditar que ainda há quem se importe ou…

– Experiência pessoal? – Perguntou o Diretor.

– Não. – Respondeu com um nó na garganta. – Não comigo, mas… quando estive na escola havia alguém que toda a gente conhecia por se isolar, mas era mais fácil ignorar do que ir tentar entender o porquê ou tentar trazê-la para um círculo de amigos. Toda a gente a conhecia dessa forma, eu também e não fiz nada e no fim… todos nos surpreendemos quando ela subitamente desapareceu e dias mais tarde, todos ficaram a saber que se suicidou. – Engoliu em seco. – Não devia ser surpresa para ninguém nem que esse fosse o resultado e nem que ela tivesse tentado várias vezes antes sem que ninguém soubesse. O quão miserável se sentia por dentro para que tenha escolhido isso como solução? Como é que alguém se pode sentir assim e ser invisível para todos? – Deixou cair uma lágrima. – O triste é que passados três meses, eu que chorei quando soube, já nem me lembrava da cara dela ou sequer o nome. Eu não me orgulho disso e não quero ser alguém assim. Alguém tão preocupado com a própria vida que não vê mais ninguém e por isso, mesmo tendo vindo ensinar para uma Universidade, esforcei-me para tentar sempre sensibilizar os meus alunos. Nesta fase já são adultos, mas pelas brincadeiras “inocentes” que por vezes vemos por aí ainda nesta idade, vemos que podem ser adultos só de nome, mas não são conscientes de nada. Não têm qualquer apreço pelo outro. Não são pessoas que deviam ser aceites pela sociedade.

– Eu concordo. – Disse Pixis, após algum silêncio. – Sem saber, a professora Reiss aproximou-se de um caso bem complicado. Para dizer a verdade, conheço um pouco mais do que o nome ou as classificações do aluno Levi Ackerman. Ele entrou na Faculdade por mérito próprio, mas um bom amigo meu pediu um favor especial. Pediu que o vigiasse de perto, sobretudo depois da amiga e aluna brilhante Hanji Zoe ter ido para Sina.

– Esse pedido veio de algum professor antigo dele? – Questionou Historia curiosa e ao mesmo tempo preocupada com as implicações daquele pedido, pois isso significava que havia mesmo qualquer coisa muito errada com Levi.

– Não. O pedido veio de um amigo meu. – Respondeu Pixis sem entrar em detalhes acerca da identidade e optando por retirar outras folhas de uma gaveta e colocá-las diante da professora. – Depois desta nossa conversa, penso que também gostaria de contar consigo para o manter debaixo de olho. Há casos de isolamento e bullying, mas este foi sem dúvida bem longe e dura desde…

– Desde que entrou na escola é um aluno isolado? – Concluiu, vendo os papéis nas mãos e vendo o Diretor assentir.

– De alguma forma, a aparência das roupas e materiais desgastados, assim como a história familiar sempre o isolaram, embora se reparar, quase não existam relatórios ou comentários acerca disso nessas folhas porque a esmagadora maioria dos professores escolheu ignorar, não dar atenção ou considerar que se tratava somente de um aluno mais tímido e reservado. A verdade é sem dúvida outra.

– Ó meu Deus…

– Com a Hanji por perto nunca tive que preocupar-me muito com essas informações, mas agora mesmo com a aproximação entre ele e o Arlert, penso que não é o suficiente para diminuir algumas preocupações. – Suspirou. – Infelizmente, na sequência de uma denúncia anónima terei que falar com os dois.

Pouco depois, ouviram-se duas batidas na porta.

– Podem entrar. – Anunciou o Diretor e a professora Reiss, colocou as folhas dentro da capa, escondendo o conteúdo antes que os dois jovens se sentassem cada um ao lado dela. Reparou que o rapaz loiro parecia bem mais nervoso e que por oposição Levi estava estranhamente calmo. – Peço desculpa por ter feito com que se ausentassem das aulas, mas precisava de esclarecer uma situação que chegou aos meus ouvidos.

À medida que Pixis falava sem revelar o nome de quem teria denunciado acerca da ida dos três alunos para o hospital, Armin só conseguia pensar em Jean como o responsável. Será que pensava que por ter escolhido o anonimato, o loiro não saberia que tinha sido ele? Era óbvio que só podia ter sido ele e Armin pesava seriamente os prós e contras de contar o que sabia. Podia não ter provas, além da palavra dele contra a de Jean, mas por mais que este o tivesse tentado envenenar contra Levi nunca poderia ficar do lado errado da história.

Portanto, mesmo com várias incertezas sobre o quanto o Diretor iria duvidar da história, Armin interrompeu Pixis e disse que sabia quem tinha feito a denúncia. Confessou que Jean nunca deixou de lado as ameaças e que se não tivesse sido por Levi, ele e outros alunos teriam continuado a viver debaixo de um clima de terror.

– A violência pode não parecer a resposta mais adequada, mas quando o resto falha, resta o desespero e infelizmente, o agir pelas próprias mãos. – Disse o loiro decidido a não deixar os próprios sentimentos magoados interferirem naquilo que julgava ser certo.

– O que fizeste foi em legítima defesa? – Questionou Pixis na direção de Levi que deixou um sorriso triste escapar antes de responder:

– Não importa o que responda, todos aqui sabemos que depois do que fiz, vou ser expulso. O único consolo é que provavelmente, levo o Jean e aqueles três comigo para fora daqui, mas ficam todos os outros que ninguém vê ou finge não ver.

– Não estás arrependido? – Perguntou o Diretor.

– Não. – Respondeu.

– Levi. – Ouviu o loiro tentar chamá-lo à razão.

– Oiça, talvez devamos conversar sobre isto de outra forma. – Interveio Historia igualmente preocupada assim como Armin.

– Levi não te importas com o que possa acontecer daqui em diante se abandonares os estudos desta forma? Além disso, como o Armin explicou, podiam ter vindo até aqui dizer a verdade acerca do Jean ou daqueles três. Existem formas de lidar com esse tipo de situação e preocupa-me que alguém de mente tão brilhante quanto a tua desconsidere todas as opções que tens à tua disposição e opte pela violência.

– Ele não fez isso por ele. – Falou Armin. – Ele não é do tipo de pessoa que…

– Não me interrompas, Armin. – Cortou Pixis.

– Penso que seria adequado ouvir o que cada uma das partes tem para dizer. – Interveio a professora de Direito.

– Eu agradeço o que estão a tentar fazer, mas não vale a pena. – Afirmou Levi após um longo suspiro.

– Não pensas que tenhas cometido um erro, Levi? – Perguntou Pixis.

– Não importa o que eu penso, eu sei que a partir do momento que entrei nesta sala não teria qualquer decisão a meu favor. Não é nada pessoal contra si, mas é o que sempre acontece e eu estou cansado de desculpar-me por tudo e por nada. Estou cansado porque não importa se faço as coisas certas ou não, o resultado é sempre o mesmo. – Falava com um tom monocórdico. – Portanto, desta vez não vou mostrar arrependimento, não vou desculpar-me e nem vou dizer que existiam outras alternativas porque na verdade, não existem. O que existe são momentos como este em que depois de alguma coisa acontecer, todos dizem que havia outra forma de lidar com a situação. É muito fácil falar nessa altura… todos têm uma opinião nessa altura, mas antes nada importa. – Suspirou. – Sei que vou ser expulso e não se preocupe com o meu futuro porque há muito tempo que já deixei de pensar nisso. – Levantou-se e ouviu a professora de Direito e Armin chamá-lo até que a porta do gabinete se abriu.

– Espero que me desculpem por entrar assim, mas penso que ouvi o suficiente.

– Erwin? – Murmurou o jovem de cabelos negros surpreso.

– Há quanto tempo, Levi. – Sorriu na direção do rapaz e em seguida na direção de Pixis que se levantou e veio apertar a mão do homem de roupa formal que se encontrava agora no gabinete. – É um prazer ver-te de novo, Pixis.

– Pensei que chegasses mais tarde, Erwin. Há muito tempo aí atrás da porta?

– Não há muito. – Disse, deixando a mão do Diretor e aproximando-se do jovem de olhos cinzentos. – Será que podemos sair um pouco para conversar?

Eles conhecem-se e seguindo a lógica das conversas da Hanji, só pode ser ele… o dono das empresas Smith é o Sugar Daddy?!”, Armin corou assim que viu um sorriso cordial na direção dele e da professora Historia Reiss que saiu da cadeira para cumprimentar o presente na sala. Para ela também era óbvio que aquele era o amigo de quem Pixis tinha falado, mas mentiria se dissesse que esperava algo assim. Como é que um homem tão conhecido e influente conhecia o Levi?

Pixis ainda tentou argumentar que a conversa ainda teria que ser terminada, mas Erwin afirmou sem margem de negociação que aquele não era o melhor momento e que precisava mesmo de tomar um café para lidar um pouco melhor com o jet-lag da viagem.

Contudo mesmo que não tenha conseguido convencer Erwin a ficar, tanto Armin como a professora de Direito se mantiveram na sala por mais algum tempo com o Diretor, pois este ainda quis colocar algumas questões.

– Sempre pouco discreto. – Comentou Levi ao ver o carro demasiado luxuoso parado próximo a uma das saídas da Universidade.

– Sabes que gosto de conforto. – Disse, abrindo a porta do carro e fazendo um gesto para o motorista entrar no carro.

– E egoísta também para acabar com uma reunião daquela forma. Tive que faltar a uma aula e não quero faltar ao trabalho depois. – Entrou no carro e afastou-se o suficiente para que o outro também entrasse e ficasse sentado ao seu lado.

– Eu compenso, se esse for o problema.

– Depois do café vou trabalhar, Erwin.

– Não sei se teremos tempo de pôr toda a conversa em dia em tão pouco tempo. – Disse um pouco desapontado. – Posso convidar-te para jantar depois?

– Sabes que este carro, esses comentários e esses sorrisos não ajudam muito à ideia de que não estás a querer ser um Sugar Daddy. Já conversámos sobre isso antes. – Recostou a cabeça no assento do carro, olhando para o homem ao lado dele. – Podes parar com a brincadeira, Erwin. Estavas envolvido num projeto bastante importante, por que vieste agora? Disseste que só voltavas para o próximo ano.

– A Hanji ligou-me há uns dias. – Admitiu.

– E?

– E também deixei de ter razão para adiar o meu regresso temporário.

Levi olhou com mais atenção para o loiro.

– A tua mãe…?

– Sim. – Confirmou.

– Lamento imenso. – Murmurou Levi com um tom mais abatido.

– Já era hora dela, só tenho pena que não tenha conseguido acabar o projeto antes para que ela pudesse usá-lo ou pelo menos que a tivesses conhecido. – Afirmou e os olhos cinzentos voltaram a fitá-lo.

– Por que é que a tua mãe iria querer conhecer-me?

– Eu falei-lhe de ti e ela disse que queria ter a oportunidade de te conhecer. – Suspirou. – Parece que não sou muito bom com estas coisas de manter promessas.

– Não podes culpar-te por causa disso. Há coisas que fogem ao nosso controlo.

– Estás diferente do normal. – Apontou o loiro.

– Vais contar-me histórias novamente sobre os perigos da droga? Já falámos sobre isso, Erwin.

– Quando nos vimos pela primeira vez estavas triste, depressivo, desesperado por uma solução a curto prazo e agora, olhando para ti e depois de ter escutado o que disseste ao Pixis… é como se tivesses desistido.

– És a segunda pessoa que me diz isso hoje. – Comentou Levi com um pequeno sorriso. – Anda, não faças essa cara. Não tens que ficar assim por mim, Erwin… não faz o teu género de dominador do mundo dos negócios. O grande empresário Erwin Smith não se afeta por nada nem por ninguém.

 

Flashback

Depois de ser expulso de casa e passar a primeira noite na companhia de Marco, o jovem de cabelos negros teve que procurar uma alternativa para a situação em que se encontrava. Mentiu, dizendo que já tinha pensado numa solução e vendo que acabaria por dormir na rua, aproximou-se do único lugar onde sabia que podia entrar em segredo e sair sorrateiramente, dado que ainda estavam em obras de manutenção.

Nanaba estranhou e teve a ligeira impressão de que havia alguém a entrar no armazém, mas no primeiro dia não encontrou ninguém. Porém, no segundo teve a certeza que havia um intruso estranho, pois não roubava nada, não assustava os animais ou sequer lhes fazia mal, pelo contrário. Quem quer que fosse, os animais não se agitavam e por isso, tal facto reduzia as hipóteses de quem pudesse ser. Portanto, na segunda noite apareceu, oferecendo uma refeição ao jovem que estava encolhido num canto e ao vê-la, começou a pedir várias desculpas antes de sair sem explicar o que aconteceu.

A mulher tentou chamá-lo e segui-lo na rua, dizendo que não faria perguntas e que ele podia entrar na casa dela e abrigar-se lá enquanto estivesse a resolver qualquer que fosse o problema que tinha. Contudo, Levi não parou de correr tomado pela vergonha de ter sido apanhado e numa noite em que caía uma chuva fina, mas gelada não esperava que durante a madrugada já alta, encontrar outra pessoa atrás dele.

– Hanji? – Indagou incrédulo ao ver a rapariga parada na entrada da rua onde ele estava sentado perto de um contentor do lixo, escondendo em grande parte a sua presença naquele local.

– Levi? Levi! – Disse entre um tom de choro aliviado e alegria. – Estou à tua procura desde ontem! – Ajoelhou-se diante do rapaz que ainda em choque observava a rapariga de casaco que quase a cobria por completo. – Ainda bem… ainda bem que te encontrei.

– O que estás aqui a fazer e a esta hora da noite?

– Isso pergunto eu. Estás com as mesmas roupas e só a mochila… não apareceste na escola e quando fui à tua casa fizeram de conta que não te conheciam.

– Foste à minha casa? Porquê? Como?

– Saquei a informação da internet e descobri facilmente onde moravas. – Respondeu, abrindo o próprio casaco para o retirar. – Fugiste de casa? Colocaram-te fora de casa? Seja o que for, Levi não estás sozinho, ok? Eu disse que não ia ser mais um espectador deste triste espectáculo que todos fazem, dizendo que são boas pessoas e ajudam os outros, mas no fundo não hesitam em pisar nos outros e humilhar como fizeram naquele dia na escola. Devias ver como mentiram a dizer que nada realmente aconteceu… todas aquelas pessoas metem-me nojo e eu vou proteger-te delas. – Colocou o casaco sobre o rapaz. – Vens comigo, ok? Sei que posso parecer louca, mas eu quero mesmo ajudar-te. Podes confiar em mim, eu… gostava de ser tua amiga, Levi no verdadeiro sentido da palavra. Quero ficar ao teu lado nos bons momentos e nestes também. Quero que me dês a oportunidade de mostrar que as coisas podem ser diferentes. – Acabou de colocar o casaco no rapaz, cujos olhos lacrimejavam um pouco e abriram-se um pouco mais ao ser abraçado.

– Estou sujo, Hanji… não mudo de roupa há…

– Não quero saber. – Respondeu, apertando mais o corpo dela contra o dele. – Precisas de alguém que te diga que nada disso importa e que vai ficar ao teu lado venha o que vier, eu quero ser essa pessoa, Levi.

– A minha mãe trabalha na prostituição… o meu tio, ele…

– Isso são eles e não quem tu és.

– Eu estou tão estragado, Hanji… eu não acho que…

– Não me vais convencer a deixar-te aqui nem agora nem nunca.

Os pais de Hanji até já estavam a considerar chamar a polícia quando chegaram a casa. A amiga protegeu-o da maior parte das perguntas e pediu aos pais um favor a que muitos diriam que não, que o acolhessem porque ele não tinha para onde ir. Foi dessa forma que passou a viver com a amiga de perto e apesar do cuidado e compreensão dos pais dela, Levi não estava completamente confortável com aquela situação. A ideia de estar dependente deles sem dar nada em troca, deixava-o sempre com um certo dissabor.

Além disso, nunca o disse abertamente mas notava que mesmo com o passar das semanas, os pais de Hanji não estavam confortáveis com a situação e a ideia de esperar até que ele se tornasse adulto acarretava mais responsabilidades e despesas do que eles poderiam suportar a médio prazo.

Ouviu algumas conversas murmuradas na cozinha e sabia que não podia manter-se lá, mesmo que tivesse regressado à escola e quase todos os dias procurasse um trabalho que pudesse desempenhar e fosse remunerado. Porém, a idade era um grande entrave e além disso, também não tinha uma forma de ser contactado.

– Espera, acho que tenho um aqui na gaveta. Eu sempre guardo o modelo anterior. – Dizia Hanji desarrumando várias gavetas enquanto procurava o telemóvel que teve antes do mais recente que os pais lhe tinham dado há uns meses atrás. – Está aqui!

– Se fosses um pouco mais organizada não terias transformado o quarto num campo de batalha. – Dizia o rapaz ajoelhado ao lado da amiga, começando a recolher os vários objetos espalhados pelo chão.

– É um modelo mais antigo que o meu, mas tem touchscreen, dá para algumas aplicações e podemos arranjar um cartão de memória para melhorar um pouco o desempenho. – Dizia, desarrumando outra gaveta. – Vamos ter que comprar-te um cartão porque parece que já não tenho daqueles que às vezes oferecem na rua.

– Não precisamos de comprar nada, eu disse que qualquer telemóvel serve. – Falou Levi.

– Podes não querer cartão de memória, mas precisas de um que te ligue a uma rede e para que isto funcione. Achei que tinha um da Vodafone, mas amanhã saímos e se não encontrarmos nenhuma operadora a fazer promoções compramos um. Não te preocupes que são baratos. – Assegurou e repentinamente, abraçou o rapaz.

– Larga-me, Hanji!

– Assim vamos poder trocar milhares de mensagens por dia quando não estivermos juntos.

– Tenho que ter atenção às aulas.

– Sim, eu também gosto muito de ti. – Sorriu, mantendo o abraço e o rapaz revirou os olhos.

Ele não explicou a razão para querer que lhe emprestasse um telemóvel e possivelmente, durante algum tempo Hanji nunca suspeitou que a razão se prendesse ao facto de poder ser contactado para ofertas de emprego. Porém, a idade dele continuava a ser um entrave e mentir também não era viável, visto que bastava que lhe pedissem qualquer documento de identificação.

Entretanto, ele ia vendo como as discussões entre os pais da amiga se tornavam mais frequentes e menos discretas. O clima começava a ficar mais pesado, conforme as contas iam sendo mais complicadas de pagar, sobretudo depois de o pai de Hanji ter adoecido e ter ficado de baixa por um período maior do que o esperado. Já não eram capazes de esconder as dificuldades económicas da filha que ainda assim sorria na direção de Levi e dizia que as coisas iriam melhorar. Só que ele via-se a si mesmo como um empecilho, como o elemento a mais na equação que estava afundar a família Zoe. Ele queria sair antes que quebrassem de vez.

Foi casualidade que enquanto mudava de roupa para a aula de educação física no canto mais recôndito do balneário e em último lugar para que não chamasse a atenção para ele, que Levi escutou pela primeira vez da aplicação Date me, Daddy. Colegas comentavam que havia gente na escola a usar aquela aplicação para ganhar dinheiro fácil de gente rica. O que inicialmente lhe pareceu uma ideia deprimente, mas a curiosidade ficou plantada e levou-o a pesquisar mais tarde acerca do tema. Supostamente, era um serviço que se baseava em oferecer companhia a pessoas sozinhas. Pessoas ricas. A descrição parecia inocente, falando de idas a cafés, acompanhamento em festas de empresas, entre outras coisas que muitos não recusariam em fazer. Porém, os comentários indicavam uma direção diferente, mas depois de ouvir mais uma discussão entre os pais da melhor amiga, concluiu que não podia ficar ali por mais tempo. Decidiu arriscar.

As primeiras tentativas foram terríveis com velhos pervertidos a atirar notas para cima da mesa em troca de um momento privado na casa de banho, no carro deles ou uma ida até um hotel. Mesmo que tivesse lido acerca dessas possibilidades, Levi quis acreditar que embora isso pudesse acontecer com alguns, nem todos seriam assim e precisariam de facto de uma companhia que não incluísse favores sexuais.

Contudo, não era isso que acontecia e acabava por entrar em pânico e fugir assim que as propostas começavam. Aqueles velhos salivavam ao ouvir a idade dele e isso apenas lhe trazia as ânsias de vómito. Não seria capaz de descer tão baixo. Não queria ser obrigado a descer tão baixo.

Quando ouviu a amiga discutir com os pais, atacando-os para defendê-lo soube que se calhar, não tinha outra opção. O que era mais importante? Manter o orgulho e dignidade dele ou não estragar a vida da única pessoa que lhe deu carinho e conforto sem pedir nada em troca?

Sentado na mesa do café, aguardando a chegada do novo Sugar Daddy, Levi repetia a si mesmo que não podia fugir, que aceitaria o que quer que fosse porque aparentemente o homem estava disposto a pagar bem e por isso, esse poderia ser o bilhete de saída para deixar de viver com a família Zoe. Deixaria de ser um encargo para eles e uma responsabilidade que eles não tinham a obrigação de assumir.

Viu as mãos tremer e procurando acalmar-se para não espantar o Sugar Daddy, retirou um dos cadernos da mochila que tinha debaixo da própria cadeira e tentou distrair-se com os números.

– Posso estar enganado, mas são cálculos bem avançados para a tua idade. – Veio uma voz e em seguida, na cadeira em frente dele do outro lado da mesa sentava-se um homem. Este era mais novo do que estava habituado a encontrar, mas ainda assim a idade devia rondar os 30 e poucos.

Fato formal impecável e de cor azul escura, gravata cinzenta, relógio de ouro no pulso esquerdo sem aliança no dedo.

Bom, pelo menos este aparentemente não é casado. Ou simplesmente, colocou a aliança no bolso para que eu não tenha a tentação de fugir já”, concluiu amargamente.

Os cabelos loiros pareciam impecáveis apesar do vento do exterior e os olhos azuis observavam-no com interesse, mas não da forma como viu em outras ocasiões. Parecia que havia curiosidade verdadeira por oposição à luxúria habitual de outros Sugar Daddy que já vinham com uma ideia bem clara do que esperavam do encontro.

– Ah… boa noite. – Falou o rapaz de cabelos negros, estendendo a mão depois de colocar o lápis sobre o caderno. – Levi.

– Boa noite, Levi. – Cumprimentou, aceitando a mão do adolescente. – Podes chamar-me Erwin. – Viu o rapaz assentir e começar a fechar o caderno. – Interrompi os teus trabalhos de casa?

– Ah não, é só… é uma distração para passar o tempo. – Respondeu, guardando o caderno no interior da mochila.

– Que idade é que tens realmente? – Perguntou o homem curioso.

– Isso importa? – Respondeu com outra pergunta, sendo perfeitamente consciente que para utilizar o serviço deveria ser maior de idade, ou seja, ter 18 anos. Porém, a julgar pela reação de outros Sugar Daddy, a idade não era um problema. Aliás para alguns quanto mais novos, melhor…

– Suponho que não. – Respondeu, retirando o telemóvel do bolso e colocando-o sobre a mesa e Levi notou como era um modelo moderno e novo. Em seguida fez um gesto a uma das funcionárias. – O que vais querer, Levi?

– Ah… qualquer coisa. Talvez um café.

– É hora da refeição, eu ainda não jantei.

– Mas este é um café… ah, não tem coisas muito variadas ou…

– Caras? – Arriscou o loiro com um sorriso divertido. – Eu não me importo. Há horas que não como nada, portanto, qualquer comida que venha é bem-vinda. Vá, faz-me companhia. Fica tudo por minha conta.

– Obrigado.

Feitos os pedidos, Levi sabia que devia parecer minimamente interessante e isso incluía a capacidade de fazer conversa. Porém, não sabia sequer por onde começar e também não tinha a certeza de ter algo relevante para dizer já que mesmo sem dizer muita coisa, era evidente a diferença abismal entre eles.

– É a primeira vez que usas esta aplicação? – Erwin tomou a iniciativa.

– Não.

– Hum, ninguém diria. Isso significa que já tens outro candidato?

– Não fiquei com nenhum dos anteriores. – Respondeu, ponderando posteriormente se devia ter sido honesto naquela resposta. O homem do outro da mesa podia encarar aquilo como um sinal de alerta e desconfiança.

– Para mim não é a primeira vez, mas usualmente encontrava alunos universitários. – Comentou. – Ainda não tinha encontrado alguém tão jovem. Pelos exercícios no teu caderno diria que estás na área de ciências? Já estás no ensino secundário, correto?

– Sim, na área de ciências. – Confirmou.

– Parece que tens um certo gosto pela matemática… pretendes seguir contabilidade? Investigação?

– Não sei. – Murmurou.

– Não te vejo em áreas que envolvam a contabilidade. – Recostou-se na cadeira. – Não estou a duvidar do teu gosto ou aptidão para profissões relacionadas com números, mas não sei se tens a frieza necessária para isso.

– Eu ainda não sei o que quero fazer. – Admitiu, recordando como há algum tempo atrás tinha desistido de medicina e desde então, ficou bastante perdido acerca de outras opções.

– Muitos consideram que sou um empresário brilhante porque consigo olhar para os números e ver claramente como devo utilizá-los para que seja benéfico para as empresas que administro. Alguns do que dizem isso, também acrescentam que o consigo fazer porque removo a parte humana de todo o resto. – Dizia, captando o interesse do rapaz que não estava a compreender qual o rumo da conversa, dado que era algo inesperado. Outros não perdiam tempo a fazer aquele tipo de conversa, diziam o que queriam e nada mais importava. – Isso significa que para manter os lucros e os números brilhantes dos negócios que administro não olho a meios para os manter, mesmo que isso signifique dispensar trabalhadores e causar impactos nas vidas deles que depressa saem da minha consciência.

– Se fosse assim, se realmente fosses capaz de remover o lado humano de tudo o que fazes em nome do lucro não estarias a comentar com um estranho acerca do impacto que o despedimento tem na vida das pessoas. – Falou Levi. – Isso nem sequer estaria na tua consciência.

Erwin sorriu um pouco, apoiando o queixo na mão.

– Não importa se está ou não na minha consciência se no fim acabo por despedir, se concluir que aquele número de trabalhadores é um inconveniente para mim. – Afirmou. – Mas esse pequeno comentário fez-me ver um pouco da pessoa que és. Decidiste ver algo bom em mim, mesmo depois do que acabei de dizer. Portanto, não penso que a parte sexual deste serviço te interesse. Não leves a mal, mas tens um ar muito inocente.

– Eu preciso do dinheiro. – Interrompeu. – Começa a ser pouco relevante o que tenha que fazer para ter esse dinheiro.

– Não tens a frieza suficiente para levar essas palavras adiante. – Comentou. – Mas não vamos discutir sobre isso, eu de facto vim em busca de um pouco de companhia diferente do habitual e parece que após várias tentativas, encontrei o que procurava.

Levi não entendia o que aquele empresário à sua frente podia ter encontrado. Eles eram muito diferentes e depois de esquivar-se a algumas perguntas, ouviu um pouco acerca da vida do loiro sobre a sua formação e aquilo que fazia. Falando dos negócios que geria, o loiro assumia sempre uma postura bem profissional, embora na verdade a formação inicial de Erwin não tivesse sido administração e gestão.

– Nunca pensaste em voltar para o desenvolvimento de software? – Questionou Levi a certa altura.

– Algumas vezes, mas tenho pouco tempo para…

– Se és capaz de organizar tão bem o teu tempo, devias voltar.

– Porquê? – Perguntou genuinamente curioso enquanto acabava de beber o café.

– Porque… as pessoas ficam diferentes quando falam daquilo que gostam e pode ter sido impressão minha, mas quando falaste da primeira formação académica que tiveste, dos motivos para teres escolhido, fez-me pensar que essa talvez fosse a tua vocação principal e aquilo que gostas verdadeiramente de fazer. – Sorriu com alguma tristeza. – Eu não tenho nada assim e se calhar, tenho uma certa inveja porque tu tens essa resposta e eu… nunca tive, talvez nunca tenha.

Após a surpresa inicial, Erwin sorriu novamente. Era realmente um adolescente inocente quanto o quão complexas as coisas podiam ser quando alguém chega a idade adulta. Fazer o que verdadeiramente gostavam muitas vezes não era uma opção, mas ainda assim não podia deixar de sorrir com o pequeno incentivo que Levi queria dar. Era refrescante ver algo que não fosse calculado, plastificado para lhe dizerem exatamente sempre o que queria ouvir ou ter quem se perdesse em elogios à pessoa que era e ao que fazia.

Aquele adolescente à sua frente via que nem tudo era tão perfeito e não o observava com pena, mas como se tivesse a encontrar outra pessoa que assim como ele, não era feliz.

– Queres que te deixe em casa, Levi? – Perguntou ao abrir a porta do carro.

– Em casa? Eu… ah… não, mas eu posso fazer outras coisas. – Disse a segunda parte com um tom desolado. Não queria fazer esse tipo de oferta, mas um homem como aquele não podia realmente estar satisfeito apenas com um jantar e conversa e ele precisava mesmo do dinheiro.

Sentiu a mão do loiro sobre os cabelos dele a que se seguiu um sorriso antes de lhe entregar um envelope.

– Vamos manter-nos fiéis à falsa propaganda da aplicação, o que dizes? Vamos mesmo só ficar pelo jantar, cafés e afins?

– O que tens a ganhar com isso?

– A tua companhia. – Respondeu sem hesitar.

– Mas…

– Até uma próxima, Levi. – Despediu-se com um aceno e entrou no carro.

Assim que o empresário desapareceu, o adolescente espreitou para o conteúdo do envelope e arregalou os olhos com o número de notas. Teria sido engano? Só podia ser engano. Não podia aceitar aquela quantia e tentou dizer isso na segunda vez que se viram, mas Erwin recusou-se a aceitar devoluções. Foi dessa forma que saiu da casa dos pais de Hanji e alugou um pequeno quarto que tinha que dividir com outra pessoa, um homem que pelos vistos trabalhava em algumas obras, mas que raramente via no quarto. Aparecia apenas à noite para dormir.

A amiga não foi a favor dessa mudança e quis mudar-se com ele, mas ele convenceu-a do contrário, dizendo que devia ficar com a família e que podiam continuar a ver-se. Ela descobriu que ele tinha encontrado um Sugar Daddy através de uma aplicação que estava a ficar popular na altura e imaginou o pior. Levi tentou assegurar que os encontros entre ele e Erwin não tiveram nada de remotamente sexual. Pelo contrário, graças ao empresário passaram até a visitar museus e outros locais que não veria de outra forma, dado que raramente teve autorização para ir a visitas de estudo e agora que a família negava a existência dele, pedir-lhes qualquer coisa estava fora de questão.

– Queria ver pessoalmente o predador sexual que anda a passear com o meu melhor amigo.

Essa foi a frase que Hanji utilizou para se apresentar ao aparecer de surpresa e sentar-se na mesa ao lado de Levi que cobria a cara enquanto Erwin sorria divertido.

– Deves ser a Hanji. Muito gosto em conhecer-te.

– Ó ele é bom. Olha só como está a esconder que acabou de acionar o dispositivo para que eu seja atacada por cães ou levada pelos seguranças.

– Isto não é um filme, Hanji. – Disse o rapaz de cabelos negros. – Como é que soubeste que estava aqui? Não devias estar a estudar?

– Não posso estar tranquila sabendo que aqui o Sr. Falinhas bonitas está a tentar levantar-te para a cama.

– Se ele quisesse já o teria feito. – Respondeu o rapaz, revirando os olhos.

Apesar de reconhecer alguns impactos positivos que o empresário trouxe para a vida do melhor amigo, Hanji continuava constantemente desconfiada dos atos de bondade. Porém, naquela altura, isso deu ao adolescente a força necessária para tentar mais um pouco e pensar que quem sabe, as coisas pudessem mesmo ser diferentes. Mesmo que tenha impedido vários de outros presentes que Erwin quis oferecer, mas outros foram o suficiente para por exemplo, completar os estudos no secundário e candidatar-se à Universidade.

– Voltei a trabalhar naquele software que te falei há uns tempos atrás. Não tenho muito tempo, mas… – Erwin dizia, usando tom discreto e surpreendeu-se ao ver um sorriso sincero do outro lado da mesa.

– Ainda bem. Fico contente por ti, Erwin.

Fim do Flashback

 

Pouco a pouco, conforme ia conhecendo um pouco mais de Levi, o empresário foi desenvolvendo uma certa necessidade de o proteger. Queria oferecer-lhe bem mais do que o jovem permitia, ainda que entendesse a relutância em receber as coisas de mão beijada. Se bem que era verdade que mais do que muitas pessoas que conhecia, o estudante universitário merecia muito mais do que imaginava e se calhar, até mais do que Erwin poderia dar. Só que isso não o impedia de tentar e por isso, depois do café rápido e de deixar Levi no trabalho, insistiu em ir recolhê-lo no fim do turno para falarem mais um pouco.

– Já jantei, Erwin. Sempre que faço este turno, como qualquer coisa lá.

– Eu ainda não comi muito por isso, vou pedir que tragam comida até ao quarto. – Dizia enquanto as portas do elevador do hotel fechavam-se, diante do olhar curioso do funcionário. – Lamento não ter escolhido outro local para nos encontrarmos, mas estive a dormir enquanto esperava pelo fim do teu turno.

– Sim, ambos sabemos o que aquele e outros funcionários estão a pensar ao ver-nos subir para o quarto. – Sorriu, abanando a cabeça. – Não quero saber. Estou cansado de pensar em justificar-me por tudo e por nada.

Caminharam até ao quarto e assim que o loiro disse que podia ficar à vontade, Levi deixou-se cair sobre a cama depois de colocar a mochila perto da mesma. Observava o teto do quarto luxuoso enquanto o empresário ia até uma poltrona onde estava um portátil. Ao escutar o som do computador a ser ligado, os olhos cinzentos viraram-se para o loiro.

– Quando disseste que estiveste a descansar, na verdade estiveste a tarde toda a trabalhar, não é? – Um pouco. – Admitiu.

– Devias descansar. – Murmurou. – Ou tendo em conta o que imaginam o que está a acontecer aqui no quarto, se calhar queiras aproveitar a ocasião. Queres deitar-te comigo?

– Não.

Levi sorriu.

– Já há algum tempo que não me dizem que não a estas coisas. Impotência chegou aí?

O loiro riu um pouco.

– Não, mas os dois sabemos que esse não é o teor da nossa relação. Não vamos estragar as coisas, principalmente quando nem estás sóbrio para pensar bem no que estás a sugerir.

– Não vais ter sorte de encontrar-me de outra forma. – Respondeu, fechando os olhos e pouco depois ouviu os passos e o peso sobre a cama. Ao separar as pálpebras viu que Erwin se tinha sentado na cama.

– Levi e se pensasses novamente na proposta que te fiz há uns tempos atrás?

– Eu não vou viver contigo para Sina, Erwin. – Afirmou sem querer deixar margem para argumentação.

– E se isso ajudar? É difícil para mim ver como estás. Já te vi deprimido antes, mas agora… agora estás claramente a desistir de tudo. Estás a falar comigo sempre em tom de despedida e eu…

– Não podes ajudar, ninguém pode. – Interrompeu.

– Escuta, a proposta é um pouco diferente.

– Não vale a pena. Não podes pôr dinheiro sobre os problemas e esperar que eles desapareçam. Assim como eu sei que não posso estar permanentemente sob o efeito de drogas e a odiar-me para o resto da minha vida. Como sabes, quando investigaste a minha vida sem a minha permissão, é um mistério como cheguei até aqui… – Fechou os olhos ao sentir a mão do loiro nos cabelos dele.

– Escuta-me por alguns minutos, ok? Se discordares, estás no teu direito. Se considerares que realmente não há nada que eu possa fazer, pelo menos deixa-me ajudar-te…

– Ajudar-me a morrer? – Abriu os olhos para encarar os outros.

– Se for aquilo que quiseres.

– Não és muito bom a manter promessas. Não sei se posso confiar.

– Vais ter que arriscar, Levi.

 


Notas Finais


Até ao próximo capítulo|


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