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História Memórias Rasgadas - Capítulo XIX


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Obrigada pelos comentários, mensagens, favoritos e a todos os que acompanham o enredo!

Referência musical: Puscifer-The Undertaker

Capítulo 19 - Capítulo XIX


Capítulo XIX

 

Quer faça a coisa certa ou não, acabo sempre sozinho e infeliz”, mais um rasgão na pele, “Nada nunca funciona”, gotas de sangue caem e molham o tapete do quarto escuro, onde a única fonte luminosa era do computador ligado sobre a cama, “Tudo se estraga nas minhas mãos”, outro corte um pouco mais fundo, “Sou tão miserável que faço todos sofrerem à minha volta, até mesmo os que menos queria magoar e é por isso, que a Hanji tem uma relação distante com os pais, que provoquei aquelas expressões no Erwin que nunca devia ter perdido o tempo com alguém como eu, trouxe o Marco para problemas que não eram dele, entristeci vezes sem conta a Nanaba, brinquei com os sentimentos do Armin”, caíram lágrimas no rosto e ao tentar limpar o rosto, manchou-o de sangue que corria pelos braços, “Arruinei a vida do Eren mesmo que nunca me tenha tido qualquer intenção de vingar-me. Nunca desejei estragar a vida dele nem de ninguém. Nunca quis que ninguém sofresse por minha causa. Ou será que na verdade por ser tão miserável, entrei na vida de todos eles apenas para lhes causar sofrimento? Mesmo que eu nunca tenha pedido para estar aqui, estraguei tudo. A minha própria família repetiu mais do que uma vez que eu era um erro, por que razão demorei tanto para entender que isso era verdade? Desperdicei tantas oportunidades para pôr um ponto final em tudo isto, ignorei tantas mensagens óbvias de que não pertenço a este lugar mesmo que tudo seja tão podre… ou quem sabe, me tenha arrastado até aqui porque faço parte dessa podridão que existe e ninguém pode mudar. Por cada gesto de bondade, existem dezenas que te querem apunhalar e eu estou tão… tão cansado de arrastar-me, tão cansado de respirar”.

O telemóvel tocou sobre a cama e os olhos cansados e inchados pelas lágrimas mostraram-se sensíveis à nova fonte de luz. O som era baixo, mas persistente. Se fosse a Hanji aquele seria o momento para se despedir. Antes disso, já tinha enviado o trabalho a Erwin e um email ao Diretor Pixis a dizer que não compareceu à reunião no gabinete porque já sabia que estava expulso e não havia mais nada a ser dito. Não colocaria os pés outra vez na Universidade.

Sobre a cama também havia dois envelopes. Um deles tinha sido dado pela mãe de Eren como uma salvaguarda para as despesas, mas ele recusou tocar naquele dinheiro. Deixaria ali e se Eren quisesse gastá-lo ou devolver à mãe, isso seria problema dele.

O outro envelope era dinheiro que começou a guardar desde que começou a trabalhar no café. Uma quantia que sempre colocava de parte para que um dia pudesse devolver o dinheiro que Erwin gastou com ele, mas nunca conseguiu poupar o suficiente. Tinha até vergonha de admitir quanto conseguiu juntar. Não era muito, mas era uma parcela do seu orgulho que deixava também de fazer sentido.

O aparelho sobre a cama continuava a tocar ininterruptamente e julgando tratar-se de Hanji, atendeu sem notar que o ecrã não mostrava o nome dela e sim um número de origem desconhecida.

– Hanji? – Murmurou.

– Soas até mais patético do que imaginava.

Confuso com a voz desconhecida do outro lado, distanciou o telemóvel para poder ver o nome no ecrã e só naquele momento, viu que se tratava de um contacto desconhecido.

– Quem…?

– Pensava que já te tivesses suicidado depois de ter ajudado o Jean a reavivar uma das tuas melhores memórias. Como continuas vivo desde daquela altura até agora, é um mistério para mim. É difícil ser mais miserável do que tu e no entanto, continuas aqui. – Dizia com um tom monótono e perante o silêncio, acrescentou. – Sou a tua prima… Mikasa.

– Nunca sequer reconheceste a minha existência, por que razão estás a falar comigo?

– Por mais ridículo que possa ser, neste exato momento és a única pessoa que pode compreender aquilo que sinto. Somos dois vermes que o mundo quer expulsar e mesmo assim, nós insistimos em ficar. – Recebeu novamente o silêncio como resposta. – Nunca nos vimos frente a frente e não imaginas o quanto te odeio. Saído de um buraco e a apesar do distanciamento dentro da nossa família ouvir elogios ao que conseguias alcançar na escola, enquanto eu desistia do estudos e dedicava-me ao que colocou o nome da família na boca de todos. Procurar que o Eren me entendesse e ele estar igualmente encantado contigo. Tu que saíste do lixo e não vales nada.

– Vou desligar, Mikasa. – Murmurou com um tom fraco e sem vontade de continuar a ouvir tudo aquilo que vinha sem qualquer propósito.

– Os pais dele pensavam que eu e ele faríamos um belo par e que eu seria uma boa influência. Nós nem éramos tão chegados e eu estava habituada a ter o que queria. Ninguém me dizia que não. Eu podia fazer tudo, mas nunca mudar o desapontamento nos olhos dos meus pais quando descobriam as coisas que eu fazia para chegar mais e mais alto. Quando não tentas és acusado, quando tentas demasiado és igualmente visto como uma pessoa que não presta, que não corresponde às expectativas e que todos desejavam que fosses diferente. Ver isso na cara dos outros é uma coisa, ver na cara dos teus pais… é outra totalmente diferente. Saber que és um desapontamento cada vez que olhas para eles… – Falava e ainda que Levi tivesse dito que ia pôr um fim na chamada, por alguma razão não conseguiu desligar. Talvez fosse pela confusão de que a prima com quem nunca tenha falado, decidia desabafar sem qualquer razão com um desconhecido ou quem sabe, também estivesse relacionado com o facto de que se identificava com algumas palavras. – Quando ele te conheceu, o Eren que eu conhecia ficou diferente. Nunca sentiste inveja? De ver a pessoa que melhor te entendia, repentinamente encontrar uma forma de ser feliz sem ti? Ser feliz enquanto tu permaneces na mesma lama. Quando procurei conhecer mais da tua vida, mais nojo sentia pelas coisas que descobria e nem entendia como alguém tão baixo e tão ignorado e maltratado por todos continuava ali e aparentemente, a oferecer algo que eu não tinha nem nunca tive…

– Eu nunca tive nada para oferecer.

– Isso é mentira! – Falou mais alto. – Tiveste alguma coisa sim e eu não suportava e ao contrário dos meus pais que estavam a surpreender-se com a tua capacidade de fazer coisas, mesmo estando na miséria, pelo menos os pais do Eren não viram da mesma forma. O Grisha não viu as coisas dessa forma quando lhe disse que devia vigiar o filho e descobrir em que companhias andava. Eu vi o mesmo nojo nos olhos dele e quando por fim, o Eren voltou ao que era antes, pensei que tivesses desaparecido de vez. Por que razão tiveste pessoas que se preocuparam? Nunca irei entender. Por que razão conseguiram parar o inevitável? Até mesmo a Annie deixou de me suportar, mas tu continuaste a ter pessoas à tua volta mesmo sendo tão verme como eu. O que é que tens ou tiveste que eu nunca tive?!

– Annie… – Murmurou. – Estás a falar…?

– Coloquei o Eren aí de novo para te empurrar para o abismo onde queria que tivesses caído há muito tempo e outra vez, fizeste alguma coisa com ele. Outra vez com pessoas à tua volta…

– Não precisavas de fazer nada, é como dizes, eu não presto e há muito tempo que não quero estar aqui. Talvez tenha inventado desculpas atrás de desculpas para prolongar isto, mas estou cansado.

– Talvez seja isso…

– Huh?

– Uma pessoa normal estaria revoltada com as coisas que acabei de dizer. Iria acusar-me de ser um monstro. Será que é esse tipo de coisa que nos distingue? Ou será que só estás cansado e sem vontade de reagir a nada? Será que assim como eu desististe de tudo? Viste que nada vale a pena e que não existe luz alguma ao fundo do túnel?

– Eu não sei o que esperas que te diga. Não penso que tenhamos nada para dizer um ao outro.

– De facto, não temos nada para dizer um ao outro. – Dizia a jovem que embora ele não visse, estava perante uma janela aberta, observando o céu escuro, encoberto por nuvens. – E no entanto, tu escutaste tudo sem desligar a chamada. – Veio um sorriso que se misturava entre o amargo e triste enquanto avançava mais um passo e subia para o parapeito da janela.

– Querias que alguém te escutasse, não é? – Veio a pergunta. – Não a fachada de sempre, mas que alguém escutasse a verdade por pior que ela seja.

Os cabelos negros soltos esvoaçavam com a chuva fina que caía, molhando a camisa de dormir branca que se colava ao corpo dela. Os olhos deixaram as luzes da cidade e focaram-se na escuridão do céu.

– Não é irónico que te tenha escolhido a ti?

– Bastante… – Respondeu, estranhando o ruído de vento e de automóveis de fundo ter ficado um pouco mais evidente, como se Mikasa estivesse mais próxima do exterior. Imaginou que ela estivesse a caminhar pelo quarto próxima a alguma janela.

– Levi, se te fosses matar neste preciso momento como farias? Lentamente? De forma, rápida? Imagino que rápido porque lentos foram os dias tortuosos que viveste.

– De forma rápida, mas definitiva. Com a certeza de que jamais poderia voltar do abismo e que ninguém me pudesse impedir.

Outro sorriso do outro lado.

– Pena que nunca nos tenhamos encontrado, temos mais em comum do que pensas, Levi.

– Mikasa?

– Obrigado por teres escutado e até breve. – E com essa frase desligou a chamada.

Deixou o telemóvel sobre a cama ainda um pouco aturdido por ter recebido aquela chamada inesperada. Encostou a cabeça à cama ao sentir uma tontura. O sangue que estava a perder ia mergulhá-lo na inconsciência e não ia ter tempo para estancar por completo. Só que era consciente que de todas as vezes que isso aconteceu, nunca teve o resultado que pretendia, que era não despertar novamente.

As coisas não vão terminar desta forma, mas pelo menos vou desligar-me um pouco de tudo por algum tempo”.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Quanto a Eren depois de Levi se ter encerrado no quarto assim que chegaram, ficou perdido sobre o que deveria fazer. Ainda sentia uma vontade imensa de gritar com alguém, de escorraçar aquela raiva que sentia dentro dele que o fez discutir com o Levi, mesmo que algures na mente dele soubesse que não devia e nem tinha razão para fazer uma coisa dessas.

Ele era perfeitamente consciente que o jovem de olhos cinzentos não era vingativo e que jamais faria uma coisa daquelas de propósito. Para acreditar que chegaria a esse ponto, teria que desvalorizar todo o cuidado que lhe dedicou desde que aquilo aconteceu. Nem mesmo aquela dúvida que murmurava baixinho, afirmando que poderia ter sido fingimento o convencia disso.

Viu a mentira muitas vezes para não a reconhecer e nos olhos cinza não viu a mesma coisa. Aliás, o outro ficou em choque assim como ele e tentou fazer questões, mas em vez de o deixar concluir perguntas ao médico, Eren encheu-o de acusações.

Cada vez que olhava para a porta fechada do quarto, imaginava o que podia estar a acontecer no interior. E se estivesse a cortar-se de novo? Parte dele sentia culpa e a outra parte que queria acreditar na culpa dele, dizia que ele merecia e Eren… Eren odiava-se por ser capaz de ter esses pensamentos.

Quando estava cada vez mais confuso sobre o que era certo ou errado, sobre o que devia ou não fazer, recebeu uma chamada que não esperava. Não queria acreditar no nome que via no ecrã e nem sabe o que levou a que atendesse a chamada, mas assim o fez.

Pela primeira vez, desde há muito tempo, o pai ligava para perguntar como estava e ao receber uma resposta ríspida, explicou que tinha escutado de um colega que Eren tinha recebido más notícias e queria vê-lo.

O moreno quis dizer que não. Não queria ouvir aquelas palavras. Não naquele momento. Quis ouvir tantas vezes no passado. Quis que o pai estivesse com ele, mas nunca esteve. Nunca tinha tempo. Sempre de portas fechadas. Sempre fora. Sempre a virar-lhe as costas.

Esperou tanto por ele. Dias, semanas, meses, anos… e se aparecesse no aniversário? E se pelo menos, telefonasse para lhe dar os parabéns? E se recebesse uma mensagem? Qualquer coisa. Qualquer migalha de afeto seria suficiente, mas as vezes em que recebeu um presente silencioso eram demasiadas. Todas as vezes em que se viu sozinho diante de tantos presentes, doeu tanto e ninguém compreendia por que razão destruía presentes tantas vezes. Ele não queria ter explicar. Ele não queria acreditar que ninguém entendesse o motivo. Como é que ninguém era capaz de ver? De entender?

Pensar nisso recordava-o de Levi. Alguém que quando acabou de conhecer, que não conviveu com ele antes, que não viu nada daquilo… ele viu. Desde do princípio, ele viu e recordar isso também causava dor porque vinham as lembranças de tudo o que aconteceu depois.

De tão absorto que ficou nesses pensamentos, o pai teve que chamá-lo mais do que uma vez para ganhar a atenção dele e então, Grisha reiterou que queria vê-lo e acrescentou que em parte o motivo era também para analisar o problema. O pai queria ver se não havia forma de solucionar e isso fez com que acabasse por aceitar ir ao encontro dele.

Grisha mostrou-se bem satisfeito, dizendo que um motorista iria buscá-lo e que se encontrariam num restaurante. Ele nem sabia que o pai estava por perto, imaginou que fosse demorar alguns dias a sair para Sina, mas esse não era o caso e por isso, encheu-se um pouco de esperança de que Grisha pudesse resolver o problema. Ele era um médico excecional. Não precisava de o perdoar para reconhecer esse fato e se o pai queria ajudá-lo, iria aceitar. A relação entre eles não mudaria, mas pelo menos podia impedir que o resto da vida dele fosse arruinada.

Antes de sair do apartamento, os sentimentos de culpa ainda o fizeram olhar para trás mais uma vez na direção da porta do quarto. A cobardia falava mais alto e por isso, saiu sem confirmar se Levi estava bem, sem pedir perdão pelas acusações injustas.

– O meu pai não veio? – Perguntou ao entrar no carro que o foi recolher diante do prédio, onde vivia atualmente.

– Estava a sair de uma conferência e disse-me que se encontrariam no restaurante para onde estou a levá-lo. – Respondeu o motorista enquanto arrancava com o carro.

– O meu pai está há muito tempo cá? Pensei que estivesse em Sina.

– Está cá há três dias. Foi um dos convidados da conferência. – Respondeu.

O moreno não fez mais perguntas e recostou-se no banco do carro, perguntando silenciosamente se o pai poderia mesmo resolver o problema e se… e se ter deixado Levi sozinho tinha sido mesmo uma boa ideia. Mais uma vez, podia ver como estava a ser egoísta ao ponto de priorizar o seu bem-estar e não o de outra pessoa. Mesmo que essa pessoa não fosse um desconhecido qualquer e sim alguém que esteve ao lado dele.

Talvez eu seja mesmo assim e não possa mudar. Talvez eu não possa fazer mesmo nada por ele nem por ninguém”.

Quando chegou ao restaurante, o motorista estacionou diante do estabelecimento, onde os poucos carros que havia no exterior eram de marcas de luxo. O casal que entrou na frente do jovem de olhos verdes levava uma indumentária e adereços como anéis, pulseiras ou relógios que deixavam bem claro o estatuto económico a que pertenciam.

Eren habituou-se a estar rodeado dessas pessoas, dessa ostentação que reluzia como um tesouro ambicionado por tanta gente, mas que agora que regressava, não podia negar um certo desconforto. Ainda assim, parou na entrada indicando à mulher de longos cabelos loiros o seu nome e o sorriso plastificado aumentou, enquanto o guiava até à mesa já ocupada por uma pessoa. Até ver de facto o homem de camisa branca, aliança no dedo, óculos de haste fina, cabelo preso e olhos calculistas fixos nele, Eren não acreditou que de facto fosse vê-lo de novo e muito menos sentar-se à mesa com ele.

– Pareces surpreendido em ver-me. – Disse, aproximando um copo de vinho da boca à medida que o moreno se sentava do outro lado da mesa.

– Pensei que no último momento fosses enviar um mensageiro. Não seria a primeira vez. – Respondeu sem esconder o tom áspero.

– Incapaz de acreditar que posso preocupar-me contigo?

– Desiludido demais para esperar que realmente apareças. – Respondeu.

– Nós podemos ter as nossas diferenças, Eren mas nunca desejei que uma coisa destas acontecesse e por isso, assim que soube, quis saber mais e liguei para ti. Podias reconhecer o gesto.

– Ainda estou a digerir tudo isto. – Falou num tom cansado.

– Quando te deixei aos cuidados da tua mãe nunca imaginei que a loucura pudesse chegar tão longe. Pensei que apesar de estares nesta cidade, estivesses a ter uma vida à altura do nosso nome e não enfiado num bairro de tão má reputação a ser obrigado a passar necessidades. – Disse, colocando um pouco do vinho no copo do filho que observava o líquido cair.

– Não passei necessidades. – Murmurou.

Tive o suficiente. Por que razão sinto vergonha em admitir uma coisa dessas? Por que razão tenho vergonha de admitir que gostei daquelas refeições preparadas a pensar em mim?”.

– Não posso deixar-te num lugar daqueles e em companhias tão questionáveis.

– Por que razão estás tão preocupado em ser pai agora? – Quis saber, puxando o copo para beber um pouco antes de acrescentar. – Este nosso pequeno encontro não vai atrapalhar a tua família perfeita?

– Eles sabem perfeitamente que tenho deveres contigo, Eren. Já disse que fiquei de certo modo abalado com as notícias. – Afirmou, deixando escapar um suspiro. – Por mais diferenças que possamos ter, desejo que tenhas muita saúde e sucesso.

– Vieste por pena? – Perguntou.

Por que vim até aqui? Por que deixei em casa, sozinho e mais uma vez insultado e humilhado a única pessoa que se recusa a olhar para mim com pena? Será por que ele disse que já não sentia nada por mim? Porque tenho medo que me diga isso de novo? Que sou somente uma má memória? Um arrependimento? Será que não deveria escutar isso? Será que em vez de procurar apoio de uma pessoa que me despreza desde que nasci, não devia ter ficado com ele?”.

– Pareces distraído, Eren. – Veio a observação do pai que tinha sido seguida de uma resposta que Grisha sabia que o filho não tinha escutado. Demasiado perdido nos próprios pensamentos, enredado num conflito interior e a ele não lhe interessava nada disso. Queria resultados, uma resposta que fosse ao encontro dos seus objetivos e agora que Eren olhava para ele com atenção, disse as palavras que sabia que o moreno queria ouvir. – Penso que posso ajudar-te a melhorar. Que esse defeito possa ser revertido.

– Achas que é possível? – Perguntou Eren.

Grisha teve que conter o meio sorriso que arriscava aparecer no rosto quando viu os olhos do filho quase brilharem com a possibilidade.

– Penso que posso deixar-te tal como estavas antes das fraturas terem ocorrido e também pretendo retirar-te deste lugar, desta cidade. – Respondeu. – Mediante algumas condições, é claro.

– Condições?

– Sabes que serás melhor tratado em Sina e nem quero obrigar-te a seguir os meus passos em Medicina, mas penso que terás outros talentos. – Prosseguiu, vendo que o jovem parecia dividido mas não totalmente contra aquilo que dizia. Fez sinal a um dos funcionários. – Vamos pedir qualquer coisa para comer e enquanto jantamos, digo exatamente o que pretendo fazer para que melhores não só a nível de saúde, mas também a nível da tua vida em geral.

Ele pode ter muitos defeitos, mas é um médico que está acima da média e se ele pode resolver isto… por mais egoísta que seja, quero uma solução mesmo que para isso tenha que… tenha que ficar longe dele”.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Levi ouviu a porta bater e soube que Eren tinha saído. Talvez Annie tivesse vindo ao encontro dele. Esperava que fosse esse caso, pois não era seguro que o moreno vagueasse sozinho de noite naquele lugar.

O que importa? Nada disso devia importar”, dizia a si mesmo, deixando a fraqueza do corpo mantê-lo no chão por um tempo indeterminado até que incapaz de cair no sono, levantou-se.

Limpou as feridas, colocou as ligaduras e olhou para o sangue no chão, na lâmina e na cama que quase sujou o computador já desligado, o telemóvel e os dois envelopes.

O Erwin não vai querer aceitar o dinheiro de volta e se pensar bem, há alguém que merece receber esse dinheiro. Há alguém que gostava de ver antes de ir embora”, concluiu mas em vez de segurar num só envelope, guardou os dois no casaco que vestiu antes de sair.

Ainda não chovia, mas o céu parecia anunciar a vinda de uma água que cairia impiedosamente. Com a brisa gélida daqueles dias que se acercavam ao inverno, havia poucas pessoas na rua. As ruas vazias faziam com que os passos ecoassem mais alto na solidão e penumbra que pairava. Naquela noite, mais do que em qualquer outra, sentia que caminhava em direção ao fim de um túnel onde o fim não apresentava qualquer luz e sim uma escuridão imensa. Não havia mais portas a serem abertas, apenas um só caminho em frente.

O tempo estava perto do fim e quase queria chorar pelo alívio que o esperava quando por fim, pudesse dormir sem qualquer oportunidade de despertar. Tudo deixaria de doer. Não acordaria mais um dia a odiar-se, a sentir que não o queriam, a sentir que a existência dele foi um grande erro que jamais deveria ter acontecido.

Reprimiu as lágrimas e ao sentir o telemóvel vibrar no bolso, tocou no aparelho com uma das mãos e ao premir um dos botões laterais, colocou o mesmo em silêncio sem qualquer sinal de que estivesse a receber chamadas. Podia ser o Erwin ou mesmo a Hanji e Levi não queria falar com nenhum deles, mesmo que os dois merecessem algumas palavras… de agradecimento? Agradecimento por terem prolongado aquela existência miserável? Agradecimento porque tentaram mostrar-lhe que as coisas podiam ser diferentes, mas falharam?

Estava tão podre por dentro que o melhor seria não falar com nenhum deles. Seria melhor não dizer coisa alguma porque ia derramar toda aquela podridão sobre eles.

Nunca devia ter entrado na vida de ninguém. Alguém como eu não os devia ter conhecido. Eles nunca deviam ter olhado para mim. Nunca deviam ter reconhecido a minha existência”.

Provavelmente, também não devia fazer aquela última visita. Devia encontrar uma forma de deixar o que pretendia e sair sem ser visto, mas quando Nanaba abriu a porta, não havia nada a fazer. A voz da mulher à frente dele tremeu quando o abraçou. Um gesto de carinho que veio sem explicação aparente e porque queria dar-lhe um último obrigado, retribuiu o abraço. Ela merecia. Ela podia não saber tanto acerca dele. Ele não permitiu que soubesse, mas Nanaba era uma daquelas pessoas que ele admirava pelo que fazia. Não só com as pessoas, mas acima de tudo pelos animais de que cuidava. Nunca tinha conhecido alguém tão altruísta, de coração tão doce àqueles que não tinham voz e por isso, receber aquele abraço acabou por deixar um certo sentimento de culpa. Ele não merecia aquele abraço, assim como não merecia ver mais uma vez os animais que ela cuidava.

Mais uma vez, eles receberam-no sem qualquer hesitação e com todo o afeto. Um amor incondicional e honesto em cada olhar e gesto. Deixou-se rodear por eles e de longe, viu Kuro que não se aproximou logo de início, mantendo-se observador.

Será que sabe que esta é a última vez que nos vemos?”, questionava-se, olhando para o pequeno gato que após alguns minutos veio na direção dele.

Levi tomou-o nos braços e um sorriso pequeno veio ao seu rosto, quando a cabeça do pequeno animal roçou contra o queixo dele. Apertou um pouco o gato contra dele e sentindo um aperto no peito por saber que não voltariam a ver-se, deixou cair uma lágrima.

– Nanaba será que podias fazer um pouco daquele chá? – Pediu.

A mulher que observava toda a cena acenou afirmativamente.

– Espera só uns minutinhos e assim podemos conversar mais confortáveis com chá nas mãos. – Sorriu e saiu.

– Obrigado, Nanaba. – Sussurrou ao ver a mulher distanciar-se e retirou um dos envelopes do bolso, colocando-o sobre um móvel próximo. Em seguida, a custo afastou Kuro dele, colocando-o perto do envelope. – Porta-te bem. Não fujas para não a deixar preocupada. Toma conta dela… – Cobriu a boca com uma das mãos, deixando cair mais lágrimas ao ouvir o gato miar na sua direção. – Adeus Kuro. – Acariciou o pequeno gato uma última vez antes de sair com passos apressados, ignorando o miar mais persistente de Kuro que se foi apagando com a distância entre eles.

De volta às ruas desertas ainda com um envelope num dos bolsos, concluiu que não faria diferença gastar uma das notas. Precisava da dormência de volta e de apagar aquele aperto no peito que aquela despedida deixou dentro dele.

Consequentemente, acabou no interior de um antigo bar que frequentou várias vezes no passado, mas desde que prometeu a Hanji que evitaria aquele local, manteve-se afastado. Muitas vezes tinha ido lá para encontrar Marco, acabando depois por se separarem quando Levi já bem influenciado pelas substâncias ilícitas, levava alguma das suas conquistas para um canto mais discreto ou para a casa de banho. As drogas e o sexo eram uma mistura embriagante que tornou alguns dos piores dias que teve, mais toleráveis.

Hanji pensou que não só Marco fosse o culpado, mas também a influência de Erwin não ajudasse. Porém, o empresário nunca teve nada a ver com esses momentos baixos da vida dele. Nunca incentivou, pelo contrário tentou impedir, mas não podia estar sempre presente. Já a melhor amiga demorou muito em acreditar que não havia nenhum relacionamento de cariz sexual entre Levi e Erwin. Portanto, deduzia que era por causa do loiro que Levi deixou de sentir pudor em encontros com desconhecidos.

Um dia ela teve que render-se à evidência que não podia culpar Erwin, mesmo que Hanji continuasse sempre reticente acerca da relação que havia entre os dois. A amiga afirmava que estavam a envolver-se num jogo perigoso e que um deles acabaria por pisar a linha. O que nunca aconteceu e não foi por falta de oportunidade, mas esse não era o tipo de relação que nenhum queria ter.

O conforto para a solidão e tristeza não precisava de ser sexual. Para eles bastava as conversas ocasionais, as visitas a museus, idas a cafés e até mesmo trabalharem na presença um do outro era agradável. Levi nunca entendeu que existisse qualquer linha a ser ultrapassada e nem qualquer razão para que Erwin pudesse ser culpado e Hanji acabou por aceitar pelo menos uma parte disso.

– O que vai ser? – Perguntou o funcionário ao ver que ele se sentava perto do balcão.

– O mais forte que puderes servir. – Respondeu, vendo a mesma banda que tocava ali há anos ocupar o palco com músicas que pareciam combinar com aquele ambiente tóxico.

Levi já não frequentava aquele bar há bastante tempo, mas viu um olhar de reconhecimento no vocalista que mantinha a mesma aparência sombria e sorriso repleto de malícia.

Com o copo já na mão, apenas batia algumas vezes com o mesmo no balcão para pedir que o enchesse de novo enquanto ouvia uma canção após a outra, até que o vocalista disse:

– Vou dedicar a próxima canção a alguém que já não via há bastante tempo e que gostava muito desta canção. – Piscou o olho e Levi ergueu ligeiramente o copo na direção dele antes de beber mais um gole do líquido que queimava a garganta dele.

 

Thank you for making me feel like I am guilty (Obrigado por me fazeres sentir culpado)

Making it easy to murder your sweet memory (Ficando mais fácil matar a tua doce memória)

 

A determinado momento, Levi acompanhava a letra ao mesmo tempo que o vocalista que não deixava de sorrir na direção dele sempre que tinha a oportunidade.

Before I go tell me, were you ever who you claimed yourself to be? (Antes de ir embora diz-me, alguma vez foste aquela pessoa que dizias ser?) – Repetia baixinho com o vocalista antes de queimar a garganta mais uma vez com o líquido que trouxe mais uma vez aos lábios. – Either way I must say goodbye. You are dead to me now. (Seja como for, tenho que dizer adeus. Estás morto para mim).

 

I'm gonna be the one to say... (Vou ser aquele que vai dizer)

I told you so. (Eu bem te avisei)

 

A última frase repetia-se como num mantra sem que os olhos do vocalista se separassem dos cinzentos que o observavam durante a performance no palco. O fumo que pairava no ar quase o escondia atrás de uma nuvem e a música tocada soava como um ritmo intoxicante que o distanciava da realidade no exterior.

Fechava os olhos e podia recordar os toques das mãos dos desconhecidos que não deixava que o dominassem, mas antes que acabassem a gemer para ele. Será que tinha vindo até ali para uma última experiência?

 

Not dead but soon to be and (Ainda vivo, mas prestes a morrer e)

I'm gonna be the one to say, (Eu vou ser aquele que vai dizer)

"I told you so." (“Eu bem te avisei”)

 

A cortina de fumo parecia ter adentrado a mente de Levi que no minuto anterior recordava estar sentado diante do balcão e agora, ainda com a garrafa de álcool nas mãos, encontrava-se no interior da casa de banho com o vocalista à frente dele com um sorriso sugestivo.

– De volta aos velhos tempos?

– Só queria recordar este este lugar.

– Hum, de verdade que vais recusar uma recordação pelos velhos tempos? – Brincou com um tom repleto de malícia. – Onde está o Levi que eu conheci? Preparado para morrer desta vez? – Acrescentou, acariciando o rosto do jovem de cabelos negros que desviou a mão.

– Queria só ouvir-te mais uma vez. Mais nada. – Respondeu, empurrando o vocalista que o deixou passar e abandonar o bar.

Para onde iria em seguida? Será que existia mesmo algum último lugar que quisesse visitar? A imagem da campa de um cemitério, onde foi somente um par de vezes, passou pela mente dele.

Será que é do álcool ou ironia que me tenha recordado de visitar a campa da minha mãe?”, perguntava com um sorriso amargo que desapareceu ao ver uma silhueta conhecida, encostada a uma parede e em dificuldades.

Antes que pudesse ponderar que se tratasse de uma alucinação causada pelo álcool que fluía abundantemente dentro dele, Levi continuou a precipitar-se até à silhueta que assumiu de mais perto a forma indiscutível de um conhecido.

– Marco? – Deixou a garrafa quase vazia cair no chão e ajoelhou-se perto do rapaz que tentava cobrir com a mão ensanguentada um ferimento que perfurava uma área na barriga. – O que aconteceu?

– Levi. – Sorriu um pouco.

De perto, mesmo com a má iluminação que havia, Levi podia ver o sangue também no rosto de Marco e outro ferimento na perna esquerda.

Caralho, tu precisas de um hospital. Estás a sangrar muito. – Falou preocupado, procurando o telemóvel no bolso. – Faz pressão sobre esse ferimento, é preciso estancar o sangue e…

– Pensei que fosse morrer sozinho sem nem conseguir chegar a casa… – Segurou no braço de Levi. – Não vou voltar para casa, mas pelo menos estás aqui, gato. – Forçou um sorriso.

Desviando o braço, ligou para o número de emergência 112.

– Não vais a lado nenhum, entendeste? Vão cuidar de ti. – Falou com a voz trémula e sentiu-se aliviado ao escutar a voz do outro lado. – Sim, eu preciso que enviem uma ambulância. O meu amigo está ferido com gravidade no abdómen e na perna esquerda. Está a sangrar bastante e… ah sim, a morada é… – Olhou em volta atordoado, procurando as placas que indicavam o local, mas estava tão escuro que não via nenhuma. Optou então por descrever o bar que havia nas proximidades e felizmente do outro lado, souberam de que local estava a falar e por fim, ouviu que estavam a enviar uma ambulância. – Vais ficar bem. Estão a caminho.

– Ele não vai poder fazer-te nada…

– Ele? Ele quem? – Perguntou preocupado com a quantidade de sangue que via e decidiu fazer pressão na perna esquerda. – Ah, sim ele está consciente. – Respondeu à pergunta da operadora que continuava na chamada, pedindo que não desligasse e fosse fornecendo informações acerca da condição de Marco.

– Se por um milagre eu sobrevivesse, teria que ser preso. – Falou com uma respiração difícil. – Também devias deixar-me para que não te envolvam nisto.

– Não vou a lado nenhum e não faço ideia do que estás a falar, mas nada disso importa! – Disse um pouco mais exaltado do que pretendia e sentiu uma das mãos de Marco no rosto dele. Os olhos cinza encararam os outros.

– Desculpa, Levi. Devia ter sido um amigo melhor… devia ter sido capaz de afastar-te daquele caminho, devia ter tentado fazer-te feliz de uma forma diferente.

– Não tens que desculpar-te por nada. – Veio a resposta quase imediata ainda que a voz tremesse.

– Gostei tanto de te conhecer. – Uma lágrima caiu com as palavras murmuradas, dado que a voz começava a ficar mais fraca. – Fico tão feliz por te ter conhecido, por teres feito parte da minha vida.

– Não, não digas estas coisas… por favor, Marco só tens que esperar mais um pouco e eles vão chegar. Eles estão quase a chegar. Espera só mais um pouco. – Implorava.

– Se pudesse voltar atrás, acho que iria querer que fugíssemos para longe… acho que acabaria por confessar que eu apaixo… – As palavras soaram como um sussurro inacabado.

Sem aceitar o que acontecia perante os olhos dele, Levi deitou Marco no chão depois de deixar cair o telemóvel e iniciar uma sucessão de massagens cardíacas. Não podia aceitar que existisse a hipótese de não trazê-lo de volta. Não podia aceitar que uma coisa daquelas acontecesse.

 

Flashback

– Onde conseguiste essa arma? – Perguntou Marco com um tom de voz mais cauteloso, vendo a arma de fogo, apontada na direção dele.

– As coisas vão ser exatamente como eu quero. – Afirmou Jean. – Não vais desprezar-me como o Eren fez. Ninguém faz isso comigo. Ninguém me despreza e tu não irás seguir o mau exemplo. Juro que tentei conquistar-te de outra forma, mas tu sempre arrogante, sempre a desprezar-me… puxaste-me até este limite.

– Estás a colocar a culpa do teu desequilíbrio em mim? – Perguntou o primeiro.

– Desequilíbrio? – Indagou, avançando mais alguns passos. – Vês? Eu quero ser bom contigo, mas tu sempre acabas por dizer coisas que não são verdade. Acabas por nunca admitir que assim como todos os outros e outras queres acabar nos meus braços.

– Estás completamente doido. – Apontou. – Eu não estou este tempo todo a dizer-te que não porque espero o contrário, eu disse que não porque não consigo olhar para ti sem sentir nojo. Principalmente agora que sei fizeste toda esta merda ao Levi!

– Não fales nesse nome! Não te atrevas a dizer o nome desse filho da puta que está a arruinar a minha vida! Vou ser expulso por causa dele! O Eren está com ele e tu… tu estás a ser contaminado por ele, mas eu quero abrir-te os olhos. – Dizia com uma expressão que o outro só poderia descrever como completamente desequilibrado e decidiu arriscar.

Empurrou uma das mesas da sala contra Jean e correu pelo outro lado, procurando sair da sala e escapar da mira da arma de fogo. Porém, não contava que o outro fosse rápido ou se atrevesse a de facto, disparar a arma dentro da faculdade. Podia ser uma área menos frequentada e a hora avançada também ajudava a manter o local bem deserto, mas ainda assim havia sempre alguém e pela ausência de outros ruídos, seria mais fácil alguém ouvir o som do disparo.

Teve que apoiar-se numa das mesas para não cair no chão quando a bala alojou-se na perna esquerda. O corpo tremeu com o choque do que acabava de acontecer. Sabia que Jean tinha algum tipo de problema, mas sempre pensou que fosse do género que ameaçasse, só que nunca chegasse a fazer nada em concreto. Aperceber-se de que isso foi um erro, fez uma pontada de pânico começar a alastrar-se.

Tinha que sair dali e rápido.

– Eu não queria fazer isto, mas tu forçaste-me. – Disse Jean enquanto se aproximava.

Reunindo alguma das forças que não o tinham deixado com o choque, Marco agarrou numa das cadeiras e tentou atirá-la, mas a direção não foi a melhor. Em resultado disso, teve Jean sobre ele e tentar mantê-lo debruçado sobre a mesa ao mesmo tempo que lhe dizia palavras maliciosas e tentava puxar as calças dele.

Ao ver por onde aquilo se encaminhava e porque pensou que felizmente ao não largar a arma, Jean teria os movimentos mais limitados, Marco golpeou o rosto do outro com o cotovelo para criar distância novamente entre eles.

Contudo, Jean não perdeu totalmente o equilibro apesar de ter deixado a arma de fogo cair no chão. Os dois acabaram numa troca de agressões, acabando por caírem no chão, principalmente devido à falta de forças numa das pernas de Marco que assim que se viu no chão, agarrou na arma.

Jean veio logo sobre ele e só naquele momento, soube que esse trazia outra arma. Uma faca que cravou na barriga dele e em resposta, Marco encostou a arma à cabeça do outro e disparou.

Foi uma reação instantânea até que o sangue se espalhou e o corpo caiu sobre ele, afundando um pouco mais a faca no seu estômago. A consciência do que tinha acabado de fazer deixou-o paralisado por vários minutos. Pelo menos até ser capaz de empurrar o corpo de Jean e retirar também a faca, antes de meter na cabeça que não podia ficar ali. Se o encontrassem, se o tratassem, seria preso. Iria passar o resto da vida atrás das grades por um crime que não teve outra escolha senão cometer.

Na sua cabeça ainda acreditou que podia chegar a casa depois de conseguir sair da Universidade sem ser visto por ninguém. Quase considerou isso uma sorte até cair numa rua perto de casa, incapaz de seguir caminho.

Todavia ao avistar Levi de longe e que este também o tinha visto, Marco soube que mesmo que tudo acabasse ali, não queria despedir-se de tudo de outra forma. Não havia melhor forma de ir embora, uma vez que estaria nos braços de Levi.

Fim do Flashback

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

– Nem sinal dele. – Comentava o motorista do automóvel, onde no banco de trás seguia Erwin que falava com outro conhecido.

– Continuo sem saber onde está. – Disse o empresário com alguma inquietação com o telemóvel encostado à orelha. – Foi uma sorte que te contactassem a ti e não a outro especialista, caso contrário não saberia dessa chamada e nem teria dado a atenção necessária a essa notícia.

– Contactaram-me pouco depois de encontrarem o corpo. Queriam um especialista para analisar as últimas chamadas por causa das teorias de assassinato, que desde do princípio nunca fizeram qualquer sentido. A miúda estava com um quadro clínico de depressão grave. Esteve no meu consultório duas vezes.

– Então, tu conhecias.

– Sim, não dos filmes ou séries porque não é alguém que acompanhasse, mas esteve aqui. Infelizmente não pude ajudar até porque é necessário que aceites que tens um problema e ela parecia aceitar isso, mas tinha a ideia fantasiosa de que eu poderia solucionar problemas de anos em sessões de pouco mais de uma hora. Como sabes, Erwin não é assim que as coisas funcionam.

– Eu sei e então? Conseguiste deduzir algo que me ajude a encontrá-lo?

– Quanto à localização não posso ajudar e mesmo que não o possam acusar de nada até porque além da distância a que se encontram, ele também não disse nada que a incentivasse, eu aconselharia que o encontrasses o mais rapidamente possível. – Veio a voz tensa do outro lado. – Não posso diagnosticar com precisão pelo que ouvi ou pelo pouco que me contaste, mas é óbvio para mim que o caso dele também é grave e ele nunca desmentiu nada do que ela disse durante a chamada. Outra pessoa teria desligado, mas ele fez o esforço de escutá-la e… Erwin, receio que ter conhecimento da morte dela possa ter um efeito forte nele.

– E o que devo dizer? Não sei o que dizer. Ele não quis aceitar a minha ajuda.

– Ele está doente, Erwin. Ele precisa mais do que amigos e pessoas que o amem em torno dele, ele precisa de tratamento, de sair daí, de deixar isso para trás. Eu gostava de fazer algo por ele, afinal de contas, é graças a ele que reencontraste velhos sonhos e estás a fazer aquilo que gostas. Gostava de poder ajudar alguém assim, mas preciso que o tragas até mim. – Disse com um tom de voz mais tranquilo. – Se não fazes ideia de como encontrá-lo, o meu conselho é que perguntes a alguém que tenha mais certezas. Disseste que tinha uma melhor amiga, não é? Por que razão não tentas pedir-lhe ajuda?

– Vou fazer isso. Obrigado e…

– Não tens que agradecer. Fico a aguardar por novidades e espero vê-los em breve aqui.

Assim que desligou, os olhos azuis e atentos notaram que o seu motorista murmurava baixinho após escutar algo pelo auricular. Provavelmente, estaria a falar baixo há algum tempo para não atrapalhar a chamada dele e também para obter informações precisas antes de as transmitir.

– Alguma novidade, Gunther? – Questionou impaciente.

– O Eld diz que o encontrou, mas está com outra pessoa. Alguém ferido com gravidade e tem a sensação de que ele terá chamado algum serviço de urgência. Vamos para lá, chefe?

– Sim, podes acelerar. – Respondeu Erwin. – O Eld não consegue identificar quem está com ele?

– Não, apenas que está ferido com gravidade. Não quis aproximar-se muito para não ser visto, mas se quiser…

 – Não, sou eu que tenho que falar com ele.

Felizmente não estavam distantes do local, mas Erwin não esperava chegar quase em simultâneo com a ambulância e nem ver o ar completamente perdido de Levi, coberto de sangue e com dificuldades em deixar o amigo ir com os paramédicos. Estes observaram o jovem com desconfiança, mas o homem de cabelos loiros depressa interveio, dizendo que Levi não era o responsável e apenas prestou auxílio. Ainda assim, ele sabia que no dia seguinte, o jovem teria que prestar declarações como testemunha, mas ao ver o ar tão transtornado na expressão dele, não tinha tanta certeza de que ele fosse capaz de fazer uma coisa dessas.

Quanto a Marco não havia nada a fazer. Os paramédicos declararam o óbito no local e convencer Levi de que não havia nada que ele pudesse fazer, parecia ser o suficiente para não ir na ambulância e deixar-se levar por Erwin de volta ao hotel.

O empresário queria que o estudante de matemática mudasse as roupas ensanguentadas e ao ajudá-lo a retirar o casaco, além do cheiro a álcool evidente, notou que os braços também sangravam. Cada vez que olhava nos olhos cinzentos tinha medo do que via.

Erwin que estava tão habituado a estar sempre um passo à frente de tudo e todos naquele momento, sentia-se impotente. Como se não pudesse fazer mais nada do que remendos. Não encontrava as palavras para despertar Levi daquele estado de choque, que o deixava em silêncio e quase imóvel de uma forma perturbadora. Como se seguisse somente algumas ordens mecanicamente, mas não estivesse ali.

A certa altura, deixou-o sozinho na casa de banho para que Levi pudesse estar à vontade para tratar da higiene pessoal. Não queria interferir na privacidade do jovem, mas vendo o tempo em que escutava a água cair sem interrupção e sem qualquer sinal de que fosse terminar em breve, Erwin arriscou bater na porta.

Depois de algumas tentativas e preocupado com o estado de Levi entrou com cautela e encontrou o jovem sentado num canto do box com a água excessivamente quente a cair sobre ele há bastante tempo, deixando a pele branca com um tom bem vermelho. De imediato, o loiro apressou-se a desligar a água e a pegar numa das toalhas para colocar sobre o jovem, ajudando-o a sair do box.

– Por favor, Levi fala comigo. – Pediu enquanto saíam da casa de banho, mas mais uma vez não havia resposta.

Ajudou o jovem a vestir qualquer coisa e guiou-o até à cama, deixando que se deitasse mas certo de que Levi acordaria a certa altura para provavelmente expulsar as elevadas quantidades de álcool que teria consumido.

Erwin queria ligar novamente para o seu amigo, embora fosse consciente de que não existiam as palavras certas para dizer naquele momento. Portanto, tentou resolver o que poderia transformar-se num problema a curto prazo, contactando um advogado para que Levi não enfrentasse qualquer problema pela morte de Marco. O que acabou por ser uma boa ideia, visto que o caso tinha várias fatores para complicar a vida de Levi, pois pelos vistos tinha sido encontrado outro corpo na Universidade. Os três jovens conheciam-se e por isso, Levi poderia ver-se envolvido num processo sem sentido.

Três vidas jovens perdidas assim em tão pouco tempo… o mundo tem que estar muito estragado para que estas coisas aconteçam sem que ninguém faça nada para evitar”.

Olhou para a cama mais uma vez onde Levi dormia e distanciou-se com o telemóvel na mão. Ainda havia mais uma pessoa com quem precisava de falar.

– Hanji?

– Erwin onde está o Levi?

– Comigo. – Respondeu, vendo que não serviria de nada tentar escapar às perguntas, caso ele próprio também quisesse colocar algumas.

– Deixa-me falar com ele.

– Ele está a dormir. Não quero acordá-lo. Ele precisa disto… – Disse, procurando as melhores palavras para explicar o que estava a acontecer.

– Falei com o Armin e agora tu ligaste-me… não consigo falar com o Levi, eu não vou ficar aqui nem mais um minuto. Proíbo-te de o deixares sair daí, entendeste? Estou a sair de Sina. Quando chegar ele tem que estar aí. Proíbo-te de o deixares sair, Smith.

 


Notas Finais


Até ao próximo capítulo!

Como as coisas estão bem pesadas nesta fic (pelo menos por enquanto), pensei em postar alguma oneshot para o dia de S. Valentim (14 de fevereiro).

Tenho várias ideias diferentes mas gostava de saber o que preferem... uma oneshot que seja com os personagens na época dos titãs, na escola, no universo de Alfas/Betas/Ómegas ou outra opção?

Vou levar os comentários em consideração para escrever a oneshot. A ideia que for mais postada nos comentários será a escolhida para a oneshot.


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