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História Memórias Rasgadas - Capítulo XXII


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Obrigada pelos comentários, mensagens, favoritos e a todos os que acompanham a fic!

Referência musical que serviu de inspiração na parte em que apresentam o projeto da Survey Corporation:
Porter Robinson & Madeon - Shelter

Capítulo 22 - Capítulo XXII


Capítulo XXII

 

Durante a longa viagem de avião, Eren passou os primeiros momentos a recordar a cara de Shadis quando lhe disse que iria deixar de trabalhar no restaurante. A expressão dele contrastou com a felicidade da Dona Clara e também de Franz e Hannah, que lhe desejaram muita sorte na nova vida em Sina.

Contudo, mesmo com aquela notícia de choque, o moreno de olhos verdes sentiu alguma pena ou preocupação pelo estado de Shadis. Teve até medo que o homem começasse a hiperventilar e contra os conselhos dos melhores amigos, Eren trabalhou até ao dia antes da partida para a grande cidade. Nesse dia, também Nanaba antes da viagem lhe deu um forte abraço, desejando tudo de bom.

O que ocupou parte da viagem dele depois foi a indisposição de Armin. Pelos vistos, o loiro não tinha uma boa relação com voos de avião. Mesmo não sendo a primeira viagem dele, a ansiedade originou enjoos e momentos caricatos como os três a tentar enfiar-se dentro de uma pequena casa de banho para ajudar o amigo a esvaziar o estômago. Felizmente depois de alcançada essa fase e um comprimido fornecido por uma das assistentes de bordo, Armin conseguiu por fim adormecer e os três relaxaram nos respetivos lugares, aguardando pelo fim da viagem.

Evidentemente com o cansaço, luzes semiapagadas do avião e silêncio porque felizmente, na opinião de Eren, não havia crianças a bordo todos conseguiram dormir. O moreno pensou que seria um sono calmo, apesar da ansiedade que roubou as noites tranquilas dele desde que ouviu falar da oferta de trabalho de Armin.

Todavia, ao contrário de outras noites em que ao despertar nem ao menos recordava dos sonhos ou pesadelos que teve, desta vez as imagens na mente dele eram bastante claras. Não eram daqueles sonhos ou pesadelos sem sentido ou com representações estranhas de problemas que atormentavam a consciência. Não, aquela era uma lembrança bem clara do dia em que decidiu, aliás decidiram por ele que jamais colocaria os pés em Sina ou apareceria na vida de Levi de novo.

 

Flashback

Era como se o tempo de repente se movesse em câmara lenta à medida que os gritos ensurdeciam tudo ao seu redor e tudo o que pôde fazer, foi correr até à barreira de proteção da ponte manchada de sangue. As águas violentas do rio já tinham engolido Levi e não havia nem sinal dele, apenas de Erwin Smith que teve a reação instintiva e impensada de arriscar a própria vida para procurar alguém que não queria ser resgatado, alguém que queria morrer.

Até mesmo Hanji tentou ir atrás de Erwin, mas tanto Armin como Annie seguraram nela que esperneava, gritava pelo amigo e os seguranças do empresário contactavam-se entre eles e alguns desapareciam, seguindo a direção que o chefe tomava, empurrado violentamente pela corrente do rio.

Tudo o que Eren fazia era tremer com as mãos já manchadas pelo sangue deixado na barreira de proteção e não pôde precisar quanto tempo passou até que o despertaram daquela última imagem que se repetia uma vez e outra vez de Levi a cair no rio.

Era a voz de Annie a dizer que Erwin com a ajuda dos homens que trabalhavam para ele tinham conseguido encontrar e tirar Levi das águas e que estavam a caminho do hospital. Como uma decisão silenciosa tomada entre ele, a amiga e também Armin partiram para o mesmo local.

O tempo ainda se movia lentamente e a mente dele não era capaz de processar vozes nem nada do que havia em torno dele. Eren sentia-se preso a um pesadelo sem saber como despertar. Ainda tinha esperanças que alguém o acordasse e dissesse que tudo não passava de um sonho mau. Porém, nada disso acontecia e não era capaz de chorar ou falar.           Apenas assentia e era levado pelos dois loiros que ficaram ao lado dele na sala de espera do hospital.

– Hanji? – Chamou Annie ao ver a jovem ainda com uma expressão perturbada e rosto coberto de lágrimas.

– Como está…? – Ia perguntar Armin, quando os olhos castanhos dela focaram-se em Eren que também se levantou quase automaticamente com a chegada de Hanji, esperando ouvir que tudo estava bem ou iria ficar bem.

– És um monstro, Jaeger. – Foram as primeiras palavras que escaparam da boca dela e apesar de ter escutado várias vezes como outras pessoas se dirigiram a ele com raiva, aquilo ultrapassava de longe algo tão simples como a raiva. – Eu avisei antes para ficares longe dele e que tudo o que trazias para a vida dele não prestava, mas tu… tu vieste de novo para brincar com ele e arruinar tudo outra vez! Que obrigação é que ele tinha de te receber em casa dele? Nenhuma! Só que tu nunca tiveste vergonha na cara e sei que deves ter pisado, troçado do sofrimento dele até dizer basta e mesmo assim, ele não quis dizer-me que estavas lá porque quis proteger-te da promessa que eu disse que cumpriria, se te visse novamente. – Avançou mais alguns passos. – Prometi que matava Eren porque tu… tu és um verme da sociedade e pior do que isso, magoaste o meu melhor amigo. Pisaste nele sem remorsos por isso, não vou ter arrependimentos depois disto.

Ditas essas palavras lançou-se na direção de Eren, que apanhado de surpresa teve o pescoço rodeado pelas mãos de Hanji que continuava a gritar na direção dele ao que se juntaram também as vozes exaltadas de Annie e Armin que tentavam afastá-la.

O moreno já tinha escutado ameaças antes, mas nunca viu aquela vontade puramente motivada pelo ódio com vontade de tirar a vida dele com as próprias mãos. Ele também tentou salvar-se, sentindo como o ar desaparecia rapidamente, mas ela estava decidida. As mãos não deixavam de apertar o pescoço dele, as unhas provavelmente até já deviam ter deixado sangue escorrer pela pele dele e teve medo. Naquele momento, teve medo de morrer. Não existia qualquer tipo de hesitação tanto nas palavras ou gestos de Hanji e como ironia do destino, a única coisa que o salvou, foi a aparição de Erwin na sala que ao escutar o alvoroço, dirigiu-se para o local. Ele foi o único capaz de separá-la dele.

– Pára, Hanji! – Avisou ele novamente, continuando a criar distância entre Eren e ela que não parava de espernear e gritar na direção dele. – Queres arruinar o resto da tua vida por causa dele?!

– Ele merece, Erwin! Ele não merece viver depois de tudo o que fez!

Armin e Annie ainda preocupados diziam ser necessário que Eren recebesse atenção médica, devido ao sangue que havia na área do pescoço. Entretanto, o empresário ia dizendo mais alguma coisa a Hanji até que ela simplesmente chorava e ele pôde deixar de segurá-la pelos braços.

O silêncio passou a ser somente entrecortado pela tosse do moreno que ainda forçava o ar a passar novamente pelas vias respiratórias e o choro de Hanji que apesar de não se ter aproximado de novo dele, disse:

– Ele vai ficar bem e vem connosco para Sina, onde tu nunca mais vais pôr os pés de novo, entendeste? Nunca mais vais mostrar essa tua cara na frente dele porque se isso acontecer, posso garantir que ninguém te vai salvar, filho da puta. Eu acabo contigo da forma mais lenta e perversa que possa imaginar e o melhor disso, é que nunca ninguém vai saber o que aconteceu contigo ou vai querer saber porque tu… tu não vales nada. És tão miserável que pensas que podes fazer tudo sem consequências, mas experimenta desafiar-me de novo, Jaeger… Tenta fazer-lhe mal de novo e vais conhecer um monstro pior do que tu.

Fim do flashback

 

– Eren. – Chamou uma voz ao lado do moreno que abriu os olhos vagarosamente e viu os olhos da amiga, bem próximos. – Estás bem?

– Annie?

– Parecia que estavas a ter um pesadelo. – Falou preocupada, tocando no braço do moreno e voltando a sentar-se ao lado dele.

– Era um pesadelo qualquer, mas… – Notou que estava a passar a mão no próprio pescoço e parou de imediato com esse gesto inconsciente. – Nem lembro o que era. – Forçou um sorriso e viu o ar pouco convencido da amiga.

Porém, Annie não teve tempo de questionar o moreno visto que logo veio o anúncio de que iriam aterrar dentro de poucos minutos. Tiveram então que acordar Armin que protestava porque só queria acordar já com o avião no chão.

Quem diria que ele tinha medo deste tipo de coisa”, pensava Eren enquanto ele e Annie viam outros passageiros saírem na frente. Os dois estavam à espera que Armin acreditasse que era seguro sair e isso resultou nos dois a puxar o loiro para fora do avião, caso contrário sabiam que alguém iria lá expulsá-los.

– Não foi tão mau como pensava.

Tanto Annie como Eren olharam para o loiro com expressões idênticas.

– Estavas agarrado à cadeira a dizer que não querias sair. – Apontou o moreno.

– E nós já tínhamos aterrado. – Acrescentou Annie.

– Isso são tudo pormenores. – Descartou ele sob os olhares divertidos dos amigos à medida que caminhavam para o local, onde iriam recolher as bagagens.

Pouco depois, os três já com as malas foram surpreendidos como um segurança de fato formal, óculos de sol que retirou ao vê-los. Por momentos, todos trocaram olhares questionando se teriam esquecido alguma coisa para que aquele desconhecido avançasse na direção deles.

O homem de cabelos castanhos-claros, pequenos olhos castanhos, um corte de cabelo que fazia Eren recordar-se de Levi, mas uma postura prepotente que deixava essa comparação cair por terra, acercou-se e mostrou-lhes um cartão. Armin foi o primeiro a ler o cartão que descrevia o homem, tal como pensava, como um segurança mas o que o fez arregalar os olhos era a referência ao apelido Smith.

– Ele veio buscar-nos? – Perguntou Annie estupefacta.

– O chefe? Claro que não, pirralhos. – Respondeu o segurança, fazendo os três arquearem as sobrancelhas, pois a diferença de idade entre eles e o segurança não parecia ser muita. Eram todos jovens adultos. Bom, talvez o segurança fosse mais velho, mas ainda assim aquela forma de tratamento era um pouco estranha. – O meu nome, como podem ver, é Oluo Bozado e estou aqui para vos levar à vossa residência em Sina a pedido do Sr. Smith. Sou uma espécie de braço direito dele e por isso, confiou-me este trabalho.

– O trabalho como motorista de três pirralhos? – Provocou Eren e os amigos seguraram o riso.

– Tch, vá mexam-se. Tenho coisas mais importantes a fazer depois de vos deixar em casa. – Disse e mais uma vez, Eren estranhou aquela estranha semelhança entre o segurança e Levi. Não pela aparência, mas pelo mesmo estilo de corte de cabelo, aquele tique de linguagem… será que estaria a imaginar tudo isso?

– Sempre cuidadoso. – Comentou Annie. – Das outras vezes que viemos cá, também houve ocasiões em que nos vieram buscar, mas era sempre o Eld ou o Gunther.

– Os dois estão ocupados. – Respondeu Oluo depois de entrarem no carro.

Durante o caminho, a conversa entre os quatro teve várias interrupções com o segurança presunçoso a morder a língua. Por vários momentos perguntaram se o homem estaria bem, mas depressa aprenderam que aquilo aparentemente, acontecia mais vezes do que seria normal.

Durante a viagem, Eren distraiu-se algumas vezes com a paisagem maioritariamente urbana, mas que ainda assim, mais do que se recordava desde da última vez que ali esteve, havia mais locais com jardins e parques verdes bem tratados e preservados. A tendência que tinha verificando com o passar dos anos era que os espaços verdes desaparecessem gradualmente para dar lugar aos edifícios cinzentos altos e imponentes.

Todavia, a tendência que viu antes de sair de Sina, parecia ter colocado um pequeno travão. Quem sabe, as questões ambientais finalmente tivessem pesado na consciência de alguém.

– Não podemos estar no bairro certo. – Disse Armin incrédulo assim que o Oluo estacionou o carro diante de um bairro, que para o moreno não seria nada de surpreendente, pois viveu num lugar semelhante.

– Este é o local certo e aquela é a vossa casa. – Oluo apontou para uma das residências. – O chefe disse que se quiserem piscina e outro tipo de acomodações extras existe outras duas casas vazias mais adiante.

– Ah, não, não! – Disse Armin rapidamente. – Ele nem precisava de…

– Tem bons acessos ao hospital onde vais trabalhar e aqui vivem outros que trabalham no mesmo hospital ou até algum engenheiro da Survey Corporation. Há quem prefira apartamentos. Também há desses disponíveis, mas ficam mais distantes. – Informava o segurança, retirando as malas do carro com ajuda de Annie e Eren, já que Armin ainda parecia incrédulo com tudo o que via à sua frente.

A casa de dois pisos tinha um jardim impecavelmente tratado e uma entrada com portas que causaram alguma interrogação a todos, pois em vez da maçaneta ou fechadura, o segurança colocou a palma da mão sobre uma caixa branca ao lado da porta. Repentinamente, formou-se um risco de cor azul clara em torno da mão e ao retirar a mão, todos viram um ecrã digital com números aparecer. Seguiu-se então um código e de seguida, o ecrã mudava de forma mais uma vez, aparecendo três quadrados com o símbolo da impressão digital.

– Coloquem o dedo indicador ou o polegar sobre um dos espaços. Há três. Um para cada um.

– Uau, eu só vi uma coisa parecida quando fomos à casa do… – Ia dizer a Annie, mas optou por não terminar a frase e Armin foi o primeiro a deixar a impressão digital, que depressa fez aparecer outro ecrã lateral onde apareciam vários dados através daquele simples toque. Desde nome, idade, profissão, local de nascimento, entre outras coisas que desapareceram assim que o loiro confirmou os dados.

Cada um deles fez o mesmo e dessa forma, ficou registado no banco de informações da casa inteligente que os três seriam os habitantes da casa e que só os três podiam abrir a porta.

– As casas são todas assim?

– É um bairro recente, mas sim todas as casas são as chamadas de casas inteligentes com medidas de segurança e gestão de energia controladas com as preferências dos usuários. – Explicou Oluo. – Se quiserem depois podem acrescentar além da impressão digital, o reconhecimento por voz, retina ou uma senha além da inicial. O que for mais cómodo para abrir a porta. Pessoalmente, prefiro a impressão digital para ser mais rápido.

– Sina é muito chique para se usar chaves? – Questionou Annie.

– Isto são casas do futuro construídas com base um software topo de gama da Survey Corporation. Deviam sentir-se honrados por fazerem parte dos privilegiados que podem morar num local destes. – Dizia e as luzes acenderam-se na divisão onde acabavam de entrar. Uma sala quase tão espaçosa como a casa em que os três viveram antes. Dois sofás longos de cor cinzento-escuro e almofadas de um cinzento mais claro quase se tocavam a formavam quase uma espécie de quadrado em torno de uma mesa de centro e em frente um ecrã imenso com duas colunas de som de grandes proporções, acompanhadas de outras duas com cerca de metade do tamanho. O chão de cor escura e de madeira contrastava com a cor creme das paredes onde os quadros também com ecrãs digitais iam mudando de imagens. Havia uma estante com poucos livros num dos cantos da sala e uma mesa para refeições também de cor escura e seis cadeiras brancas. Três de cada lado com uma cesta de frutas no centro.

– Os quadros também são personalizáveis? – Perguntou Annie surpresa.

– Sim, podem pôr o que quiserem depois. Essas imagens aleatórias de paisagens são as pré-definidas. – Apontou para uma das portas. – Ali é a cozinha. Os armários e frigorífico têm alimentos para alguns dias. Fogão, frigorífico, máquina de lavar a loiça, roupa e afins todos têm ecrãs táteis e são acionadas também por voz, se assim quiserem. Há um escritório com vista para o jardim da parte traseira da casa na outra porta. – Apontava numa direção. – Uma arrecadação lá para trás e uma casa de banho. – O indicador passou a apontar para o piso superior. – No andar de cima há mais duas casas de banho de uso comum e num dos três quartos há uma casa de banho dentro.

– Não eram precisos três quartos. – Murmurou Armin ainda em choque com o que via.

– O chefe quis dar-vos conforto e espaço. Pelo que percebi, os dois namoram não é? Podem querer ter filhos no futuro. – Disse, fazendo tanto Annie como Armin corarem.

– Sim, eles estão só um pouco surpreendidos assim como eu. Não esperávamos uma casa assim. – Respondeu Eren ao ver que os amigos estavam ainda a processar a ideia de ter família no futuro e que já tinham pensado nisso por eles.

Oluo ofereceu mais algumas explicações e dicas acerca da casa inteligente e no fim, não ouvindo qualquer dúvida ou comentário no sentido de escolherem outro local, o segurança saiu e deixou os amigos à vontade para explorar a nova casa.

Tanto Annie como Eren no passado viveram em casas espaçosas e de classe alta, só que devido a questões familiares acabaram por ter que habituar-se a uma realidade diferente. Com Annie isso aconteceu mais cedo e apesar de todas as dificuldades, a loira atualmente sentia-se orgulhosa de tudo o que tinha alcançado.

Contudo, mesmo recordando em parte o que era viver numa casa de classe alta, nem mesmo aqueles dois amigos viveram numa casa que se baseava em impressões digitais e códigos para entrar entre outras funcionalidades que também os deixava boquiabertos. A tecnologia em Sina tinha de facto atingido níveis impressionantes e caminhavam sem dúvida para o futuro.

Para Armin tudo era ainda mais extraordinário, dado que nunca tinha vivido num local de classe alta. Mesmo que tivesse vindo a Sina antes em visita, a atmosfera não deixava de ser espantosa sobretudo porque agora se encontrava ali na qualidade de morador e não de visita.

Depois de dedicarem algum tempo a explorar a casa e as funcionalidades novas que iam descobrindo, passaram então à fase de desfazer as malas e ao passo que o faziam, apercebiam-se que não tinham tanta coisa com eles para encher muito a casa. Traziam pouco mais do que a roupa e depois de Eren colocar as suas no guarda-roupa espaçoso do quarto que escolheu, sentou-se sobre a colcha da grande cama que ficava no meio do quarto. As janelas grandes criavam iluminação natural suficiente para que não tivesse que se preocupar em acender as luzes artificiais e além da cama e guarda-roupa, também tinha uma pequena poltrona com uma estante com poucos livros, uma secretária com um portátil e um tapete castanho-escuro que forrava grande parte da área do quarto. O moreno optou até por andar descalço porque era bastante mais confortável e depois de provar também o conforto da cama, deixou-se cair sobre ela.

Ele nem foi consciente do momento em que adormeceu, mas acordou com Armin a tocar no braço dele e viu que o amigo parecia estar a acabar de se vestir para sair.

– Chamaram-nos para jantar. Queres vir?

O “chamaram-nos” sem nomear em concreto o nome da pessoa por detrás do convite, deixava evidente de quem estavam a falar. Em consequência disso, o moreno sorriu e disse que os amigos se divertissem.

– O convite não excluía ninguém. Ele sabe que estás cá e nem tenho a certeza que vá aparecer no jantar já que o convite foi da Sasha. Ela só disse que estariam lá outros amigos. – Explicou Armin, tentando não se mostrar muito insistente.

– Diz que agradeço o convite, mas vou aproveitar para fazer mais útil e espreitar as ofertas de emprego online.

– Durante a noite?

– Assim posso ir preparando o currículo, visto que parece que dormi grande parte do dia. – Comentou Eren ao ver o céu escuro através das janelas do quarto.

– Podes fazer isso amanhã. – Disse o loiro inconformado. – A sério, é provável que nem apareça tendo em conta que a apresentação de um projeto novo está a poucos dias de acontecer.

Eren sorriu de novo.

– Não se preocupe tanto, senhor doutor. – Brincou o moreno. – Vão lá e divirtam-se. Fica para uma próxima, pode ser?

Felizmente depois de convencer Armin que não iria ao jantar com eles, Annie não insistiu muito até porque a hora do jantar já estava próxima. De uma certa forma, Eren até tinha uma certa curiosidade em conhecer Sasha, uma vez que apesar de casada com um tal Connie, ela e Armin foram namorados antes e reencontraram-se numa das visitas do loiro a Sina. Ele explicou ao moreno que foi como retomar a amizade que tiveram antes e que não houve nenhum momento estranho, exceto a parte em que Annie descobriu que ele ainda guardava preferências heterossexuais.

Eren pensava que foi a partir desse reencontro entre Armin e Sasha que fez com que Annie finalmente reconhecesse que não era assim tão impossível que o loiro correspondesse a sentimentos que já existiriam há algum tempo. Na verdade, o moreno nem podia censurar a amiga porque durante bastante tempo também pensou que Armin tivesse preferência somente por homens, mas esse contou-lhe que a primeira experiência que teve foi com uma rapariga, a Sasha.

Quando Annie tentou descrever a Sasha, Eren ficou entre o assustado porque a ex-namorada de Armin dizia ler o futuro com comida e era alguém que ao mesmo tempo era uma professora do ensino primário. O moreno de olhos verdes não conseguia conciliar as duas ideias, mas aparentemente coexistiam na mesma pessoa.

Porém, a curiosidade em conhecer Sasha não anulava a ansiedade e receio de encontrar-se com Levi. Por enquanto, queria evitar vê-lo e de preferência, evitaria sempre que pudesse. Eren também tinha quase a certeza que Levi também não queria estar no mesmo espaço que ele e que o convite era mais uma questão de cortesia, mas que no fundo esperava que Eren recusasse.

– Inserir código e impressão digital até no computador… – Murmurou depois de ligar o portátil sobre a secretária do quarto. – São tantas medidas de segurança que estou à espera que me peçam um sacrifício de sangue.

Durante a pesquisa ajustou a luminosidade do ecrã e recusou as opções de utilizar somente as opções do ecrã tátil, fazendo uso do rato e teclado sobre a secretária. Registou-se na base geral do centro de emprego de Sina e em outros pequenos sites de emprego. Alguns solicitavam que preenchesse campos de informação durante vários minutos e outros permitiam que fizessem o upload do currículo dele.

Após os diversos registos, começou a pesquisar as ofertas de emprego.

Como é que é suposto ser mais fácil encontrar emprego aqui, se até para lavar pratos, querem que tenha um diploma universitário?”, pensava à medida que ia fechando algumas das abas abertas com ofertas de emprego. Ainda tentou candidatar-se a algumas, mesmo que não preenchesse todos os requisitos, mas isso apenas era possível se um dos requisitos não fosse a escolaridade. Isso significava que se o anúncio tivesse definido para aceitar só candidatos com nível universitário, todos os outros ficavam automaticamente excluídos mesmo que preenchessem requisitos como a experiência profissional. Isso trouxe ao moreno vários momentos de frustração, mas felizmente nem todos os anúncios estavam colocados da mesma forma e por isso, conseguiu candidatar-se a alguns.

Quando ouviu o estômago dele reclamar, Eren olhou para as horas e viu que provavelmente, deveria ter jantado primeiro em vez de aventurar-se nos sites de emprego. Porém, o moreno não queria perder tempo e se o dia seguinte começasse com uma chamada para alguma entrevista de emprego, seria o ideal. Não queria depender de Armin ou Annie.

Mesmo depois de dormir durante várias horas, o moreno não se sentia totalmente recuperado da viagem e por isso, continuava a bocejar algumas vezes. Isso também acabou por ter influência na vontade dele para cozinhar algo decente e por isso, quando encontrou uma pizza que podia preparar rapidamente depois de inseri-la no forno, não pensou duas vezes.

Encostou-se a um dos móveis da cozinha, coçando os cabelos castanhos e com o telemóvel na mão. Assim que ligou a internet no pequeno aparelho que levava nas mãos, viu várias notificações diferentes. Algumas de mensagens de Hannah e mesmo da Dona Clara a perguntar como tinha sido a viagem e se estava tudo bem e outras de Annie e Armin, que diziam para ele não esquecer de jantar. Respondeu às mensagens e em seguida, abriu o Instagram. Agora com consideravelmente menos seguidores, fotos ou pessoas conhecidas, dado que fechou e criou contas novas nas redes sociais depois de se ter distanciado dessas coisas por um longo período de tempo no passado. Seguiu o conselho de Armin de deixar pessoas e conversas que acabariam por encaminhá-lo para os mesmos vícios de antes.

Ao abrir o Instagram encontrou mais uma foto de Hannah com Franz de mãos dadas a caminho de casa. Aqueles dois não se cansavam de tirar fotos e nem de as partilhar, mesmo que o conteúdo dificilmente variasse muito. O moreno torceu um pouco o nariz ao notar que ainda tinha Thomas ali pelo meio dos perfis e viu uma frase melosa sobre amor e distância que o fez revirar os olhos e após vários perfis de gatos e cães que o fizeram colocar um “coração” em quase todos, parou abruptamente de ver o resto das fotografias. Era uma foto de Annie. Uma selfie que incluía várias pessoas tais como: Armin, o tal casal Sasha e Connie, outro casal que incluía um loiro chamado Farlan que encostava o rosto a uma ruiva de olhos verdes que assim como todos os outros apresentava um sorriso rasgado e havia uma mulher de costas a chamar pessoas que estavam perto de outra porta no fundo. A mulher de costas tinha uns longos cabelos castanhos cacheados que lhe caíam abundantemente pelas costas, várias pulseiras num dos braços e um copo de alguma bebida na mão.

No entanto, eram as pessoas que ela chamava que fizeram com que Eren parasse para observar a foto com atenção. No fundo, encostado à porta estava Levi. Para o moreno nem havia qualquer dúvida, ainda que aquele ponto da foto não estivesse tão bem focado ou iluminado. Ele estava de perfil a puxar alguém pela mão.

Eren tentou observar melhor, mas não era permitido o zoom na fotografia e era óbvio que o fundo tinha sido propositadamente desfocado para dar mais atenção àqueles que se encontravam mais próximos da câmara. O que ainda assim não impediu o moreno de identificar Levi, como sendo aquele que se encontrava no fundo e que parecia chamar mais alguém para a fotografia.

Não parece estar mais alto, mas é uma pena que a foto esteja tão escura no fundo e…”, o som do forno a desligar-se depois de ter sido programado por um limite de tempo, chamou-o de volta para a realidade.

– Não importa. Não quis ver fotos antes, não é agora que devia começar. – Disse irritado e guardou o telemóvel no bolso.

Pouco depois com a pizza a caminho da sala, ligou a televisão e escolheu um canal onde estava a passar um filme aleatório de ação. Exatamente o que precisava para se distrair e claramente, adormecer quando no fim da refeição, começou outro filme desta vez excessivamente pacífico, sem cenas de ação e que o mergulharam no sono até à chegada dos amigos.

– Vais ficar com dores nas costas e no pescoço a dormir nessa posição. – Era a voz de Armin a acordá-lo e viu ainda um pouco ensonado Annie subir as escadas já descalça e de cabelo solto.

– Este sofá é confortável…

– Não nessa posição. – Insistiu o loiro. – E este foi o teu grande jantar?

– Não subestimes as pizzas. – Disse Eren, esfregando um dos olhos. – Que horas são?

– Horas de estares na cama. – Respondeu e esperou que o moreno aparentasse um pouco mais acordado para lhe entregar um pequeno cartão. – É para ti.

– O que é isto? – Perguntou ainda ensonado, olhando para as letras do cartão com algo escrito a caneta num dos cantos.

– A Isabel comentou que podes vir a ter dificuldades em conseguir emprego devido à falta de nível universitário. Disse que podias aparecer aqui e dizer-lhes que foste indicado por ela. – Explicou Armin.

– Estiveram a falar de mim? – Questionou num tom mal-humorado.

– Apenas um comentário. Aqui em Sina é bastante importante ter contactos. Acredita que queres a Isabel como um dos teus contactos, ela conhece toda a gente. – Disse o loiro enquanto subiam as escadas para o piso dos quartos. – Amanhã pelas 9 da manhã aqui. Há transporte perto, já estivemos a ver. Sai mesmo em frente ao edifício onde te deves apresentar.

– Queria ficar chateado, mas infelizmente recusar emprego não é um luxo que possa ter em Sina.

– É um começo. Não quero que te contentes com esse trabalho, mesmo que aparentemente paguem bem. Mereces fazer outra coisa que não seja um empregado de mesa.

– Pelo menos serei um empregado de mesa de luxo, pensa assim. – Brincou o moreno e Armin abanou a cabeça antes de desejar-lhe boa noite.

Eren recordava como Sina funcionava e como era importante ter contactos. Posto isso, na manhã seguinte levantou-se cedo, tomou um banho rápido e vestiu uma camisa às riscas brancas e azuis de meia manga, umas calças pretas de estilo clássico, assim como uns sapatos da mesma linha. Sabia que teria que vestir algo um pouco mais formal, pois as aparências eram algo imperativo e felizmente, ainda mantinha algumas das suas roupas. Outras teve inclusive de vender num dos momentos de que pouco se orgulhava, mas precisou de dinheiro.

Naquela manhã em que saiu cedo de casa ao ponto de nem se cruzar com Annie ou Armin que costumavam madrugar, Eren não esperava ser aceite com tanta facilidade na empresa que prestava serviços hotelaria a clientes de renome em Sina e por isso, apesar da experiência em lidar com clientes, confecionar refeições ou até servir, teve uma formação remunerada durante alguns dias. O objetivo era, nas palavras da sua chefe Nifa, polir algumas arestas e assegurar-se que Eren lidaria corretamente com clientes importantes. Evidentemente, surpreendeu a própria e alguns colegas em primeiro lugar porque nunca pensaram que o filho do Dr. Jaeger fosse dedicar-se a um trabalho daqueles e em segundo lugar porque apesar de não ter trabalhado com clientes de luxo antes, ele ainda recordava bem as normas e regras que deveria seguir. O facto de ter recusado fazer isso no passado não significava que não tivesse visto ou ouvido várias vezes como deveria comportar-se e isso eram coisas que não se esqueciam.

Contudo, jamais esperou que a sua primeira experiência e teste derradeiro para que passasse a ser um funcionário com contrato fosse a grande apresentação do novo projeto da Survey Corporation. Ele sabia que aquela empresa onde estava a ter formação trabalhava com empresas importantes e que isso podia acontecer mais cedo ou mais tarde, mas esperava que fosse mais tarde e que não confiassem nele logo de início e consequentemente, tivesse mais tempo para se preparar para aquele reencontro que parecia ser inevitável.

– Se calhar, não devia comer enquanto isto não começa, não é? – Questionou Armin baixinho ao amigo que acabava de encher alguns copos com vinho.

– Já estão quase todos os convidados presentes e todos estão a servir-se, Armin. – Apontou Eren, vendo que Annie ao contrário do namorado também comia qualquer coisa sem preocupação.

– Mas as coisas da etiqueta e regras sociais assustam-me um bocado e…

– Relaxa, Armin. Come e bebe. – Eren piscou o olho depois de lhe entregar um dos copos que tinha enchido e de bandeja na mão, dirigiu-se aos restantes convidados.

O moreno sabia que Armin ficava sempre um pouco paranoico com aquele tipo de coisa, pois achava que nunca encaixaria naquele glamour ao qual teria que se habituar em Sina. Tendo em conta que o loiro até já tinha começado a exercer a profissão como médico e recebeu um convite direto de possivelmente a pessoa mais influente naquela cidade, Eren sabia que adaptar-se seria o percurso natural das coisas. Também Annie encontrou facilmente um novo local para continuar a dar as aulas de dança e apesar de ter deixado a cidade mais cedo, ela não parecia tão preocupada com etiquetas, regras sociais ou nada do que deixava o namorado carregado de ansiedade. Afinal de contas, tanto no caso dela como de Eren era como voltar às origens.

Todavia, nenhum deles se sentia preso a uma atmosfera daquelas. Era de certo modo refrescante pensar como lhes fez bem sair daqueles ambientes em que a aparência e prestígio ditavam tudo.

Refletir sobre isso fez com que se perguntasse como alguém como o jovem de olhos cinza se teria adaptado aquele lugar. Logo ele que levava a honestidade nos olhos… como poderia ter acabado por permanecer ali? Seriam aquelas pessoas que viu na fotografia da noite passada as responsáveis por fazê-lo escapar àquele mundo de aparências nas horas vagas? Ou mesmo as fotografias apenas aparentavam uma falsa realidade de amigos, que na verdade não tinha? Não parecia ser esse caso. Pelo que o moreno podia ver, tanto Annie como Armin pareciam gostar bastante desses novos amigos em Sina que entretanto, também foram chegando. Connie e Sasha que ao contrário do que não viu na fotografia, Eren podia ver que estava grávida e a julgar pelo tamanho da barriga seria mãe em breve.

Em seguida, entrou outro casal que ouviu falar algumas vezes, sobretudo de um deles, Isabel que de braço dado com o loiro foi de imediato cumprimentada por várias pessoas. Era óbvio a influência e reputação que tinha, mesmo sendo jovem. No entanto, o estranho para Eren é que não reconhecia o apelido de família de Isabel ou mesmo de Farlan. Seria mais fácil de explicar toda aquela influência, se ambos ou um deles fosse de uma família conhecida.

Será possível que seja alguém que não conheça? Possivelmente, gente nova… gente que ascendeu recentemente? Isso não é nada fácil por aqui”, pensou encolhendo os ombros e continuando a garantir que nada faltava nas mesas e que tudo continuava impecável naquele salão luxuoso no hotel mais conhecido de Sina.

Quando o moreno se preparava para virar de costas rumo mais uma vez à cozinha, ouviu as vozes silenciarem-se, dando lugar a burburinhos quase impercetíveis.

De imediato, veio o frio na barriga e mesmo distante da entrada, aguardou com o coração nas mãos aquele que esperava ver entrar e observar de longe e o mais discretamente possível. Parte dele também dizia que devia largar tudo e sair antes que isso acontecesse, pois possivelmente seria melhor para os dois. Porém, na hora da verdade, Eren não foi capaz de mover-se.

De braço dado com uma mulher que demorou alguns segundos em reconhecer, entrou ele.

A mulher de longos cabelos castanhos caídos sobre um dos ombros levava um vestido azul-marinho longo, cuja cauda caía no chão e um corte do lado esquerdo mostrava a perna dela até um pouco acima do joelho. O corte terminava onde começava um conjunto de pequenas flores prateadas que subiam até aos seios, acentuando as curvas femininas do vestido sem alças.

A jovem que Eren sempre viu de roupas quase sempre desportivas ou que em nada acentuavam o corpo feminino parecia totalmente diferente naquele vestido de gala, cujos sapatos também de cor prateada reluziam à entrada. Eren nunca pensou que pudesse ver Hanji daquela forma, mas logo prendeu a atenção ao acompanhante.

Camisa branca, gravata a condizer com a cor do vestido da acompanhante, calças escuras clássicas e sapatos do mesmo estilo, cabelo com o mesmo estilo de corte que recordava. Porém, o cabelo estava penteado de uma forma que deixava o volume mais sobre o lado esquerdo, caindo alguns fios à altura dos olhos. Se o braço direito, Hanji ocupava esse lugar do lado oposto, a mão do recém-chegado que não deixava ninguém indiferente, segurava a mão de uma menina de cabelos negros soltos e caídos pelas costas com um pequeno laço branco na cabeça, um vestido preto até à cintura com o símbolo de duas asas no lado direito e da cintura para baixo, a parte da saia era preenchida com linhas horizontais brancas e pretas. Ela sorriu na direção de Levi, segurando o que parecia ser um Tablet nas mãos e ele retribuiu o sorriso antes de cordialmente começar a cumprimentar várias pessoas.

– Ela é tão linda. – Ouvia algumas vozes dizerem.

– Assim como os pais. É uma pena que ele não esteja cá para ver como está a ficar cada vez mais bonita.

Bianca Smith. Assim se chamava a criança de que ouviu falar há uns anos atrás. Pelas contas dele talvez tivesse quatro ou cinco anos. A pequena era fruto de uma daquelas gravidezes que apenas quem tivesse bolsos bastante cheios podia recorrer e dedicava-se em parte a casais do mesmo sexo que quisessem ter um filho que reunisse as características dos dois, mas não fosse possível proceder ao método habitual para que tal fosse possível. Portanto, ali estava a pequena de longos cabelos negros e uns olhos azuis vívidos como Eren viu somente no par de vezes em que teve a oportunidade de ver Erwin de perto. Eren sabia desses detalhes pelas escassas notícias que chegaram à comunicação social. Quem tentasse obter mais informações do que aquelas que a família Smith pretendia passar, era processado de uma forma firme e que arruinaria qualquer jornal ou revista. O objetivo era salvaguardar a herdeira do património e claro, a privacidade da família. Isso não mudou, mesmo depois da morte de Erwin que foi vítima de um acidente que o deixou no hospital e mais tarde devido a complicações acabou por falecer. Acerca disso não havia muitos detalhes, pois logo se focaram na herdeira que deixava e na pessoa que se tornou o viúvo mais cobiçado de todos os tempos.

Sim, Levi casou-se com Erwin e assumiram de tal forma um compromisso sério que não só a riqueza encontrava-se totalmente nas mãos do primeiro, como decidiram inclusive ter uma filha.

O moreno ainda recordava o choque quando teve essas notícias e como demorou até digerir que aquilo era verdade diante dos olhares preocupados dos amigos.

Estava tão focado na naturalidade e confiança com que Levi se movia entre todos que não deu muita atenção ao casal que vinha atrás das atrações daquele evento e nem a outros recém-chegados.

– Sei que o Sr. Smith é um deleite para os olhos, mas temos que trabalhar, Eren. – Alertou a chefe ao aproximar-se do moreno que depressa se desculpou e regressou à cozinha a tempo de acalmar também os batimentos que nem tinha notado que tinham acelerado.

Puta que pariu, ele parece ficar ainda melhor com a passagem do tempo…”.

E se fosse mesmo uma boa ideia sair dali naquele momento? Com tanta gente ávida pela atenção de Levi seria pouco provável que notasse a presença dos funcionários responsáveis por manter aquele salão perfeito e ao gosto de todos. Se não saísse, Eren faria os possíveis para passar o mais longe possível não só de Levi como sobretudo de Hanji. Se por um lado, o moreno tinha quase a certeza que o primeiro podia até fazer de conta que não o tinha visto, ele tinha a certeza que a cientista de renome não faria o mesmo.

Já o vi por isso, não devia arriscar e ficar mas… se deixar o trabalho assim de repente, isto não vai ser bom para encontrar outro depois”.

Evidentemente também existia a parte em que queria ver Levi mais um pouco, mesmo que mantivesse a distância e tentasse ser tão invisível como qualquer outro funcionário que se encontrava ali presente. Isso significava deixar que outros se ocupassem de servir também os amigos porque não queria conversar com eles no meio de todos aqueles novos amigos.

Vai ser uma noite longa”, concluiu após um longo suspiro e entrando novamente no salão com algumas bandejas nas mãos.

Porém ao entrar, notou que as luzes tornaram-se mais ténues e apenas uma voz se ouvia em todo o espaço. Havia alguma comunicação social presente e todos estavam concentrados no discurso coerente, agradável ao ponto de conseguir vários sorrisos e com uma projeção de voz ideal.

Para Eren era como ver alguém diferente a falar. Sem nunca baixar o rosto ou quebrar o contacto visual com ninguém à sua frente, sem tropeçar nas palavras, sem pausas ou hesitações. Era quase como se Levi tivesse feito aquilo toda a sua vida.

– … foi um trabalho de anos, que jamais teria acontecido sem a genialidade de pessoas como o meu esposo Erwin Smith ou a Dra. Hanji Zoe. – Disse, sorrindo um pouco na direção da amiga que então, deu um toque no braço da pequena que estava de mãos dadas com ela e que de imediato foi ao encontro do pai. – E claro, nada seria possível sem a presença da minha pequena. – Acariciou os cabelos da criança. – Sem mais demoras, peço que coloquem o pequeno dispositivo que imagino que está a ser distribuído. Deve ser posto próximo à têmpora. – Colocou o dele, sendo a imagem transmitida num ecrã gigante atrás dele para que todos pudessem ver a localização. – Basta colocar junto à pele. Vão sentir três pequenos toques. É apenas o aparelho a unir-se à pele. Não deixa qualquer marca permanente e sai automaticamente com o fim do programa.

– Huh? Nós também? – Perguntou um dos colegas ao lado de Eren que também recebia o pequeno dispositivo esférico com o símbolo da empresa.

– Todos os presentes da sala vão ter direito ao dispositivo. – Informou Nifa, colocando também o aparelho. – O Sr. Smith quer que todos os presentes possam desfrutar da apresentação do projeto.

Eren seguiu as indicações e de facto, sentiu como se três pequenas agulhas tocassem na pele dele, mas algo muito leve e pouco percetível. Depois de todos terem colocados os respetivos dispositivos, penso que ninguém esperava que Bianca que entregou rapidamente o Tablet na mão ao pai, se deslocasse para a parte mais dianteira do pequeno palco.

– Ativar! – Disse num tom alegre.

– Bem-vindos ao programa HOPE que promete transformar o mundo tal como o conhecemos. Trata-se de tecnologia de ponta, desenvolvida ao longo de anos e que pretende encher o mundo com um leque infinito de possibilidades. – Dizia uma voz que ecoava por todo o salão. – Mergulhe connosco no mundo onde a imaginação é o limite e como todos sabem, a imaginação não tem limites.

– Iniciar sessão! – Bianca tornou a interferir e nesse momento as luzes apagaram-se.

Para surpresa todos a criança era a única coisa visível com uma luz em torno dela e com um simples rodopiar os cabelos negros e longos mudaram para uma cor de fogo e olhos verdes com um vestido azul com vários laços brancos e uma pequena tiara no cabelo. Ela repentinamente sorriu e as mãos tocaram na escuridão e esta transformou-se em campos floridos, no céu estrelado, nas montanhas por onde podia descer em patins e onde tropeçou em almofadas e ganhou asas para explorar as cidades. Em seguida, a pequena desenhava com as mãos pequenos coelhos e gatos que a rodeavam a ela e também os presentes. Todos caíram juntos num mundo repleto de almofadas com uma infinidade de cores.

Eren podia jurar que sentia a textura das almofadas e o cheiro dos próprios animais que cercavam a todos e que sumiram, deixando todos numa espécie de prado verde enquanto Bianca corria e caía de um precipício a alguns metros. Agora com os cabelos castanhos e olhos azuis, era envolvida pelo mar, corais e os milhares de peixes que mudavam de cores com simples toques e movimentos das mãos. Ao estender uma das mãos uma corda colorida puxou-a pelo pulso e desta vez, encontrava-se no prado com os convidados até que rodopiando sobre ela própria novamente, desta vez aparecia com um vestido vermelho e cabelos negros mantendo os olhos azuis. O cenário escureceu e ela estava num palco com todos os presentes como convidados de um espetáculo. Rebentaram fogos-de-artifício atrás dela, os quais com movimentos das mãos como se os desenhasse, mudavam de cor e formas para estrelas e animais.

Em seguida, Bianca colocou as mãos sobre a cabeça na forma de orelhas e as mesmas apareceram pouco depois. As roupas dela mudaram de novo para um vestido branco. A pequena então, colocando as mãos nas costas desdobrou umas maravilhosas asas brancas que a descolocaram do solo e repentinamente, estava no céu estrelado com uma lua imensa de fundo.

Ela sorria sem parar e era fácil ser contagiado pela alegria da pequena que juntou um conjunto de estrelas e formou uma corda brilhante onde começou a saltar. A criança sorriu mais uma vez para o público que parecia fascinado com a realidade palpável que presenciavam e passou as mãos nos cabelos que passaram a ser loiros e cacheados. Estalou um dos dedos e uma caneta apareceu nas mãos dela com a qual começou a desenhar num cenário completamente envolto pelo escuro. Os diversos riscos mudaram o cenário para uma imensa cidade e caminhou pelas ruas, onde os carros atravessavam-na ou transformavam-se em inúmeros peluches em formas de ursos, coelhos, gatos, entre outras formas.

A cidade brilhante encheu-se de cores e repentinamente, a pequena estava no topo do prédio e corria na direção de uma figura que a recebeu nos braços. Rodopiou-a e ambos sentaram-se numa vassoura que voava, diante de um imenso luar. Era possível ver uma mão acariciar os cabelos que mudaram para negro e ela sorriu, apontando para o céu onde imensos pássaros coloridos cruzaram o espaço e a figura ao seu lado começou a desenhar também diferentes figuras. Desde bonecos a flores, formas geométricas, estrelas que faziam os olhos da pequena brilhar.

Os dois caíram no campo florido, onde as flores atuaram como trampolins e em seguida, um livro imenso abriu-se na frente deles.

E tu que mundo queres criar? Não deixes a realidade limitar os teus sonhos.

Tudo tinha sido acompanhado por uma música apelativa que juntava a batida do som, com uma voz suave e outra mais masculina igualmente apelativa.

– Terminar sessão! – Anunciou a voz alegre e todos ainda um pouco desorientados porque pensavam ainda estar naqueles mundos repletos de cores, aromas, objetos e sensações palpáveis.

– Esta foi uma demonstração daquilo que o programa pode fazer baseado na imaginação da minha filha, mas existem centenas de histórias, cenários imaginados, históricos, entre muitos outros que podem ser experienciados. – Explicava Levi, vendo que a atenção voltava a concentrar-se nele novamente. – Existe uma parte de HOPE dedicada a todos os que queiram encarar isto como uma forma de lazer ou explorar na indústria dos jogos. Estamos abertos a todas essas possibilidades. Contudo, HOPE foi criado sobretudo como um software para ser utilizado em hospitais ou lares, onde o seu uso autorizado por indivíduos ou famílias que desejaram fazer parte desta experiência, puderam por exemplo, tornar bem menos dolorosa a experiência de receber determinados tratamentos hospitalares. Trata-se de um software de pura imersão que abrange todos os sentidos e por isso, pacientes podem distanciar-se da realidade e caso assim o desejem, mergulhar neste mundo e até fazer-se acompanhar de familiares. As conversas e interações são quase tão reais como eu estar aqui na vossa frente neste preciso momento, mas poderia estar a centenas de quilómetros. HOPE foi utilizado sobretudo com crianças, mas é facilmente adaptável a qualquer idade.

– Peço desculpa. – Interrompeu um dos jornalistas e viu Levi assentir, permitindo que continuasse a falar. – Quando diz que também fez experiências em lares, está a referir-se também ao uso com pessoas de idade?

– Sim. O facto de terem uma idade avançada não os impede de usufruir deste programa que tanto pode ajudar a lidar com a solidão, como lhes pode permitir exercitar a mente, revisitar memórias, entrar num dos nossos cenários históricos e lidar com outras pessoas, possivelmente até reencontrar amigos, dado que se autorizado pelo utilizador, isto pode funcionar como uma rede social. Isto significa que poderá interagir com outras pessoas reais através da imersão e não somente personagens criadas por nós. – Fez sinal a outra jornalista.

– Não existirá o perigo de em vez de os conectar mais ao mundo real com este programa não só os idosos, mas qualquer pessoa que o utilize prefira manter-se em imersão total sempre? Percebeu o que quis dizer? Criar um novo mundo em que de facto, as pessoas não querem sair de lá.

– As imersões são limitadas por um número fixo de sessões por semana e também a sua duração será sempre controlada. Não pretendemos substituir as interações reais, mas uma pessoa impossibilitada, por exemplo, de deixar a cama ou de ter qualquer autonomia devia ter direito a uma qualidade de vida diferente e com este programa isso é possível. Como disse anteriormente, o foco e maior investimento deste programa foi direcionado a áreas consideradas por nós prioritárias, ou seja, que no imediato ajudem aqueles que mais podem beneficiar do uso dele. Evidentemente, além do lazer, há outras áreas como a educação ou mesmo a formação profissional de algumas áreas também podem beneficiar de um programa como este.

– Mas não teme que áreas como o lazer que está a colocar para segundo plano sejam mais rentáveis?

As perguntas em geral iam no sentido de motivar o uso do programa em áreas que proporcionassem mais lucro, dado que a parte da preocupação social não parecia comover a todos. Porém, sempre com cordialidade, educação e argumentação bem-conseguida, Levi ia respondendo ao espaço que proporcionou aos jornalistas para fazerem as perguntas. Ainda assim, próximo ao final do tempo que estipulou para essas perguntas e perante a insistência de um jornalista em concreto que não parava de falar em lucro ou perdas para empresa, Levi deixou escapar um meio sorriso divertido e comentou:

– Acho que pensa mais em lucros do que eu e só um de nós podia viver nesta e nas próximas gerações à base deles. – Piscou o olho e saiu do palco na companhia da filha, que não caminhava para lado algum sem o Tablet sempre por perto, ainda que todos sorrissem perante a alegria e educação que demonstrava.

Eren procurou manter sempre uma distância entre ele e o círculo que havia em torno da atração principal daquele evento, que demonstrava que embora estivesse diferente na forma confortável e confiante com que abordava todos à sua volta, aquele tipo de programa desenhado sobretudo para beneficio dos que mais sofriam, mostrava que no fundo Levi não estava tão diferente.

De certo modo, o moreno ficava contente por ver que o outro aprendeu não só os comportamentos padrão de uma classe alta, mas que ao mesmo tempo não perdeu a capacidade de dizer ou fazer o que pensava. Pelo menos era isso que aparentava e enquanto Eren servia outros convidados, notou em alguém que até esperava encontrar. Ele ou o pai. Agora que confirmava que se tratava do meio-irmão, Eren não tinha a certeza se preferia vê-lo a ele ou ao pai.

Que alguém da família Jaeger não tivesse sido convidado seria algo impensável, até porque Grisha e o único herdeiro que este considerou como digno, eram os responsáveis por gerir o hospital e clínicas em Sina. Na ausência de Grisha era normal que o meio-irmão estivesse presente. Sim, o pai a determinada altura da vida, achou que não devia negligenciar apenas uma família, mas duas. Portanto, a separação de Carla deu-se quando esta descobriu que não era exatamente a primeira opção de Grisha e que este considerava a outra mulher e filho mais… úteis e aptos para estar ao lado dele.

A certa altura, viu o meio-irmão que era mais velho sussurrar algumas palavras a Levi que assentiu e saiu com o mesmo por uma porta lateral. E nesse momento para Eren foi por água abaixo a ideia de manter a distância segura de vários metros. Serviu mais algumas mesas porque Nifa viu que ele estava novamente distraído com paisagens (pessoas, em concreto uma) e quando finalmente, conseguiu uma abertura para caminhar discretamente até à porta que dava acesso a um terraço exterior, parou na porta. Viu Levi com um copo de champanhe na mão oferecido sem dúvida pelo outro que falava com ele. Um homem de cabelos de um tom loiro-escuro, olhos verdes, alto e de boa constituição física que nem mesmo o fato formal escondia.

– Já sabias que eu não vinha falar só de negócios.

– Para ti tudo são negócios, Zeke. – Respondeu Levi, movendo um pouco o líquido na taça de champanhe e observando o líquido dourado mover-se. – Incluindo esse teu interesse mal disfarçado na fortuna que tenho, mesmo que para isso tenhas que questionar a tua sexualidade. – Sorriu de lado antes de beber mais um gole.

– Julgas mal os meus sentimentos.

– Divorciado e com uma ex-mulher a cravar metade da tua fortuna, Jaeger. Eu não nasci ontem.

– Assim como eu sei que todos esses joguinhos não passam de aparências, afinal de contas tu podes quase cuspir o meu apelido, mas a verdade é que já te interessaste por alguém da minha família. – Apontou Zeke, bebendo também um pouco da taça de champanhe que levava na mão, mas nem ele ou mesmo Eren esperavam o riso da parte de Levi que demorou um pouco até conseguir parar.

– Um péssimo exemplo, Zeke. De verdade que estás a tentar convencer-me a aceitar um jantar contigo, usando o argumento do teu meio-irmão? Escolheste um mau exemplo, Zeke Jaeger. Por esse exemplo, eu não deveria sequer pensar duas vezes na resposta. – Acabou de beber o conteúdo restante e entregou a taça a Zeke que ainda perplexo, acabou por segurar no objeto sem pensar. – A próxima vez que falarmos será numa sala de reuniões onde espero que possamos conversar como dois adultos em busca de acordo que beneficie os dois. Seria uma pena que eu tentasse comprar as ações que tens naquele hospital, não é? – Viu a taça cair da mão do outro que ia agarrar o braço dele e Eren pensou em revelar a presença dele, quando um loiro alto e de trajes de segurança surgiu quase das sombras.

– Sugiro que não tente nada. – Aconselhou o segurança sem deixar de segurar com força o braço de Zeke. – Resistir é pior.

– Podes largá-lo, Reiner. – Falou Levi num tom descontraído e o segurança obedeceu, continuando a olhar para o outro que ainda irritado, deixou o terraço e Eren teve que virar o rosto e fingir que estava a fazer outra coisa quando o meio-irmão passou. Não queria que o vissem e funcionou, pois Zeke nem olhou para ele provavelmente julgando que seria outro funcionário qualquer.

– Está tudo bem, Sr. Smith?

– Tudo ótimo, Reiner. Não precisava que tivesses interferido. Teria controlado a situação.

– É o meu trabalho. – Recordou o loiro.

Levi suspirou.

– Sabes que quando aparecem assim das sombras, faz-me pensar que às vezes tenho até snipers algures. – Diante do silêncio do segurança, arqueou uma sobrancelha. – Reiner? Não há snipers por aí, pois não? Tudo bem que sei que têm que zelar pela minha segurança, mas…

– Estamos a fazer todos os possíveis para que esteja seguro.

– Tch, não sei se foi o Erwin que vos deixou a todos paranoicos, mas eu não preciso de atiradores furtivos algures por aí. – Abanou a cabeça. – Vamos para dentro. Desta vez fica num sítio visível para ter a certeza que não estás a contactar a CIA.

O segurança riu um pouco e os dois iam sair pela porta onde Eren se encontrava, que então recuou para sair de onde estava, mas não esperava bater em alguém.

– Peço imensa desculpa.

– O que estás aqui a fazer?

Eren virou-se para trás e encontrou outra pessoa, que até mais do que Levi, fazia questão de não reencontrar de novo. Os olhos castanhos não mostravam qualquer cordialidade e o moreno sabia que ela não o deixaria sair dali sem resposta e provavelmente, sem o recordar das palavras que o assombraram durante tanto tempo.

– Hanji… – Murmurou com um nó na garganta.

 


Notas Finais


Até ao próximo capítulo *


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