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História Memórias Rasgadas - Capítulo XXXII


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Obrigada pelos comentários, mensagens, favoritos e também a todos os que acompanham a fic!

Referência musical: The Weeknd - Reminder

Capítulo 32 - Capítulo XXXII


Capítulo XXXII

 

Para ele surgiu do nada, como um acontecimento inesperado e totalmente diferente do que esperava. Possivelmente fosse essa a razão que justificasse a falta de reação no momento que o Levi pronunciou aquelas palavras. Ouviu cada uma delas com a sensação de que não estava verdadeiramente ali presente e sim, a ouvir de um ponto distante. Quem sabe, até estivesse a ouvir a conversa de outra pessoa e não a dele.

Todavia, a realidade não mentia e no fim daquelas palavras e um anuir quase mecânico da parte dele, saiu do gabinete de onde há meses sempre saía com um sorriso. Porém, naquele dia foi diferente.

Levi colocou fim ao relacionamento. Porquê? Justificou que quando concordou em passarem tempo juntos, não existiria outros sentimentos. Ignorou por completo que foi ele mesmo que fez as regras e as quebrou mais do que uma vez, oferecendo apoio, um ombro para chorar, o carinho que aceitou com avidez. Era sempre mais fácil esquecer isso e dizer que estavam a terminar porque Tiago desenvolveu sentimentos que não eram compatíveis com o que tinham acordado inicialmente. Em parte, Levi admitiu que a culpa também tinha sido dele e que até já devia ter terminado antes porque a longo prazo, aquilo não era um relacionamento saudável. Era óbvio que um deles ou ambos acabassem por sair feridos daquilo porque procuraram mais do que uma vez, uma forma de sanar a dor do momento.

Levi disse-lhe que merecia algo melhor e verdadeiro. Que ambos deviam usar aquele fim de relacionamento para quem sabe, no futuro, construir relações mais saudáveis que não assentassem na premissa de resolver ou fugir dos problemas debaixo dos lençóis.

Tudo isso vinha dias depois de uma noite em que Tiago pensou que estavam ainda mais próximos. Foi a primeira vez que Levi concordou em passar a noite no apartamento dele. Tentou arrumar, deixar tudo apresentável para corresponder àquilo que o outro gostava. Quis impressioná-lo, ouvir elogios e mais uma vez, perder-se nas carícias e no corpo daquele homem que um dia disse que estaria sempre ali se precisasse. Portanto, mesmo que nos dias subsequentes quase não tivessem falado muito devido ao fluxo intenso de trabalho, nunca pensou que quando o momento de estarem juntos viesse, o resultado fosse aquele.

O resto do dia passou como um clarão e somente quando já se encontrava no apartamento, encolhido no sofá com as pernas contra o peito, as primeiras lágrimas caíram pelo rosto. Como é que aquilo tinha acontecido? Como é que de um momento para o outro as coisas ficaram assim? Ter-se-ia cansado dele? Fez alguma coisa de errado? Como é que gostar dele podia ser um problema? Como é que isso era possível se Levi mesmo admitiu que podia ter culpa nisso ao quebrar as regras que impôs de início? Como é que no fim, era apenas ele que acabava ali a chorar sozinho naquele apartamento? Como é que isso era justo? Ou será que havia mais alguma coisa que Levi não lhe contou? Teria alguma coisa a ver com aquele novo baby-sitter com quem disseram que devia ter cuidado?

Tiago ouviu alguém bater na porta. Não era dia para que o senhorio aparecesse e as visitas não era frequentes. Pela hora, não esperava que fosse o pai e por isso, as hipóteses reduziam-se aos amigos próximos com quem ia mantendo contacto. Só que mesmo esses, não sentia vontade ver.

Contudo, a batida na porta demonstrava que estaria perante alguma insistência. Talvez fosse boa ideia ver e até conversar com alguém. Quem sabe outra pessoa soubesse explicar o que tinha acontecido. Isso levou a que fosse até à porta, encontrar um rosto conhecido.

– Estou a ver que afinal tinha razão.

– Confesso que não estava à espera de ver-te. – Falou Tiago, voltando às costas à pessoa que entrava no apartamento e fechava a porta.

– Porque não estou tão presente para te dizer que és burro?

– Porque nunca sei de que lado estás. – Respondeu o jovem deprimido, regressando ao sofá e vendo o outro puxar uma cadeira e sentar-se quase de frente a ele.

– Quem te ouvir, pensa que não somos bons amigos há algum tempo.

– Que fodíamos quase todos os dias como coelhos, queres tu dizer. – Corrigiu Tiago.

– Há quem diga que as duas coisas estão interligadas.

O jovem de olhos castanhos abanou a cabeça com um sorriso amargo e passou a mão nos cabelos.

– Ele tem razão. Tenho péssimos amigos.

– É incrível como ainda consegues dar razão a alguém que te deixou neste triste estado. Já pensaste no que vais fazer? Vais deixar que tudo termine desta forma?

– Queres que faça o quê? Que chore aos pés dele? E qual é o teu interesse nisto? Como é que sei que não há dedo teu nesta história e já que não me podes foder a mim, queres foder com a minha vida? – Perguntou cada vez mais irritado.

– É isso que pensas sobre mim? – Respondeu calmamente com outra pergunta.

– Estás sempre às ordens de alguém, o que queres que pense? – Acusou Tiago.

– Nada. Quero que te foques em recuperar a atenção daquele devia ser o teu maridinho bilionário.

– Podes confessar. É uma piada, não é? Vieste rir de mim assim que soubeste das novidades. Caso contrário, não entendo o que tens a ganhar com isto. – Dizia Tiago irritado. – Não entendo o teu interesse e o do Thomas na minha vida.

– Eu e ele queremos o mesmo, que uses essa carta importante que ainda tens na mão e em troca sejas bem-agradecido com os teus amigos. Podemos sair todos a ganhar com isto.

– Acabou entre mim e ele. Não tenho carta nenhuma na mão. Nunca tive.

– Queres voltar a ter?

– Vais fazer como o Thomas, falar-me em casamento e sugerir homicídio a seguir? A sério, eu preciso de amigos novos.

– O Thomas é um idiota que devia ter agido antes e não aparecido só agora para poder atrapalhar. Avisei-o que não devia perder tempo. – Disse com um suspiro cansado. – Queres ou não o Levi de volta? Até onde estás disposto a ir? O que eu sei e posso contar para te ajudar, é informação preciosa.

Tiago saiu do sofá e foi até à porta do apartamento.

– Sai… a sério, eu não quero ficar no meio dos teus planos ou do Thomas. Quero ficar sozinho.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

– Queres que segure nela para poderes comer sem o peso extra? – Ofereceu Connie.

– Acho que a Estela quer castigar o padrinho por não ter aceitado vir jantar cá antes. – Disse Sasha divertida ao ver que a bebé não mostrava qualquer intenção de sair dos braços de Levi. Este estava sentado à mesa com um dos braços a segurar a pequena que dormia com o rosto contra o pescoço dele e Bianca ao lado já deveria ter tirado dezenas de fotos.

– Não há problema. – Disse com um sorriso. – Tive que comer assim várias vezes antes. É como recordar velhos tempos.

– Vou enviar as fotos para a madrinha Hanji. – Ouviu a filha dizer.

Já tinha prometido ir jantar com o casal de quem tinha aprendido a gostar, após ter encontrado Connie a lutar com uma impressora no departamento de Marketing. Foi depois de salvar os dedos do funcionário que Levi teve a primeira conversa com ele. Como Connie era bastante sociável, acabou por contar que era casado com Sasha e em pouco tempo, agiam como se fossem velhos conhecidos. A atmosfera em torno do casal sempre tinha o dom de o fazer relaxar e sorrir diante das interações divertidas.

Além disso, Sasha até mais do que o marido, era fã de diversas séries e agora como estava em casa com licença de maternidade, podia ver várias. A certa altura, tanto Levi como a mulher que mesmo após a gravidez e antes da mesma, não conseguia parar de comer, estavam completamente focados nas novas séries que estavam a estrear e que os dois estavam ansiosos por ver ou já a assistir algumas. Mais Sasha do que Levi, visto que este último não tinha tanto tempo livre.

– Come mais, Levi. – Insistia a mulher, colocando mais comida no prato dele.

– Não estou a brincar, Sasha. – Disse divertido. – Não acho que consiga comer mais.

– Há sempre espaço para mais e ainda tenho a sobremesa à tua espera.

– Vive o meu drama, Levi. – Comentou Connie animado. – Viver com uma mulher que cozinha tão bem e em grandes quantidades, faz-me pensar que assim que deixar o ginásio, vou ser um daqueles maridos com barriga não de cerveja, mas de anos e anos de comida enfiada pela goela abaixo.

Os três riram e Bianca colocou-se de pé na cadeira para espreitar mais uma vez o rosto da bebé que continuava a dormir apesar de todas as conversas e risos.

– Quando é que a Estela vai poder brincar comigo?

– Daqui a uns mesinhos vão poder começar a brincar. – Explicou Sasha sorridente. – Ela ainda está na fase que dorme muito.

– Sobretudo durante o dia. – Acrescentou Connie. – Se sobrevivermos a tantas noites sem dormir, acho que merecemos um prémio como heróis de guerra. A Bia também era assim?

– Sim, nos primeiros tempos nem eu nem o Erwin dormíamos muito. – Comentou com um sorriso nostálgico. – Ele chegou a ter tanto sono que em vez de colocar o café numa chávena, derramou-o todo para dentro de uma tigela. Até hoje acho que nem ele nem eu entendemos o que estava a tentar fazer, mas apesar de tudo, acabávamos sempre a rir de alguma dessas coisas.

– Então, eu não deixava vocês dormirem? – Perguntou Bianca preocupada.

– Foi só durante algum tempo, é normal e nem eu, nem o Erwin trocaríamos esses momentos por  nada. – Passou a mão livre nos cabelos da filha. – Vá, agora acaba de comer porque só a seguir é que vem a prometida sobremesa.

– Prometo muito chocolate. – Disse Sasha, piscando o olho.

– Um dia destes morro de diabetes. – Comentou Connie e Levi riu quando Sasha bateu no braço do marido após o comentário. – Ao menos morria feliz.

No fim do jantar e mesmo com o receio de despertar Estela, Levi conseguiu retirar a afilhada dos braços e devolvê-la à mãe que agradeceu a presença dele e de Bianca. Combinaram que deviam ver-se mais vezes e no fim, tanto pai como filha entraram no carro onde Reiner os esperava ao volante. Bianca contava tudo ao segurança de cabelos loiros que também ia conversando com ela e Levi ouvia a interação dos dois. O homem de cabelos negros tentava não deixar os seus pensamentos vaguearem muito, mas a verdade é que se perguntava se após o encontro da noite anterior e as poucas palavras trocadas hoje, Eren estaria a sentir-se melhor. O moreno pareceu-lhe bem-disposto, mas como não se falaram muito não podia ter certezas.

Todavia, Bianca tinha uma opinião bem clara e evidente acerca disso e que partilhou com o pai quando já estava deitada na cama, preparada para ouvir mais um capítulo da história que todas as noites ouvia.

– Estava?

– Sim, estava bem mais contente hoje. Perguntei porquê, mas ele disse que era segredo.

– Isso é bom. Disseste que ele sempre andava triste, não é?

– Sim, mas hoje não.

– Não foram ao parque?

– Hoje não, mas ele diz que podemos ir outro dia.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Como Bianca estava a dormir a sesta da tarde, Eren aproveitou para arrumar vários dos brinquedos e folhas de papel onde estiveram a desenhar. Ouvia música com um dos fones nos ouvidos e outro caído sobre a camisa, visto que queria prestar atenção a qualquer movimento da pequena.

Recommend play my song on the radio/You too busy trying to find that blue-eyed soul… – Cantava baixinho a música que tocava no MP3. Já tinha passado várias faixas de música para a frente, visto que a maior parte delas dividiam-se entre o deprimente e/ou românticas. O que atualmente não encaixava no seu estado de espírito e por isso, decidiu dar a oportunidade a outras canções.

Desde daquela conversa e momento… quente no quarto, Eren não tornou a experienciar nada assim nos dias que se seguiram, mas só de ver que Levi já não passava por ele como se estivesse a ignorá-lo e até lhe sorria ao dizer bom dia, fazia com que os dias parecessem mais positivos.

Além disso, pediu-lhe algumas vezes que ficasse para jantar e na primeira vez, recusou porque tinha de facto combinado sair com Annie e Armin e na segunda vez, Bianca insistiu em ficar acordada até mais tarde porque Eren estava com eles. Na terceira noite, Eren saiu pouco depois da pequena cair no sono enquanto ele observava da porta do quarto, o tom de voz carinhoso que Levi utilizava com a filha à medida que narrava os acontecimentos do livro.

Nessa ocasião, o moreno chegou a comentar que fez com que recordasse o que a avó fazia, pois ela também leu durante várias noites para ele e depois de ela morrer, mesmo esse hábito perdeu-se. Se bem que quando Levi respondeu que também gostava de ter dito alguém que lesse assim para ele, Eren quase de imediato desculpou-se, pois não podia sequer comparar a situação dos dois na infância.

Contudo, mais uma vez demonstrando como tinha conseguido seguir em frente com a vida, Levi descartou os pedidos de desculpa e pediu a Eren que não se culpasse pelo comentário, até porque eram coisas que estavam no passado e agora estava sobretudo focado no presente e naquilo que o futuro ainda lhe iria trazer.

A campainha de casa tocou, retirando-o desses pensamentos. Eren procurou por Bertholdt que minutos antes tinha visto sair pela cozinha e provavelmente, estivesse no espaço exterior. Mas como esse segurança não perdia a oportunidade de ignorar a presença dele, não acreditava que estivesse disposto a atender a porta. Se bem que pelo som, não parecia os correios que paravam no portão exterior mas parecia alguém que já estaria na porta de casa e por isso, o moreno pensou que Bertholdt já tivesse dado luz verde a quem quer que fosse.

Sendo assim, deixou os brinquedos sobre o sofá e dirigiu-se à porta, mas não esperava encontrar quem apareceu do outro lado.

– Zeke?

– Olá Eren. Será que posso entrar?

– Depende. – Respondeu. – Se vieste falar com o dono da casa, acho que sabes perfeitamente que ele não está e se vieste aqui por mim, lamento mas estou ocupado e este não é lugar para falar. Aliás, eu nem acredito que tenhamos alguma coisa para falar.

– Sempre com uma educação questionável. Sou uma visita, querido irmão. – Falou com uma certa ironia. – Esta não é a tua casa, portanto, com licença. – Avançou e antes de deixar passar o moreno ainda o encarou, mas resolveu dar passagem.

Pelo canto do olho viu que mesmo que quisesse impedir a passagem do meio-irmão, aparentemente Bertholdt não estava disposto a interferir. O que significava que a menos que Bianca estivesse envolvida no problema, o segurança não agiria de forma alguma em defesa dele.

Nem mesmo Eren acreditava que podia entrar num confronto físico com Zeke sem algum dano.

Também era verdade que não estava na própria casa e se os seguranças não viam problema com a presença do médico ali, Eren não podia ser o único a criar um problema.

– Fica à vontade. – Ironizou o moreno de olhos verdes, vendo o outro já sentado no sofá.

– Sou sempre uma visita bem-vinda nesta casa.

– Hum, não imagino o porquê, mas tudo bem. Faz o que entenderes, desde que não interfiras com o meu trabalho ou faças barulho. A Bianca está a dormir. – Avisou.

– Podes ligar a televisão?

Eren viu que o comando da TV estava sobre a mesa de centro, mas pelos vistos o querido irmão dele queria provocar. Contendo a vontade de bufar, foi até à mesa de centro e atirou o comando na direção de Zeke que o apanhou.

– Obrigado.

O moreno não respondeu, voltando aos brinquedos que havia sobre a outra ponta do sofá. A televisão foi ligada, mas pelo menos o outro fez o favor de controlar o volume. Eren não conseguia entender como é que o meio-irmão podia ser uma visita bem-vinda naquela casa. O que é que o Zeke e o Levi teriam para conversar? Seria pela questão do uso do mais recente programa da Survey Corporation no hospital e clínicas que o meio-irmão tinha juntamente com Grisha? Essa seria a teoria mais provável, mas o próprio Farlan dizia que não era comum que Levi recebesse gente em casa para falar de negócios. Isso ocorria exclusivamente nas instalações da empresa.

Isso significa que são amigos?”, questionava-se, mas recordando o evento onde esteve aquando do seu primeiro trabalho em Sina, Eren sabia que pelas palavras que ouviu, Zeke não era uma presença assim tão agradável.

– Posso saber o que vieste fazer aqui? – Decidiu perguntar.

– Precisava ver com os meus próprios olhos que estás mesmo a trabalhar aqui como baby-sitter. Contaram-me, mas pensei que mesmo tu não descerias a esta humilhação, mas pensando bem também já estiveste a servir mesas e lavar loiça, por isso não me devia surpreender.

– Vieste aqui para rir de mim?

– O pai quer ver-te.

– A vontade não é mútua. – Respondeu o moreno, guardando os brinquedos dentro de uma caixa colorida e passando a recolher os papéis com desenhos.

– Nem mesmo se ele quiser dar-te uma oportunidade de não te rebaixares a isto?

– Não quero nada dele e nem mesmo ter o desprazer de olhar para a tua cara, mas infelizmente parece que não tenho muita escolha sobre essa segunda hipótese. Agora, se não te importas, vou continuar a arrumar porque ao contrário de ti, tenho mais que fazer. – Respondeu Eren, ainda tentando manter a raiva controlada, mas sentia-se até certo ponto satisfeito por ver que não estava a deixar que Zeke dissesse o que queria sem levar uma resposta.

Depois de arrumar os objetos naquele quarto que Bianca dedicava à sua criatividade, Eren não queria manter-se perto do irmão e por isso, decidiu ir até à cozinha. Como a tinha limpado e arrumado antes, não havia muito que pudesse fazer a não ser verificar se havia o necessário para preparar um lanche mais tarde para ele e Bianca.

Em seguida, optou por preparar um café para ele. Voltou a colocar um dos fones, deixando o MP3 percorrer mais um pouco a lista de músicas enquanto via as gotas do café caírem. Porém, a calma que a música ia trazendo, não demorou tanto quanto queria, pois repentinamente viu uma sombra perto da entrada a cozinha e ao virar o rosto, encontrou Zeke.

Pelo menos, o café já estava pronto.

– Queres alguma coisa? – Perguntou Eren.

– Um café seria bom.

– Não és uma visita frequente da casa? Serve um para ti. – Respondeu o moreno, recusando-se a ser alguma espécie de empregado para o meio-irmão.

Porém, assim que decidiu deixar para trás Zeke e ir para a sala, este parecia decidido a não deixá-lo em paz.

– Queres mesmo envergonhar mais o nome da nossa família ao trabalhar aqui?

– Segundo me lembro e passo a citar: “Nunca mais digas a ninguém que és meu filho”. Essa foi a última conversa que eu e o ser chamado Grisha tivemos. – Respondeu o dono dos olhos verdes, bebendo um pouco do café. O que sem dúvida não ajudaria à agitação crescente que o outro lhe causava.

– O pai tem um coração mole e gostava que desconsiderasses essa última conversa.

Eren riu. Algo bem sarcástico que não escondeu no tom que se seguiu.

– Sim, ele é bem conhecido por ter coração mole. Por favor, Zeke poupa-me dessas mentiras.

– O pai está mesmo disposto a dar-te uma nova oportunidade. Não terias que trabalhar nesta casa e quem sabe, pudesses seguir alguma formação com prestígio ou pelo menos para trabalhar para um de nós em alguma coisa relacionada com assistentes de escritório. – Explicou.

– Não estou interessado.

– Quanto tempo achas que vais manter este trabalho ridículo?

– O tempo que for necessário para não ter que depender de ninguém depois. – Retrucou, bebendo mais do café que tinha entre as mãos.

– Não entendo o que tens a ganhar numa situação destas. Não és exatamente do tipo que tem paciência e nem jeito para estas coisas. Imagina que acontece um acidente. Serás odiado para o resto da tua vida pela família Smith.

Eren deixou de olhar para o líquido na chávena que segurava e passou a encarar o meio-irmão. Seguiu-se um silêncio tenso que não aliviou com a pergunta do moreno.

– O que quiseste dizer com isso? Estás a ameaçar-me mim? Ou pior… estás a ameaçar a Bianca?

– Não distorças as minhas palavras. – Disse com um meio sorriso.

– Não estou a distorcer merda nenhuma, Zeke! – Falou mais alto. – Eu ouvi muito bem o que disseste! – Atirou a chávena que quase acertou no outro, mas bateu com violência contra a parede antes de os cacos e o restante líquido se espalhar pelo chão e parede. – Podes insultar-me o quanto quiseres, mas se fazes alguma coisa à Bianca, eu juro que a família Smith será o menor dos teus problemas, seu filho da puta! – Ameaçou, vendo o sorriso cada vez mais divertido do outro.

– Vês? É como te disse, tens um péssimo temperamento e perfil para teres uma criança como tua responsabilidade.

Eren preparava-se para proferir o que seriam mais insultos, quando uma voz infantil soou no cimo das escadas que davam acesso ao piso onde ele e Zeke se encontravam.

– Eren? – Chamou a pequena num tom que não escondia como tinha acordado há pouco tempo. – Ouvi barulho, ‘tá tudo bem?

– Acordei-te? – Perguntou num tom mais calmo e ao ver que a criança descia as escadas, passou pelo meio-irmão para ir de imediato na direção dela e assim que ela ficou ao alcance dele, colocou-a nos braços. – Desculpa, não queria que acordasses. Fiz barulho?

– Parecia que ‘tava a ouvir gente chateada. – Bocejou, abraçando Eren e então, olhou também para Zeke que sorriu e acenou na direção dela. – Olá Zeke.

– Olá Bia. Desculpa, não queríamos ter feito barulho. – Disse o outro. – Estávamos a discutir sobre o programa da televisão.

A criança olhou mais um pouco para Zeke, mas em seguida voltou a atenção para o moreno que ainda a segurava nos braços.

– Podes cortar fruta para mim, Eren?

– Sim, vamos lanchar. – Concordou.

– Mas antes tens que limpar aquilo antes que o meu pai veja. – Disse Bianca, apontando para a chávena e café derramado.

– Sim, já vou fazer isso. – Disse. – Mas antes ficas a comer a fruta, está bem? O que queres? Maçã? Laranja? Morangos?

– Morangos. – Respondeu e olhou para Zeke. – Anda comer também. És visita. O meu pai diz que as visitas não ficam só a olhar.

– Obrigado. – Agradeceu o outro com um ar divertido, perante o comentário da criança e olhar ainda desconfiado de Eren que fazia o possível para ignorar o meio-irmão e dedicar toda a atenção à pequena.

A certa altura, mesmo enquanto limpava a sujeira que tinha feito ao atirar a chávena com café, não deixava de sempre espreitar a cozinha e ver que aparentemente, Zeke estava sentado sem fazer nada a não ser tentar conversar com Bianca que parecia mais interessada nos morangos.

Foi somente quando já estava de regresso à cozinha para deitar fora os cacos que ouviu alguma queixa da pequena.

– Não. Vês na minha mão.

– Mas assim não vejo tão bem. – Comentou Zeke e olhando de soslaio, Eren viu que o outro queria que a pequena praticamente passasse o tablet para as mãos dele. Ela dizia que não, mas também não era tão assertiva porque Zeke sabia o que dizer para fazer as pessoas aproximarem-se, confiarem um pouco mais e ao ver os olhos de Eren atentos, ele sorriu da mesma forma que tinha feito antes na sala.

Isso serviu como o impulso suficiente para que se aproximasse de imediato e empurrasse Zeke para se afastar da pequena, que se assustou um pouco com a reação súbita do moreno, mas ainda mais quando viu o pai entrar na cozinha.

– Zeke? Eren? O que estão a fazer?

– Pai! – Exclamou a criança, correndo para os braços do pai enquanto Zeke que não tinha perdido o equilíbrio por completo, recuperava a postura e Eren tentava não atirar-se ao pescoço do meio-irmão.

– Olá princesa. – Beijou o rosto da filha. – Posso saber o que estavam a fazer e por que raio estás aqui, Zeke?

– Chegaste cedo.

– Era suposto ser uma surpresa para a minha filha e não para te encontrar aqui. – Respondeu Levi. – Vais responder à minha pergunta?

– Acho que o Eren interpretou mal as minhas palavras.

– Isso acontece com frequência com as tuas palavras. – Ironizou Levi, olhando para o moreno e em seguida, novamente para o loiro. – Espera por mim na sala, Zeke.

– Como quiseres.

Assim que este saiu, Levi olhou mais uma vez para Eren que não parava de olhar para o meio-irmão como se estivesse prestes a atacá-lo pelas costas. O homem de cabelos negros estranhou e foi até à porta da cozinha que dava acesso ao exterior, onde viu Reiner e fez sinal para que se aproximasse.

– Podes ficar com o Reiner um bocadinho, princesa? Depois prometo que passamos o resto do dia os dois, pode ser?

– Queres namorar com o Eren? – Murmurou a pequena e Reiner riu enquanto Levi aclarava a garganta.

– Não, quero falar com o Eren e é conversa de adultos. – Explicou Levi e Reiner assentiu, levando a pequena nos braços e dizendo qualquer coisa que fez Bianca rir alto.

Levi sorriu um pouco ao ver a interação dos dois e em seguida, voltou-se para Eren. Puxou o moreno para perto da porta que dava acesso ao exterior, ficando mais longe dos ouvidos indiscretos de Zeke.

– Posso saber porque cheguei no momento em que parecias estar a empurrar o teu irmão?

– Meio-irmão.

– Tanto faz e continuas com essa cara de quem quer bater-lhe e sabes que as coisas não se resolvem assim.

– No caso dele, tenho as minhas dúvidas. – Retrucou Eren.

– O que foi que te disse? – Perguntou Levi.

– Ele dizer coisas sobre mim não é nada de novo, mas… – Hesitou sobre se deveria contar ou não, mas decidiu ser honesto mesmo que não tivesse provas. Seria a palavra dele contra a de Zeke. – Ele disse que eu não tenho a mínima vocação para estar com crianças e deu a entender que acidentes acontecem e que eu podia ser odiado para sempre pela família Smith… como se… como se não me tivesse ameaçado a mim, mas a Bianca e eu perdi a cabeça.

– Ele disse isso?

– Eu não tenho provas e sei que vai negar tudo quando lhe perguntares, mas foi a sensação que tive e eu reagi mal. Escuta, sei que supostamente é uma visita bem-vinda à tua casa, mas eu não acho que…

– Eren, eu não vou duvidar de ti e mesmo que não tenha a certeza, se foi ou não uma ameaça dirigida à minha filha ou só a ti, eu não admito que venha à minha casa ameaçar ninguém e não… ele não é uma visita bem-vinda. – Falou Levi. – Agora quero que saias e vás ter com a Bia e o Reiner. Só voltam cá para dentro quando virem o Zeke sair, entendido?

– O que vais fazer?

– Uma conversa, nada mais. – Respondeu Levi.

– Vais ficar sozinho com ele?

Levi sorriu de lado.

– Apenas um de nós vai estar em perigo naquela sala e não vou ser eu. Vai lá, que a conversa não vai demorar muito.

Escolhendo não discutir mais com Levi, o moreno saiu.

Assim que ficou sozinho por alguns instantes, a expressão calma passou a ser mais carregada antes de entrar na sala. Em circunstância alguma, deixaria uma coisa daquelas passar em branco. Fosse um comentário simplesmente maldoso e sem intenção real ou não, ameaçar alguém na casa dele, sobretudo a filha dele era uma coisa que não deixaria passar em branco e Zeke iria aprender isso da forma mais clara possível.

Logo que entrou na sala, o outro parecia distraído pela televisão e não se apercebeu de imediato da proximidade de Levi na sala. Somente quando ouviu os passos próximos, Zeke pensou em virar-se para falar ou mesmo levantar do sofá, mas em vez disso, sentiu com perplexidade e algum receio quando o braço do outro envolveu o pescoço dele, exercendo pressão.

– Levi?

– Eu ia tentar manter uma conversa mais civilizada, mas entretanto passou pela minha cabeça que isso não funcionasse e por isso, para que não fiquem dúvidas, vamos falar assim enquanto o teu pescoço está na linha de fogo por assim dizer.

– Olha, eu não sei o que o Eren disse, mas…

Apertou um pouco o pescoço com o braço, impedindo que a frase terminasse.

– Não tentes escapar, Zeke. Eu não faria isso com o risco de descobrires quanta força tenho nos braços. – Avisou. – Agora, voltando ao tema. Eu sei que o Eren não está a mentir e como tal, não há uma evidência real que tenhas ameaçado a minha filha, mas só para que fique claro que se isso sequer passar por essa tua mente doentia… – Baixou o tom de voz junto à orelha de Zeke. – Eu juro por tudo o que é mais sagrado que arruíno a tua vida miserável, se algum dia te ocorrer tocar num fio de cabelo da minha filha com más intenções. – Apertou mais o pescoço, sentindo o loiro tossir e tentar debater-se um pouco. – Não me coloques à prova, Zeke. Tu não imaginas o monstro que posso ser.

Já tinham discutido, trocado palavras mais azedas mas tudo num clima apesar de tudo, saudável e que sempre acabava de forma bem cordial. Porém, pela primeira vez desde que conheceu Levi, o loiro estava honestamente arrepiado com o tom de voz que escutava.

– Pensei que tivesses perdido o mau sangue da família Ackerman… – Comentou ao sentir que o braço desaparecia do pescoço e Levi passava agora para a frente do sofá, olhando-o de cima para baixo.

– Ao que tudo indica ainda se mantém no meu sangue e portanto, eu teria cuidado. – Avisou Levi, empurrando Zeke que ia levantar-se. – Ainda não acabei e se não queres ter dificuldade em respirar outra vez, sugiro que te mantenhas sentado até eu terminar.

– Sabes que no fundo até estou a ser bastante compreensivo em não chamar a polícia ou um advogado neste momento. – Comentou, passando a mão no pescoço.

– Não vais chamar ninguém ou sair daqui até eu acabar de dizer tudo o que quero. – Falou Levi num tom que demonstrava que não estava aberto a discussões. – Sei que apareceste aqui na minha casa a uma hora propositada para não me encontrares a mim e sim ao Eren. Não tens um pingo de vergonha? Ou simplesmente tens uma vida tão desocupada que vens perturbar os outros?

– Vais mesmo defender o meu irmão? Sabendo o que eu sei, não posso acreditar que…

Um dos pés de Levi levantou-se e Zeke sobressaltou-se quando pensou que fosse ser pisado nas partes sensíveis. Talvez isso até pudesse ter acontecido, pois ele separou as pernas a tempo e afastou-se mais para trás, mas ainda assim escapou por pouco.

– A minha vida privada não te diz respeito. Quero que tenhas o bom senso de deixar o Eren em paz e por último, não voltas a pisar a minha casa, entendeste? Qualquer assunto que queiras tratar comigo, será somente de ordem profissional e farás como qualquer outra pessoa que quer falar comigo, marcas uma reunião e esperas como toda a gente. Estamos entendidos?

– Sim… – Murmurou o outro não agradado pela forma como estava a ser tratado, mas como não estava em posição de retaliar, limitou-se a concordar.

– Ótimo, agora sai da minha casa. – Disse Levi, retirando o pé do sofá.

– Tens sorte que goste tanto de ti, caso contrário terias um advogado a visitar-te.

– Sim, estás a comover-me e a assustar-me imenso, Zeke… – Comentou, vendo o outro finalmente sair de casa.

Eren que estava a correr atrás de Bianca juntamente com Reiner em resultado de uma brincadeira, viu quando o meio-irmão saiu da casa com uma expressão que se dividia entre alguma raiva e receio? Também não entendeu porque passava a mão no pescoço, mas assim que Levi saiu, esse parecia bem-disposto. O moreno não fez perguntas sobre o que tinha acontecido e tendo em conta, que a presença dele já não era necessária, disse que iria para casa.

Contudo, a pedido de Bianca e do pai dela que insistiram que ele ficasse mais um pouco e ainda que um pouco sem jeito com a insistência, Eren acabou por aceitar. Além do resto do tempo com pinturas, música a tocar de fundo, Eren teve a oportunidade de ver todas as vezes em que Levi sorria na presença da filha. Depois das brincadeiras, os três também estiveram na cozinha a preparar o jantar e após tanta correria e atividade durante aquele dia, Bianca não teve direito a ficar acordada até mais tarde e por isso, o moreno ouviu mais uma vez como o pai dela narrava mais um capítulo de uma história fantasiosa.

No fim, Eren pensava em sugerir ir para casa quando Levi após deixar a filha a dormir no quarto, propôs que fossem até à sala assistir qualquer coisa. Saber que o outro ainda queria passar tempo com ele, deixou o moreno feliz e claramente de acordo com aquela sugestão.

– Já viste esta série? – Perguntou Levi, sentando-se ao lado do moreno que tentava concentrar-se no ecrã na frente dos dois e não tanto na presença ao lado dele.

– O Armin falou-me dela, mas a Annie não quis ver porque dizia que não precisávamos de coisas deprimentes. – Respondeu.

– Tem havido bastante polémica em torno desta série, sobretudo numa época em que também falam bastante do jogo Baleia Azul. Já ouviste falar? – Perguntou Levi, selecionando a série na televisão.

– Sim, é um jogo em que os desafios acabam com o suicídio do jogador, não é?

– Sim, esse mesmo. – Respondeu o homem de olhos cinzentos. – É ridículo que todos queiram culpar o jogo ou mesmo esta série pelos jovens que tentam ou cometem suicídio. Quem o faz, tem uma razão. Boa ou má, existe sempre uma razão. Admitindo que também existem os idiotas, há gente que está a sofrer de verdade e o facto de tantos dizerem que é um exagero e que são simplesmente, adolescentes desocupados, esse é o problema. Os pais, os professores, os especialistas, a sociedade em geral está a apontar o dedo na direção errada porque eles também são os culpados por desvalorizarem o sofrimento alheio e não procurarem tratar a raiz do problema que começa por aceitar que os filhos provavelmente estão doentes. Não consigo entender como é que alguém tem uma gripe e procura um médico, mas quando tens depressão toda a gente acha que é um exagero. A lógica devia aplicar-se, não achas?

– Talvez seja porque quando queres admitir que tens um problema, as pessoas comecem por rir e dizer que só estás a ser muito negativista e que precisas de sair mais, conviver mais, mas esse…

– Esse não é o problema. – Concluiu Levi, vendo o outro assentir. – Ao dizer essas coisas, acabam até por empurrá-los para o abismo porque se todos dizem que é um problema teu, que tu é que estás errado e és um exagerado, então começas a acreditar nisso. Sei bem qual é essa sensação e por isso, de certa forma gosto que agora existam mais notícias e séries que tentem abordar estes temas porque isso significa que há quem compreenda que é importante não ficar calado, mas é preciso falar disto. É preciso reconhecer que existe e é preciso tratar em vez de ignorar e esconder.

Depois daquela troca de palavras, o ecrã apresentou a série que ultimamente era das mais faladas e populares populares devido aos temas abordados. 13 Reasons Why.

Sem se aperceberem muito tanto Levi como Eren por vezes, olhavam de soslaio para ver a reação um do outro em determinadas cenas, frases ou momentos. Afinal de contas, era uma série que podia ter algumas ligações com pensamentos que já pudessem ter passado pela cabeça dos dois, mas além de comentarem algumas coisas, assistiram um episódio atrás do outro no conforto do sofá. Quase nem se apercebiam da passagem do tempo e só numa das cenas, Levi viu Eren um pouco mais tenso e incomodado com o que estava a passar no ecrã. Sem colocar pausa, encaminhou uma das mãos para a do moreno que estava mais próxima e envolveu-a, acariciando-a de leve.

Os olhos verdes tentaram encontrar os cinzentos que não se desviavam do ecrã e por isso, Eren limitou-se a desfrutar do carinho que aquele gesto lhe trazia. O moreno sabia que os temas abordados envolveriam bullying, depressão e até mesmo o suicídio como tema central, mas não imaginava que houvesse uma cena de abuso sexual num dos episódios e isso acabou por deixá-lo mais tenso do que pensava. Levi apercebeu-se disso e segurou na mão dele e já no fim do episódio, a poucos segundos dos créditos, comentou:

– Estou na dúvida se estou a ver a série pelos temas de que fala ou se também estou interessado em que o Tony apareça mais vezes.

Era um comentário inesperado na sequência do silêncio tenso que tinha ficado com a cena de antes, mas que arrancou um pequeno sorriso de Eren.

– Estás interessado num tipo com gostos vintage que conserta carros?

– Pouparia dinheiro no mecânico.

Desta vez, Eren riu.

– Só tu para me fazeres rir agora…

– Hei, o objetivo foi cumprido e diz lá, se o Tony não é dos melhores aqui? Além de aparentemente, ser a única pessoa decente na vida da Hannah.

– Bom, isso é verdade. – Concordou. – Eu até gostaria mais do Clay, se ele não demorasse uma eternidade com cada cassete! – Decidiu queixar-se. – Para quê perder tempo a fazer perguntas que os outros não querem ou não vão responder quando ele pode ouvir as cassetes?

– Porque é um idiota. – Respondeu Levi e olhou para a hora no telemóvel, surpreendendo-se com os números no ecrã. – Puta que pariu, é tarde. Queres fazer uma direta ou…?

– Acho que é melhor ir para casa e acabarmos a série outro dia. – Cortou Eren espreguiçando-se. – Queria fazer qualquer coisa além de ficar na cama o dia todo amanhã.

– Ok, então espera que te levo a casa. – Disse, saindo do sofá.

– Não, deixa estar. Não é assim tão longe mesmo que não haja transportes a esta hora. – Disse, vendo as horas no próprio telemóvel e encontrando mais alguma mensagem romântica de Thomas que apagou sem ler.

– Não vais para casa a esta hora a pé e sozinho. – Contestou, demonstrando que era evidente que não estava aberto a negociações, mas parou antes de subir as escadas. – A menos que queiras ficar no quarto de hóspedes.

– Não, é melhor ir para casa. Quero ver a Annie e o Armin de manhã antes que pensem que desapareci. – Disse com um sorriso.

– Ok, então espera só um pouco que vou buscar as chaves do carro.

Só depois de pararem de ver a série, Eren notou como o sono estava mesmo a afetá-lo. Já não tinha o hábito de ficar acordado até tarde durante a noite, devido aos horários de trabalho. As exceções seriam somente algumas das vezes em que ficava na companhia dos amigos a ver alguma série, mas que assim que a televisão se desligava, o cérebro dele também parecia querer fazer o mesmo.

Decidido a não adormecer no sofá ergueu-se e deu alguns passos pela sala, bocejando algumas vezes até ver Levi de volta com as chaves. Porém, assim que entrou no carro, sabe que ainda ouviu alguma coisa relacionada com o rádio do carro e depois encostou a cabeça no vidro. O que mais tarde, acabou por significar que o outro teve que mover o ombro dele várias vezes para acordá-lo quando chegaram.

– É a idade que está a deixar-te fraco para noitadas? – Perguntou Levi em tom de brincadeira.

– Ha ha ha. – Ironizou e bocejou de novo, saindo do carro mas antes de fechar a porta, debruçou-se para dizer. – Boa noite e só para não esqueceres, gosto muito de ti. – Acrescentou enquanto passava uma das mãos perto dos olhos.

Isso fez com que Levi sorrisse com a visão quase infantil do que parecia uma criança cheia de sono, mas ainda a querer falar. Por outro lado, sentiu novamente aquele frio na barriga com a declaração.

– Boa noite, Eren. – Sorriu e o outro fechou a porta do carro.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Na manhã seguinte de um sábado em que depois de tomar o pequeno-almoço com os dois amigos, Eren queria ter regressado à cama, foi incapaz de adormecer apesar do cansaço. Além disso, tendo em conta que os loiros iriam estar fora parte do dia, Annie pediu que fosse ao supermercado comprar champô e pasta de dentes. O moreno compreendia a segunda parte do pedido, pois ele também tinha reparado e esquecido de comprar a pasta de dentes, mas o champô? Havia ainda dois frascos, pelo menos que se lembrasse.

Contudo, arrependeu-se de comentar sobre isso quando viu os dois loiros trocarem olhares e dizerem que tiveram um pequeno acidente durante o banho. Eren não precisava das imagens do que os amigos andavam a fazer durante a ausência dele e por isso, disse que compraria o que a Annie queria, mas só se o poupassem dos detalhes. Ele preferia ficar na ignorância, apesar de sentir um arrepio ao ver os sorrisinhos melosos entre os dois.

No fim, depois de calçar umas sapatilhas cinzentas que combinavam com as calças da mesma cor que eram justas e tinham alguns rasgões nas pernas, vestiu também uma t-shirt branca um pouco larga e com carateres japoneses. Tinha sido algo que os amigos lhe compraram e o facto de ter um coração perto dos carateres não o tranquilizava muito. Ele não sabia o que estava escrito, mas o lado positivo é que várias pessoas deviam estar na mesma situação que ele.

Portanto, saiu de telemóvel na mão e carteira num dos bolsos das calças rumo ao supermercado, dado que o plano de tentar recuperar horas de sono perdidas, não iria acontecer graças ao seu relógio interno que naquela ocasião, estava a funcionar contra ele.

Esqueci-me dos fones em casa…”, apercebeu-se enquanto procurava os mesmos nos bolsos, mas não queria voltar para trás, visto que estava já com mais de metade do caminho feito. Como até estava bem-disposto, mesmo com o sono no horizonte, não deu importância a isso e entrou no supermercado. Estava pouca gente e olhou para as placas sobre os diferentes corredores para procurar qual a que falava sobre produtos de higiene para não se perder e acabar por comprar coisas desnecessárias. Já tinha acontecido em vezes anteriores e por isso, prometeu que ia-se controlar e só ia mesmo levar a pasta de dentes e os champôs, ignorando por completo a promoção acerca das bolachas que viu na entrada.

Concentra-te no que vieste buscar. Não vais sair daqui outra vez com bolachas e bolos de que não precisas e não vieste comprar”, dizia a si mesmo.

Caminhou até ao corredor que indicava os produtos de higiene e num primeiro momento, ignorou a pessoa que estava a olhar fixamente para as pastas de dentes e optou por ir pegar nos champôs em primeiro lugar. Porém já com os champôs na mão, regressou e viu a mesma pessoa na frente das pastas de dente e observando com mais atenção, reconheceu-o.

– Eduardo?

Os olhos cansados viraram-se para ele e após alguns segundos para reconhecer, o outro sorriu.

– Eren, bom dia!

– Bom dia, tudo bem? Estás em algum confronto pessoal com as pastas de dentes?

– Ah… desculpa, estava à tua frente?

– Sem problema. – Disse o moreno abaixando-se para retirar as pastas de dentes. – Estás bem?

– Fiz uma direta a noite passada com os meus livros.

– Esqueceste que existia o fim de semana?

– Sim, basicamente isso. – Admitiu um bocado envergonhado. – Meti na cabeça por alguma razão, que ia ter exame hoje na faculdade e esqueci-me completamente que o sábado e o domingo existiam.

– A sério? – Perguntou Eren divertido. – Quando é que te apercebeste do erro?

– Quando acordei a babar-me em cima do caderno e a gritar ao ver que eram nove da manhã e supostamente, já teria faltado ao exame. – Começou por contar, fazendo o moreno rir. – O meu despertador está programado de segunda à sexta por isso, depois de alguma correria pelo apartamento, reparei que não era possível que não tivesse escutado o som do demónio pela manhã.

– Demónio?

– O meu despertador. – Esclareceu e Eren riu.

– Tens um nome carinhoso para o despertador.

– Tenho mais, menos educados. – Disse Eduardo. – E agora devia estar a comprar café, mas parece que por alguma razão, acabei na área das pastas de dentes. – Acrescentou confuso. – Também tens o fim de semana livre?

– Sim e acho que por hoje, também devias descansar um bocado. Sem ofensa, mas estás com ar de quem vai cair a qualquer momento e acho que tens a camisa vestida ao contrário.

– Ah… – Passou uma das mãos na cara. – Isto é mesmo mau, não é?

– Não é assim tão grave.

– Bom, não esperava encontrar-te aqui de manhã portanto, não é mau. – Disse, passando uma das mãos nos cabelos e um pouco envergonhado acrescentou. – Sei que ainda preciso de pôr a minha camisa de uma forma decente, mas se não estiveres ocupado, podias beber café comigo? Ou tens algum compromisso?

– Não sei se devia aumentar a minha dose de cafeína, mas… – Vendo o ar ansioso do outro. – Ok, vamos lá beber um café. Afinal de contas, não é como se houvesse urgência em levar pasta de dentes e champô para casa.

Além da primeira vez em que se viram no parque, Eren passou a ver o estudante de medicina dentária de manhã quando ia no metro para a casa de Levi cuidar de Bianca. Antes nunca tinha reparado que pelo menos, duas vezes por semana frequentavam a mesma carruagem. Eduardo foi o primeiro a notar e um pouco envergonhado, cumprimentou o moreno que se surpreendeu mas logo foi conversando com ele até saírem nas respetivas paragens.

Numa dessas conversas curtas no metro, Eren questionou o outro a razão para querer conversar com ele, dado que era pouco provável que não conhecesse a família dele. Eren não estava habituado a que quisessem vê-lo em Sina e por isso, não foi capaz de evitar a desconfiança, mas Eduardo deu uma resposta bem simples. Confirmou que sabia o apelido da família dele e o que se tinha dito ou se dizia sobre o Eren, mas também disse algo como: “Sinceramente? Não me interessa. Por que não podemos ser simplesmente o Eren e o Eduardo que se estão a conhecer agora? Acho que as coisas ficavam mais simples, não achas?”.

Essa deve ter sido uma das razões para ter aceitado beber um café com o outro que também possuía outra qualidade relevante, a capacidade de o fazer rir e com gosto. Eduardo fazia dos “piores” comentários e Eren dizia que os dois tinham um bilhete garantido para o inferno, mas não iria parar de rir.

– E foi dessa forma que me apercebi por que razão nenhuma das baby-sitters durava naquela casa. O pirralho mete tudo na boca. – Contava com uma chávena de café já vazia e Eren comia um pequeno bolo que não resistiu em pedir e tentava não rir com a boca cheia. – Aposto que alguma delas foi acusada de não ter prestado atenção, mas ele já tentou comer uma daquelas colheres pequenas do açúcar.

– Achas que tem algum problema?

– Eu já te disse a minha teoria. – Disse Eduardo. – Nada me tira da cabeça que o Nelson é filho do jardineiro, o irmão pobre da minha patroa que ela diz que o deixa lá trabalhar por caridade, mas a mim ninguém me engana.

Eren riu de novo.

– Eles têm algumas semelhanças, mas talvez seja mais parecido com a mãe.

– Não, a sério… o pirralho ontem tentou comer legos, tive que ter uma luta com ele para abrir a boca e encontrei três peças prestes a escorregar pela garganta. Que criança de cinco anos come essas merdas? Só um retardado. – Outro riso de Eren. – Não me leves a mal, o Nelson quando não está a tentar devorar objetos perigosos, é bem simpático e divertido mas como é filho de incesto, só podia ser retardado.

– Ó meu Deus… – Dizia Eren enquanto se ria. – Um dia vais preso por dizer essas coisas.

– O meu pai é advogado, não te preocupes. Mas se tudo correr mal, tu vens comigo porque és cúmplice e estás a rir comigo. – Apontou Eduardo igualmente animado.

– Claro, claro. Vamos ser os amigos de prisão com as piadas mais erradas da história.

– Eren, eu mostrei-te as fotos tu não podes negar as evidências e se não for retardamento por ser filho de irmãos, então Darwin tem razão. Alguns simplesmente não evoluem como os outros e morrem mais cedo.

– És terrível.

– Estou só a dizer a verdade.

– Sim, devias publicar um estudo só teu sobre o tema.

– Já pensei nisso. – Ergueu um dos braços como se estivesse a mostrar uma manchete de jornal. – Será o seu filho fruto de incesto ou simplesmente retardado?

Eren deu uma gargalhada e Eduardo riu juntamente com ele. Os dois quase nem deram pela hora passar e quando estavam a sair do café, o moreno voltou-se para o outro e perguntou:

– Sabes do que estás a precisar?

– Estudar?

– Não. Isso já fizeste até parecer um morto-vivo. – Apontou o moreno. – Hoje à tarde vou ao salão de uma amiga e ela disse-me que podia levar quem quisesse. É um cupão de duas entradas. Queres relaxar na minha companhia?

– Um salão? Queres que vá ao cabeleireiro contigo?

Eren riu.

– Não, quero que aprecies massagem, chá e mais qualquer coisa que está incluída aqui. Além disso, acho que vais gostar de conhecer a Nina.

– Hum… – Pensou um pouco, mas diante do olhar do moreno de olhos verdes, concluiu que não seria capaz de concentrar-se nos estudos o resto da tarde e provavelmente, iria arrepender-se da resposta negativa. – Ok, vamos lá.

– Ótimo! Então, dás-me o teu número? Ia levar o Armin comigo, mas depois de saber que ele e a namorada que deviam ser meus amigos, andam a fazer brincadeiras perversas com champôs, estou a rever as minhas prioridades.

– O que estiveram a fazer?

– Não sei e nem quero imaginar. – Respondeu. – Quando os conheceres também não perguntes. Acredita seja o que for, tu não queres ficar marcado para o resto da vida.

 


Notas Finais


Até ao próximo capítulo *


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