"Existe algo em seu rosto que eu gostaria de retirar.
Vejo o pecado em seu sorriso e o formato de sua boca.
Tudo que quero é te ver em terrível dor.
Mesmo que nunca nos encontremos de novo eu lembrarei do seu nome.
Não posso acreditar que um dia você foi como qualquer um
Até que cresceu e ficou como o diabo em pessoa,
Rezo para Deus para que eu pense em algo gentil para dizer,
Mas acho que não posso, então vá se foder.
Você é um lixo e espero que saiba,
Que as rachaduras em seus dentes estão começando a aparecer.
Agora o mundo precisa ver que é sua hora de ir.
Não há luz em seus olhos e seu cérebro é muito lento."
Nenhuma gota de suor caí de meu corpo. Nem sequer posso sentir o calor como ele realmente é. Já não o sento faz muito tempo. Passo às mãos por minha testa, na esperança de captar alguma gota, mas nem em minha melhor forma posso o conseguir.
Levo as pontas dos dedos até meu longo nariz, sentindo o toque áspero nas mãos longas e esqueléticas. Não sou exatamente uma criatura bonita, mas gosto da sensação de tocar algo, mesmo que tão simples, somente pela felicidade de sentir.
Mesmo sem todas as sensações eletrizantes de um corpo humano, eu ainda possuo o toque. Meu único amigo pela eternidade.
Meus olhos estavam parados em meu diário, o primeiro, no qual contava tudo que havia acontecido até o momento em que as chamas me levaram de meu irmão, de minha mãe. Acredito que seja um presente, algo para poder me lembrar para sempre de como surgi, mesmo em um futuro tão distante que mal me lembrava da cor dos olhos da mulher que me deu a luz.
Naquelas páginas eu encontro o conforto, o amor do qual sentia tanta falta. Talvez fosse por isso que tivesse me aproximado tanto de todas as mulheres que cruzaram meu caminho, desde uma demônio na colina verde, à uma nobre na era do renascentismo, lembranças vagas do sentimento de acolhimento que me faltava tanto. O tipo de acolhimento que Mabel se esquecera de como entregar. Doía o fato de ela nem mais me olhar nos olhos, quando antes chamava - me durante a noite, pedindo consolo por todos os problemas que se passavam em sua instável cabeça.
Sento falta de minha garota.
Ouço sua voz, sou necessário em algum lugar da casa. Tomo minha forma antiga humana e parto, me materializando em sua frente.
Mabel sai do quarto vestindo um longo manto negro, cobrindo as curvas marcadas. Seus olhos estão marejados e os cabelos bagunçados. Ao longo dos braços um tanto cheios, arranhões se estendem, fazendo bolhas de sangue vazarem na roupa.
-Will...?- Chama, esitante.
Ela finalmente nota que estou aqui. Seu estado me preocupa, não me seguro em fazer perguntas.
-O que houve? Foi Gideon? Se quiser eu posso fritar a mente dele, caso já não tenha o feito? -Cuspo as palavras desajeitadamente, já quase entrando no quarto.
-Não, fui eu. Ele não sabe, Will... O diário... Não faz a mínima idéia de onde o achou. Eu fiz isso para conseguir informações e o filho da puta não tem nenhuma. É inútil.
-Mestra, eu sinto muito. -Me aproximo para consola - la, mas sou parado pela mesma.
-Tenho uma missão para você. Eu quero que quebre o túnel, destrua a mansão se for preciso, mas descubra o que tem do outro lado. E se achar qualquer pista de Fiddleford, até mesmo um fio de cabelo, eu quero que traga para mim. Entendeu?
Assenti com a cabeça.
-O que eu faço se encontra - lo em carne e osso?
-Possua a mente dele, descubra o que for preciso e o transforme em pó. Ou melhor, traga - me sua cabeça, eu quero que Marius veja o quão linda ela pode ser em uma estaca.
Seu riso debochado já vale como um aviso. Ou deveria trazer respostas, ou me prepararia para a morte certa.
-Mestra, eu não faço isso a anos. Nem me lembro como se possui uma mente. Estou enferrujado por mais de três séculos.
Não era que não me recordasse, mas possuir a mente de alguém funcionava como uma dose de crack. Uma vez que você provava, nunca mais saía.
-É patético ao ponto de não conseguir nem cumprir uma simples ordem? Você diz que faz o bem mas eu sei como é por dentro. Eu sei todos os seus segredos, Willbourne.
Ao ouvir o nome, a empurro a contra a parede sem piedade, machucando suas costas.
-Nunca me chame assim! Eu te disse isso em um sinal de confiança e agora você o usa contra mim? - Minha respiração estava instável e lentamente tento me afastar dela, sem acreditar no que havia feito.
Quanto mais ando para trás, mais Mabel sorri, puxando meu colete amarrotado até o alargar e me puxar para frente. Juntou nossos lábios, sentindo o frio toque da minha pele gelada. Mas um beijo assim não me vale em nada, mesmo que eu tente com todas as minhas forças corresponder.
-Possua minha mente. -Sussurra Mabel em meu ouvido.
Porém antes de fazer algo sem pensar, me afasto, tremendo e segurando minhas mãos como uma criança.
-Eu lhe trarei Fiddleford, mas isto nunca. -Em uma nuvem de fumaça azul, e desapareci, deixando-a sozinha, com mais um fracasso.
Paci me para quando me materializo no corredor. Ela segura meus ombros e me abraça firme.
-Will, as coisas estão horríveis. -Afunda sua cabeça em meu peito enquanto a envolvo em meus braços. -Mabel dormiu com Gideon. Ela está o usando bem na minha cara. E ele não é mais o mesmo. Age e fala como um completo psicopata.
Eu a entendo, tive a mesma reação quando Mabel começou a se tornar o que é hoje. Esse tipo de dor é difícil de amenizar.
-Gideon vai ficar bem, tudo vai se acertar.
Eu menti, na hora queria gritar. Estou acostumado com Mabel dormindo com Dipper, mas Gideon... ela estava desesperada.
Beijo a testa de Pacifica. Ela ainda reclama mais um pouco, mas não estou ouvindo mais. Só conseguia pensar no que realmente queria a dizer. Mas talvez isso fosse destruir esta amizade que construímos e eu não iria querer isso nunca.
-Eu preciso fazer um trabalho, Mabel pediu. Talvez eu volte tarde. Me desculpe.
Ela se afasta do abraço e sorri.
-Tudo bem, eu sei que precisa cumprir o que ela manda. Mas caso precise de mim para apoio moral estarei aqui.
A abraço mais uma vez, deixando-a no topo da escada, enquanto desço para os laboratórios, em direção ao túnel.
Este corredor é sujo, eu posso sentir a podridão infestar todo meu corpo. Estranho eu estar reclamando de sentir algo. Como as coisas mudam.
As paredes de pedra parecem me trancafiar. Um verdadeiro inferno, devo dizer. Eu deveria ter me teletransportado, teria sido mais simples, mas aparentemente isso poderia explodir o túnel e Pacífica e Mabel estão lá em cima, não posso arriscar.
Chego no final, pedras amontoadas como brinquedos no canto de um quarto de criança. Típico.
Não me lembro de tudo que vivi. Cheguei a um ponto em que pouco ainda me é familiar. Tudo que eu sou foi perdido. Toda pessoa, criatura, monstro, qualquer um, que tenha cruzado meu caminho pode nunca mais ser lembrado por ninguém, por quê eu, pelo menos, não me lembrarei.
A única memória que tenho nítida, de antes de tudo isso, de antes desse ciclo amaldiçoado trazido pelos humanos, de destruição e dor, não é minha. Para ser honesto, talvez seja. Mas foi deixada propositadamente para mim.
Após tantos anos, pode ser considerado normal ver tantas semelhanças entre o presente e o passado. E isso é tudo que está parede é. Uma semelhança vaga de algo que vi a muito tempo. Provavelmente na Inglaterra, não me lembro muito bem. Um túnel escuro com uma passagem bloqueada. Mas desta vez, não tenho uma enviada ao meu lado, a única aqui se encontra muito acima de minha cabeça, sofrendo. E ela nunca será minha.
Sinto a energia correr dentro de mim, pulsando em minhas veias até sair pela ponta de meus dedos, evaporando todas as pedras no caminho. Parece tão mais fácil assim, mais poderoso. Isso significa que funcionou, não tenho mais as mesmas barreiras de antes.
Sem perceber, começo a descontar toda a minha raiva e angústia nas pedras, finalmente libertando anos de rancor. Estou quase cego, mal conseguindo ver pelo brilho de minhas próprias mãos.
Ouço uma voz fraca, falando assim que derrubo mais algumas pedras.
Do outro lado do grande buraco que formei, um velho me encara, de pé. Sua barba é mediana e os cabelos um tanto compridos. Seu longo e quase pontudo nariz denúncia sua identidade. Eu consegui, eu encontrei Fiddleford.
-Não precisa usar sua mágica aqui, demônio. Não sou uma ameaça. -Disse, sua voz é suave, como a brisa cuja qual só me lembro do frio.
-Fui enviado por Stanford Gleeful. Eu venho em paz.
-Stanford? Puxa, eu gostaria de poder falar com ele. Mas suas memórias não tinham sido apagadas?
-Mestre Ford conseguiu - as de volta faz pouco tempo, mas não todas, então me mandou o procurar.
Algo nele muda, suas mãos passam a tremer e suas pernas a balançar.
-Por favor se sente. -Ele me indica uma poltrona ao seu lado. -Qualquer amigo de Ford é meu amigo. Se estiver achando abafado eu posso abrir a porta da escada ou...
-Me desculpe senhor mas eu não consigo sentir se um ambiente é abafado ou não. - Acho que esta frase o comoveu. Bem, eu espero que tenha comovido. - Mas por que não tem janelas?
-Eu vivo em baixo da casa de meu filho. Não posso sair e nem quero. Prefiro a paz da contemplação de tudo que já vi.
Besteira. Nenhum homem poderá ver os verdadeiros milagres deste universo. Nem mesmo um que tenha visitado a colina verde. Nem mesmo eu.
-Meu mestre está ainda com problemas para recordar, o que exatamente vocês viram? Ele só consegue ter alguns vislumbres.
Sinto pena em seu olhar, que repousa em mim. Talvez pena dele próprio, ou de mim.
-Nós fomos até a colina verde. Você já deve ter a visto, ela é uma dimensão rito de passagem, onde acontece a etapa final de uma transformação demoníaca e é um santuário que consegue aguentar qualquer tipo de poder, conseguindo ser um ambiente de harmonia para várias criaturas. Ford passou a odiar tudo de lá após dois anos. Ele se achava melhor que todas aquelas criaturas magníficas. E eu devo ter influenciado isso. -Se sentou em minha frente, apoiando o rosto nas duas mãos. -Sabe, fiz muitas coisas das quais me arrependo. Aquele lugar abriu meus olhos, mas fechou os dele.
-O senhor parece abalado. Eu posso pegar um copo D'água se quiser.
O mesmo concordou com a cabeça.
Era uma casa subterrânea, mas acho que parecia mais uma casa do que a mansão. Qualquer coisa deve ser mais uma casa do que aquele lugar de paredes de pedra.
Caminho até o que parece ser a cozinha. Ainda mal consigo acreditar que aquele homem é o tão cruel Fiddleford. Mas eu me lembro de tudo que ele fez, cada pecado que ele cometeu em relação às pessoas com quem me importo. E eu devo me agarrar nessas memórias.
Volto para a sala já com o copo na mão, o entregando e continuando em pé, uma mania que sinto que tenho que perder.
-Então, meu jovem, qual o seu nome? - Ele fala, tomando um grande gole do líquido.
Não consigo conter um sorriso quando o vejo cair e agonizar no chão. Não gosto disso, violência não é comigo, mas devo admitir, que eu me senti muito bem.
-Se lembra de mim? Como pode esquecer aquele que quase te matou? Deveria ter guardado o nome Willbourne na sua mente até seu túmulo.
Sua expressão ao ouvir meu nome já é uma recompensa suficiente para o trabalho.
-Você sabe que eu posso fazer a dor parar, não é? Com um contrato ela pode sumir.
Ele luta contra a sensação torturante, mas é em vão. O mesmo ergue sua mão no ar, cedendo à sua única esperança. E então, eu ataco.
Trazer veneno foi uma boa idéia, mas que pode prejudicar suas memórias. Como sempre, eu deveria ter sido mais cuidadoso. Mas não consigo evitar.
Não sou mau, não quero ser, mas ele merece. Cada suspiro deste homem é uma ofensa à tudo que já vi. Seus atos imundos são a desgraça da humanidade. E eu sei que é hipócrita falar isso, já que vejo coisas de mesmo nível regularmente e não faço nada, mas Fiddleford é a representação de tudo que eu mais odeio neste planeta. E se minha raiva me levar ao limite e eu de alguma forma cruzar as barreiras do minimamente certo, que seja, não posso o deixar vivo.
Seguro sua mão com força, prendendo sua alma a mim com uma brilhante chama azul, que queima sua pele, o fazendo gritar de dor. Respiro fundo, e tento, depois de tantos anos, possuir a mente de um ser humano de novo, mesmo tendo prometido que não iria.
Fiddleford não mudou em nada. Tudo que vejo ao me movimentar é a podridão de seus pensamentos sujos e vergonhosos. Este é um homem que não merece nem minha pena. Me surpreende ele não ter me reconhecido, se pensava coisas tão hediondas sobre aquele que eu sabia que era eu.
Às vezes eu me perguntava como seria, ver do ponto de vista dele aquele dia. Só para saber se realmente adiantou de alguma coisa todo o meu esforço.
Ele andava pelo corredor estreito, seus olhos mirados na porta como uma águia, e sua presa já estava definida.
Com seus ouvidos, eu ouvi o choro de minha menina, minha doce menina. Morta por uma criatura tão cruel. Por um humano. Este foi seu maior pecado, o assassinato brutal de tudo que eu me esforçava para manter. Como destruíram minha garota...
No canto do quarto, ela se encolhia, tendo uma mínima idéia do que estava acontecendo. Havia algo de esperança ainda nela, de que nada daquilo era verdade. Fiddleford a encarou, sem sentir o mínimo de empatia por uma criatura tão pura. Bem, quase pura. Ela gritava, mas ele nada fazia.
Mabel lutou, tentou usar todos os seus poderes e táticas de matar animais -O que ela obviamente não compreendia. - para se libertar do homem que a tirava à forma do local. Mas um monstro nunca terá compaixão, nunca pensará em poupar a pequena garota que só queria ser algo melhor para aqueles que amava. Um monstro nunca terá perdão.
Acertou - lhe a cabeça contra a parede, com tal força que me pergunto por um momento como ela resistiu. Mas Mabel é uma Gleeful, e possuía uma força que moveria universos inteiros, além de ter sua resistência aumentada pelos poderes. Aquilo causaria - lhe somente um desmaio e dor.
Não aguento ver. Fecho meus olhos o mais forte que consigo, vendo tudo se borrar, até em minha frente estar o portal. Uma aberração humana. Construída para recriar um milagre que só as criaturas primordiais podem realizar. Me sinto triste só de observar tal atrocidade contra algo tão lindo. Uma tentativa a força de gerar algo tão puro, o transformando em nada mais do que uma ferramenta de escape para saciar a curiosidade de um louco.
Quando ele iria a colocar ao lado do portal, eu apareci. Estava com uma aparência melhor, mesmo que amarrotado, por ter sido enganado por Ford, que fingiu ser Stan e me envenenou. Um grande problema dos demônios, nossos corpos são vazios, mas por algum motivo traiçoeiro -Carma, talvez. - veneno nos afeta. Mas que ótima característica!
Ao ver a cena me enfureci. Naquela época eu era quase o guardião de Mabel, seu único amigo e quem a ajudava em tudo. Antes de ela crescer e se tornar o que é, que me faz criar sentimentos e depois os manípula. Considero as duas pessoas diferentes. Uma é a garotinha que jurei tomar conta, a outra, uma espécie de diabo em forma de justos vestidos azuis.
Corri até ela, enquanto Fiddleford preparava a maquina. É difícil ver a cena, pois seu corpo estava virado para o painel de controle, do lado oposto ao que eu estava. Mas me lembro que me levantei furioso.
-Volte aqui!- Ouvi minha própria voz gritar.
Algo estava errado. Eu estava muito mais fraco do que como me recordo. Não conseguindo usar meus poderes. Fiddleford se aproveitou disso e me deu uma surra. Não importava o quanto eu tentasse, ele me acertava com chutes e mais chutes, enquanto eu estava caído no chão como um covarde.
-Se afaste dele! -Mabel disse, se levantando e levitando uma viga de metal, usando-a para acertar o homem.
Por quê as memórias dele são diferentes das minhas?
Ela jogou o aço, errando a mira por dois centímetros. Mas Fiddleford não se conteve em contra - atacar. Pegou o metal e o segurou como um bastão, acertando no braço dela, que gritou de dor.
Mabel ergueu vários objetos da sala, pedaços de vigas, parafusos, até mesmo bancos, mirando todos no homem, que infelizmente desviou, sendo acertado na perna somente.
Ela deveria ter se quebrado, mas ele continuava em pé, somente derramando algumas lágrimas por causa da dor, mas não se deixando cair.
Sei o que vai acontecer, não tenho lembrança alguma deste momento, mas sinto que algo ruim aconteceu.
Eu não pensei quando Fiddleford partiu para cima dela, concentrei tudo que tinha e me materializei ao lado dela, segurando sua mão com força e seguindo meus instintos. Com os olhos de meu oponente, agora posso ver claramente o por que de eu ter feito a mim mesmo esquecer este dia. Eu havia possuído Mabel, tomado seu corpo.
Foi uma luta difícil, toda vez que eu me esquivava, ele me acertava de alguma forma. Olhando do ponto de vista dele, sou horrível em luta! Mas eu tinha a vantagem dos poderes dela, o que me fazia estar ganhando por algum motivo.
No auge da batalha, eu comecei a gritar. Fiddleford aproveitou e acertou um golpe nela. Fiquei louco, tomado por meus impulsos e me esqueci que estava a forçando para o limite.
Tento me parar, mas não posso alterar o passado. Tenho medo do que posso ter feito. E tenho razões para ter, já que os gritos se tornaram mais femininos, o que significa que Mabel estava morrendo. E eu iria deixar.
Após muitos mais golpes no homem, que aparentemente conseguia resistir muito mais do que eu imaginava -Provavelmente alguma magia de proteção. -, eu saí do corpo de Mabel, sendo jogado metros longe.
Ela estava horrível, completamente fraca e machucada. Não conseguia nem se levantar. Vendo a cena, Fiddleford a tomou pelo braço, fazendo o que eu tentava evitar, usando sua magia para abrir o portal. Mesmo tentando brigar, minha garota mal podia se mover, somente gritando mais alto, enquanto ele botava sua mão na maquina, fazendo raios azuis saírem e iluminarem o local.
Ele a jogou para o canto. Sinto meu coração ser partido milhões de pedaços ao ver isso na imagem. O homem segura o corpo de Ford, que aparentemente estava ali o tempo todo, desmaiado e entra no portal. A última coisa que escuto na memória é a voz de Tyrone, gritando alto "Merda!", enquanto o portal se fecha.
Algo toma conta de mim. Algo que eu nunca vi. Ou pelo menos não me lembro de já ter visto. Um ódio tão amargo que quase sentia seu gosto. Um cheiro de enxofre sube por minhas narinas, na verdade, as narinas de Fiddleford. Eu ainda estou em seu corpo, e estou o quebrando. Efeito da possessão descontrolada, primeiro o apodrecimento interno, depois, as chamas. O fedor ainda me incomoda, ardendo em meu nariz mais do que qualquer coisa algum dia irá.
Me olho no espelho. Vejo seus pés, levemente entortados para a esquerda. Vejo seu nariz, fino como uma agulha. Seus longos cabelos grisalhos e seus lábios médios. Mas os olhos são meus. É como se eu fosse quem eu mais odiava. E para ser honesto, eu sou.
Eu machuquei Mabel. Eu não pude a salvar quando foi atacada. Eu a feri naquela noite. Eu sou o monstro.
Quando foi que comecei a chorar? Só sei que sinto as gotas escorrerem por aquele rosto que nem me pertence. Me sinto um tanto feliz por isso, não tenho o prazer de poder chorar faz quase um século. Pouco tempo relacionado a quanto vivi, mas mesmo assim é muito.
A felicidade se transforma em raiva, de aproveitar tal sensação em um recipiente tão imundo. Mas meu ódio sempre foi como uma catapulta. Ele me impulsiona a fazer o que é preciso, ou a me levar ao limite. E neste caso, a linha que cruzo é a do auto-controle. Soco o espelho diversas vezes, os cacos me perfuram mas não presto atenção, eu preciso botar tudo isso para fora.
Estou em um corpo morto, fazendo algo que jurei não fazer e agora entendo o por que, enquanto a pessoa com a qual mais me importo está morrendo e não posso parar isso. Ó deuses, por quê mereço algo tão horrendo. Sou um maldito, parte da escória que tanto desprezo, não sirvo nem como demônio de ajuda. Quantos crimes cometi para receber tão impiedoso destino?
As lágrimas se misturam ao sangue de Fiddleford, junto aos cacos de vidro que ainda derrubo. A cada soco me lembro de outro grito dela. O fogo me consome por inteiro. Bato a cabeça contra a tábua de madeira onde o espelho costumava ficar e desabo. Não consigo me conter, eu odeio o que sou, odeio o que me tornei. Sinto raiva de minha mãe, por não ter me matado enquanto podia; desprezo meu próprio Deus protetor, por ter me dado uma vida como esta e de certa forma sinto pena de mim mesmo. Realmente estou una bagunça.
É estranho como meus pensamentos voam tão rapidamente. Até mesmo esqueci de minha missão. Achar como Gideon con seguiu último diário, para assim achar o outro. Sei que é o que Mabel queria. Vasculho o que sobrou de suas memórias, mas quase nada restou. Eu sabotei minha própria tarefa sem perceber, como sou um demônio burro.
Mas algo ainda está ali, uma pista, talvez. Uma pequena lembrança, sobre uma conversa de menos de dois minutos entre pai e filho.
-Não pode agora me devolver? -Fiddleford dizia, agoniado.
-Já disse isso uma vez. Estão escondidos. Não me perturbe, velho. -Marius se levantou, indo até uma mesa e segurando um porta - retrato. -Existem coisas perigosas demais naqueles diários. Eu não quero botar em perigo os outros.
-Diz aquele que recebe propina para deixar bandidos fora. -Uma leve ponta de amargura residia em sua voz, tal como a que eu sentia.
-Você entendeu. Eu não a quero em risco.
O homem bufou, saindo e deixando o filho adotivo sozinho, com sua imagem de Grenda.
Talvez ele tenha escondido os diários e Gideon só achou um. Mabel certamente saberia o que fazer para o recuperar. Mas sinto que se eu a encarar sentirei tanto ódio de mim que posso descontar nela. E a pior parte é que talvez ela goste.
Demoro a perceber que tudo está pegando fogo. Estou neste corpo faz tempo demais. Respiro fundo, sentindo mais uma vez a dor dos punhos cobertos em vidro. Vai demorar para que eu volte a sentir algo assim.
Então volto para meu estado físico, em meio às chamas douradas e azuis, que se espalhavam como se alguém tivesse jogado álcool, e seguro o corpo daquele verme pelos cabelos. Mesmo morto ele ainda me causa nojo. Me sinto cada vez melhor conforme retiro sua cabeça, usando minha mágica. Ainda tenho raiva, mas acho que a acalmei minimamente.
Com meu prêmio preso em meus dedos e meu disfarce posto, saio pelo túnel, o fechando com as mesmas pedras que retirei para entrar. Sinto como se um grande peso fosse deixado para trás, mas ainda sinto minha mente ferver.
Com sua cabeça em minha mão e seu sangue em minhas roupas, ando pelos laboratórios e pela mansão como se fosse algum tipo de rei. Me sinto doente só pelo orgulho de meu feito. Se eu soubesse que algum dia me tornaria assim, não teria passado minha vida toda correndo dos perigos, tentando salvar minha pele, eu pelo menos teria morrido como um herói.
Chegando na sala principal, forço meus pés no chão, para que Mabel me ouça. Ela estava deitada no grande sofá vermelho, com seus cabelos caindo nos ombros, concentrada em um livro, me lembrava ela antes, quando todo dia possuía um diferente em suas mãos, mergulhada nas histórias. Mas seu olhar não era o mesmo, se tornara desafiador, perdendo toda a beleza sonhadora de antes.
Coloco a cabeça em cima da mesa de centro em sua frente, ainda frustrado. E ela conseguia perceber isso.
-Parece que nosso pequeno Willbourne voltou como um lobo, qual será sua próxima presa?- A garota sabia do meu ódio por esse nome, e de meu temor por uma comparação tão bizarra, como a de lobo e cordeiro, que ela fazia questão de utilizar sempre. -O garoto lá em cima? Talvez Marius? Quem sabe nossa querida Pacífica? Ou eu?
Cada passo que dá em minha direção me faz cambalear para trás. Eu gostaria de poder ficar parado, a enfrentar e dizer tudo que sempre sonhei em admitir, jogar em sua face que menti para ela desde a morte de Stan ou muito antes. Mas sempre que pensava no assunto eu tremia, nunca teria a coragem de desafia - la, talvez por quê a temo, ou por que a adoro.
-Eu não quero mais missões como esta... M-mestra. -Sinto dificuldade em pronunciar esta palavra desde que me transformei de novo, mas ela é essencial.
-Por quê? Possessão não faz o seu estilo? Ou você é fraco demais?
-Eu me recuso a repetir o que fiz hoje. -Finalmente digo, com os nervos já a flor da pele.
Seus quadris balançam de um lado para o outro enquanto anda até mim, enquanto eu quase tropeço umas três vezes no grande tapete branco que ela mesma botou na sala. Até que paro. Não quero mais fugir, tenho que ser forte. Ela é só uma enviada de dezoito anos, enquanto eu sou um demônio que está vivo por mais tempo do que posso contar. Mabel não poderia ter poder algum sobre mim.
Mas ela sempre tem.
-Aceite, Willbourne, você se sente culpado. Eu sei o que fez na última vez que possuiu alguém, provavelmente você ainda tem pesadelos com isso, não é?
-Você nunca irá entender nada sobre mim. -Eu me torno mais agressivo, mesmo que eu não queira ser, ela está me manipulando. Deuses, como parar isso? Eu não posso me deixar cair em suas palavras.
-Sua mãe sabia o que você era e te manteve por pena, seu tio não suportava sua cara, nem mesmo suas memórias são suas. -Tampei meus ouvidos. Para um demônio de milhares de anos, eu sou muito burro e sem criatividade. - Fugiu por toda a sua vida e quer fingir que é sábio. Eu sou má e não nego, mas você... Você esconde profecias, espera que garotos morram para que possa ver que caminho o destino traçou, manipula humanos para terminar ileso e ainda finge que aí dentro tem uma alma boa. Pelo menos admita que possuir uma garotinha e quase a matar não foi a pior coisa que fez. - Cuspia as palavras em mim sem se importar. Mesmo esta forma sendo vazia, eu sinto como se sangue corresse em minhas veias e espalhasse algum tipo de veneno.
Sem ao menos perceber eu a seguro pelo pescoço, tudo que eu menos queria fazer.
-Você não me conhece! A Mabel que ouvia minhas histórias e entendia meu lado está morta e enterrada com tyrone na cova em baixo desta casa! Eu posso não ser inocente, mas estou longe de ser o vilão aqui!
A garota gargalha alto, me olhando com deboche. Mesmo com seus pés sem tocar o chão ela arranja fôlego para rir. Não só ri, como usa seus poderes e me acorrenta no chão, me derrubando. Agora eu estou indefeso.
-Meu caro Will, o quão longe você vai para defender a si próprio... Será uma ótima arma no fim das contas.
Mais uma vez ela me vê como um truque. Mas sua influência é tão poderosa que com o passar do tempo eu cheguei em um ponto em que realmente acredito que sou.
Mabel se inclina, passando sua mão em meu rosto.
-O mundo está podre. Você mesmo viu a decadência desta gente. Eu não posso viver em meio a tudo isso, a colina verde é minha última esperança. -Seu tom muda completamente para uma voz terna e calma. - Não acha que o correto seria me salvar? Deixar este mundo como esta e vir comigo? Me ajudar a viver mais um dia? Não por eu ser sua mestra, mas por ser sua amiga.
Mabel não é minha amiga, não mais, muito menos minha mestra, mas devo admitir que o que mais desejo é salva-la, não só da morte e de Dipper, mas de si mesma. Mas ela me manipula. Sei que foi influenciada a isso, e que eu mesmo deixei, mas mesmo assim, eu daria tudo para a manter segura enquanto ela nem ao menos se importa com meu trauma.
-Will, não vê que talvez, para sobreviver, eu precise que você possua alguém por mim, como precisei hoje. Você me ajudaria, não é?
Me vejo em pânico, eu sei que sim, mas desejo não poder fazer mais nada no nome dela. Quero me afastar, dizer logo tudo e fugir, mas eu nunca a abandonaria. Se eu tivesse de me jogar em um vulcão e sentir a dor disso para a manter viva, eu o faria. Talvez essa seja a minha fraqueza, eu me apego demais.
-S-sim... -Digo trêmulo, não percebi que a palavra saira de minha boca, ela fugiu quase como um instinto.
-Eu sempre posso contar com você. -Ela segurou meu rosto com as duas mãos, me aproximando lentamente e juntando nossos lábios. Mais uma vez este truque. Tem aproximadamente um ano que passei a me sentir assim, mas tudo que ela fez foi me usar, com truques como esse.
Quando nos separamos, eu não recuo, aliás me estendo mais para a frente, quase viciado mesmo com uma só prova. Sinto as correntes se soltarem e quando vejo já estamos na parede. Suas mãos parecem algodão de tão macias, mas me apertam como se fossem de aço. Seguro em sua cintura, em sua nuca, passo meus dedos por seu rosto. É a primeira vez que a sinto assim.
Por um momento ela se afasta, retirando minha camisa e meu colete. E é então que percebo algo estranho, ela desce suas mãos até a bainha de minha calça, arranhando minha pele, só assim caí a ficha, de que de alguma forma, eu voltara a sentir.
Aproveito para finalmente toma - la em meus braços, sentir seu cheiro de perfume pouco usado, beijar os pequenos espaços entre seu pescoço e o maxilar, apertar suas coxas como sempre sonhei. Algo nela parece diferente, como se no fundo, tivesse o mesmo deslumbre que eu, mas eu sei que isso não é possível, toda sua devoção pertence a Dipper, enquanto eu estou aos seus pés, para ser usado de escada para o conseguir de volta. E isso me dá raiva.
-Eu venho guardando este tapete por um bom tempo, esperando a morte de Fiddleford, será com você que irei o inaugurar. -Ela fala, me puxando para o mesmo.
Nossas roupas já estão jogadas em algum canto que nem eu mesmo sei e a sintonia entre nossos corpos parece perfeita para mim, estou feliz, mas ainda raivoso, acho que isso me faz me mover com mais força, aperta-la com mais força, a sentir com tudo que eu tenho.
-Você só diz isso para inflar meu ego. Só está aqui por quê Gideon não consegue te satisfazer. Sou só um substituto para Dipper. -Aperto o tapete e mordo de leve o pescoço dela. Por quê eu fiz isso?
-Se realmente acha isso, use o poder que isso te dá. Não sente raiva dele? De mim? -Seus sussurros em meu ouvido parecem uma ordem, um tipo de regra ditada como a mais pura das verdades.
De fato, eu sinto. E uso isso nela. Nunca quis a machucar, não suportaria ferir-la mais, porém invisto tudo em meus movimentos, toda a minha força, tudo que sinto, até não conseguir pensar direito, assim como ela, que encravava suas unhas em minhas costas como garras.
Tudo que quero é ouvir que ela diga meu nome, pelo menos uma vez, para eu saber que não é uma farsa. Mas sou um tolo.
Quando chego em meu ponto máximo eu seguro seu corpo contra o meu, como se fossemos um. Sua voz em meu ouvido se torna nítida como um pensamento, mesmo sendo só um sussurro. Ela simplesmente murmura "Will..." e isso já é o suficiente para mim.
Mas quando abro os olhos, vejo que realmente nos tornamos um.
"Aposto que dorme como uma criança, com seu dedo na boca
Eu poderia ser desagradável, botar uma arma em sua boca
Sinto nojo quando ouço as merdas que você diz,
É tanta merda que sai que deve levar o dia todo.
Existe um lugar no inferno com seu nome gravado,
Com uma lança na cadeira só para completar.
Quando se olha no espelho, vê o que eu vejo?
Se sim, por quê diabos está olhando pra mim?
Há um tempo para nós todos e acredito que o seu já passou.
Pode por favor se apressar? Pois o acho obseno.
Quando se olha no espelho, vê o que eu vejo?
Se sim, por quê diabos está olhando para mim?"
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