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História Midori Maiko: Caçadores do submundo - Capítulo cinco


Escrita por: marinadiamandis_

Capítulo 5 - Capítulo cinco


-Boa noite- minha mãe solta as palavras suavemente, como se fossem suas últimas; mas percebo que ela espera uma resposta quando fica parada, entre a entrada de meu quarto e o corredor.
-Boa noite.
   Ela tenta fechar a porta sem fazer barulho, mas no último instante ela acaba batendo-a.
   Espero um pouco, até não perceber mais nenhum sinal de luz. Ainda deitada, no escuro, ouço o irritante e repetitivo tic-tac do relógio, e percebo que dez minutos se passaram.
-Devo esperar mais- balbucio.
   Tento me conter, mas sinto minhas pernas tremerem, como se sentissem um chamado vindo do lado de fora. Espero apenas mais alguns minutos antes de saltar na cama, mergulhando por completo na escuridão do quarto, que antes ainda parecia estar distante.
   Tateio o caminho até minha penteadeira, e balanço minha perna, a procura de algum obstáculo. Enfim, consigo chegar em minha penteadeira, onde acho, na primeira gaveta, uma lanterna, que escondi ainda hoje mais cedo. A ligo, iluminando um pouco mais do que trinta centímetros a minha frente; mas é o suficiente para que eu possa procurar minhas botas. Sento em minha cama novamente, e espero até que minha intuição me diga que é prudente sair.
   Parece uma grande besteira, andar pela casa à noite. Todavia, esse não é um simples passeio até a cozinha, ou até a TV. Esse é um passeio até uma descoberta, ou, mais que isso. E é por isso que não quero estragar tudo: Dar satisfações a meus pais é a última coisa que quero agora.
   Sem ouvir nenhum ruído, levanto-me, e prudentemente, na pontinha dos pés, vou até a porta. Abro-a com todo cuidado, e consigo evitar um ranger característico. A luz das enormes janelas do corredor já é suficiente, mesmo com quase todas as cortinas fechadas; então desligo a lanterna.
   Olho em volta, e nada vejo. Sinto um arrepio estranho percorrer minha espinha, e num gesto automático e inútil me encolho. Enquanto ando, com pressa, rezo para que Katsuo não tenha dormido, e que já esteja no escritório. Mas ouço o barulho ensurdecedor que a madeira da porta produz ao arrastar no chão; assustada, torcendo para que não seja meus pais, me viro para trás, e apenas vejo a porta no final do corredor sendo aberta por Yumi. Ela, porém, não parece me notar, e eu aproveito sua distração para correr e descer as escadas afobada. No caminho, acabo derrubando a lanterna, mas não posso voltar para pegá-la, então apenas sigo em minha "fuga".
   Em meu ritmo acelerado, chego no final da escada rapidamente. A claridade aqui é bem maior, e ilumina não apenas todo o hall, mas também até o meio do corredor que leva até o escritório. E o resto dele, está mais escuro do que todo o resto da mansão. As cortinas foram todas fechadas, ao contrário do corredor dos dormitórios, que se deu ao luxo de manter algumas abertas.
  Assim que chego na divisa entre a parte clara do corredor e a completa escuridão, tento forçar minha vista para alcançar um pouco mais do que posso- em vão- por conseguinte, ouço meu irmão balbuciar algumas palavras. Ele fala tão baixo e com a voz tão abafada, que quase não o ouço. Entendo, afinal ele não pode gritar agora.
   Apenas sigo sua voz, deixando a claridade para trás. O medo me faz fechar os olhos, me trazendo um certo "conforto". E assim que começo a me desesperar, meu irmão me chama novamente, e desta vez liga uma lanterna, a apontando em minha direção.
-Finalmente- Katsuo arruma a gola de sua blusa, e só então me dou conta de que ele não está de pijama.
-Não foi dormir?- Isso é óbvio, mas minha dúvida é: Meus pais sabem disso?
-Na verdade, falei para o papai que ia estudar até mais tarde hoje- ele segura meu braço, e começa a me guiar pelo corredor.
Mesmo que a iluminação seja melhor do que a da minha lanterna, não posso ver nada caso fique um pouco atrás dele, então deixo que ele me leve até o escritório.
   O corredor é muito longo, e metade dele- a metade escura- já se compara ao corredor dos dormitórios inteiros. A cada quadro acidentalmente iluminado por Katsuo, um susto. Eles são velhos, retratando pessoas velhas, em um corredor de uma mansão velha; as caretas das figuras parecem querer forçar um sorriso, ou ao menos uma expressão saudável, mas ao invés disso o que se tem são faces intediadas, sérias e amedrontadoras.
-Não me lembrava do corredor ser tão longo- ainda deixo meu olhar correr pelas paredes, até onde a Luz chega.
-Ele não é tão longo- meu irmão finalmente me solta- você é quem está tensa- agora, sua mania é substituída por uma simples mecha enrolada em seu dedo, mas que logo se junta ao resto de seu cabelo, e é jogada para trás.
  Antes que eu possa reclamar novamente, avistamos a porta do escritório. Meu irmão retira dos bolsos as chaves. Assim que entramos, eu tento acender a luz, mas sou impedida por Katsuo, que dá um tapa em minha mão e lança um olhar como se eu não soubesse o que estou fazendo.
-Esqueceu?- ele realmentee encarou como se eu não fizesse a mínima ideia do que faço.
-Vai "estudar" no escuro?
-Pensa um pouco, idiota. Papai não pode ouvir ruídos nem perceber a claridade, se não ele vai descer até aqui. E mesmo se estivesse "estudando", não acenderia a luz.
-E como vamos ler?
   Katsuo se afasta de mim, e eu fico no escuro, seguindo o que agora é apenas uma luzinha, meio longe. Até que ele puxa as cortinas, uma para cada lado, e a luz do luar ilumina toda a sala. Ele então lança seu sorriso para mim novamente, e eu tenho certeza que quero esganá-lo agora. Mas me contenho. Apenas tento acabar o mais rápido com isso:
-Então, me diga o que sabe- sento na cadeira a frente da mesa de papai, de frente para a visão da janela: A caixa cinza.
   Meu irmão faz um gesto, pedindo para que eu fale mais baixo, antes de desligar a lanterna. Só então, ele começa a falar.
-Bom, comecemos por uma coisa simples, que você tem que saber: Os caçadores conseguiram dominar a magia ao longo dos anos, capturando bruxas e alguns livros de magia.
-Espera, então existem alguns de nós que podem ter "poderes"?
-O quê? Não- ele ri com desdenho, e quase se engasga- só quer dizer que há alguns de nós que usam magias simples, como domar bruxas de treinamento, ou poções que podem ser usadas contra criaturas do submundo.
-E como...
   Agora não entendo. Como tão subitamente, consegui ser tão rápida? Se essa sorte não tivesse me ocorrido, poderia estar morta.
-Katsuo- mudo meu tom de voz, e deixo transparecer mais seriedade. Talvez até um pouco de preocupação- e a raiva de Amaika?
-Raiva?- ele parece estranhamente surpreso.
-Sim, mas isso parece ser só para nós- com as janelas abertas, posso ver os alvos, e os encaro enquanto falo com meu irmão- sabe, quando estávamos treinando hoje... Ela parecia brava, muito diferente de quando ela estava com o papai.
-Eu já percebi isso- ele joga seu cabelo para o lado outra vez, e ameaça olhar para trás. Mas, ao invés disso, ele crava seus olhos nos meus- mas não sei o motivo. Talvez, isso se dê ao fato de ele ser o "dono" dela. Ele a caçou.
-Eu não sei não, Katsuo- puxo uma mecha de cabelo que pendia sobre meu rosto, e a faço voltar para trás de minha orelha- eu senti algo diferente nela.
-Sentiu? Como assim sentiu?
-Eu não sei, mas eu nunca consegui "sentir" assim antes, assim como nunca consegui correr daquele jeito. Mas algo em Amaika me fez despertar essas habilidades.
   Katsuo não parece gostar de minha ideia. Ele deixa seu olhar se intensificar ainda mais, e percebo um nervosismo familiar no ar. Entramos no assunto proibido, na zona de limite entre o segredo e o que conheço. Com sorte, ele irá falar.
-O que foi? -tento fazê-lo falar naturalmente, sem que eu tenha que lhe pedir a verdade- sabe algo sobre isso?
-... Sobre o quê exatamente?
-Sobre a possibilidade de algum caçador com habilidades...
-Na verdade- ele coça seu queixo. Percebo seu tom de exitação enquanto fala- existem casos isolados. Mas, isso só pode acontecer de uma maneira.
   Sinto que as portas da fronteira estão se abrindo. Se eu realmente possuo essas habilidades, quero saber de onde elas vêm, e porque Katsuo não as "herdou" também.
-E qual é essa maneira?
-Um híbrido.
-Híbrido? Como?
-Sabe, é de nossa natureza caçar as criaturas do submundo, mas somos humanos. Ser um caçador não é receber super poderes, é receber uma missão que é designada para poucos; mesmo assim, ainda somos humanos. E humanos falham. Híbridos são abominações. Ha híbridos de diferentes criaturas, mas há também, os frutos de amores entre... Criaturas do submundo, e...
-Humanos- as palavras saltam de minha boca e mergulham no ar vazio. Sinto um arrepio ao ver que Katsuo concorda.
-Sim, humanos.
   Demoro a notar que Katsuo está mais preocupado a cada minuto que se passa. Esse não pode ser a verdade. Algo errado nos cegou.
-Mas- Katsuo balbucia as primeiras palavras do que pode ser um consolo- acho que estamos nos precipitando. Isso aconteceu uma única vez, e talvez fosse apenas a adrenalina.
   Sua explicação me deixa ainda mais confusa, mas me agarro ao que parece ser normal.
-É... Pode ter sido isso.
-Agora- meu irmão muda de assunto curiosamente rápido- vamos voltar ao que interessa. O papai com certeza lhe cobrará isso.
-Espera- mesmo sem querer, exito; tento disfarçar tossindo, enquanto volto a olhar para a janela. A lua alta exaltando seu brilho prateado me leva até minhas lembranças da noite passada- sabe, ontem, quando o lobo apareceu em meu quarto... Ele falou alguma coisa sobre um ser que parece ser muito "poderoso"- reviro os olhos, fazendo quase uma piada- seu nome era Kazumasa.
   Novamente o silêncio me toma o momento, mas desta vez com um ar muito mais sutil. Percebo um sorriso de lado surgir no rosto de Katsuo. Ele logo o disfarça, apoiando uma das mãos sob seu queixo, mas sem se encostar na mesa.
  Ainda mantendo o mesmo clima estranho, Katsuo pega sua lanterna e deixa a cadeira estofada. Ele caminha até os armários, e para em um dos do meio. Ele é preto, e parece se diferenciar dos outros, mesmo que seja exatamente igual.
   Katsuo encara o armário, e liga a lanterna novamente. Uma jogada de cabelo para o lado, e outra repuxada na gola de sua camisa- ele parece tranquilo.
-Midori- mesmo de costas, não sinto seu olhar. E ao me virar para trás, levantando, percebo que ele realmente não me observava ao falar comigo- é agora a parte interessante.
   Um pouco antes de me deixar lhe retrucar, ele joga a lanterna para mim, e eu, por sorte, a pego. Assim que meu irmão abre a porta do armário,  um fervilhão de sentidos me atormenta. Uma angústia, uma energia negativa muito forte... Tudo parecer vir de dentro daquela pequena abertura. Tento domar esse sentidos, que subitamente despertaram em mim, mas falho. Ouço gritos, mas todos parecem vir de dentro de minha cabeça, todos aflitos e distantes, como se fossem lembranças- lembranças do que parecia ser uma perseguição.
   De repente, o peso das vozes me faz tombar para o lado, e sou obrigada a segurar na mesa, evitando minha queda. Katsuo mal olha para mim, e continua a bater na madeira do armário, como se procurasse alguma madeira oca. Começo a ficar atordoada, os gritos de desespero se sobrepõem cada vez mais alto, e mais alto... Tão alto que chego a imaginar se meu irmão as ouve também. Em minha carne, sinto o peso da dor de mil pessoas... Não... Esses gritos não podem ser humanos.
Subitamente, as vozes se esvaem completamente, e o escritório volta a ser o lugar calmo e silencioso que nunca deixou de ser. Katsuo se volta para mim finalmente, e vem em minha direção, dessa vez sem se dar ao luxo de esconder seu sorriso.
-Me dá a lanterna- ele nem sequer percebe como estou aflita, e a cima de tudo confusa.
-Katsuo... Não ouviu as vozes, não é?
  Sei que sua resposta será negativa, mas preciso ter certeza, depois da intensidade das vozes.
-Vozes? Agora você realmente está delirando- ele toma a lanterna de minha mão, e me estende a sua, me ajudando a levantar.
-Eu não estou delirando- talvez-  eu sei que parece estranho, mas foi mais como uma lembrança, só que muito mais forte.
-Então era só uma lembrança.
   Ele dá de ombros e me puxa até a frente do armário, agora aberto. Examino rapidamente em volta do móvel: Katsuo retirou dele todo conteúdo, e o jogou no chão.
   Então, meu irmão me surpreende ao entrar no armário e estender a mão para mim, pedindo para que eu faça o mesmo. Porém, mesmo sem responder, um olhar é o bastante para mostrar a ele que não vou entrar.
-Deixe disso, Midori.
   Novamente, ele bate na madeira do armário, e para posicionando sua mão espalmada no centro da parte de trás do móvel. Um toque, e a madeira simplesmente se abre. Fico boquiaberta. Ele me estende a mão, e eu a recuso novamente, mas desta vez para entrar sozinha. A madeira que antes fazia parte do armário, agora é uma porta, a porta de outra enorme sala, que está completamente escura.
-Entre- meu irmão fecha as portas do móvel e me empurra para dentro da sala, entrando logo em seguida.
   Tateando a parede ao nosso lado, Katsuo encontra o interruptor e acende as luzes. O que elas me forçam a enxergar, me faz reviver as lembranças das criaturas aflitas, porém agora, mais intensas.
   Não só as vozes, mas também imagens inundam minha mente, e a fazem transbordar. Encosto na parede e caio no chão. Visualizo todas as cenas, com um aperto no coração. É como se estivesse lá. É como se voltasse até lá.



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