O céu livre de nuvens pronunciava frio. Em compensação, a noite limpa deixava entrever as contelações em todo o seu esplendor, expondo miríades de estrelas de brilho e existência insuspeitáveis.
De lá fora veio o ancião, trazendo óleo para as candeias. Era tão velho que andava arrastando os pés, e outra função não lhe restara senião cuidar das lâmpadas. Ouvia pouco e enxergava nada, de modo que além de arrastar o calçado, caminhava com as mãos tateando as paredes.
Aparentemente, não lhe fazia falta a visão perdida. Caminhava com tal desenvoltura que se superava. Aos arrastos, aos tateios, ele seria bem capaz de percorrer não só as dependências do palácio, como a cidade inteira, onde suas mãos e seus pés reconheciam cada monumento, cada pedra da pavimentação nas ruas mais distantes.
Parou dois passos diante da ama. Para ela, estava escuro; para ele, a luz não lhe fazia falta nenhuma.
-O que faz aqui sozinha diante da porta? Não devia estar na companhia da senhora?
-Gostaria muito, ancião. Não imagina o que eu daria para estar ao lado da senhora e ser capaz de consolá-lá. Ela porém não permite. É como se cada ser vivo lhe recordar se a vileza do marido que a deixou.
-Ela continua chorando?
-Não parou um só instante, desde que recebeu a notícia.
-Talvez não devesse... Se ao menos desconfiasse da desgraças que ainda estão por vir...
A ama aproximou-se do cego, tocando-o no ombro, e se colocando a sua frente. Então interrogou, numa espécie de cochicho, a fim de não ser ouvida:
-De que é que você está falando? O que você sabe que eu não sei?
-Talvez seja melhor manter segredo...
-De jeito nenhum! Se sabe alguma coisa em relação ao destino da senhora, vai me contar!
-Não se porque falo tanto. Às vezes, desconfio que minha língua é mais rápida que meu raciocínio.
-Diga! O que é que você sabe?
O ancião se remexeu sem sair do lugar, levantou a vista para o teto e baixou-a dirigindo ao longo do corredor, como se pudesse enxergar. Então iniciou:
-Eu estive está tarde na fonte... Você conhece, sabe onde é... A fonte sagrada... É onde os velhos se reúnem para jogar dados...
-Conheço a fonte e sei que os velhos vão lá jogar. Quero saber das desgraças de que me falou.
-Fale baixo!
O ancião censurou-a e, tomando-a pelo o braço, fazendo com que se afastasse do local. Era evidente que temia ser ouvido, em bora o leito de Mileena ficasse no interior de três câmaras concêntricas que dificultariam a audição. E, um tanto mais tranquilo segredou:
-Preferia não ter ouvido, mas ouvi...
-Diga de uma vez! Está esgotando minha paciência!
-Uns jogadores comentavam que Jerrod expulsará Mileena e seus filhos do reino.
-Também são filhos de Hanzo - retrucou a velha. -Ele não permitirá que Jerrod expulse as crianças .
O ancião balançou a cabeça e falou:
-Tenho minhas dúvidas. Essas crianças são fruto de um amor que não existe mais. Se é que existiu um dia...
-Não posso acreditar.
-Neste precioso instante, Hanzo deve está pensando nos filhos que terá com a princesa.
-Pobre senhora... Ela imagina que o mundo lhe desabou sobre a cabeça. Não passa pela a sua idéia que o pior ainda esta por vir.
-Se é o seu destino, assim será. De nada adiantarálbum seu pranto ou nossa solidariedade.
Não havia o que acrescentar. A ama virou as costas e refez o caminho de volta, em direção a câmara de Mileena. Estacou por um instante no local onde estivera velando até a chegada do ancião. Em seguida, avançou para o seu interior e, penetrando na câmara íntima, foi parar diante do cortinado de transparências coloridas.
A senhora não mudará de ânimo nem de posição. O cômodo, mal-iluminado pela a candeia que ela deixará no início da noite, dava contornos sombrios a cena central. Mileena afundava o rosto contra as almofadas que lhe abafava os gemidos. À volta do leito, os lençóis atirados no chão e alguns panos de costinado , arracandos num momento de irá, acentuavam o tom da desgraça.
Diante do corpo inerte, a ama se condoído. Nem podia ser diferente. Sentia-Se também responsável pela a sua criação. E essa circunstância tornava a situação delicada para ela. Tantas vezes havia amparado aquela menina, diante de conflito triviais, e agora sentia-se totalmente impotente. Nada podia fazer para minorar o sofrimento dela.
A velha ainda cogitava sobre o infortúnio da senhora, quando o corpo girou no leito. Levantando o tronco com dificuldade, Mileena tentava proteger o rosto inchado, vermelho, com umas das mãos. E, estreitando a vista, como se quisesse distinguir o vulto atrás da cortina, interrogou:
-Quem está aí?
-Sou eu, senhora - apresentou-se a ama.
Mileena reagiu com gesto que indicava enfado, talvez impaciência. Após um instante, tornou:
-O que faz aqui, de pé, a estas horas? Por que não está dormindo?
-Queria estae perto, se a senhora precisasse de alguma coisa.
-Você não pode me dar o que eu preciso, ama. Nem você, nem ninguém. Portanto é inútil sua vigília.
A ama hesitou entre sair e permanecer onde estava. Na dúvida, falou:
-Também fiquei para evitar que alguém pudesse entrar... atrapalhar seu repouso...
-Agora é tarde para vigilias, o infortúnio já entrou. Vá dormi, ama. Quero ficar sozinha com minha desesperança.
De novo, a velha se segurou sobre os calcanhares, ante intenção primeira de se afastar. Em seguida, balançou o corpo para a frente, chegou a tocar de leve nos tecidos tranaparentes. Um aroma de perfumes exóticos invadiu suas narinas. Enquanto pensava no que dizer, ouviu:
-Saia, ama! Desapareça da minha vista! Sou sua senhora, não preciso da sua piedade.
-Está bem, senhora. Eu... eu... Eu vou ver se as crianças estão bem... Se não precisam de nada.
A voz de Mileena alcançou a mulher já a porta da câmara:
-De que crianças está falando?
-Senhora... Falava de seus filhos.
-Meus filhos? Como ousa, ama - Num repente, aquele resto de gente derrotada se levantou, como recebesse uma injeção de energia. - Como ousa dizer que são meus os filhos de Hanzo? Eles são filho de Hanzo! De Hanzo entendeu?!
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