O dia seguiu normal, não tinha muito movimento nas quartas-feiras, Miguel Caolho apareceu como sempre fazia todas as noites, era idoso, usava uma cartola velha e era viúvo, por algum motivo que desconheço preferia comprar um lanche do que jantar fora. Era sempre o mesmo pedido, um x-egg com bastante tomate e muito queijo para evitar a osteoporose, como ele mesmo dizia.
- Como está hoje?
Perguntei, deixando um suco de laranja e o pedido na sua mesa.
- Minhas costas estão me matando.
- Já tomou um remédio?
- Tomei dois para garantir - bebeu um gole de suco - Fui ajudar uma vizinha nova a descarregar a mudança.
- Seu Miguel, foi gentileza sua, mas evite carregar peso da próxima vez, o senhor já está com 70 anos.
- Oh, minha filha, você não entende - ele começou a rir e eu fiquei sem entender.
Ele deu uma piscada marota.
- Ela é viuva também.
Comecei a rir, não pude me segurar, abracei a bandeja enquanto as lágrimas rolavam por minhas bochechas. Por sorte era o único cliente do momento, Lucas apenas observava de longe sem compreender.
- Seu Miguel, olha lá hein.
- Vixe minha filha, passei até colônia. O ser humano não foi feito para ficar só não, "deuso livre", quero um pé quente pra me esquentar de noite.
Balancei a cabeça, concordando com ele e segui para a cozinha, enxugando as lágrimas. Lucas apareceu atrás de mim:
- Qual foi o motivo da crise dessa vez?
Era comum eu ter crises de riso, já estavam acostumados e por motivos que não entendo, os clientes gostavam de me ouvir rindo.
- Digamos que seu Miguel está interessado em uma nova vizinha.
- Mas, ele é viúvo, não é?
- Exatamente - me segurei para não rir de novo - a vizinha também.
- Hummmmm... - coçou o queixo, processando - Por falar em viuvez, me desculpe hoje cedo.
Parei de dar risada na mesma hora. Ele me olhava arrependido, esticou o braço para coçar a nuca, totalmente sem jeito.
- Amigos? - me estendeu a mão.
- Amigos.
Sorri e apertei a mão dele, que por sinal era bem áspera e grande, academia, talvez? Carpinteiro? Ajudante de construção de dia? Será que ele tinha uma horta em casa? Mexer com terra não deixa as mãos grossas, não deixa?
- Mariana?
- Oi? - acordei dos meus pensamentos.
- Volta para a terra - sorriu.
O expediente terminou mais cedo hoje, era uma quarta feira pós feriado, o movimento estava péssimo. Coloquei meu lanche como de costume na sacola e já ia saindo quando seu Augusto veio em minha direção, preocupado.
- Estou fechando o caixa, se importa se o Lucas te levar até a esquina?
- Não precisa, eu sei me virar.
- Não é assim? Vigiai e orai? Não se pode dar mole hoje em dia, mocinha.
Meu chefe sempre usava a bíblia quando queria me convencer de algo, apesar de não estar em minha melhor fase, antes das mortes eu era bem mais... Aplicada a fé por assim dizer.
- Está certo, o senhor venceu.
Por fim Lucas me levou até a porta do prédio, não era muito longe, 10 minutos a pé e logo chegamos, olhei para cima, apesar de eu ser alta com meus quase 1,80m, ele era mais do que eu.
- Me desculpa de novo, eu não vou mais te encher a paciência.
- Fica tranqüilo - sorri de verdade - Está desculpado.
Eu era durona por fora, mas por dentro morria de pena das pessoas e esse era bem o caso, mas não podia deixar a emoção tomar conta dessa vez, ou melhor, em ocasião nenhuma.
Então, ele tomando coragem, beijou minha testa e seguiu de volta para a lanchonete. Foi um daqueles beijos que duram 5 segundos, tempo suficiente para arregalar os olhos e ficar assustada. Remorso? Talvez, mas fiquei uns 3 minutos processando o acontecimento, me senti como uma irmã mais nova. Menos mal, não queria nenhum tipo de sentimento por alguém.
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