1. Spirit Fanfics >
  2. Misofonia >
  3. Capítulo Único

História Misofonia - Capítulo Único


Escrita por: UcancallmeA

Notas do Autor


Misofonia vem da junção de "miso" (aversão,ódio) e "fonia" (som), significando, resumidamente, alta intolerância ao som. É também conhecida como Síndrome da Sensibilidade Seletiva do Som. Para mais informações, sinta-se livre para pesquisar sobre o assunto, ou talvez me perguntar. Minha pesquisa não foi profunda, mas quem sabe eu possa esclarecer alguma dúvida, não é mesmo?
O contrário também seria interessante. Se alguém tiver mais conhecimento que eu e quiser discutir ou corrigir algo, aceito numa boa.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Se uma pessoa com que você se importa fosse ficar surda, qual seria a última coisa que você gostaria que ela ouvisse? Qual seria a última coisa que você diria? Que tom de voz você usaria? 

Pensar nisso causava uma dor profunda em Ruis naquele momento, mas mesmo assim ela não conseguia evitar. Não enquanto sentava angustiadamente numa cadeira de hospital, se remoendo até não suportar mais. 

Se bem que, naquele ponto, mesmo que ela alcançasse seu limite, não pararia. Tudo se repetia em sua cabeça, seus pensamentos eram cruéis e ela nem conseguia perceber o quanto estava apertando o copo de plástico com água em sua mão, ou que já havia derramado metade do conteúdo deste. 

Mesmo que percebesse, não se importaria. 

Por quê? Por que a última coisa que ela disse tinha que ter sido "Você nem está tentando deixar de ser um incômodo"? 

- Você só vai entender quando eu cortar minhas orelhas fora? - Soli disse, num tom profundamente ferido, com olhos lacrimejando mas se recusando a chorar na frente de uma pessoa tão incompreensiva, antes de abrir a porta do carro ainda parado no estacionamento e ir embora, batendo com força. 

Ruis deveria ter ido atrás dela, ou parado ela, ou não ter dito aquilo, ou ter se importado de verdade em vez de ter tratado aquilo como uma maluquice inventada por Soli. Qualquer coisa que evitasse o pior, mas agora vejam onde justamente essas decisões erradas levaram. Bem, antes ela não fazia ideia do que era o pior. Não era algo que passaria pela sua cabeça como "Será que deixei o fogão ligado?". Não era algo próximo de sua realidade, que a deixasse alerta nem preocupada, então pra quê pensar nisso? 

"As pessoas realmente, realmente só dão valor depois que perdem, não é?", ela pensou, com um sorriso amargo. Perdeu tantas oportunidades de... Uma lágrima caiu em sua calça Jeans, e ela se apressou em secar os olhos com a manga da blusa. Felizmente, não havia pessoas olhando, e ninguém se importava mesmo. Aquele lugar tinha cheiro de desgraça e produtos de limpeza, onde as pessoas tentavam se agarrar aos fios de esperança, ou o que quer que fosse, para escapar. 

E então ela sentiu como se tivesse levado um tapa. Um tapa mental. Ninguém se importava que ela estivesse chorando, da mesma forma que ninguém se importava com o sofrimento de Soli. Ela estava certa, Ruis só entenderia quando ela cortasse suas orelhas. Mais literalmente do que Ruis imaginava. A moça de cabelo preto baixou a cabeça, finalmente notando o copo de plástico agora com rachaduras, e a calça marcada por lágrimas e mais lágrimas que não paravam de cair. Seus olhos e nariz provavelmente estavam vermelhos, mas isso estava longe de ser uma preocupação. Em algum lugar do hospital, havia uma garota que realmente havia tentado danificar a própria audição. 

Desde os sete anos, Soli começou a apresentar uma intolerância à barulho. Não aceitava entrar em brincadeiras porque as outras crianças "gritavam por qualquer coisa", se afastava de grupinhos de conversa, procurava cantos quietos na escola pra comer sozinha ou simplesmente passar o tempo... Em casa, sempre que alguém assistia TV ela pedia pra baixar o volume, e quando não o faziam, ela mesma o fazia, escondido. À medida que foi crescendo, passou a se trancar no quarto quando ligavam o liquidificador, a odiar o vizinho que fazia questão de compartilhar seu péssimo gosto musical com caixas de som, e mesmo tentando escapar do mundo inquieto dormindo, esse ainda penetrava seus sonhos. 

Ruis viu várias vezes a irmã incapaz de fazer dever de casa à tarde porque não conseguia se concentrar com a porcaria que o vizinho colocava para perfurar seus ouvidos, e acabava tendo que fazer de noite, depois das dez horas. Enquanto os outros descansavam, Soli fazia tudo o que era impossibilitada durante o dia, frequentemente dormindo tarde e acordando cedo, às vezes nem dormindo. As pessoas achavam que era só frescura, mas Ruis, que acordava a irmã de manhã cedo caída em cima dos livros, com olhos inchados provavelmente por chorar, pra ir para a escola, não conseguia pensar o mesmo. "Se é frescura, por que ir tão longe, então?", ela pensava. 

No entanto, com o tempo até mesmo Ruis pouco a pouco foi se tornando impaciente, se perguntando se Soli sequer estava tentando melhorar ou apenas se recusava a sair da bolha de sua incapacidade, e começou a forçar a garota à situações desagradáveis com o objetivo de fazer sua irmã "sair da zona de conforto". Ela começou a deixar Soli mais e mais infeliz sem nem perceber, nem perceberia o esforço da garota de tentar parecer bem enquanto andava na corda bamba de autocontrole. Ou talvez a corda bamba de algo mais...? 

Para Soli, a gota d'água foi ser arrastada pra uma boate. Dá pra imaginar? Você tem profunda aversão à barulho e sua irmã te arrasta pra uma boate. Ela se trancou no banheiro depois que uma das companhias insuportáveis da irmã a puxou pra dançar mesmo depois de receber um não em alto e bom som. "Não seja tímida" foi o que ele disse, e outras pessoas concordaram que ela era "tímida". Sua irmã riu. Sua irmã riu de outras pessoas dizendo que falar "não" era timidez enquanto ela estava sendo arrastada por um cara desconhecido e sabe se lá quais eram as intenções dele. Na primeira chance que teve, Soli fincou o salto no pé dele, desapareceu na multidão e fugiu para o banheiro. 

E depois de um tempo Ruis foi atrás dela. Soli tinha esperança de que sua irmã fosse se desculpar por tudo aquilo. Até o estacionamento, ela tinha esperança. Até entrarem no carro, ela ainda tinha esperança. Mas o que saiu da boca de Ruis foi completamente contra suas expectativas, que logo ela se culparia por ter em primeiro lugar, mas... 

Sua irmã, a pessoa que havia visto o sofrimento dela de perto, que esteve do lado dela, a ajudou a sair de casa – aquela casa em que sua existência era dispensável - e em seus momentos de desespero a acolheu, não conseguia entender? Ela sequer havia entendido em primeiro lugar...? 

Não. Soli só lembrava de sua irmã a ajudando, mas isso nunca significou necessariamente compreensão. 

E enquanto a mais nova pensava isso, Ruis não parava de falar crueldades e mais crueldades, como uma arma atirando sem parar, torturando, mas não matando. Não ainda. O golpe final foi uma acusação dolorosa. 

- Você nem está tentando deixar de ser um incômodo. 

As palavras se repetiram todo o caminho até o apartamento que dividiam. Ruis talvez tivesse decidido passar a noite fora depois de tal briga, considerando que não havia o menor sinal dela no apartamento, e estando com o carro ela seria muito mais rápida para chegar no local que Soli.

E por falar em andar a pé... Soli olhou com desprezo para os saltos que havia tirado para conseguir andar melhor, e os jogou na parede, sem ligar por nem serem dela. Controlada por quase todo tipo de sentimento ruim que conhecia, saiu tropeçando (por causa de seus pés doloridos) pela casa procurando por objetos cortantes. Em menos de cinco minutos, ela estava sentada no chão com uma tesoura pontuda enorme, uma faca de cortar carne e estilete. 

Não era como se ela cortasse as orelhas todo dia, então quando ela tentou cortar pela primeira vez com o estilete, não conseguiu ir muito fundo por causa da dor. Lágrimas já caiam sem parar de seus olhos há muito tempo, suas mãos tremiam, mas se ela conseguisse terminar aquilo, então finalmente estaria livre. 

Ela sentiria falta de ouvir música, certamente. Música era uma de suas paixões, gostava muito de cantar quando estava sozinha e sempre sonhou em aprender algum instrumento musical. Não poder entender mais uma orquestra, nem fazer tantas coisas que gostaria... Uma vida assim, ela não iria querer viver desse jeito. Talvez ela devesse fazer algo mais além de acabar com a própria audição, afinal. 

Não era uma possibilidade que ela gostasse de cogitar, mesmo desde pequena, porque tinha sonhos que queria realizar. Sonhos simples, como viver sozinha num cantinho limpo e tranquilo, com peixinhos ou um coelho de estimação, de preferência longe dos barulhos das grandes cidades. Talvez numa cidade de interior, ou menos populosa, isso seria bom. Então ela poderia cantar ou tocar em algum restaurante, e ganhar dinheiro para sustentar ela e seu bichinho de estimação. Um sonho belo, não? 

Mesmo assim, quando o desespero batia ela acabava imaginando como seria se ela morresse. As pessoas que a faziam sofrer, finalmente entenderiam? A situação se reverteria, e ela faria eles sofrerem? Eles sequer se importavam o suficiente com ela pra sofrer? 

Segunda tentativa de corte. Doeu muito. Terceira, quarta, quinta, sexta... As dores física e emocional eram tantas que ela se sentia começar a perder o sentido de dor. Mais cortes. Furos. Cortes em outras partes do corpo. Furos. Todos os sentimentos lacrados no mais íntimo dela agora finalmente podiam sair, descontando em ninguém mais ninguém menos que ela mesma. 

Ainda assim, uma parte dela achava injusto que apenas ela estivesse sofrendo por tudo aquilo. Talvez quando ela morresse, aqueles monstros a achassem estúpida por acabar com sua chance de felicidade com as próprias mãos. 

Mas a parte dela que estava no controle já não dava mais a mínima, e continuou, até que ela desmaiou. 

Quando Ruis chegou em casa, duas horas depois da briga e o tempo que ela havia levado pra esfriar a própria cabeça com fast food, ficou horrorizada com o o que viu no chão da sala. Apesar de seus instintos terem tido a primeira impressão de que a casa fora invadida por uma pessoa horrível, não foi muito difícil finalmente entender o que havia acontecido. Ela não se deu tempo de processar tudo, pois sua irmã precisava de ajuda médica o mais rápido possível. 

E assim ela foi parar no hospital com cheiro de desgraça e produtos de limpeza. Ela já havia derramado todo o conteúdo do copo, então decidiu jogá-lo no lixo. Um desperdício, e um péssimo exemplo, ela sabia disso. 

Duas garotinhas brincavam ali perto, uma com o braço engessado e outra numa cadeira de rodas. Por alguma razão, aquilo fez pensar nela e Soli quando eram pequenas, mas aquelas garotinhas eram muito diferentes. Elas pareciam unidas e sorridentes apesar de não estarem fisicamente bem, tampouco num ambiente agradável. Elas passaram sua sensação de tranquilidade para um rapaz que parecia pálido e fraco, e ele sorriu. O sorriso dele parecia muito saudável. 

Ruis sentiu seu peito doer vendo aquilo, e desviou o olhar. Ela precisava falar com Soli quando esta melhorasse. 

Um sorriso azedo surgiu em seu rosto. O que significaria para Soli "melhorar", afinal? Ela nem tinha certeza se poderia falar com a irmã de novo. Se Soli sequer seria capaz de ouvir o som da sua voz quando tentasse colocar pra fora desculpas inúteis que não reverteriam o passado. 

Se sua irmã iria sair do hospital viva. 

E com mais incertezas e dúvidas do que cabiam em sua cabeça, mais uma vez ela chorou. 

Por quê? Por que a última coisa que ela disse tinha que ter sido "Você nem está tentando deixar de ser um incômodo"? 


Notas Finais


Eu escolhi os nomes das personagens graças ao google tradutor. É.
"Ruis" significa ruído, enquanto "Soli" significa som. Muito criativo, não? Eu não me lembro em que idioma cada um está, mas se tiver curiosidade você pode descobrir usando "detectar idioma", provavelmente.
Eu ficaria muito feliz se alguém gostasse desta história. É a primeira que eu exponho assim, então me causa um pouco de nervosismo.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...