História Misunderstood - Prólogo

Yixing era uma bela confusão.

Uma bela confusão organizada por ordem alfabética.

Gostava de descrever a si mesmo como um homem simples. Cursava seu último ano em história para poder dar aula para as criancinhas que tanto gostava de ter por perto, e suas histórias somente seu apartamento pequeno na praia sabia. Talvez pudesse chamar sua avó e seu vizinho de próximos, e mesmo eles não conseguiam compreender a complexidade por trás dos pensamentos do garoto.

Todo dia, pontualmente às sete da manhã, acordava e demorava vinte minutos cronometrados para tomar banho, se arrumar e comer alguma coisinha qualquer, e os outros quarenta minutos até o começo do período eram gastos pedalando pela cidade com os fones de ouvido sempre ligados com alguma música calma. Apesar de toda essa calmaria, durante os fins de semana gostava de praticar um ativismo para tentar conquistar mais direitos aos imigrantes e igualdade de gênero, colocar flores nas portas da delegacia e se meter no meio de confusões, independente do número de hematomas que aquilo iria lhe render mais tarde. Seu vizinho, Kim Junmyeon, o acompanhava em silêncio, sempre aproveitando as horas ao lado do homem mais lerdo que conhecia, inocente ao ponto de não perceber o quanto Junmyeon se derramava em amores por ele.

Quando se levantou um pouco mais tarde em uma sexta feira, seu dia começou a desandar já pelo início. A resistência do chuveiro queimou — assim como as torradas que tentara fazer — e perdeu os fones de ouvido. Colocou a camisa, xingando mentalmente o universo por ter feito aquilo consigo, e pegou a bicicleta que tanto gostava para tentar a sorte em meio à garoa que deixava a cidade cinzenta.

O caminho já era conhecido, passaria pela sede de seu grupo ativista para pegar os relatórios do dia e só então chegaria na faculdade com um tempo apertado, mas suficiente. Digo, teria sido suficiente se não tivesse atropelado um rapaz qualquer.

— Olha por onde anda! — O outro gritou, gemendo de dor logo em seguida. O olhar de Yixing passeou por ele diversas vezes, tentando entender a figura.

Era um moleque todo minúsculo, talvez por estar se encolhendo de dor, com os cabelos tingidos em um vermelho doloroso aos olhos e que era um par perfeito para o machucado recém-feito em seu joelho e suas mãos. Embora detestasse aquele estilo, aquela blusa de uma banda horrível qualquer dos anos 70 combinada à jaqueta de couro, calças rasgadas e o piercing prateado que despontava no septo do rapaz, estendeu a mão para que se levantasse.

— Se você andasse com menos merdas na cara e no corpo talvez conseguisse me ver, também. — Disse, fazendo uma careta por causa da textura das mãos do estranho. Estavam raladas por causa da queda, e agora as mãos de Yixing também tinham um pouco de sangue estrangeiro para com seu corpo.

— O que minhas roupas têm a ver com a sua falta de atenção? Agora você vai comigo até o hospital pra eu fazer um curativo. — O estranho falou em um tom mais alto.

O chinês encarou o garoto, incrédulo, e soltou sua mão de forma agressiva.

— Não vou a lugar nenhum com um carinha rebelde sem causa, ainda mais com esse cabelo chamativo. Não te conheço, pirralho. — Reclamou.

Se encararam por alguns segundos, e o rapaz pegou a bicicleta de Yixing, a colocando de pé como se aquilo fosse um grandioso gesto de gentileza.

— Aqui. Meu nome é Baekhyun, agora você me conhece, me acompanha no hospital. — Repetiu, teimoso. Yixing sentia seu sangue ferver, apesar de ser uma pessoa pacífica e sem preconceitos, aquele tipo de gente era uma exceção. Baekhyun em muito lhe lembrava seu pai, e estas memórias não eram agradáveis.

Anarquista, fascista, nazista, detestável e cheio de ódio, nilista, idiota. Punk. A mente de Yixing trabalhava tão rápido que pensou que fumaça começaria a sair de si enquanto tentava achar uma forma de sair correndo com a bicicleta e o pé machucado, sem ser alcançado por Baekhyun.

— Não sei onde fica o hospital. — Falou rápido, sustentando o olhar marcado do outro.

— Eu sei. — Respondeu de forma mais suave, sendo o primeiro a desviar o olhar.

Começou a andar na frente, porque sabia que o mais alto o seguiria, tinha visto os ferimentos do outro. Yixing nem sabia porque estava seguindo ele, apenas guiou a bicicleta ao lado de seu corpo, mancando o caminho inteiro sem reclamar de dor.

— Você está me atrasando, eu tinha aula logo agora. — Quebrou o silêncio, olhando para as costas de Baekhyun, cuja jaqueta estava cheia de patches diferentes.

— Também estou me atrasando, mas a minha preocupação não é essa, e sim os meus machucados.

— Atrasando? Para o quê? Destruir algum monumento? Matar alguém? — Baekhyun parou bruscamente, se virando para encarar o chinês. Yixing tremeu diante do olhar de alguém pela primeira vez.

— Escuta aqui, esse é o meu estilo, e não é um idiotinha qualquer, um ratinho de laboratório que vai me falar merda. — Disse, praticamente cuspindo as palavras para cima de Yixing. — Então vê se engole esse seu preconceito e seja gentil com alguém que se machucou por conta de um erro seu! Não tenho nada a ver com os seus problemas, e se está atrasado é porque deveria ter saído no horário certo.

Voltou a andar, ignorando completamente a existência de Yixing, que tentava processar as palavras que havia ouvido.

— Eu não sou preconceituoso, tá louco? — Revidou após um tempo, correndo para alcançar Baekhyun.

— Não, imagina se fosse. Se você pudesse queimar alguém com seu olhar, eu estaria carbonizado. — Continuou olhando para frente, indignado por fora, mas preocupado por dentro pois quanto mais rápido andava, mais o outro tentava lhe acompanhar, forçando o pé machucado. Não que se importasse com aquele cara, mas com certeza tinha uma pequena bondade em seu coraçãozinho. O moreno confuso parecia estar com frio, para melhorar ainda mais a situação. Baekhyun não sabia o motivo por trás de toda essa empatia que ele tinha com as pessoas.

Yixing continuou andando ao lado dele, envergonhado demais para dizer qualquer coisa. Estava sendo repreendido pelo tipo de pessoa que mais odiava!

Ao fim de tudo, teve que enfaixar o pé e voltar de ônibus para casa. Deixou o telefone com Baekhyun sob a ameaça de que seria processado por não prestar os socorros apropriados, e achou melhor ceder um pouco depois de tanta discussão.

— Você ainda não me explicou como isso aconteceu. — Junmyeon disse baixinho, sentado na beira da cama de Yixing, que nem ao menos estava encarando a si.

— Eu saí na chuva, atropelei um cara com a bicicleta e caí no chão, foi só isso. — Disse, amargo.

O vizinho decidiu deixar o chinês sozinho por enquanto, triste por estar sendo tão ignorado. Yixing não o fazia por mal, apenas estava com coisas demais na cabeça. Coisas como seu ódio mortal por Baekhyun e sua falta de auto-controle diante de alguém que não gosta. Imaginou que, se algum de seus colegas da faculdade ou do movimento o visse naquela hora, estaria totalmente decepcionado e triste.

Yixing não deveria se mexer em prol dos que lhe interessavam, afinal não existem exceções aos direitos humanos.

E lhe faltava o entendimento de que, mesmo sendo tão diferente, Baekhyun é tão humano quanto ele.