– Crianças, seu tio Jv e eu namoramos por muito tempo. Tudo havia acabado de maneira trágica digna de um filme do Quentin Tarantino. Eu admito que naquela época eu ainda tinha um ódio enraizado em relação a ele... Mas eu sabia que não havia uma forma de adiar a conversa que teríamos por mais tempo. Eu precisava colocar todos os pingos nos “is” para seguir em frente e possivelmente melhorar... Eu ainda tomava coragem pra conversar com ele, afinal não seria fácil...
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Eu sou um grande covarde...
Estou no quarto em cima da cama esperando Pac sair do banho. Desde que saímos do consultório médico eu tentava formar diversas conversas e diferentes respostas que eu poderia receber se eu conversasse com o Jv... Só de pensar nele o meu coração fica irado.
Não é como se eu ainda gostasse dele. Esse sentimento se foi quando ele cuspiu todas aquelas palavras contra mim, mas poxa, eu vivi anos com ele... Eu ainda penso onde foi que eu errei... Queria saber o que eu poderia ter feito pra mudar isso...
No fim eu não tenho coragem de conversar com o Jv sobre isso. Eu sei que preciso, mas não consigo...
– Eu estava pensando em ver como estão o Felps e o Cell... – Pac diz saindo do banho. O aroma de rosas invade o quarto junto a um jato de calor derivado do banho quente – Saímos cedo e ainda não tivemos uma notícia deles... Estou começando a ficar preocupado... – Pac diz se sentando ao me lado na cama – No que está pensando? – Ele me pergunta e eu o encaro.
– Já teve que ter alguma conversa realmente difícil com alguém e não sabia qual seria a reação dela? – Eu pergunto pra pac e o mesmo fica em silêncio por alguns minutos.
– Já... Por quê? Está passando por isso? – Ele pergunta e eu assinto.
– Sim. Eu preciso realmente conversar com alguém sobre algo muito importante, mas não sei como começar essa conversa e nem se essa pessoa quer conversar comigo... – Eu confesso provavelmente deixando Pac ainda mais confuso – Só pra deixar claro, não é você, ok? – Eu digo e ouço um suspiro de alívio.
– Por um segundo eu fiquei assustado... Sei lá, essa pergunta é meio estranha... – Ele diz e se deita ao meu lado, me fazendo dar espaço pra ele na minha cama de solteiro...
Ficamos alguns minutos apenas no silêncio. Não era sufocante como na maioria das vezes.
– Pode me dizer com quem você precisa conversar? – Ele pergunta retomando o assunto me fazendo ponderar.
– É uma pessoa que tinha muita importância na minha vida, mas de uma hora pra outra se tornou um objeto de ódio por minha parte... – Eu digo soltando um peso dos ombros – Odiá-lo me fez muito mal durante muito tempo, inclusive me fez ficar de mal com alguém importante pra mim... – Eu digo me referindo a Pac que me ouvia em silêncio – E eu decidi colocar um basta nessa situação... – Eu fico em silêncio dando tempo dele se recuperar.
– Isso é bom. Significa que está amadurecendo... – Ele diz e encosta no meu braço.
– Mas o problema é que eu não quero realmente perdoá-lo... Ele me fez muito mal, Pac... Muito mal... E eu temo que na hora eu não consiga perdoá-lo... Que eu não consiga olhar na cara dele e dizer que o perdoo... – Eu digo me sentindo incomodado.
– Uau... Entendi... Bem, Mike. O perdão é uma dádiva dada a poucos... Se esse ódio que você nutriu por essa pessoa te fez e faz mal se livre dele... Vá, converse com essa pessoa e diga tudo que você sente. Não exclua nada! E depois deixe a pessoa fazer o mesmo... No final os dois terão tirado um peso das costas e você vai poder pensar em perdão... Não faça nada assim forçadamente... – Pac diz e eu assinto.
– Você tem razão... Obrigado, Pac. Você ajudou muito... – Eu digo e o abraço. – Já pensou em ser psicólogo? Você tem jeito pra coisa... – Eu digo e ele solta uma risada sofrida.
– É... Devo ter... – Ele diz e eu franzo o cenho.
– O que houve...? Eu... Eu disse algo errado? – Eu pergunto e ele suspira levemente.
– É que o meu pai era psicólogo... Deve ser por isso que eu tenho jeito pra coisa... – Ele diz numa voz sôfrega fazendo eu me sentir horrível.
– Caralho... Desculpa Pac... Foi sem querer, eu...
– Tá tudo bem... Você não sabia... Não tinha como saber... – Ele diz e se levanta. – Eu vou procurar o Cellbit. O que vai fazer? – Ele pergunta e eu suspiro.
– Vou acabar com o ciclo de ódio...
– Ok... – Ele diz e sai do quarto.
Eu supiro e bato na minha própria cara.
– Idiota! Tinha que tocar num assunto que, claramente, o machuca, não é? Seu jumento... – Eu digo e me deito na cama de novo.
– Eu pego o meu telefone e, através da memória, disco o número do telefone do Jv.
Depois de vários toques ele finalmente atende.
– A-Alô? – Jv diz com a voz tremulante, como se estivesse surpreso.
Eu fico alguns segundos em silêncio, pensando no que falar.
– Mike? Você tá me ouvindo? – A voz dele... A voz que me trazia alegria...
– Venha ao meu quarto em 10 minutos. Precisamos conversar... – Eu digo e desligo o telefone logo em seguida. Eu não tinha mais forças pra falar com ele.
Eu me jogo pela terceira vez na cama e encaro o teto enquanto minha cabeça lateja...
“Hora de por o preto no branco...” – Eu penso enquanto coloco o antebraço na frente dos olhos.
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– Em contrapartida eu estava meio assustado com a situação. Seu pai e eu não nos falávamos havia muito tempo, e uma ligação do nada dele dizendo “Vamos conversar” não é exatamente a melhor maneira de evitar isso... – Jv diz se ajeitando no sofá – Seu pai nem sequer havia me dado a chance de dizer não, então eu apenas aceitei...
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– Venha ao meu quarto em 10 minutos. Precisamos conversar... – Mike logo em seguida desliga o telefone não me dando uma chance de resposta.
– Era o Mike? – Batista, que estava na cama dele lendo um livro de filosofia, diz me fazendo despertar.
– Sim...
– E o que ele queria? – Batista diz voltando a atenção ao livro.
– Conversar... Me disse pra estar lá em dez minutos... – Eu digo e ele me encara por cima do livro.
– E o que vai fazer? – Ele pergunta me olhando e eu desvio o olhar.
– Não sei... Eu sei que devo ir, mas eu também sei que se eu for vamos discutir, e se discutirmos é capaz de eu falar algo que não devo de novo... – Eu digo e me recosto na cabeceira da cama. Felipe fecha o livro e se levanta.
– E se você não for ele vai pensar que não se importa e não vai ter perdoar nunca... – Ele diz me dando um tapa na cara de realidade – Olha, você é quem sabe o que vai fazer... Não é problema meu... Mas se eu fosse você eu iria... É melhor confrontar o problema de uma vez do que ficar marinando ele e cozinhando em banho-maria... – Ele diz e eu o encaro confuso.
– Quê? – Eu digo e ele revira os olhos bufando.
– Só vai, merda... – Ele diz e sai do quarto me deixando lá sozinho...
Eu tive que me forçar a levantar depois de dez minutos pra tentar ir até o quarto dele...
Eu fiquei uns dois minutos na frente da porta tomando coragem de abrir...
Quando abri eu vi que o quarto estava bem escuro. As cortinas estavam fechadas e Mike estava na cama dele olhando o teto.
– Pac? – Mike pergunta não se movendo.
– Não... – Eu digo e ele se senta rapidamente.
– Ah... Jv... Pensei que não viesse... – Ele diz baixo e eu engulo em seco.
– Eu estava tomando coragem... – Eu digo e ele assente.
Ficamos em silêncio por muito tempo. Acho que nenhum de nós sabia direito o que dizer naquela situação. Era tudo muito confuso...
– Como você está? – Eu tentei iniciar um diálogo com ele.
– Cego... E você? – Ele diz sério me fazendo engolir em seco.
– Ah... Eu? Eu... Sei lá... – Eu digo meio sem jeito...
– Sei... – E mais uma vez o climão se abateu sobre nós...
Mike se remexia na cama por causa do desconforto e eu pensava em todas as rotas de fuga daquela situação.
– Olha... Me desculpa... – Eu comecei de uma vez o que devia ser começado – Me perdoa por tudo... – Eu digo e vejo Mike engolir em seco.
– Por quê? Por que eu deveria? – Ele diz e eu me sinto minúsculo – Por que eu deveria sequer acreditar em uma só palavra do que você diz? Afinal tudo pode ter sido apenas uma mentira... – Ele diz e eu fico em silêncio.
– Mike... Você não entende...
– Não! Não entendo... Não entendo até agora... – Ele confessa se levantando – Eu achei... Eu achei que me amasse... Achei que estava tudo bem... – Ele diz e eu já sinto as lágrimas se acumulando nos meus olhos – Mas foi tudo uma grande mentira... Eu não entendo como você pode ser tão sádico e cruel. Me via todos os dias, me fazia todas as juras de amor. Por Deus! Eu perdi a minha virgindade com você! Mas todos os “Eu te amo”s foram falsos... Todos os beijos, as carícias, as noites dormindo juntos... Tudo... Falso... Então me desculpe se eu não entendo... – Ele diz e se encosta na janela.
– Mike... E-Eu sei que você me odeia... Acredite, eu me odeio também... Mas nem tudo foi falso... Eu realmente gostei de passar esses anos ao seu lado... Você é uma pessoa incrível... Mas... Mas eu...
– Mas você não me amava... – Ele completa – É isso que me indaga... É isso que me faz ficar acordado a noite... Por quê? Por quê? POR QUÊ?! Não faz sentido... Por que me enganar durante tanto tempo...? – Ele diz e a essa altura ambos chorávamos.
– Eu... Eu só quero ser feliz, Mike... Eu não queria mais ficar preso a você... Me desculpe... Eu quase te matei... Se você tivesse morrido eu... – Eu engulo um soluço – Eu teria me matado junto... – Eu digo e ele me encara – Eu não aguentaria saber que eu fui o responsável por te matar... Eu não podia... – Eu digo e ele encara o chão – Por mais que eu não te ame, Mike, saiba que tudo o que passamos foi sim especial... Não duvide disso... Cada beijo, cada abraço, cada noite nossa juntos... Cada “eu te amo”... Tudo foi sim especial pra mim... Eu só quero que você seja feliz com alguém que te ame de verdade, Mike... E eu sabia que nós tinhamos prazo de validade... Eu sabia que nós não poderíamos ficar juntos pra sempre... E quando a oportunidade de botar pra fora o que eu sentia apareceu eu agarrei com unhas e dentes e acabei falando o que não devia... Por isso, me desculpa... – Eu digo e ele fica em silêncio... Nada mais parecia existir...
– Eu realmente te odiei... – Ele continua e eu encaro o chão já não lutando mais contra as lágrimas – Mas esse ódio só me fez mal... Eu não queria te odiar, mas você não me deu escolha... Se eu não te odiasse eu ficaria ainda mais triste... E eu não sei o que mais eu teria feito comigo mesmo ou com os outros caso isso acontecesse... – Mike tira os óculos do rosto e pressiona a região do cenho – Mas... Eu não posso mais fazer isso comigo mesmo... – Ele diz e eu o encaro com um semblante confuso – Você fez parte de uma fase muito importante da minha vida... E eu não quero fingir que ela nunca existiu... Então... Então eu te perdoo Jv... De verdade... – Ele diz e eu o encaro estupefato – Você me machuciu muito... Mas eu quero que você volte pra minha vida... Tem piadas que só nós entendemos... Sinais que só nós sabemos... – Ele diz e sorri me fazendo sorrir também – Por mais que eu ainda esteja machucado com tudo o que houve... – Ele sorri na minha direção – Você faz falta na minha vida... – Ele diz e eu me levanto o encarando – Você sente a minha falta? – Ele pergunta e abre os braços.
Eu o encaro, sem saber direito o que deveria fazer a seguir... Então faço o mais certo possível...
O abraço com todas as forças...
– Muita... Nunca duvide disso... – Eu digo o apertando. O mesmo corresponde o abraço.
– Espero que possa me perdoar por qualquer coisa que eu tenha dito que te machucou... – Ele diz com a voz embargada no meu pescoço.
– Eu já perdoei... – Eu digo e sinto o meu ombro molhar.
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