Estava ficando insuportável ter que olhar para Peter e me lembrar do que ele me fez passar. Me disse coisas bonitas, me beijou, me chamou para sair e o pior de tudo, me fez despertar um sentimento que eu desconhecia até então, mas para que? Pra me deixar plantado na frente da padaria por quase uma hora e meia, achando que ele realmente apareceria? Ele me enganou, me fez de idiota, se vingou por eu ter parado com a nossa amizade a anos atrás. Tenho certeza que agora ele deve estar rindo de mim. Ele e aquele idiota do Ryan, que aliás é o único que ainda tenta falar comigo, mesmo que seja para explicar o que estava acontecendo com Peter. Mas sabe, eu não ligo mais, não queria mais ouvir esse nome.
A aula do dia de hoje estava passando mais devagar do que é de costume. Eu não consigo prestar muita atenção no que os professores falam e nem para o Itan quando fala comigo. Ele é a minha mais nova dupla e esse não é seu verdadeiro nome. Itanhaketac' Ton é um indígena que se mudou para a cidade grande a poucos anos, tem o cabelo bem liso em forma de tigela, é magrinho e baixinho, parece até um chaveiro, a coisa mais fofa que eu já vi na vida.
-R-Rafael. - Itan me chamou. Ele ainda não sabia a minha língua muito bem e seu sotaque é bem presente em tudo o que fala.
-Diga. - Olho para ele pacientemente enquanto tentava fugir de meus pensamentos autodestrutivos. Ele me entrega um bilhete e sorri meio torto. - Obrigado. - Ele apenas acenou positivamente com a cabeça enquanto corava com vergonha. Fofo.
Abri o bilhete, um pouco curioso pelo que poderia estar escrito ali. Meu coração falhou uma batida para logo em seguida começar a bater aceleradamente, enquanto eu sentia um misto de raiva e tristeza assim que vi quem era o remetente.
"Preciso falar com você. Me espera quando sair do trabalho, por favor.
-Peter"
Respirei fundo pedindo aos céus um pouquinho de paciência sequer. Amacei o papel, me levantei e o joguei na lixeira enquanto olhava Peter dentro dos olhos.
Era só o que me faltava mesmo. Não basta só uma vez não? Tem que ser duas apenas para eu ter certeza que ele me odeia.
Nesse dia eu cheguei em casa mais cedo. Disse para a gerente que eu não me sentia muito bem e perguntei se eu poderia ir um pouco mais cedo. Ela deixou mas com a condição de pagar as horas perdidas depois. Aceitei sem pensar duas vezes e fui para casa. Dessa forma eu não teria que falar com Peter, e se ele realmente aparecesse.
No dia seguinte o mais velho apareceu na loja com a desculpa de comprar um chocolate. Não perdeu a oportunidade e falou:
-Precisamos conversar. - Parecia um pouco desesperado.
Por um momento eu cheguei a cogitar aceitar ter essa "conversa" com o mais velho. Não me lembrava de ter visto Peter tão bonito como hoje. Estava com os cabelos bagunçados, lábios avermelhados e úmidos, além de que suas roupas escuras combinavam bastante com de seus olhos.
Antes dele se "declarar" pra mim o "gostar" de alguém era algo desconhecido por minha parte. Nunca parei para reparar muito nas pessoas, tanto meninas quanto meninos. Não acho que isso deva ser um problema, claro que irei ter dificuldades em minha vida, mas isso não vai me impedir de ser feliz com alguém por causa de um simples e pequeno detalhe. Por isso não fiquei tão encucado com a "confissão" de Peter, eu até o correspondi. Sentia o mesmo, se pelo menos fosse verdade. Posso estar fazendo uma tempestade no copo d'água, mas não posse deixar que esse tipo de sentimento me atrapalhe.
-Eu não tenho nada para conversar com você, Peter. - Falei indiferente enquanto lhe entregava o troco.
-Mas eu tenho, e preciso que você escute. - Falou tentando se justificar.
-Mas eu não quero ouvir! Por favor, pode dar licença? Estou ocupado agora. - Pedi para que ele desse espaço e uma senhora pagasse o que tinha que pagar. - Boa tarde. - Disse para a moça e sorri gentil. Querendo ou não, ela não tinha nada a ver com a minha discussão com o mais alto.
-Então que tal depois do seu expediente? - Perguntou enquanto tentava arrumar um espaço do lado da moça.
-Não da, vou ficar até mais tarde hoje. - Tentei arrumar alguma desculpa, eu só quero que ele saia da minha frente enquanto eu ainda consigo dizer não.
-Eu espero. - Falou olhando dentro de meus olhos. Parei o que eu fazia e o encarei, por alguns segundo eu fiquei hipnotizado com tamanha beleza, mas logo depois voltei a realidade e olhei para a moça.
-Deu quatro e noventa, quer uma sacola? - Perguntei e ela acenou positivamente. Empacotei e a entreguei. - Tenha uma boa tarde.
-Oh, para você também, criança. - Falou a senhora ao sair da padaria.
Respirei fundo, olhei para Peter e fiquei o encarando.
-Eu posso te pagar um sorvete. - Falou tentando me convencer, mas eu apenas fiquei o encarando. - Três bolas e cobertura... - Disse sorrindo e eu o acompanhei sorrindo de leve e desviando o olhar, passando a olhar fixamente para a parede. - Ah, vamos. Por favor.
-Depois do meu expediente se não estiver aqui, quero que nunca mais olhe para mim ou pense em falar comigo. -Disse. - Entendido? - Perguntei a ponto de o ver se tremer por completo.
-S-Sim.
-Ótimo. - Falei. - Agora se me der licença. - Sai de perto dele e fui para perto de Amanda, que olhava tudo com a maior das atenções.
-Ele não vai embora mesmo? - Amanda me perguntou enquanto nós dois olhávamos para Peter, que estava sentado em uma das cadeiras da parte de confeitaria. Ele tomava algum refrigerante enquanto jogava algo em seu celular. Suspirei e disse:
-Parece que não. - Não desviei o olhar do outro, mas senti o olhar da morena sobre mim.
-Sabe, eu acho que ele realmente gosta de você. - Falou a menina.
-Porque acha isso?- Perguntei, agora olhando para a garota.
-Porque mais ele tentaria de qualquer formas falar com você? Ficar a tarde inteira sentado naquela cadeira nada confortável esperando para falar com você e ainda ir te pagar um sorvete? Rafa... sei que não é tão idiota assim. - Falou carinhosa. Olhei para ele novamente tentando refletir o que ela me disse.
-Sabe... - continuou. - A gerente já foi para casa, o que acha de eu te cobrir por hoje? - A olhei espantado, eu iria dizer que isso não era preciso. - Não precisa me agradecer. Só... vai logo.
Acenei positivamente e fui trocar de roupa. Quando voltei para lá ela me chamou novamente.
-Mas eu não farei isso de graça.- Falou rindo assim que eu rolei os olhos.
-Sabia que tinha alguma coisa.
-Calma. -Riu. - Quero que me conte tudo depois! Tudo bem detalhado, tudo bem?
-Pervertida. - A acusei e ela riu mais ainda.
-Se dedurando, Rafa? - Perguntou sapeca e eu apenas disse:
-Até mais, Amanda. - me virei e fui até onde Peter estava.
Cheguei sorrateiramente e o mais velho não havia percebido minha presença ali. Pigarreei e então logo consegui sua atenção. Com o susto, seu celular quase caiu no chão, mas conseguiu o pegar em um movimento bastante desengonçado.
-Então, vamos? - Perguntei.
Já era de noite mas fazia bastante calor, até que o sorvete veio em boa hora. Fomos na sorveteria na qual teríamos nosso primeiro encontro, seu ele não tivesse me deixado plantado. Eu irei lembrar disso até minha morte e, com certeza, faria questão de o lembrar disso sempre.
O lugar era bem colorido e cheio de desenhos pela parede. Muito delicado e infantil, mas combinava com as diversas variedades de sorvete no local. Ficamos na fila em pleno silêncio até que foi quebrado quando fui escolher meu sorvete. Peter pagou, como o combinado e depois nos sentamos em uma das cadeiras que ali tinha.
-Nossa, muito melhor do que a que eu estava sentado. - Falou enquanto se remexia no banco acolchoado. Pigarreei e então ele percebeu que teria que começar a falar. - Eu... não sei por onde eu começo.
-Talvez devesse começar dizendo o porque me deixou plantado na frente da padaria. - Falei firme enquanto não desgrudava meu olhar do sorvete de flocos, pistache e de baunilha que derretia com o calor intenso de hoje.
Peter respirou fundo e disse:
-Talvez eu tenho que contar uma história antes... - Falou e então olhei para ele que parecia meio triste. - Só espero poder te contar tudo de uma forma clara, se quiser pode ir embora e não olhar mais para mim, mas eu preciso que saiba.
De acordo com o que eu escutava sair da boca de Peter, mais sem apetite eu ficava. Acabou que eu nem toquei mais no sorvete, que antes estava delicioso. Eu não consigo acreditar em tudo o que ele teve que passar, em tudo que eu o fiz passar. Meus olhos já estavam embaçado com as lágrimas que insistiam em aparecer. Minhas mãos tremiam, mesmo estando calor, minha boca tremia como se eu estivesse levando um choque e eu prendia os soluços como se isso valesse minha vida.
-Ah... Rafa, não chora. - Disse com um sorriso de consolo em seu lábios, sendo que eu que deveria estar assim. Hesitou um pouco, mas levou suas mãos até meu rosto limpando as lágrimas que agora já saiam descontroladamente por meus olhos.
-P-Peter... você podia ter me falado! Eu podia ter ajudado! - Tentava falar mas eu gaguejava mais do que tudo, e chorando não ajudava muito as coisas. - Eu podia ter te dado esse dinheiro!
-Eu não aceitaria esse dinheiro nunca, Rafael. - sorriu enquanto terminava de secar as lágrimas e agora segurou minhas mãos. - E acredite, você me ajudou mais do que pensa.
-C-Como assim?
-Pensava em você o tempo inteiro para poder continuar e acabar com esse inferno logo. - Perdi meu ar. - Para os outros eu pareço o demônio, mas com você eu sinto como se não precisasse daquilo. Como se eu pudesse ser eu mesmo.
-Então... você não estava mentindo naquele dia? - Perguntei um pouco envergonhado pelo olhar que ele me lançava enquanto segurava minhas mãos.
-Nunca! - Riu um pouco alto demais. - Eu te amo desde o momento em que senti que iria te perder pela primeira vez.
-O-Oque... - fui interrompido por:
-Por isso eu queria saber se podemos tentar de novo? Sabe... quer sair comigo? Eu juro que irei dessa vez! - Falou um pouco triste mas em expectativa.
-E-Eu ... - Suspirei. - Eu quero.
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