Eu caminhava por entre aqueles corredores, indo de encontro ao destino. Por trás daquelas paredes gélidas e sem vida, corria uma chama de esperança e força. Gritos que ecoavam para todos aqueles que aguentavam ouvir, que compartilhavam de tamanha agonia, que ensaboavam as mão com o suor exposto; enquanto a cama tremia ritmicamente junto aos clamores, gemidos, tumulto; uma melodia espantosa. Até para mim.
Olhando aquela cena; uma de muitas outras iguais ou divergentes, comuns, extraordinárias; ainda sinto, mesmo que pouco, a dor que elevava a temperatura do ambiente, melodramaticamente sendo preparado para receber a nova vida. Com a profundidade no meu olhar; olhar cuja experiência já viveu mais que muitos, importantes, passageiros, medíocres; analiso a situação ríspida com a calmaria que me é habituada. Sinto, profundamente a contagem regressiva que a aflige, é inevitável, porém real.
Posso ver tudo. O desespero daqueles que a cercam, a ansiedade torturante nas lágrimas pesadas de seu companheiro, o suor que escorre por entre os fios dourados de sua cabeça dolorida, que renega quaisquer princípios de desistência. Os vários passos que movimentam aquela sala; indo e voltando, muitos perdidos na dúvida de não saber mais o que fazer; o cansaço de horas improdutivas e desesperadoras. A dor nos olhos daquela jovem me fez parar, em frente a cama pude ver com mais clareza; vi suas lágrimas de dor, li suas súplicas silenciosas; senti sua desgraça; vi tudo aquilo bem de perto.
Senti sua desgraça. Em toda a minha jornada, sempre há aquilo que me toca, de certa forma, ou de forma errônea, não sei, ás vezes peco em minha irracionalidade proposital; ver aqueles números metafóricos decaindo ainda me atinge o peito, ter certeza de que está perto do fim; e isso me faz aproximar-me, ouvir mais alto, sentir-me mais aquecido, acreditar. O tic-tac é um tormento, ao menos não o ouvem, e que assim continue a ser.
Terminando o martírio, sinto em sua alma uma forte súplica; Não estás pronta? Ora, ninguém nunca está; Trágica, brutal, imprevisível. A morte não é clemente, talvez... Mas é nobre. E isso lhe torna inexplicável, pois naqueles últimos lamentos, concedi-lhe uma segunda chance, levando ao clímax, uma enxurrada daquilo que chamam de fé.
Os olhos incrédulos dos participantes; profissionais da ciência que vez ou outra presenciam tais milagres, imóveis perante a dádiva da vida, dada de bom grado, o acompanhante sofredor, que antes inerte, já soltava-se para aclamar o acontecimento; As lágrimas, já mais leves, recolhendo-se de alívio e gratidão. Minha missão não é essa, mas ao decorrer do tic-tac se aproxima o fim desta jornada, para ambos. Ela e eu.
A pequena criatura, ainda sem nome, se recostava cativante; recebendo o calor do seio materno, do ambiente favorável e reconfortante; sendo recebida por todos os participantes já mais serenos. Crente de minha hora, ainda pude ver suas lágrimas e suor secarem; dado lhe o momento de sua vida, observo sua sabedoria plena. Sua escolha de feito; nada exagerada, calma, digna; representante do amor rápido, porém imortal, seus olhos brilharam como elixir de pura vida, seus lábios levemente ressecados tocaram a testa frágil da desprotegida e, deixando-se levar, cumpriu seu tempo.
Deitada na cama, sem mais o precioso sopro da vida, sorria; sabia que havia feito seu todo e reconhecia o que deixara para trás. Exatamente aos zeros de meu relógio, sobre o travesseiro daquela cama, apoiava-se o fatídico orgulho, que eu lamentava.
Mais uma vez o desespero tomou conta daquela sala. Primeiro, o pavor, o espanto... Em seguida, a comoção, o abalo. Por fim, a tristeza mórbida, o toque quente daqueles que nunca mais sentirão seu calor novamente. Observo relativamente comovido, como disse, não era a primeira e obviamente não seria a última, logo, me retiro para deixá-los a sós.
Voltando pelo mesmo caminho que havia tomado a princípio, ando rente a correnteza que assolava aquele grande hospital; pessoas calmas, algumas nervosas e ansiosas, outras tristes e inconsoláveis; de repente, a chama da vida que terminava-se de apagar, veio até mim. A borboleta branca que pousou em minha face esquelética acabou se transformando em uma silhueta, em breve reconhecida. A jovem, a alma sofrida sem arrependimentos curva-se diante de mim, agradecendo-me. Me espantei a princípio, mas apreciei. Seu rosto estava mais sossegado, não havia mais gritos de dor, apenas um sorriso de gratidão.
Podia não ser tão aparente em minha face esquelética, mas o sorriso também era o meu.
E que a vida não só acabe, mas que se transforme, em algo tão bonito quanto; sem dor nem arrependimentos, mas em legados que carregarei para todo o sempre.
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