História Mortal loucura - Desespero

Dor...essa era a única coisa que Olívia conseguia distinguir agora ,em meio a toda sua agonia..

Na última semana muita coisa havia acontecido ,por seus pais terem trazido Sophie com a esperança que reatassem,Miguel tinha ido ficar escondido no Celeiro com a permissão de Santo,que parecia simpatizar muito com o rapaz.Por isso mesmo ela havia estranhado tanto a atitude quase agressiva de seu pai quando arrancou ela de perto dele,os dois bem próximos,quase selando os lábios.

Em desespero, ele levou a filha para dentro de casa e mandou Miguel ir falar com Tereza.O mesmo confuso e até um pouco magoado pela atitude inesperada do homem, foi logo em seguida.

-Minha filha,pelo amor de Deus,me diga que você e Miguel não fizeram nada..-ele a sacudia de leve pelos ombros e ela assustada quase não conseguiu proferir as palavras.

-Claro que não painho,o senhor mesmo viu ,a gente nem chegou a se beijar.-disse confusa.O mais velho fechou os olhos mergulhados em alívio.

-Mas por quê esse alvoroço todo?!-ela pergunta ,quando ele a solta.Se sentando no sofá ,de frente para a mesma que permanecia de pé e com o coração ainda agitado por causa do susto.

-Olívia..é complicado,foi há muitos anos que tudo aconteceu ,eu mesmo ainda tô em choque com tudo isso em cima de mim...-ele começa,logo depois dando-lhe as costas e observando a fazenda pela janela.

-Pois diga logo!-ela diz.

-Eu e Tereza namoramos na juventude,nos envolvemos na verdade,já que ninguém sabia e todo mundo era contra..ela foi embora cedo,se casou com aquele tal lá e não voltou mais.. só hoje ela foi me contar o motivo.-ele diz com voz fraca.

-Qual?-ela pergunta curiosa.

-Ela tava grávida quando foi embora... grávida de um filho meu,e esse filho é Miguel.Por isso que eu tirei você de lá,por isso eu lhe afastei dele,vocês não podem ter nada um com o outro.Vocês são irmãos!-ele diz .

Passados alguns segundos de silêncio ele se vira para falar com a filha,mas ela já não estava mais lá.

Totalmente em prantos ,a moça corria para fora da fazenda,pouco se importando com os gritos da avó ou da mãe,ela apenas correu,correu como se sua vida dependesse disso .

Só parou quando chegou às margens do rio,ah velho Chico,como lhe doía mais ainda chegar ali,aquele lugar lhe trazia tantas recordações...Assim que sentou na beirada, com a água calma batendo em seu corpo deixou aquilo vir,deixou escapar o grito de dor que atormentava seu ser e a fazia querer morrer agora mesmo,sentia raiva de tudo ,mas principalmente nojo de si mesma.

Em sua mente aquela palavra não parava de se repetir ,irmãos!

A dor que a preenchia a dilacerava e sufocava seu ser.O que eles fizeram?!meu Deus!o que ela fizera?!

O que ela havia agora há pouco dito ao seu pai não passava de uma mentira dita na hora do desespero,não só eles já haviam tido algo,como havia sido na noite anterior,bem ali,nas margens daquele rio tão velho e que tanto representava em suas vidas.Mais um soluço percorreu seu corpo como um choque elétrico,como ela se sentia mal só de lembrar do que haviam feito,das carícias trocadas e das juras de amor proferidas,eles haviam dito que se amavam pela primeira vez.

O quanto ela gostaria que nada disso tivesse acontecido.Nada podia ser pior do que ter um amor de verdade pela primeira vez na vida e não poder vivencia-lo.O que faria agora?ela amava o próprio irmão.Agora seu amor não era só mal visto pela família,era um ato pecaminoso perante Deus e os homens.

Em estado de completa letargia,ela largou os sapatos na areia e adentrou e rumou ao velho Chico,sem se importar foi até bater em sua cintura,mergulhando de uma só vez nas águas tranquilas do rio.

-Santo disse que era pra vim falar contigo.-diz Miguel ,chegando ao lado da mãe que estava sentada perto da água em frente à casa dos de Sá Ribeiro.

-Oi,filhote..eu queria falar com você sim, é uma coisa importante ,que eu deveria ter dito faz tempo à você.-ela fala levantando.

-E o que foi minha mãe?-ele pergunta chegando mais perto dela,sua expressão era triste e ela parecia prestes a cair no choro.

-Há muitos anos,desde quando eu era menina que nado nesse rio..minha mãe me ensinou assim que eu aprendi a andar.Quando eu fui ser nossa senhora na procissão, eu já sabia nadar faz tempo..-ela sorri com a lembrança.

Miguel estava completamente perdido na conversa,mas não dizia nada e apenas escutava a mãe falar.Ela estava de frente para a água agora e de costas para ele.

-Santo participou fantasiado também..a gente nem se conhecia na época.Foi aí que teve uma confusão e nós dois fugimos juntos ,pulando no rio e saindo de perto.Desde então viramos inseparáveis,e mesmo que nossas famílias não estivessem sabendo disso, tivemos um romance na juventude.

-Eu não sabia disso...-ele diz surpreso.

-Pois é,eu amava Santo e ele me amava.Mas meu pai descobriu e me afastou dele..me levou pra um internato,lá foi que eu descobri tudo, foi lá que tudo mudou...eu tentei contatar ele,mandei cartas,mas ele não respondia...acabei fugindo,mas encontrei ele com Luzia,tive que aceitar me casar com Carlos Eduardo.-ele escutou a mãe dizer chorosa e sentando -se à beira do rio.

-Teve que aceitar?como assim?-ele perguntou confuso.

-Eu e seu pai casamos muito cedo meu filho,eu era uma menina ainda .-ela diz olhando amargurada para o rapaz.

-Eu sei,mainha.Vocês casaram porque você tava grávida de mim.-diz ele se sentando perto dela na beira d'água.

-Sim..foi por isso,mas Carlos não tem nada haver com isso,filhote.-ela diz olhando para ele,seus olhos transbordando algumas lágrimas de dor.

Ele apenas franze as sobrancelhas.

-É verdade sim que casei já grávida,e..eu..-ela fecha os olhos com força e respira fundo.

-Mas a senhora o quê?!fale!-ele pedia confuso.

-Eu não esperava um filho dele..desde o começo quando descobri no colégio de freiras eu escrevi a Santo,ele não respondia .Casei com Carlos Eduardo pra lhe dar um nome,pra não ficar desamparada quando você nascece .-ela diz agoniada se erguendo.Miguel a acompanhou nervoso.

-Tu tá me dizendo que Santo dos Anjos..-ele começou a falar.

-Sim,ele é seu pai.Você é e sempre vai ser filho meu e de Santo,Miguel.-ela fala chorando.

Ele a olha aflito,as lágrimas escorriam de seu rosto agora.A dor que aquela frase de sua mãe poderia ser comparada a de uma granada,explodindo em seu peito nesse instante.

-Não!é mentira sua!mentira!-ela gritava desesperado,querendo acreditar nas próprias palavras.

-Como eu queria que fosse meu filho,lhe ver assim me dói tanto..-ela fala.

-Você mentiu pra mim por vinte e oito anos!que tipo de mãe é você?!-ele grita contra ela.Ela ouve aquelas palavras e seu coração fica despedaçado.

-Eu sinto muito Miguel.Mas eu não podia.-ela fala.

-O quê você não podia?assumir quem era meu pai? não mentir pra mim durante a vida toda?hein?!-ele pergunta em prantos.

-Desculpe!eu era só uma menina,com um filho na barriga e sem saber o que fazer,Carlos era meu amigo,aceitou me ajudar.-ela fala.

-Meu Deus! Olívia..-ela diz como se as palavras saíssem engasgadas.

E agora?!eles eram irmãos!meu Deus o que ele havia feito?tinha dormido com a própria irmã!pior..a amava como homem!

-Eu sei disso também,foi por isso que trouxe Sophie.Pra impedir que o pior acontecesse,pra impedir que vocês dois fizessem isso.-ela diz.

-Meu Deus,ela é minha irmã,minha irmã...-ele fala completamente perturbado.

-Filhote..-ela chega mais perto dele ,que se desvencilha e olha com raiva nos olhos para a mãe ,que se retrai,ele nunca tinha tratado ela com indiferença, muito menos desprezo.

-Você é uma mentirosa!agora mesmo que eu nunca mais volto nessa casa,nem pra junto dos de Sá Ribeiro!-gritando .Tereza a esse ponto já estava ajoelhada e chorava como nunca antes.

Ele apenas subiu no cavalo,correndo para fora da terra dos Saruê,para fora daquela família maldita.Ao menos algo de bom havia nessa história toda.Parou de frente a ​um ponto do Rio São Francisco,desceu do cavalo e tirando os sapatos entrou em suas águas calmas.Aquele rio que presenciara já tanta coisa...havia presenciado inclusive o que ele e Olívia tinham feito na outra noite..Como isso podia estar acontecendo?! só podia ser um pesadelo mesmo..mergulhou algumas vezes,como se estivesse tentando afogar toda sua angustia de uma vez só.

Foi quan​do avistou uma pessoa boiando mais ao longe,não parecia se mexer,apenas pela silhueta supôs que era uma moça.Será que tinha se afogado?!então, ele reconheceu a roupa ,a estampa florida que vira tão de perto mais cedo...,seu coração falhou uma batida e ele nadou o mais rápido que pôde até ela.