História Mortal loucura - O mundo não desacelera para ninguém

Olívia se curva no vaso sanitário,vomitando violentamente e encostando a cabeça no braço estendido,estava exausta.Desde seu aniversário que vinha sentindo -se estranha.Isso já fazia três semanas ao todo de enjôo ,tontura e diversos sintomas mais,estava muito cansada quase todo o tempo e quando dormia parecia que a haviam derrubado com tranquilizantes de tão forte e profundo que era seu sono agora.

Assim que acordou aquela manhã seu estômago roncava de fome.No entanto ,assim que pôs o primeiro pé para fora da cama,sentiu um cheiro de ovo frito ou sei lá o quê vindo da cozinha ,quase não conseguia sair da cama devido o seu desespero para poder chegar ao banheiro.

-Olívia!anda logo!eu vou me atrasar,tenho que tomar banho também!-Isabel reclamava do lado de fora.

Respirando fundo e se apoiando na parede para levantar.Ainda estava de camisola.

Deu descarga ,tirando a roupa e ligando o chuveiro a água gelada serviu para esfriar seu corpo,a virose realmente havia pegado com força nela.Ela tentou tomar o chá que dona Ceci recomendou,mas depois de um tempo sentindo aquele cheiro forte e tão doce também começou a lhe causar ânsias.

Pegou um pouco de sabonete líquido,passando por seu corpo é fechando os olhos,lá fora ela quase podia escutar os resmungos da irmã mais nova.

Passou um pouco na barriga ,espalhando por todo o abdômen o líquido perolado .

Após tocar ali estranhou,não só aquela área tinha uma pequena protuberância,como também estava um pouco mais rígida,não necessariamente dura,mas definitivamente diferente do normal.Estava pensando nisso ,quando uma batida forte a fez dar um pinote de susto.

-Vamos Olívia!parece até que morreu dentro desse banheiro!-Isabel reclamava.

Ela desligou o chuveiro e após se enrolar numa toalha e escovar os dentes,saiu antes que a outra arrombasse.

De volta ao quarto ,ela trancou a porta e tratou logo de se vestir.Pegou uma blusa sem mangas verde escura e uma saia com estampa floral.

Ao sair para a cozinha,deu graças à Deus pelo cheiro ter passado,pensou por um minuto ter sido até fruto de sua imaginação.Na mesa estavam Luzia,Santo ,Piedade e Miguel.

A verdade é que o clima entre os pais nunca mais foi o mesmo, desde a revelação da mãe.Mas no total estava tudo normal,Luzia e Miguel voltaram a se tratar normalmente,embora a própria ainda fosse cuidadosa ao se aproximar da filha mais velha.

-Bom dia.-disse sentando do lado do pai,que beijou sua cabeça a fazendo sorrir.

-Bom dia-responderam todos olhando para ela.

-Isabel disse que tu tava morrendo no banheiro,o que foi?-dona Piedade perguntou.

-Nada não,Bel só é muito agoniada.Só porque eu demorei um pouco mais.-disse pegando um pão.

-Mas, ela disse que você saiu correndo pro banheiro, hoje de manhã.-disse Luzia botando um pedaço de bolo de coco no prato e entregando à filha.

-Foi porque....eu tava com uma coisa no olho doendo e corri pra lavar,ai demorei no banho e ela reclamou.-disse de cabeça baixa para sua própria comida.

-Hum.-disse Santo.

Ela sabia que ninguém tinha engolido essa história,mas não ia dizer que estava passando mal há dias.Os pais iam encher sua cabeça e sermão era a última coisa que ela precisava naquele momento.Queria apenas ficar quieta no seu canto.

-Olívia ,eu vou ter que ir até Salvador resolver umas coisas.Queria saber se tinha como você ir com Miguel hoje até a cooperativa.-diz ele.

-Claro,painho.-disse já levantando e andando apressada até o quarto.

-Oxe,tu nem tocou na comida,menina.-a mãe fala.

-Tô sem fome,mainha,depois como alguma coisa..Miguel quer ir agora ,logo?-perguntou ela ao voltar com sua bolsa.

-Vamos!-ele diz se levantando também.

-Vão com cuidado!...que povo apressado.-diz dona Piedade.

Os netos já estavam do lado de fora e entrando no carro.

-E tu dona Olívia,trate de comer pelo menos um lanche antes do almoço!-diz Luzia.

-Não se preocupe não,Luzia,ela sabe se cuidar.-Santo diz.

-Essa menina tá me escondendo alguma coisa...eu conheço ela.-fala baixo.Dona Piedade a olha ,enquanto Santo continua a comer sem lhe dar atenção.

-O que poderia ser? será que ela tá doente?-a avó se preocupa.

A mulher abre a boca para responder.

-Deixe tua filha em paz,Luzia.Ela é de maior...pare de tentar se intrometer na vida dos outros, já basta o estrago que tu causou.-ele diz se levantando e lhe dando as costas.

-Santo!isso é jeito de tratar tua mulher?-Piedade fica atônita.

Luzia engole em seco .

-Deixe ele tia,deixe ele..-diz se levantando e saindo com a desculpa de ir recolher as roupas do varal.

A matriarca dos Anjos se encosta na pia,não sabia mais o que fazer...do jeito que tava, o casamento do filho não ia durar por muito tempo.

-Fala a verdade,neguinha.Tu tava passando mal hoje de manhã,não era?-Miguel pergunta a olhando rapidamente enquanto dá uma curva no carro.

-Eles não precisam saber... é besteira,aquela virose que eu peguei ainda não me largou,mas daqui há um ou dois dias acho que já estou melhor,com o organismo mais limpo.-falou olhando pela janela aberta do carro a plantação passar por eles.

-Tomara,por quê da próxima vez que você passar mal, eu mesmo lhe levo direto pro médico.Sem choro ,nem vela.-ela ri de sua frase final.

-Você anda passando tempo demais com dona Piedade,já tá falando igualzinho a ela.-os dois riem.

-Vóinha é uma mulher fascinante.. já passou tanta coisa nessa vida,ela tava contando ontem sobre Capitão Rosa e..

-Vô Belmiro, eu sei ,ela adora falar sobre eles e sobre dona Eulália também.-ela sorri um pouco.

-Você chegou a conhecer ela?-pergunta ele.

Ela acena afirmativamente.

-Ela faleceu quando Bel era bebêzinha...-fala tirando o cabelo do rosto e olhando para ele.

-Sua mãe deve ter ficado muito triste.-ele diz.

-Demais,foi a única mãe que ela conheceu.-diz de cabeça baixa.

-Sabe ,eu não guardo mágoa da sua mãe..apesar de tudo ,ela é uma boa pessoa.Só vejo que infelizmente se entregou a um amor sozinha.-ele fala refletindo enquanto dirige.

A menina apenas suspira pesadamente.

-Eu fiquei sabendo do seu tio Martim,sinto muito...espero que encontrem logo ele.-falou ela.

No final das contas o telefonema de Tereza havia sido para noticiar isso.O tio do rapaz havia sumido sem deixar rastros..

-Eu também,meu tio é o único homem dos Sá Ribeiro que eu admiro.-diz ele firmemente.

Um silêncio os preencheu por poucos minutos,não o suficiente para ser desconfortável,mas ainda assim era estranho.

-E Sophie?- pergunta ela.

-O que tem?-olha para ela interessado.

-Oxe,sei lá... tá muito quebrada?-pergunta com tom inocente.

Ele caiu na gargalhada.

-Depois de uma pisa dessa,minha filha!tá só o bagaço..-ele disse ainda rindo,ela também riu junto com ele.

-Olhe,de verdade eu não queria bater nela,mas ela me insultou e minha mãe..-ela começou a explicar.

-Não precisa se justificar,ela é muito desagradável quando quer.Foi esse um dos motivos pelo qual terminamos meses atrás.Ela sabe ser bem mesquinha quando isso lhe convém-diz ele.

-Sei.-disse ela de olhar baixo.

-E Lucas?-pergunta ele.

-É complicado..-ela fala olhando para sua próprias mãos.

-Por quê? não estão mais juntos?-pergunta realmente interessado.

-Não exatamente..tecnicamente ainda somos namorados.Mas se bem que nunca fomos realmente...Acho que ele percebeu isso e se afastou .Me sinto mal por ele.-disse ela.

-Mas vocês viviam juntos..-ele fala.

-Como amigos,quer dizer..ele me beijava vez ou outra,mas eu não retribuía e eu não quis aprofundar nossa relação,se é que me entende.-fala meio envergonhada da última frase.

-Quer dizer que vocês nunca...?-ele pergunta ,sem conseguir esconder um pequeno sorriso na pergunta feita.

-Não,nós nunca.-ela fala.

Vira seu olhar para o dele ,que a observa atentamente.Só então percebem que já estão de frente à Cooperativa.

Descem do veículo em silêncio ,encontrando com algumas pessoas na entrada.Hoje Santo tinha uma reunião com os Cooperados para o novo projeto de agricultura sintrópica e estavam todos muito animados,falando com Olívia e Miguel ,assim que adentraram o local.

Eles andavam lado a lado,subindo as escadas do segundo andar.A moça estava pensativa,seu relacionamento com Lucas simplesmente não existia,era um grande nada.Enquanto o dele com Sophie era de longa data e agora ao ser retomada com toda certeza já havia sido "oficializada".

-Nós também não.-escutou ele falar baixo próximo dela.

-O quê?-perguntou confusa .

-Eu e Sophie,também não tivemos nada,desde que reatamos.-fala olhando para ela significativamente.

Ela sentiu -se corar um pouco e uma pequena alegria brotou em seu coração quebrado.Então quer dizer que havia sido só com ela também..

Repreendeu seu próprio pensamento assim que se deu conta de que ele havia saído.

Que tipo de pessoa pensa essas coisas,afinal?sentiu -se suja, indigna.Por Deus,podiam não se sentir assim ,mas tinham o mesmo sangue...

A reunião se estendeu um pouco mais,todos estavam animados com as novidades trazidas pelo filho de Santo e Terê.O rapaz já havia caído nas graças do povo.

Foi com muito esforço que a morena conseguiu se aguentar até o final da conversa.Já estava quase na hora de voltar para o almoço ,quando a reunião acabou e as pessoas começaram a sair.Miguel logo começou a catá-la no meio da pequena multidão para poderem ir embora.Mal sabia ele ,que ela já havia corrido daquela sala há algum tempo.

No meio da reunião começou a sentir o estômago embrulhar de novo.Já trêmula,conseguiu chegar inteira até o pequeno banheiro feminino e lá botar pra fora o pouco do café da manhã e o resto deveria ser somente água,iria ficar desidratada daquele jeito!

Depois de lavar a boca e se encostar na parede ,ela fechou os olhos sentindo o corpo extremamente mole.

Abriu-os devagar ,pensando em como isso com toda certeza não era mais somente uma virose,para ser tão persistente assim..

Enquanto tentava controlar sua respiração e se livrar  do leve aspecto esverdeado que sua pele havia adquirido pelo recente mal estar,ela prendeu sua atenção num dos cartazes pregados na porta.

Era sobre o incentivo ao aleitamento materno.Nele uma mulher aparecia toda sorridente,segurando um bebê junto ao peito.

Passou alguns minutos encarando o mesmo,sentiu uma sensação estranha,como se deixasse algo de lado,como se estivesse deixando alguma coisa escapar.

Virou os olhos na direção de outro cartaz.Esse flava sobre a anorexia.

Numa pequena tabela falava-se dos riscos e de todos os malefícios,ela já lia quase interessada no informativo,quando um sintoma em particular prendeu sua atenção e uma pequena luzinha se acendeu em sua cabeça,era ele a ausência de menstruação.

Foi ai que se ligou que a sua  estava bem atrasada,mais de duas semanas na verdade.

Ainda intrigada ,olhou como que por reflexo para o bebê da imagem.

Num instante só tudo fez sentido,tudo se encaixou,sentiu como se o chão sumisse aos seus pés.Foi preciso se encostar na pia para não cair.

Não podia ser aquilo!pelo amor de Deus, que não fosse aquilo!

Fez um pequeno cálculo mental,fazia exatamente sete semanas desde aquela noite com Miguel no rio,onde se entregou a ele e perdeu sua virgindade..

A conta batia!e se ela estivesse mesmo certa já estaria com quase dois meses!

Ela olhou seu rosto ,agora pálido diante do espelho.Algumas lágrimas de desespero já começavam a brotar.

-Ah,meu Deus...eu tô grávida de Miguel.-sussurrou chorosa para si mesma.