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História Mortos por dentro - Pequenas mudanças


Escrita por: MorganaPerdida

Notas do Autor


Playlist do capítulo 1
• Nada acontece – Valentim
• Alors On Danse – Stromae

Capítulo 1 - Pequenas mudanças


 “Só mais um dia, só mais um dia” repetia Benjamim para si mesmo. Estava no quarto, deitado, olhando para o teto e pensando no quanto ele não aguentava mais aquela rotina, aquela rotina que era exatamente a mesma por três anos. Sim, parece pouco tempo, mas para Benjamin aqueles três anos se tornaram trinta desde sua internação. A vida fora dali nunca teve muitas coisas interessantes para lhe oferecer, nem tinha nada de especial; porém a liberdade que possuía de sair para a rua quando quisesse, ler o que quisesse, ver o que quisesse nunca mais poderia ser restaurada. Gostava como podia ficar parado durante a noite, sentado perto da sua árvore preferida, observando o céu como um grande mapa a ser explorado. Durante o dia, separava um tempo para sentar naquele mesmo lugar e observar como o Sol refletia as cores vivas da natureza que compunha a paisagem da vila onde morava: como as flores pareciam felizes e repletas com aqueles raios de luz inundando sua superfície; como ora as crianças brincavam felizes, ora se entristeciam por terem que se despedir dos amigos para irem comer; como as mulheres trabalhavam para manter a casa em ordem e os filhos alimentados; como as jovens exalavam vida e alegria a cada passo que davam, assim como as flores dos jardins que rodeavam os estabelecimentos exalavam vida e alegria quando o vento as chacoalhavam.  Os cenários, os detalhes, as vidas, não saiam da cabeça de Benjamim. Aquela sensação de plenitude, de verdadeira felicidade, em que não desejava nada mais a não ser estar exatamente no local em que se encontrava foi roubada dele e agora se resumia a um sentimento angustiante de profunda saudade.

            Estava de pé diante do pequeno espelho que permanecia logo acima da pia, preso a parede. Via o seu reflexo ali e mal acreditava no que enxergava. Havia mudado tanto. Antes, sua pele era mais morena; seus olhos, mais vivos; seus cabelos, mais macios. Agora era pálido, com olhos cansados, cabelos raspados com fios pequenos que mais pareciam espinhos. Sentia que aos poucos a sanidade que possuía se esvaía pelo ralo daquele pequeno banheiro. Mas para que importava ter sanidade ou qualquer tipo de saúde naquele lugar programado, sistemático, mecânico? Tudo o que fazia era acordar, comer, quebrar pedras e dormir. Reduziram-no a uma mera máquina de produção. Inclusive, esse era um dos fatos que não compreendia: por que o utilizavam de maneira tão rudimentar se possuíam tanta tecnologia disponível? Não conseguiam criar um “quebrador de pedras automático”? Sempre que começava a se questionar, decidia esquecer tudo aquilo porque acabava perdendo muito tempo, e consequentemente, Racuns. E, depois, se não atingisse a média mínima semanal de produção, podia ser até punido. Nunca havia chego a esse ponto, mas conhecia muitas histórias sobre pessoas que não alcançaram a média mínima. Desviou o olhar do espelho, arrumou as coisas sobre a pia, ajeitou o pequeno tapete, deu meia-volta e se dirigiu ao quarto novamente. Pegou as roupas sobre a cadeira - que sempre ficava no canto esquerdo do quarto - vestiu-as, ajeitou a camisa, calçou as meias e as botas e saiu rumo a mais um dia – igual a todos os que viveu e a todos os que vai viver.

            Chegou ao refeitório, no mesmo horário de sempre, escolheu os mesmos alimentos do cardápio sempre igual e sentou na mesma mesa, com as mesmas pessoas que sempre sentava na hora da alimentação. Conforme as regras, todos se concentraram em comer. Para Benjamim, aquele dia já havia começado mal... Desde que acordara, sentia uma angústia o consumindo por dentro. Ainda mais quando lembrava-se da vida fora daquele lugar. Contudo, todos esses pensamentos e sentimentos se esvaíram quando Samanta chegou. Cabelos longos e escuros, olhos pequenos e negros, sorriso largo e cativante, bochechas levemente rosadas, movimentos leves. Ele não entendia o que aquela garota tinha que o fazia simplesmente esquecer todos os problemas. O melhor é que ela não precisava falar nenhuma palavra para isso, bastava estar ali junto dele. Sua presença era especial.

           -Oi gente!

          -Samanta! Vão nos advertir de novo!

          -Calma, Alice! Você é muito preocupada... – respondeu Samanta com a sua melhor voz de desleixo.

          -Se você se ferrasse sozinha... O problema é que seus erros atingem todos nós.

         - SILÊNCIO, MESA 85! QUANTAS VEZES DURANTE ESSA SEMANA SERÁ NECESSÁRIO CHAMAR A ATENÇÃO DE VOCÊS?

          - Desculpa, Senhor. Isso não ocorrerá novamente. – falaram os garotos e garotos que estavam na mesa.

          - Eu realmente te odeio, garota. – resmungou Alice.                          

            Após todos terminarem a primeira refeição, como sempre, saíram rumo aos respectivos campos de trabalho. Até então tudo estava normal, mas Benjamim sabia que aquele dia não seria igual aos outros: algo diferente certamente ia acontecer. Antes de sair da sala – refeitório –, sentiu no bolso lateral de sua calça uma mão que cuidadosamente depositou ali um pedaço de papel. Receando a advertência de algum dos supervisores do local, achou prudente conferir o “presente” depois. Ao longo do corredor, observou uma confusão logo à frente. “Deve ser algum novato revoltado”, pensou. Pouco tempo depois a anomalia da rotina havia sido retirada pelos seguranças mais próximos. “Como esse lugar é ridiculamente sem emoções! Não podemos fazer nada além do que nos mandam ou permitem. Não sei quanto tempo mais vou aguentar tanto controle. Talvez até o momento que eu perca o controle de mim mesmo”.

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            Depois de mais um cansativo dia de trabalho, Benjamim voltou para seu “pequeno apartamento”. Não pensou duas vezes e foi direto para o quarto ler o papel que haviam colocado no seu bolso.

            “Oi, Benjamim! Sei que não estamos nos falando muito ultimamente, mas quero deixar claro que ainda somos amigos (de qualquer forma você não tem muita opção :P). Soube que chegaram algumas cartas para o centro – cartas de familiares para internados! Acho que vale a pena você dar uma conferida para ver se sua mãe mandou alguma coisa. Beijocas da Sama!”

            Como ainda podia ter dúvidas? Não havia outra pessoa ali que fosse se arriscar tanto para simplesmente entregar um bilhete... Por esse e outros motivos Samanta era única.

            Arrumou algumas roupas que estavam sobre a cama, ajeitou o abajur e o livro na cômoda e saiu novamente, rumo ao setor de correspondências.

            - Com licença, Senhor. Sou o internado nº 017208 e quero saber se recebi alguma correspondência.

           - Espere um instante. - o homem de meia idade abriu uma pasta e concentrou-se para procurar. De repente sua feição se abriu, levantou os olhos e dirigiu um envelope para Benjamin - Sim, há uma correspondência aqui para o senhor.

            De fato, Samanta estava certa: sua mãe escrevera uma carta. Benjamim não esperou chegar ao quarto e começou a lê-la ao longo do corredor.

            “Querido Benjamim, desde sua internação as coisas não estão indo muito bem por aqui. Seu pai tem crises ainda piores e sua irmã decidiu sair de casa. Sinto falta da sua companhia, da sua alegria, do seu abraço... Enfim, acredito que você está melhor ai – mas não vejo a hora de poder te ver de novo. Não quero me estender demais nessa carta – não quero te dar mais preocupações. Espero que se recupere bem e que venha logo para casa. Beijos e abraços da sua mãe, Mariette”.

            Ah! A angústia que o sufocava voltara. Tudo o que tentava evitar desde o início da semana explodira agora. Não podia evitar a saudade que sentia da mãe, da sua vida. Que injustiça tudo isso acontecer logo com ele. Não tinha certeza do porquê estava internado – talvez seus pais soubessem. De qualquer forma, garantiram que tudo isso era pro seu bem. O problema é que não conseguia entender como aquele lugar ia recuperá-lo de sei-lá-o-que-seja. A constante repressão, a limitação de atividades e o pagamento ou punição para suas ações: como todo aquele controle podia curar alguém?

            Entrou no apartamento, fechou a porta e, sem pensar, se encaminhou para o quarto e largou seu corpo sobre a cama. Suas pernas doíam, seus braços doíam, sua cabeça doía: todo o seu corpo doía. A única coisa que queria era não sentir mais coisa alguma: nem dor, nem amor, nem saudade. Deitaria e dormiria se assim fosse. O problema era a mente que não parava de pensar nas dores, na sua vida antes dali, na sua mãe, em Samanta. Não conseguia parar de verdade, não conseguia... Não conseguia virar o robô que deveria ser para aguentar viver mais um dia sequer naquele lugar.


Notas Finais


Primeiro capítulo, espero que gostem. Aceito críticas e sugestões!!! Por favooor!!! #iniciante insegura
Obrigadinha <3


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