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História Mulier Diaboli - Capítulo Único - Primo Uomo


Escrita por: yoongrito

Notas do Autor


fic inspirada na história da Madame Satã. INSPIRADA, FLW, se vcs virem o filme, vão perceber que tem poucas coisas semelhantes, pq eu me baseei mais na pessoa e na situação social, então n, n é plagio (até falei com uma das adms e ela disse q tudo bem). coloquei o link do filme nas notas finais.

pra quem n conhece o universo steampunk (MEU UNIVERSO FAVORITO SOCORR), onde se passa a historia, eu vou dar uma explicadinha e, nas notas finais, colocar uns links com imagens pra qm quiser ver.

Steampunk é um universo que acontece no passado, geralmente na revolução industrial do século XIX, mas é como se, com a tecnologia disponível na época, eles tivessem evoluído muito. Na rev. industrial surgiu a maquina a vapor, por exemplo, então no universo steampunk pode ter um computador que usa vapor como forma de energia, em vez de eletricidade (que ainda n era utilizada). Desse modo, basicamente é uma história que se passa num passado alternativo, com tecnologia futurista alcançada atraves dos meios q aquele passado possuía.

exemplos de histórias steampunk são A Liga Extraordinaria, A Bussola de Ouro, Fullmetal Alquemist (me disseram, nunca vi), A Invenção de Hugo Cabret, um pouco de Sherlock Holmes, Sucker Punch, e livros como A Corte do Ar e Sociedade dos Meninos Gênios (meus amores da vida) e tem aquele anime, Attack on Titan, que seria um bom exemplo de steampunk, maaaas ele na verdade se passa no futuro, entao n é

DESCULPA PELA NOTA ENORMOSSÁURICA, VOU PARAR, PODEM LER

Capítulo 1 - Capítulo Único - Primo Uomo


Fanfic / Fanfiction Mulier Diaboli - Capítulo Único - Primo Uomo

Primo Uomo


Yixing ouviu a vida toda o quanto as Colônias Coreanas da Britânia eram superiores às Chinesas, com suas universidades renomadas e sistemas de tratamento de vapor eficientes; uma grande bobagem, se quer saber. Longe das carruagens movidas a carvão e das relojoarias extravagantes, apenas uma sentença vigorava:

Favela é favela.

E não havia diferença entre o antigo bairro operário de Yixing e o mais ao leste do reino, eram as mesmas doenças, mesma violência, mesmas necessidades e, acima de tudo, a mesma negligência. O Huang trabalhador da fábrica de tecidos sofria tanto quando o Park, inegável e quase imutavelmente. Quase, porque Yixing se importava com as pessoas das casas abarrotadas como talvez jamais alguém fosse se importar.

De fato, era por isso que deixara sua bem assentada loja de “remédios” para pegar um dirigível caindo aos pedaços até o outro lado da fronteira e enfiar-se mais uma vez em um monte de becos com cheiro de ferrugem, óleo e esterco. Yixing tinha a chance de fazer o que quisesse, dinheiro o bastante no bolso e contatos de todos os tipos, mas seu destino nunca seria uma mansão nobre com um autômato mordomo chamado Thomas – por que todos tinham esse nome, afinal? Hegemonia ocidental, provavelmente – enquanto pudesse escolher. Zhang Yixing gostava de barulho, noites de farra no meio da rua de paralelepípedos e crianças escondendo-se atrás de entulho. Gostava de pessoas cruas, vivazes.

Gostava de Kim Jongin.

Ah, Jongin era todo cru e vivaz, com certeza. Não seria, claro, sem a chegada de Yixing – estaria morto com os pulmões cheios de sangue e veneno aos dezessete anos, ou dezoito, se tivesse sorte –, como muitos moradores do maior bairro operário de toda a Colônia, a Campânula de Bronze. Os desafortunados que contraíam a praga das máquinas contavam com nada além de lágrimas e orações como tratamento para os efeitos do vapor tóxico das fábricas antes de Yixing ocupar a casa perto do mercado, trazendo aquelas tranqueiras reluzentes.

Chamavam de milagre as coisas que ele fazia. Outros mais ousados – e nem tão equivocados assim –, não definiam os xaropes e sopas de ervas nunca antes vistas como milagres coisa nenhuma, era sim bruxaria. Yixing preferia alquimia, ainda que não lhe houvesse sido dado o poder de opinar. O que realmente importava, de qualquer forma, é que ele sabia o que cultivar para expelir o líquido dos pulmões doentes, e fim de papo.

Foi como conheceu Jongin, numa tarde em que a cidade brilhava à luz do sol, as carapaças metálicas dos serventes robóticos cintilando nas ruas como estrelas. O fenômeno ofuscava até dentro do estabelecimento de Yixing, de tal maneira que as correntes e engrenagens de cobre contrastaram com os frascos multicoloridos na atmosfera do que foi o prelúdio de algo por muitos dito profano, mas talvez nada fosse tão sagrado.

— Com licença. Meu amigo Sehun veio aqui ontem e me disse que você cura a praga...

 

∆♦•♦∆

 

Kim Jongin era analfabeto. Ganhava quatorze eunes por semana como segurança num bordel, evitando que as moças fossem estupradas, e mal ficava com metade depois de pagar o aluguel. Também tinha dificuldade para gastar a mesquinharia restante, uma vez que não permitiam sua entrada em várias casas de comércio – “Não quero ver um imundo como você aqui outra vez!” –, restringindo suas refeições a nada mais que dois ou três pães queimados por dia e um pedaço de carne doado pelo patrão. Pé rapado, mulambento, miserável, Jongin era tudo isso.

Ah, e invertido. Pé rapado, mulambento, miserável e invertido.

No entanto, era extremamente bem tratado na Campânula de Bronze. Uma conversa fiada bem intercalada com dois ou três sorrisos bastava para ter todos cativados, de modo que pouco importava sua pele mais escura, se era um órfão menor de idade fugido do abrigo, ou até mesmo se praticava sodomia. Quando não se tem nada, é preciso aprender a viver com o que tem, e Jongin tinha carisma.

Não precisou de muito para atrair Yixing. Aparecia em sua loja uma vez por dia para comprar seu remédio, e pouco a pouco foram se encantando um pelo outro. Jongin tinha as mais divertidas histórias de adolescente malandro e Yixing, em contrapartida, tinha os relatos de viagem mais emocionantes. O que antes eram apenas alguns minutos entre o preparo do cachimbo medicinal e seu consumo, tornaram-se horas de conversa e inclusive refeições feitas juntos. Ficavam até a noite cair se não se policiassem.

Caso perguntassem a Jongin, ele teria muito o que dizer sobre Yixing. Sobre como ele parecia um herói dos folhetins de jornal, como era inteligente e engraçado e como tinha opiniões exóticas. Como tudo nele parecia refletir algum tipo conhecimento, combinando com seus muitos livros na estante improvisada na parede de canos – as capas de todas as cores variavam de História Eslava à Matemática Discreta, Música e Línguas do Sul à Mecânica Comportamental dos Autômatos de Repetição. E, principalmente, como seus olhos pareciam acesos com chamas de tão brilhantes. Às vezes, Jongin sentia que nem precisava tanto do medicamento, mas era imprescindível ouvir as palavras do chinês – claro, era tolice pensar isso; por mais que o estado de seus pulmões não fosse emergencial, era sim caso de vida ou morte tirar o líquido de dentro deles –, visto que aquilo era tudo o que ele conhecia de visão de mundo.

E foi entre esses encontros diários – o que seria melhor que convivência para criar intimidade, não? – que tornaram-se amigos. Mas amigos mesmo, do tipo que a sintonia chegava a ser assustadora. Poderia ser um tanto improvável que alguém tão culto como Yixing, que fazia experiências e criava remédios, visitara o Reino todo e ainda construíra um robô, fosse se sentir tão apegado a alguém como Jongin, que sequer gostava de deixar sua vizinhança e nem conhecia a matemática que ia além de dividir os números. Isso, claro, é uma visão sistemática, com a qual ele até já se acostumara, baseada em colocar o menino pobre em seu lugar.

Para Yixing foi nada mais que natural ver-se esperando todos os dias pelo aviso sonoro de Fleumático, seu criado automatizado, pela chegada de Jongin.

— Associado Kim Jongin agora chegar — disse através da caixa de voz meio rudimentar. Seu vocabulário disponível ainda era muito limitado, coitadinho.

— Boa Tarde, Yixing-ah.

— Tarde. Quer almoçar? — Ele sempre perguntava, sabia que Jongin não lhe pediria comida ou diria se sentisse fome.

— Já comi. Meu patrão não tem como me pagar essa semana, então me dá as refeições como salário — respondeu como se fosse uma ótima notícia (e deveria ser, provavelmente estava tendo a oportunidade de se alimentar melhor com facilidade), porém alterou a feição no instante seguinte. — Você se importa se eu não conseguir pagar o remédio?

— Sim, me importo. Vou te deixar ficar doente por nada, é óbvio — caçoou, juntando os ingredientes e dando início ao seu trabalho. De vez em quando, Jongin surgia com aquelas ideias descabidas.

— Que grosseiro.

— Desculpe, é a minha resposta automática a perguntas ridículas.

— Sério? A minha é “Foda-se” — devolveu Jongin, risonho.

— Que grosseiro.

O laboratório adquiria uma personalidade própria com a presença de Jongin. Era como o soar de uma música bonita, ou apenas uma piada bem contada. Yixing não deixou de sorrir nem por um segundo, até quando ficaram em silêncio para que o cachimbo fosse fumado.

Tinha um efeito esquisito, o fumo. A fumaça das ervas queimadas reagia com o líquido que os pulmões doentes produziam todos os dias, transformando-o em mais fumaça e expelindo-o. Dava uma sensação desgostosa na garganta, como se fosse uma gosma espessa que se espatifaria ao deixar seu corpo, e não a nuvem vermelho-sangue e roxa que manchava a boca de Jongin e se dissipava no ar.

Era bem parecido com uma metáfora para os dois. O que Yixing estava prestes  a ser para Jongin, livrando-o das coisas ruins que o molestavam.

 

∆♦•♦∆

 

— Ei, Yixing.

— Hm?

— Você sabe por que esse lugar se chama Campânula de Bronze?

Yixing não fazia ideia. Quer dizer, a parte do “Bronze” era bem óbvia – o que não era feito de bronze naquele distrito, afinal? –, mas “Campânula”? Não, nem palpite.

— Não, não sei.

— Então vem que eu vou te mostrar.

Foi como as coisas mudaram, na primeira vez que saíam juntos para além do laboratório. Jongin estava totalmente empolgado, tanto que nem se importou com os aparatos científicos presos em Yixing antes de pegar seu pulso e puxá-lo para fora. O chinês precisou tomar muito cuidado para não danificar a luva de couro medidora, um solavanco muito forte e o relógio poderia desregular; sem falar no perigo de se cortar com os instrumentos de precisão embutidos. Não que tivesse realmente ligado, foi só sorrisos depois de ajeitar o óculos redondo multi-lentes na testa.

A Campânula de Bronze podia ser qualquer coisa, desde que nenhuma delas fosse menos que impressionante. Jongin o enfiava em todo o tipo de lugar, quando percebia estavam pulando de um telhado a outro. A maior dificuldade foi escalar uma parede de pedra, mas os buracos e superfícies de metal sobressalentes serviram como ótimos apoios. Seu coração bombeava emoção pura para as veias, martelando contra a caixa toráxica.

Havia um pequena montanha com casas até o topo no ponto em que o estamos-chegando foi proferido. Yixing sentiu seu mundo dar um salto ao ver o buraco na terra, um túnel de dois metros de diâmetro. Como um formigueiro, a entrada mostrava o morro oco que guardava um quarteirão inteirinho do bairro ali dentro. Ali. Dentro.

Era um morro com casas em cima e dentro. Pela Mãe, Yixing jamais vira algo do tipo. Jamais, e olhe que ele andou de um lado ao outro do Reino.

Porém, mesmo o espetáculo que foi passar pelo túnel iluminado com lamparinas no teto – como lindas estrelas – não foi páreo para o destino final.

— É por isso aqui que se chama Campânula de Bronze.

Ele estava sem fôlego.

Campânulas são pequenas flores com formato de sino, simplórias e delicadas. No entanto, simplório não seria uma palavra adequada para definir o que via. Por todo o campo, pequeninos sininhos cromatizados se estendiam sem qualquer noção de limite. Eram muitos, havia mais flores azuis do que grama verde, Yixing imaginava estar pisando em um lago. O ciano enchia seus olhos, era tão, tão lindo que ele ficou completamente sem reação por um momento, apenas absorvendo aquele pedacinho de paraíso.

O mais esplêndido foi, em sua contemplação, notar que, à medida que as campânulas se aproximavam da fábrica metalúrgica, suas pétalas adquiriam uma pigmentação arroxeada, para então vermelho até que se tornassem completamente metálicas, cor de bronze. As flores literalmente tornavam-se campânulas de bronze.

— É… deslumbrante — balbuciou depois de um longo tempo.

Jongin abriu um enorme sorriso (por cerca de um segundo, Yixing o achou ainda mais deslumbrante que o campo) e, com os olhos apertadinhos em contentamento pelas bochechas, disse:

— É, não é? Sei que não tenho muito com o que comparar, mas é simplesmente a coisa mais linda que já vi.

Mesmo Yixing, que tinha com o que comparar, as colocaria no topo da lista das coisas surreais de tão magníficas. Sua boca estava ligeiramente aberta, em um estado meio catatônico e completamente fascinado.

Sentiu o ombro ser empurrado, como um despertar, e uma risada gostosa contagiar seus ouvidos vinda de Jongin. Antes que pudesse reagir, viu-o disparar em um rompante, soltando um grito de libertação. Foi surpreendente de tal forma que Yixing precisou se controlar para não ficar catatônico novamente ao se dar conta de um detalhe.

Jongin, ali, com sua camisa simples, suspensório e calça surrada, correndo em zigue-zague por entre aquelas flores com os braços esticados, era precisamente a coisa mais linda que vira na vida. Absolutamente.

Porque, veja bem, Jongin parecia um anjo. Momentaneamente, Yixing acreditou de verdade que ele estivesse voando.

As flores metálicas faziam barulho de sino quando as pernas velozes deslizavam sobre elas, servindo de coro aos gritos e gargalhadas de Jongin. Alguns seres multicoloridos desprendiam-se de suas moradas e rodeavam o corpo do rapaz em espirais, brincando junto naquela bagunça de giros e correria. Foi quando aconteceu, um instante antes de Yixing desatar a perseguir Jongin pelo paraíso, unindo-se a ele no pequeno lapso de loucura.

Seu coração passou a bater mais rápido, mais quente e mais desesperado. Batia e batia contra seu peito, eufórico e sem controle. Yixing pode não ter percebido de primeira – tudo bem, ele não era lá muito rápido –, mas estava vendo a legítima personificação da sua paixão.

A legítima personificação de cru e vivaz.


 

∆♦•♦∆


 

— Já parou para pensar em como nós parecemos milhos?

— Milhos, Jongin?

— É. Sabe, somos jogados nessa vida junto com alguns outros milhos e esperamos as galinhas nos ciscarem — falou antes de tragar o cachimbo, estirado no tapete do mais velho. Seus lábios já estavam manchados de vermelho e roxo.

Yixing ponderou.

— Que triste.

— É. Se bem que você está mais para minhoca, as minhocas se movem e exploram outros cantos. Eu sou um milho que espera parado sem conhecer os outros milhos.

— Bom, de qualquer forma, estamos todos na mesma situação. Quero dizer, da nossa visão essas aves parecem enormes, mas a verdade é que nós somos os pequenos.

Jongin riu e Yixing o acompanhou.

— Quanta filosofia, galinhas gigantes.

— Daria um ótimo livro.

— Se eu soubesse escrever…

— Ah, isso tem jeito. O mais difícil já aconteceu, que foi a minha minhoca conhecer o seu milho.

Sorrisos pintaram os rostos deles. Havia algo ali, mais do que compartilhar pensamentos bobos e metáforas furadas.

— Estou feliz de ter conhecido a sua minhoca.

 

∆♦•♦∆


 

— Hyung, essa música é fantástica! — exclamou Jongin. Uma melodia de cordas soava pela caixa de voz do robô de Yixing com um pouco de interferência, meio arranhada.

— Você gostou? Acho esse artista muito interessante, eu o conheci na minha antiga colônia.

— Adorei! Ela tem todo esse… ah, não sei. É um sentimento estranho, como inspiração.

Yixing riu.

— Dizem que essa canção foi escrita depois que ele chegou ao orgasmo — falou com o tom afetado e olhar subversivo. — Por que não estou surpreso de você ter gostado?

— O quê? — Jongin engasgou em sobressalto, mas logo recuperou-se, sorrindo ladino. — É isso que pensa de mim, hyung? Pois fique sabendo que eu nem rezo para não ter que ajoelhar.

Não puderam conter as gargalhadas. Jongin casto? Que piada.

Tomando ar lentamente com a mão no abdômen cansado, Yixing deixou os olhos castanhos adquirirem um brilho malicioso.

— Ah, mas que pena.


 

∆♦•♦∆


 

Às vezes, Yixing realmente tinha muita dificuldade para acompanhar o que Jongin dizia. Não por falta de conhecimento da língua, mas sim devido ao vocabulário complicado com que ele se dirigia. Mesmo que não soubesse ler e escrever, Jongin falava muito bem – preconceito linguístico só seria mais uma adição à longa lista de motivos pelos quais as pessoas se afastavam dele, portanto se esforçou para evitar –, usava concordância e plural, esse tipo de decoro que geralmente era irrelevante desde que as sentenças fossem coesas. O problema era que o domínio de Yixing sobre o idioma não se estendia a gírias.

— Aí a Soomin fez um chuncho — Yixing não sabia o que era “chuncho” — e enganou o Sehun. Mas também, né, o cara é muito ramelão — Yixing não sabia o que era “ramelão” — pra não ter percebido.

Depois de um tempo parado absorvendo a frase, respondeu:

— Coitado do Sehun.

E Jongin riu. Como sempre, aliás, nas vezes que Yixing precisava de uma pausa para pensar, mesmo nas coisas mais simples. Seus vinte anos na cara eram reduzidos a um semblante infantil encantador, na opinião do mais novo, pressionando o gatilho solto que era o humor de Jongin.

No entanto, a dificuldade não era restrita a Yixing.

— Ei, o que significa o nome do seu robô? Que é “fleumático”?

— É algo como “impassível”

Poxa, Jongin também não sabia o que significava impassível. Resolveu deixar de lado:

— Ah, claro. Bobeira minha.


 

∆♦•♦∆

 

— Associado Kim Jongin ser muito inteligente — soou Fleumático, certo dia.

Yixing estava arrumando o laboratório/casa. Como todo dia era dia de Jongin aparecer, lá estava ele ajudando, por mais que não precisasse. Para não abusar, deu-lhe uma tarefa simples no quesito “esforço físico”, enquanto parava para fazer o cachimbo. Junto com o robô, eles anotavam as informações do estoque – Jongin dizia, o robô que anotava – alegremente. Ele gostava de caçoar da forma que Fleumático se comunicava, embora tentasse não ofender sua personalidade artificial.

— O que ele fez?

— Antes corrigir cálculos de quantidade com muita velocidade que meus.

Certo, isso ficou confuso, pensou.

— Ele multiplicou errado e eu corrigi, só isso — disse Jongin. — Sou bom com números, com letras que não.

— Bom, mesmo que não fosse bom com números, continuaria inteligente — Yixing falou, expondo sua opinião sobre crédito seletivo. Jongin sorriu escondido, a cabeça meio baixa em embaraço e o coração descompassado. Por que isso?, pensou.

Quando levantou o olhar, notou as olheiras e expressão abatida do mais velho.

— Você parece cansado.

— Hm? Oh, sim, eu não dormi. Não gosto muito — respondeu Yixing, terminando de amassar a raiz de axpellere para Jongin, que o encarava espantado.

— Você disse isso mesmo? Que não gosta de dormir? Quem é que não gosta de dormir?

Um sorrisinho sem vida despontou de seus lábios. Não combinava com o rosto de Yixing.

— Emoções muito fortes costumam interferir no meu sono e… bem, à noite as emoções fortes geralmente são ruins, então…

— Ah, entendi — murmurou. Havia esse lado místico que Jongin não entendia muito bem, então relevava. Quer dizer, Yixing havia lhe dito que fora criado pela Matriarca de sua crença e, até onde sabia, essa era a Natureza, ou a Liberdade, enfim… quê? Era demais para ele. — Bem, se você não estiver querendo dormir, quase toda a noite tem festinha na rua do meu trabalho. Aparece lá, às vezes o chefe me deixa sair para dançar ou me apresentar. Sabia que eu tenho um número?

— Ah, não sabia. Acho que vou aparecer por lá bastante, então — anunciou com um sorriso. — Como assim um número?

Jongin olhou-o de lado, malicioso. A espinha de Yixing se arrepiou todinha.

— Um dia te mostro.

 

∆♦•♦∆

 

— Sabe, se construíssem mais alguns desses na Campânula, acabariam com a praga das máquinas — disse Yixing, certa noite.

Estavam sobre um dos enormes filtradores de vapor, sentindo o ressonar baixinho nas engrenagens e circuitos pneumáticos vibrar através do metal frio. Jongin, inicialmente, havia apenas pensado em levá-los num dos alcândores da cidade para que pudessem observar as estrelas. A cidade lá embaixo permanecia acordada, a despeito do horário, e dois ou três zepelins de carga traçavam o céu com suas turbinas. A parca iluminação das chamas fornecida pelas lamparinas cedia ao cenário um aspecto frio e deixava as ruas escuras, cheias de pestes, desabrigados e mentes deturpadas escondidas atrás dos canos com escapamento. Ainda assim, esse efeito gótico contrastava perfeitamente com a claridade da noite.

Era engraçado, percebeu Jongin, que houvesse escalado a estrutura enferrujada durante anos e sequer soubesse para o que servia. Que a usasse para sentir-se no topo por um momento, antes de voltar a sufocar na realidade. Sufocar, infelizmente, também no sentido literal.

— Sério? E por que não fazem, então? As pessoas estão morrendo, eles não percebem?

Uma grande piada, no fim das contas. Jongin sabia por que, só não queria aceitar que não se importassem. Ele não era ignorante, tinha plena noção do que acontecia: doença operária, de pobre, que não é contagiosa, simplesmente não era prioridade. Se um funcionário morresse, existiam outras centenas procurando emprego nas fábricas. Não fazia diferença numa visão mais abrangente. Uma vez que os gases tóxicos não atingiam o resto da população mais abastada, as preocupações acabavam; logo, a necessidade de vacinas, de medicamentos ou de mais filtradores era trivial. Fechem os olhos, tapem os ouvidos, voilá, adeus problemas.

Em suma, um miserável como Jongin a mais, ou a menos, não passava de estatística dispensável.

E Yixing também tinha conhecimento desse fato. Não só tinha, como sentia a garganta apertar ao pensar que, merda, o que mais ele poderia fazer?

— Quando descobri que estava com a praga — começou Jongin, a voz não passava de um murmúrio contido, um segredo —, a primeira coisa que pensei foi “Nem cheguei à maioridade e já vou parar na vala dos indigentes.”

O encanto das estrelas há muito se esvaíra. Naquele instante, não passavam de pontos prateados refletindo nos pequenos cristais líquidos que escorriam pelas bochechas dos dois rapazes. Yixing nunca imaginou que viveria para ver o coração parar de sentir a serenidade proporcionada pelo céu e substituí-la por rancor e angústia.

Sem dizer qualquer coisa, ele se aproximou do corpo de Jongin, nunca antes tão vulnerável aos seus olhos. Circulou seus braços pelos ombros encolhidos e ajeitou a perna por trás, tudo bem devagar. Abraçar Yixing era mais do que só um abraço, ele transmitia toda aquela aura um tanto mística, como um embalançar em calma e segurança.

Apenas talvez, Jongin jamais tivesse se sentido tão protegido.

Cadenciados, seus corações bateram em sintonia sob os astros. O rosto molhado marcava a camisa de linho branca de Yixing enquanto sentia a respiração delicada em seu pescoço, como um carinho. Ah, se o mundo fosse tão lindo como eram aqueles momentos. Se não houvesse negligência e praga, e fome e dor e perda e lágrimas e gritos à noite e…

E se só houvesse mais deles dois e estrelas...

Ninados um pelo outro e pela pequena vibração dos mecanismos do filtrador, adormeceram. Fazia frio lá no alto, mas também abafava os sons da cidade, e era o ambiente mais tranquilo em que Jongin pegara no sono, tão tranquilo que até Yixing – que não gostava de dormir – decidiu descansar de seus pensamentos.

Por que com Jongin? Por que aquela vida, por que fazê-lo se sentir tão insignificante? Tão pequeno? Tão indigente? Por que quebrá-lo daquela forma?

Aliás, por que fazer isso com qualquer um?

 

∆♦•♦∆

 

Quando Jongin dissera “festinha”, Yixing não esperava por toda aquela farra.

Havia tanta, mas tanta gente na rua, que ele mal conseguia passar. Estava procurando o mais novo entre os corpos dançantes e música, e quase desistiu antes de encontrá-lo à porta do bordel. Quando foi avistado, não demorou dois minutos para conseguir autorização do chefe e deixar seu posto, correndo animado até ele.

— Achei que você nunca viria.

— Achei que fosse menos movimentado.

Jongin riu.

— Que ingênuo.

Puxou-o para dançar. Nas calçadas, alguns mais velhos batucavam em placas de metal e madeira, que ecoava alto em um arranjo contagiante. Ali estava outro motivo pelo qual Yixing não gostava de dormir. Para que perder aqueles momentos? Se estivesse desacordado em casa, não teria ficado na companhia de Jongin – e mais a vizinhança – girando e pulando, balançando de um lado para o outro até os primeiros raios de sol surgirem no horizonte.

Ah, ele se divertiu como nunca. Nenhum festim ou sarau noturno que presenciara – e foram muitos – poderia chegar perto daquele em comparação. O povo da Campânula de Bronze era diferente, como se fossem todos sistemas vitais de um organismo, unidos uns pelos outros. Yixing dançou com todos os corpos emaranhados na rua de paralelepípedos, ficou até tonto com tantas piruetas. O suor escorria pela pele e o cansaço já era presente no início da festança de tão animado que ele estava.

E Jongin se esbaldou também. Arrastou-o de por todos os cantos, ensinou-o pelo menos três tipos de dança em conjunto e fez os passos com ele em todas as cirandas. Dançaram rindo com os braços em direção às estrelas e os pés saltando por tanto tempo que chegou a parecer eterno. Apesar das emoções meio desreguladas, permaneceram sóbrios até o fim.

Não que tivesse evitado a pergunta de Yixing quando voltavam para casa, sob o arco-íris que era o céu inteiro ao alvorecer:

— Você bebeu, foi?

— Não, só água — ele respondeu rindo. Jongin não parava um segundo de rir, era até meio assustador ver o quão contente ele se encontrava.

— Acho que estava muito gelada — sugeriu Yixing, arteiro. — Afetou essa sua cabeça.

Foi empurrado como represália. Jongin agarrou-se em seus ombros, mandando-o se foder e tentando derrubá-lo, o que deu início a uma pequena batalha de medida de forças. Ele não saberia dizer como exatamente aconteceu, se foi guiado por seus pensamentos de como aquele momento com Yixing estava sendo fantástico – e como na verdade todos eles eram – ou se foi só acaso, mas o fato é que, não tão inexplicavelmente, acabou empurrando-o com impulso demais contra a parede e perdeu o equilíbrio, de modo que então estavam a centímetros de distância.

O coração de Jongin pulsava desenfreado. Ligeiramente eufórico e extremamente surpreso, ele sequer tentou se afastar, apenas continuou apoiando uma das mãos na pedra atrás das costas de Yixing, olhando fundo em seus olhos. Os peitos estavam colados e se empurravam a cada respiração, que terminavam misturadas no ar frio da noite.

Isso está tão certo, pensou Yixing. Era o fim perfeito para a noite perfeita. Jongin a fez perfeita com toda aquela sensação de lar que provocava.

Eles se aproximavam aos pouquinhos, e Jongin adorava aquela impressão de estar em um sonho. Os lábios do chinês pareciam tão convidativos, e já o imaginava passando a mão sobre suas costas, puxando-o para mais perto e tirando seu fôlego.

No entanto, não era um sonho. Não era para acontecer. Ah, o que Jongin estava pensando ao tentar aquele tipo de coisa com Yixing? Yixing era obra de adoração, Jongin era…

Pff, e Jongin lá era alguma coisa?

Afastando-se bruscamente de um Yixing com os olhos semicerrados, ele recompôs-se. Ajustou a calça, alisou a camisa, arrumou o suspensório e limpou a garganta, torcendo para que fosse capaz de esconder seu rosto em combustão.

— Mas que pena, nem consegui te mostrar minha apresentação! Fica pra próxima, então. Vamos, vamos andando porque já está tarde… quer dizer, cedo, quer dizer…

 

∆♦•♦∆

 

— Ei, Jongin.

— Hm?

— Posso fazer uma pergunta pessoal?

Jongin fraziu o cenho.

— Pode…

— O que aconteceu com sua família?

Um instante de silêncio tenso se fez presente. Droga, pensou Yixing, por quê foi perguntar? Ele sabia que Jongin era órfão, que morava sozinho e se sustentava, podia ter ficado apenas com isso. Ele próprio não havia dado muitas informações sobre sua família.

— Ah, é uma longa história.

— Tudo bem, não precisa me contar se não quiser.

E Jongin não queria mesmo contar. Era uma ferida tão, tão funda, com um estigma difícil de esconder. Podia ser demais para Yixing, podia fazê-lo ir embora. O que ele ainda fazia passando tempo consigo, afinal? O que é que ele via em si? Talvez fosse mais justo contar, assim Yixing tiraria suas conclusões.

— Minha mãe engravidou com quinze anos — começou, fingindo mexer despretensiosamente nas coisas espalhadas pela mesa para não ter que encarar Yixing. — Meu pai não quis assumir, e ninguém o repreendeu por isso, mesmo que ele fosse mais velho. Minha mãe era prostituta, sabe? Naquela época a situação da Campânula era ainda pior.

Yixing assentiu, mesmo que Jongin não pudesse ver.

— Ela continuou trabalhando com isso depois que eu nasci, mas queria parar. Minha mãe gostava muito de mim, apesar dos pesares. Pulava algumas refeições para que eu não passasse fome, e tentava ter tempo para brincar comigo e essas coisas. Se ela também não soubesse, aposto que teria me ensinado a ler — continuou, sentindo os olhos começarem a arder, a garganta já estava meio fechada. — Todos os dias ela fazia uma mistura estranha para limpar os dentes que a mãe dela ensinou. Dizia que a única coisa que nos revelava depois da morte eram os dentes, sabe? Aí nós passávamos o dedo com aquele negócio toda a noite para deixá-los bem cuidados.

Jongin tem dentes lindos mesmo, pensou Yixing, mas talvez ele só estivesse reparando demais.

— Enfim, quando eu tinha uns doze anos, ela decidiu finalmente que não queria mais. Ser puta, quero dizer. Apareciam uns caras ali em casa e nos assediavam, e ela não queria aquilo pra mim. — Jongin limpou discretamente uma lágrima quando parou para respirar fundo. — Foi muito difícil arrumar emprego, ninguém queria dar um para ela por causa disso, e todos pagavam pouco demais. Ela até cogitou falar com o pessoal do movimento, trabalhar com contrabando, drogas e essas coisas, porque é realmente muito difícil sustentar uma família quando ninguém com dinheiro se importa se você está ou não passando necessidade. Como é possível trabalhar quatorze horas por dia e receber sessenta eunes no fim do mês para uma família inteira?

Yixing começou a chorar também no segundo que ouviu o soluço se desprender do mais novo, sacudindo suas costas.

— Entretanto, ela decidiu se esforçar num emprego digno e regularizado, tudo por mim. O salário era menor do que o de quando era prostituta, mas ao menos recebia almoço na fábrica. Ela ganhava menos que todo mundo lá, porque era mulher, tinha a pele mais escura que a minha e pelo emprego anterior, mas foi o que deu. Nós achávamos que estava tudo indo bem, até que… aconteceu um acidente.

— Jongin, você…

— Depois que ela morreu de infecção, eu fui parar num abrigo — cortou. Agora iria até o fim. — Eu tinha treze anos e já era grande demais para limpar chaminés, então me botaram para trabalhar nas lavanderias do porão. Era pagamento por ficar lá, então eu não ficava com nada. E eles só alfabetizavam crianças com até dez anos também, infelizmente. Enfim, como tinha chance de as pessoas esquecerem dinheiro nas roupas, os garotos do abrigo entravam em brigas para tentar a sorte. Eu aprendi a me defender, e depois a brigar por uns troquinhos. Quando achei que era o suficiente, fugi.

Yixing não aguentou mais ficar sentado ouvindo enquanto Jongin se destruía em prantos. Levantou devagar e os levou delicadamente até a janela no canto. Era ali que Yixing dormia – quando dormia –, tinha um monte de travesseiros e um mantinho fofo de frente para a vista da cidade. Por ser uma montanha, a Campânula de Bronze privilegiava o estabelecimento com uma imagem bem ampla, desde os trilhos de trem até a Universidade Yonsei de Ciências, com a grande carapaça esférica girando em volta da abóbada por meio de um circuito elaborado. Envolvendo seus ombros serenamente, embalou Jongin como forma de acalmá-lo, digo, acalmá-los.

— Fiquei um tempo na rua. Roubei várias vezes e sempre consegui escapar, acho que isso é o tipo de coisa que melhor sei fazer. Ah, apanhei bastante também, naquela época eu não era de ficar com a cabeça baixa, e parecia que em todo lugar que eu ia tinha alguém querendo me chamar de cara suja. Odeio que me chamem assim, com todas, todas as forças. E foi quando descobri que não gostava de mulher, aí foi ainda mais difícil. — Deitou a cabeça para trás, apoiando-a no ombro de Yixing. Oh céus, ele era realmente bom dando carinho. — Ano passado, um moleque meio estúpido assaltou  uma dondoca aí. Deu errado, ele foi ameaçar e rasgou o vestido dela, uma bagunça, estragou até o espartilho. Aí deu no pé, não conseguiram pegar ele. Eu não me importei muito em ajudá-la, se quer saber, porque o piá certamente precisava de ajuda; dava pra ver que ele devia estar cheio de lombriga por ficar catando comida na rua. Mas os guardadores apareceram e me viram na calçada, cortando um pedaço de maçã para comer. E sabe o que eles disseram?

Yixing queria impedi-lo de dizer, a história de Jongin já o estava deixando prestes a quebrar.

— Disseram “Olha outro imundinho. Esquece o pivete, vamo tirar aquele ali das ruas”. Na minha cara! Eu nem acreditei que estava acontecendo de verdade até que eles começaram a me agarrar e me arrastar para a carruagem. Baita serviço para a sociedade, imagino. Eu briguei, claro, meti porrada mesmo, mas outras pessoas apareceram e eu não consegui mais. O pior é que nem se importaram em saber o que aconteceu, elas só presumiram que eu estava errado. — Jongin estava soluçando outra vez, e Yixing só tentava não demonstrar o quão abalado estava. — Fui preso por desacato e porte de arma. Não fiquei muito tempo, menor de idade e tudo o mais, me mandaram pro abrigo de novo e eu fugi. Acabou que vim parar aqui, você já sabe o resto.

— Eu acho… — tentou Yixing, mas ainda não tinha palavras.

— Desculpe, acabei contando a história inteira e…

— Você é a pessoa mais incrível que já conheci — soltou de uma vez.

Jongin ficou paralisado. Como?, queria perguntar. Não esperava que sua história de delinquência seria transformada em um relato de força, que Yixing fosse vê-lo como alguém forte e...digno. Por um fugaz momento, Jongin realmente se sentiu importante.

E eles esperaram a noite passar, juntos, com a cidade como testemunha.


 

∆♦•♦∆


 

O fato de não irem muito ao campo proporcionava a sensação irreal de que cada vez seria a última. Era demais para ser verdade, lindo demais, lírico e puro demais. Como um sonho, toda maldita vez, feito para acabar quando fossem embora. Mas não, ele sempre estava lá quando voltavam, do mesmo jeito.

— O que você quer da vida, Yixing?

— Como assim?

— Você quer algo além disso aqui, não quer? Passar a vida toda mexendo frasquinhos por preços baratos demais não faz o seu estilo.

Yixing não soube o que dizer. Não exatamente por não saber a resposta, e sim porque não havia uma resposta decente a se dar. Ele queria aquilo, entende? Queria um lugar perfeito para onde pudesse fugir, queria todos os lugares assim do mundo. Queria um pouco de música e companhia, e queria fazer diferença para as pessoas. Ele queria aquele campo e Jongin.

— Se eu pudesse escolher, a minha vida seria dançar — disse o mais novo ao seu lado.

— Se pudesse?

— Ah, não fique se fazendo — zombou Jongin, começando a andar lentamente olhando para baixo, dando algumas piruetas devagarzinho. — Eu não sei ler, não sei escrever, não sei cozinhar nem sei tocar instrumentos. Simplesmente não sei ganhar dinheiro. A única coisa que sei fazer é dançar. Mas não adianta, nenhuma academia daqui me aceitaria. Isso, claro, supondo que eu tivesse as mínimas condições de frequentar uma.

E Yixing entendeu. Por dentro, ainda havia muito que não poderia compreender totalmente a respeito de Jongin. Yixing jamais passara fome, ou qualquer tipo de necessidade; nem sabia qual era o cheiro de uma fábrica por dentro, ou como era trabalhar lá o dia inteiro. Yixing não experienciou tomar dois banhos e vestir a melhor roupa só para andar até o bairro de classe média e ser chamado de “cara suja” devido à tonalidade de sua pele, por menos suja que fosse. Yixing não viveu nada do que Jongin viveu por dezessete anos, ele não se identificava com o que era ser esmagado contra o chão e preso para não sair, o que era ser posto para baixo a todo instante até não se considerar melhor que um verme-níquel. De tanto dizerem a Jongin que ele não era nada, Jongin se achava um nada.

E aquilo não podia ficar assim.

— Vem aqui.

Jongin levantou o olhar das flores para a mão estendida à sua frente.

— O que foi? — indagou, segurando-a mesmo antes da resposta num gesto natural.

— O segredo é acreditar que você pode tudo. Mesmo que só aconteça na sua cabeça — falou suavemente, deslizando o braço para a cintura de Jongin e elevando sua mão direita. — Então você tem que pegar cada momento em que puder dançar e vivê-lo, porque é isso que nos move. Comida é sobrevivência. No seu caso, vida é dançar.

O vento chacoalhava as florezinhas de bronze, produzindo uma melodia sem nexo. Não que precisasse haver nexo, claro, os movimentos que Yixing passou a conduzir não precisavam de nada além de um pouco de imaginação. Mais uma vez, viu-se perdido em um mundo surreal. O que mais além de onírico poderia ser considerado aquele momento em que passeava de um lado para o outro com Jongin nos braços. Um para cá, um para lá, para frente, giro – tudo bem devagar, como se uma lição estivesse sendo ensinada.

E estava. Yixing queria fazê-lo sentir aquela pequena felicidade pouco a pouco. Porque era aquilo que os diferenciaria de pessoas que acordam todos os dias mortas para trabalhar e voltam mortas à noite, que vestem máscaras para disfarçar o rosto sem cor e enganam umas às outras, que enchem-se de objetos sem real valor, pois o único valor é sentir. E Jongin sentiu, sentiu cada pequeno sorriso e bater do coração de Yixing combinando com os seus, cada pequeno acorde de música sem padrão acompanhando os movimentos de ambos. Então, sorriu.

Yixing não soube exatamente onde fixar a visão. Tinha os olhos cintilantes de Jongin, magníficos como fadas, e a alegria em sua boca. Outra vez, sentiu que ele estivesse voando e o levando junto, como um anjo. A brisa batia em suas costas, bagunçava seus cabelos (não os de Jongin, ele usava touca para esconder a sujeira) e dava uma sensação ótima de liberdade fazendo-o realmente sentir que estavam no ar. Jongin começou a rir, rir com vontade, e deixou a valsa de lado para puxá-lo em um novo ritmo.

Pareceu que estavam na festa outra vez, contudo, sozinhos. Os sinos faziam a música e eles seguiam como queriam. Jongin percebeu o quão maravilhosa deveria ser a crença de Yixing, o quão maravilhoso deveria ser viver pelo mundo. Realmente, naquele momento não parecia haver algo mais louvável que a natureza que os cercava e a liberdade que sentia.

Ele agradecia tanto for finalmente conhecer algo do tipo, essa paz que parecia eterna. Apenas suas respirações, unidas a risadas e sinos e a bateres de asas enferrujadas das borboletas de metal que os rodeavam, já soavam como música – de fato, tudo soava como música, era perfeito.

Yixing era perfeito.

E parecia ainda mais perfeito quando os dois caíram deitados na grama, mergulhados em azul. Ele estava debruçado sobre Jongin, tapando o sol com seus cabelos escuros bem aparados dos lados. Tinha uma pequena manchinha de óleo em sua bochecha, mas era adorável e Jongin não a delatou. Diferente de si, Yixing tinha um cheiro gostoso de quem podia tomar banho com mais frequência, contudo os dois cheiravam a flores naquela situação.

Buscando sua mão com os olhos brilhando, Yixing a levou até perto da tira do suspensório, no coração. Batia desenfreado, semelhante ao seu próprio, e Jongin jura que tentou dizer a si mesmo que era por causa do exercício, mas ninguém acreditaria naquela baboseira.

— Você está sentindo, não está? E sabe o que é, não sabe?

Jongin sabia, no entanto… ainda não era a hora.

 

∆♦•♦∆

 

— Precisar amar eu antes de amar outro — afirmou Fleumático para si mesmo, em uma autorrevisão do sistema de raciocínio.

 

∆♦•♦∆

 

A noite estava fresca – não gelada, apenas uma pequena brisa –, ideal para outra festa. Yixing ainda tentava entender o que acontecia entre os dois, tentava mesmo, tanto que acabava várias vezes fitando o nada, parado, buscando respostas.

Aparentava ser tão óbvio, entende? As trocas de olhares, como Jongin ficava envergonhado com qualquer elogio seu e todas as vezes que se derretia quando ele se aproximava. Então, pela Mãe, por que ele se afastara? E como ainda conseguia agir tão naturalmente? Como?

Como?

Como?

Como?

— Ei, Yixing. Acorda, cara.

Estava parado em meio às pessoas dançantes, com mãos chamando sua atenção. Jongin ria de sua cara, claro, como também devia fazer mentalmente por deixá-lo daquela forma.

— Oi.

— Você está atrapalhando a roda — avisou, puxando seu braço. Jongin fazia bastante daquilo ultimamente, buscar contato e esse tipo de coisa.

Yixing se distraiu brevemente ao começar a dançar. Era complicado evitar os vestidos longos das moças tanto quanto as cartolas dos rapazes. E se havia ainda outra coisa na qual Jongin era bom, essa era ocupar a mente de Yixing com o que quisesse.

Em determinado momento, eles foram abordados por um casal levemente embriagado. O homem aparentava um pouco mais de idade que o chinês, e a garota um pouco menos que Jongin.

— E aí, cara. Faz tempo que não vemos o seu show.

— É, Jonginnie. Estou com saudade da Madame.

Quando Yixing deu por si, já haviam levado seu acompanhante. Devia ser a tal apresentação, nesse caso procurou ser paciente. E precisou mesmo, os minutos  se arrastaram em séculos. A festa sequer parecia tão divertida sem a presença de Jongin.

Estava considerando uma bebida no instante que eles chegaram. A garota – Yixing a conhecia, se chamava Hyejong – voltou acompanhando outra moça, uma com vestido, oh!, pelos joelhos e joias ao redor da cabeça. Espera, Yixing conhecia a tal moça.

Oh.

Oh!

— Vejo que a Madame Satã deus as caras por aqui outra vez — anunciou um dos músicos, retirando sua pomposa cartola e reverenciando-a.

Yixing não sabia exatamente o que pensar. Nunca havia se deparado com… bem, com ela.

— Parece que finalmente nos conhecemos, cavalheiro.

A mão cheia de anéis e pulseiras foi beijada com algo próximo a devoção. Perante ele, encontrava-se a expressão mais pura de liberdade. A Madame trazia o Jongin enclausurado e o transformava em arte.

Arte que tomou a rua naquela noite. A pequena banda na calçada recomeçou a tocar, compasso lento e envolvente dessa vez. Os quadris hipnóticos balançaram-se dentro do vestido emprestado, esquerda, direita e giravam. Os braços se moviam como a brisa, entregues. Havia aqueles que consideravam piada, “Ha! Um homem travestido”, mas não era piada. Jamais seria.

Madame Satã tirou Yixing para dançar. Deixava-o louco com seus movimentos, mostrando que verdadeiramente era aquela a sua vida. Permitiu-se alucinar com a visão da cintura, das pernas, dos olhos maquiados e da boca rubra. Era heresia, sim, tinha nome de heresia, mas a crença de Yixing era outra.

Não conversaram muito. Era um espetáculo visual, sensível, para ser apreciado sem interrupções. Durou o cair da noite, incontáveis músicas e inefáveis pensamentos. Durou até Yixing levá-la para um esconderijo, longe dos dispostos a iniquidades, e envolvê-la de emoções.

— Por favor, chega de fugir — implorou, delicadamente passando o dedão no lábio pintado, cerrando as pálpebras.

E, finalmente, beijaram-se.

 

∆♦•♦∆

 

Jongin era Jongin no amontoado macio da janela. As bochechas estavam particularmente vermelhas, e as palavras ligeiramente tímidas ao saírem pelos beiços manchados de roxo. Yixing diria o quanto achava uma gracinha se fosse menos empático.

Ele ficava daquele jeito quando recebia muito carinho de uma vez só. Parecia um gatinho manhoso, Yixing achava irresistível. Resolveu juntar-se a ele de uma vez, ainda com o torso nu e pescoço marcado.

Foram ótimas semanas daquele jeito, onde Jongin sussurrava em seu ouvido e arranhava de seus ombros até os quadris. Ora entregue, ora dominador, sempre disposto a passar o tempo fazendo Yixing perder a cabeça, ou apenas rindo de se acabar.

Ou até ficar só de bobeira com beijos ao lado da janela, enroscando as pernas nas suas e selando seu maxilar e orelha e pescoço e mais embaixo. Yixing era tratado como entidade, quase glorificado. Sentia-se tão precioso, principalmente porque o que considerava-o precioso também lhe era ainda mais preciso. Jongin o olhava como se ele fosse o campo, como se pudesse sumir a qualquer instante, bom demais para ser verdade. Devido a isso, era especialmente eficiente ao tirar o seu fôlego como se não houvesse mais nada no mundo.

Mas havia, e nem sempre era bom.

 

∆♦•♦∆

 

Yixing despertou sem ar. O peito subia e descia pesado ao tentar se recuperar da apneia, como se algo o apertasse, ou como se estivesse sendo tomado de enchimento de boneca de pano. Seus sonhos o estavam sufocando.

Seus sonhos com Jongin.

Foram poucas as vezes em que se viu em tamanho desespero. Não conseguia sequer enxergar direito ao deixar os lençóis e correr pelo laboratório. Enfiou cegamente frascos de vidro em seu cinto de couro, e precisou conectar mais um ao extensor de cobre para guardar mais potes. Se estivesse com menos pressa, teria calçado as botas propulsoras e usado os jatos de vapor para chegar mais rápido, mas isso nem passou por sua cabeça antes de sair correndo pela porta.

Não havia muitas pessoas na rua àquele horário, foi fácil chegar ao casebre perto da fábrica. O ar das proximidades apresentava uma tonalidade amarela pútrida, uma vez que os gases das chaminés eram liberados em maior quantidade que o normal; algum tipo de vazamento, supôs Yixing. Confiando demais em sua própria saúde, ele continuou seu caminho respirando a sujeira.

Jongin, assim como em seu sonho, sufocava. A boca bonita estava toda maculada em sangue escuro, quase preto, e ficava cada vez mais manchada a cada tosse. Yixing jogou-se de joelhos ao seu lado e elevou a cabeça para que, além da falta de ar, Jongin não engasgasse consigo mesmo. Queria ser o tipo de pessoa que não fica sem ação em situações de estresse, mas Yixing, antes que pudesse se conter, estava em prantos, alisando os cabelos ensebados de Jongin e acariciando seu rosto.

— Shh, você vai ficar bem. Vai ficar tudo bem.

Jongin começou a chorar ao ouvir sua voz.

— Estou tão feliz que está aqui.

Aquilo partiu o coração de Yixing. O tom de voz fraco e quebrado não denotava esperança, não. Jongin quis dizer que estava feliz por tê-lo ali porque não queria morrer sozinho.

— Yixing, tô com…

— Hm? Está com dor?

Jongin negou com os olhos bem apertados.

— Medo — sussurrou.

Foi o bastante para despertá-lo de seu estado calamitoso e começar a fazer alguma coisa. Passou os olhos rapidamente pela casa de Jongin à procura de uma mesa para fazer remédio, todavia não encontrou. Ele não possuía nada além daquele “colchão”, uma pia nojenta ao lado do balde/banheiro, uma bacia bem grande, duas lamparinas, as roupas dobradas no canto e uma janela, cuja proximidade com a fábrica de vidro chegava a ser assustadora – as chances de morar ali e não ter a praga eram nulas, percebeu Yixing. Entendeu porque Jongin nunca o deixava visitá-lo.

Sem alternativas, tirou todos os potes do cinto e espalhou-os no próprio chão. Colocou o casaco embolado sob a nuca de Jongin e ficou repetindo palavras encorajadoras, tanto para ele quanto para si mesmo.

— Ei, você vai sair dessa. Isso aqui vai ser rapidinho, você vai ver.

“Está doendo muito? Calma, já vai passar.”

“Shh, vai dar tudo certo.”

“Está quase pronto, olhe!”

“Só mais um pouquinho…”

“Aguenta só mais uns minutinhos…”

— Xing, eu… Sai daqui. Não vai te fazer bem.

— Para de falar, Jongin. Você está mal, não gaste energia.

— Não, me escuta. Você veio e… já é o bastante.

Yixing quis chorar. Por que Jongin não podia ter esperança?

— Por favor, você não sabe o que está dizendo.

Finalmente chegara na etapa final do procedimento. Seus braços doíam por mexer aquela solução e ainda precisar segurá-la acima da fogueirinha improvisada. Assim que ficasse líquida o bastante, era só diluir com água fria e estaria pronta.

— Yixing… para. Sai.

— Está no fim já, calma.

Usando mais energia do que deveria, Jongin elevou a voz:

— Não, eu é que estou no fim! — Tossiu mais um pouco. — Não tem mais nada para mim aqui além de você, e eu não te mereço. Só vai embora e…

Yixing não o deixou terminar. Tirou o casaco embolado para baixar a cabeça de Jongin, pegou tudo o que tinha no frasco e despejou nas narinas dele. Virou tudinho; sentiu-se culpado pela dor que ele sentia, mas não havia jeito.

Ao chegar nos pulmões, o remédio de Yixing reagiu com toda aquela imundície. Jongin começou a vomitar, colocou tudo para fora. Veneno, sangue da garganta ferida e do sistema respiratório e um pouco do remédio que não reagiu caíram no chão, uma mistura gosmenta de roxo, verde e vermelho escuro. A água da pia nojenta era limpa, felizmente, e Yixing deixou alguns copos preparados para quando Jongin acabasse. Esfregando suas costas espasmódicas calidamente, disse:

— Eu já vivi o suficiente. Já vi muita coisa, ouvi, senti. Achava que poderia morrer feliz, sabe. — Limpou o suor da testa e as lágrimas do rosto. — Mas aí eu te conheci, e parecia que tempo nenhum era o bastante. Quando você diz que não me merece, machuca Porque você merece tudo, Jongin, merece como ninguém. Você lutou todos os dias, é a pessoa mais forte que eu conheço. Não entendo qual a sua necessidade de me colocar em um pedestal, eu sou apenas humano, e todos os seres humanos são iguais. Você é meu igual, ponto final.

Jongin respirava fundo, finalmente. Deixou-o sentado na cama e passou a limpar o chão com a própria roupa. Foi até a pilha de camisas dobradas e pegou uma para Jongin, ajudando-o o se trocar. Esvaziou um copo, limpando sua pele, depois deu-lhe outro para beber. Jongin tentou falar alguma coisa, mas a garganta doía demais para isso.

— E quer saber o que mais? — continuou o mais velho. — Quando você melhorar, eu vou te levar até a cidade. Vamos te inscrever numa audição para a Academia de Dança Seolmitan, e depois comer em um restaurante caro. Claro, eu pago — sonhou em voz alta, segurando alguns soluços ao que voltou a chorar. — Duvido que não te aceitem quando virem o que você consegue e, se não aceitarem, a gente viaja o mundo todo atrás de outras escolas. Nas Colônias Eslavas tem as melhores instituições de ballet. Você gosta, não? E podemos ir para outros reinos, ou melhor, tem a República Livre, no ocidente. Lá eles tem muitos movimentos artísticos se desenvolvendo, você faria sucesso…

E continuou. Continuou até que Jongin por fim estivesse sorrindo com ele, abraçados na cama, e tentando se comunicar apenas com gestos e formato dos lábios. Até elaborou uma declaração silenciosa. Dedo apontado para Yixing, dedo apontado para peito, dedo apontado para a cabeça e fazendo círculos. Yixing, amor, sonho. Fez Yixing ter certeza que, mesmo rindo, nunca havia falado tão sério na vida. Ele cumpriria tudo aquilo, por Jongin.

Não, por ambos.

∆♦•♦∆

 

Era a última noite deles com as campânulas. Ventava bastante, os cabelos escuros esvoaçavam e eventualmente se misturavam no ar. Era uma das raras vezes em que os fios de Jongin estavam bem limpos e livres da touca que tapava da testa até as orelhas. As flores de bronze soavam com o balanço, envolvendo-os numa canção psicodélica improvisada pela natureza. Tranquilo e belo, como da primeira vez.

— Yixing, não podemos fazer isso.

— Claro que podemos.

— Você leu a carta da Academia Seolmitan. Eu não posso dançar. Eles não me aceitaram, ninguém vai.

Suspiraram. Ah, queria tanto que Jongin entendesse.

— Não pode desistir.

— Claro que posso! Você disse que me levaria para o norte! Que até iria à oeste do oceano por mim! — esbravejou. Não, Yixing que precisava entender. — Não vou te deixar abandonar tudo o que tem pelo meu sonho furado.

— Mas não é furado, e você sabe! Eles mandaram na carta, não? Que ficaram encantados com a sua dança.

— Não importa, o meu histórico arruinou tudo!

— Então vamos encontrar um lugar onde o histórico não importe! — Respirou fundo. Já estava na hora de parar com a gritaria. — Eu não menti quando disse iria a qualquer, qualquer lugar com você e por você. Não tem nada aqui para mim, Jongin, nem esse campo seria a mesma coisa se não estivéssemos juntos.

— Mas eu não vou a lugar algum. É o que eu quero dizer, vamos ficar aqui.

— Vai sim. Você vai embora aos poucos, vai morrer. Dançar é a sua vida, lembra? Não é esperar por uma festa e servir de distração. É subir em um palco e se libertar. E a minha vida é te ver feliz, já disse.

Lágrimas escorreram pelo rosto e depois pescoço de Jongin, recolhidas delicadamente pelos dedos do mais velho. Aquilo era demais, excessivo. Como é que ele, logo ele, tinha tanto amor? Jongin não tinha nada para dar em troca, nada, zero, hm-hmm. Por que é que Yixing estava ali, enaltecendo-o e curando suas feridas.

Ah, mas é claro. Era porque Jongin o amava de volta. E o amor não precisa de nada além disso, o amor é apenas ser feliz por desejar a felicidade de outra pessoa.

Rendendo-se, levou suas mão até a nuca de Yixing e puxou-o, deitando nas flores com ele por cima. Olhou no fundo de seus olhos, sentindo o calor que transmitiam além do calor do seu peito colado ao dele. Mantiveram o contato enquanto roçavam os lábios levemente e mesclavam as respirações. Yixing levou a mão sob sua camisa e fechou os olhos primeiro.

O beijo iniciou com um pequeno toque da língua no lábio inferior, e depois uma pontinha na outra, devagar. Jongin puxava os cabelos de Yixing sem força, porque o ósculo não pedia aquilo. Era emoção e sentimento, aquela coisa estranha que Yixing fazia de projetar sensações e que Jongin estava aprendendo a fazer de volta.

Ele finalmente havia entendido. Não importava mais quantas vezes o sistema o menosprezou ou menosprezaria dali para frente, Jongin era mais do que um pretinho pobre, sem família, homossexual e transformista. Jongin já era mais que boa parte da sociedade pelo pequeno fato de que tinha um sonho. Jongin já era mais porque dele foi tirado tudo e, mesmo assim, ele optara por batalhar no final. Jongin, além disso, já era mais porque, veja só, ele era o sonho de alguém.

Sonho de Yixing.

E não mais no sentido hierárquico social. Isso era bobagem.

Era mais para si mesmo, mais que os seus limites. Era tudo o que precisava ser.


 

∆♦•♦∆


 

A plateia ovacionava de pé. Alguns vestígios de riso ainda pintavam semblantes, mas Jongin não se ofendia por eles. Sabia que não era só zombaria, aquele brilho nos olhos também se compunha de deslumbramento, com certeza.

Deslumbramento por ela, Madame Satã.

Oh, nenhum deles vira algo tão bonito antes na vida. Os movimentos harmônicos e graciosos da apresentação – uma peça só sua, quem imaginaria que ele pudesse chegar tão longe? – foram demais para diversos espectadores, cujas emoções vazavam das pálpebras.

O espetáculo era sua obra prima. Um mosaico de sua história transformada em dança, terminando brilhantemente com a exposição de sua personagem. Chamou a atenção de muitos críticos, de vários reinos (e algumas repúblicas) e, categoricamente, da população da cidade de Orleans. Ele e Yixing haviam ido tão longe por aquilo, e ali estava o resultado. Nenhuma chama ardendo por trás de vidro colorido, cenário mecanizado ou figurino luxuoso se equipararia ao sorriso de puro contentamento de Jongin. A tintura roxa de sua boca – referência à doença que não mais tomava seus pulmões desde que fora capaz de financiar a cura – dissintia da máscara branca e cílios alongados, mas ainda contribuía para a visão cândida que era sua face.

Naquele momento, Jongin finalmente era o máximo de si mesmo.

O que, por silogismo (todo A é B, e B é C, então A é C) significava algo ainda maior. Significava que a pessoa na primeira fila mudara a vida de alguém, encontrara outro lugar perfeito no mundo – o sorriso de seu amado, lógico – e ainda estava com Jongin. O amor de Yixing era Jongin. O máximo de seu amor também era o seu máximo.

Então Yixing alcançara, finalmente, o máximo de si mesmo.

 

∆♦•♦∆

 

— Ei.

— Hm?

— O que significa indelével?

Yixing pensou por alguns instantes.

— Quer dizer algo que não pode ser apagado. Ou que nem o tempo pode destruir.

Jongin sorriu.

— Como eu e você?

— É. Exatamente como eu e você.

 

 

 


Notas Finais


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https://www.google.com.br/imgres?imgurl=http%3A%2F%2F2.bp.blogspot.com%2F-VdxFsinRHWM%2FULO3ARbPDaI%2FAAAAAAAACQU%2Fa-jsBVq78VQ%2Fs1600%2FSteampunkCostumes.jpg&imgrefurl=http%3A%2F%2Fididntchoosethis.blogspot.com%2F2012%2F11%2Fso-you-want-to-dress-steampunk.html&docid=kGF4x39K8Qhn5M&tbnid=iBMA_ZgSFY4EcM%3A&w=760&h=350&bih=613&biw=1366&ved=0ahUKEwjHodSc0-7PAhXGjJAKHXiVAjwQMwhqKDMwMw&iact=mrc&uact=8

FILME: https://www.youtube.com/watch?v=jiuzETOkTFQ

É MTO DIFICIL ESCREVER EM UNIVERSO ALTERNATIVO, SOCORR, eu fico pensando em um monte de coisa e fico com dó de n botar na one. Tipo, eu até pensei na guerra que teve e uniu a europa com a ásia (caso n tenha ficado claro, na história tudo é de domínio da inglaterra), e no negócio de evolução das espécies (vcs viram que tinha animais de metal, ne? tipo borboletas e vermes, além das flores). Tinha tido ideias mto mirabolantes da vida do yixing, mas como a fic é sobre ele querendo mudar vidas e, consequentemente mudando a vida do kai, eu tive q me segurar

ENFIM, É ISSO, BJS


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