Spencer's P.O.V
-Mas isso simplesmente não faz sentido! -A pequena mulher de olhos azuis diz jogando os arquivos em cima da mesa.
-Vou tentar explicar devagar pra você entender então. -Tara rebate com um sorriso sarcástico no rosto.
-Eu tenho um Q.I. de 182, não preciso que me expliquem nada, obrigada pela preocupação.
Nossos olhos estavam em uma espécie de ping pong. A cada frase desferida nós olhávamos pra uma ou pra outra mulher, e o clima ia pesando cada vez mais, mas ninguém tinha coragem o suficiente de se meter no duelo verbal que as duas travaram.
-É muito simples. Ele matou as vítimas porque elas lembravam fisicamente o objeto de desejo dele. Então ele transferiu tudo pra cima delas e as matou. Provavelmente procuramos um homem branco, frustrado com a vida, cuja esposa pode ter morrido e que se refugiou em contos de fadas. -A agente Lewis se encosta na cadeira e eu vejo a Morelli se levantar, furiosa, ainda que contida.
-Não faz sentido. A não ser que a mulher morta dele consiga ser ruiva, morena, asiática e loira ao mesmo tempo.
-Desculpe, Tara, mas a Angelina está certa. Foram duas loiras, uma morena, uma ruiva e uma asiática. É impossível ser esse o perfil dele. O unsub que procuramos provavelmente é um professor de história ou de religião, solteiro entre os 30 e 40 anos, e que de alguma forma teve relação com a vítima. -Me meto no meio da conversa, cansado de tanta briga.
-O bonitão tem razão. Nós conversamos com a família das vítimas, Tara. Eles mesmos disseram que as mulheres eram todas solteiras e gostavam de curtir a vida. -Morgan acrescenta e então um pensamento me vem à mente.
-Exatamente. Eu diria que ele saia da biblioteca e ia pra praia ler os seus contos. Quando achava uma moça de seu interesse, eles tinham um caso e quando ela não correspondia às suas expectativas ele a matava. -Angelina diz por fim, com um tom vitorioso (e merecido).
-Então estamos prontos pra lançar um perfil. -Hotch, que até então se mantinha quieto perante a confusão, interveio. Nós nos dirigimos até a sala aonde os policiais se encontravam e começamos a explicar o perfil. -Estamos a procura de um homem branco de aproximadamente 30 a 40 anos. Ele pode ser professor de história, de religião ou de culturas menos conhecidas.
-Ele também é solteiro e fisicamente atraente, porque conseguiu seduzir todas as vítimas, as matando quando elas não atingiram suas expectativas. -Acrescento.
-Acreditamos que o unsub frequentemente esteja indo à biblioteca e em seguida à praia, a procura de mais uma vítima. Estas, são escolhidas aleatoriamente e de acordo com o seu porte físico, considerando que todas as vítimas eram consideradas extremamente atraentes. -Finaliza e os policiais concordam, saindo do local.
Verifico o relógio e noto ser quase 22h, então Hotch nos manda guardar nossas coisas e somos todos dispensados pro hotel. Dois carros da policia nos esperavam pra nos levar pro estabelecimento, então em menos de 15 minutos chegamos ao prédio contemporâneo e moderno. Cada um recebe sua chave do quarto e todos entramos no elevador, que vai esvaziando conforme ia dando nosso devido andar, me deixando sozinho com a Morelli, que se mantinha perdida em pensamentos.
Ouso olhar pra ela de soslaio e noto que ela ainda usava o meu suéter, que era quase um vestido pra ela. Suas mãos estavam cruzadas em frente ao corpo, e ela mordia o lábio, olhando pros números vermelhos que mudavam conforme subíamos um andar. Seu olhar era indecifrável, e eu sabia que ela estava longe, mas não conseguia saber aonde. Quando o elevador para, ela parece despertar de um transe, piscando rapidamente algumas vezes e olhando reto, antes de sair. Ela tira as chaves do bolso e nós andamos em silêncio em direção aos nossos quartos, que estranhamente ficavam no mesmo caminho.
Ao perceber que estou atrás dela, ela franze o cenho, dando um sorriso divertido.
-Esse prédio está cheio de agentes do FBI, tem certeza de que quer me seguir? -Pergunta parando em frente ao quarto 713, o último do último andar.
-Tecnicamente esse é meu quarto, então quem está me seguindo é você. -Digo pegando minha chave e mostrando os números 713 gravados.
-Não, esse é o meu quarto. -Mostra a chave idêntica a minha, com os mesmos números e eu franzo o cenho. -Entra, eu vou ligar pra recepção.
Assinto com a cabeça, ainda meio desnorteado. Como é possível o universo conspirar tanto contra mim? Ela pega o telefone vermelho e eu coço a nuca, sem saber ao certo o que fazer. Olho em volta e percebo que era um quarto aconchegante, com uma cama de casal grande e um banheiro. Na parede, uma televisão estava anexada à parede, e um controle remoto tinha sido deixado na escrivaninha. No canto, havia um armário feito de bambu com várias toalhas e cobertores, junto com alguns kits de shampoo e condicionador. Tudo que precisaríamos. Vejo a menina desligar o telefone, frustrada e a olho, incentivando-a a falar.
-Os quartos estão todos lotados. Vai ter que ser esse mesmo. -Morde o lábio falando ainda meio insegura.
-A cama é grande, podemos dividir, se estiver tudo bem pra você. -Sugiro e sinto minha face esquentar com a ideia de dormir com ela. Não é como se fossemos fazer algo, mas como homem, eu admito que a ideia não me desagrada. Além de excêntrica, Angelina era extremamente atraente. Com seus olhos azuis profundos e misteriosos. Ela poderia afogar alguém lá.
-Ahn... Claro. Isso. -Sua face ganha um tom avermelhado também e por um momento eu me pergunto se ela pensa a mesma coisa. Por um momento. Mas vamos ser bem francos, isso é quase impossível. -Está com fome? Podemos pedir alguma coisa pra comer. -Diz numa tentativa bem sucedida de mudar de assunto.
-Claro. O que você quer comer?
-Que tal comida japonesa? -Pergunta animada e eu assinto. Ela então volta a pegar o telefone e nós fazemos nosso pedido.-Vai demorar uns vinte minutos. Eu acho que vou tomar um banho, tudo bem? -Seus olhos azuis me encaram e eu concordo com a cabeça, murmurando um "claro". Merda, Spencer.
Por sorte ela parece ocupada demais pegando sua tolha e um kit de shampoo e condicionador, então não nota a minha fracassada tentativa de parecer natural. Escuto a porta do banheiro se fechar e respiro aliviado, tendo um tempo de me recompor e me tornar uma pessoa de verdade. Tiro os sapatos e deixo no canto do quarto, sentando na cama e ligando a televisão em um episódio de Doctor Who. Admito que prefiro os doutores mais antigos, mas os atuais também não são ruins. Era uma espécie de maratona que começava desde a primeira temporada do atual (que já começa no 9 doutor) até sabe Deus aonde. Fecho os olhos rapidamente e pego no sono por um tempo, mas acordo sentindo cheiro de amêndoas. Abro os olhos pra ver a origem do cheiro e vejo algo branco em cima de mim.
Franzo o cenho e noto então ser o tecido da toalha da Angelina, que estava debruçada sob mim, tentando pegar alguma coisa na fresta da cama. Coloco a língua entre os dentes tentando identificar qual parte do corpo exatamente estava em cima de mim, quando o tecido enrosca em uma lasca da madeira da cama e cai, mostrando sua barriga e um pedaço dos seus seios.
-Ahhhhh! -Grita, me fazendo gritar também.
-Não estou olhando! -Fecho os olhos, embora já fosse tarde demais. Admito, entretanto, que ela tinha um corpo lindo.
Sinto seu corpo sair de cima de mim e um barulho de tecido, então vejo que ela já tinha a recolocado no lugar aonde deveria estar.
-Desculpa, eu não...Pode abrir os olhos, Spencer. -Diz e eu obedeço, piscando algumas vezes e a olhando confuso. -Eu saí do banho e precisava do meu sutiã, mas ele caiu na fresta da cama e você estava dormindo, então não quis te acordar, mas a toalha enroscou em alguma coisa e caiu. -Sua voz era rápida e ela ia atropelando as palavras, me fazendo abafar um riso. Se a situação não fosse tão constrangedora eu até riria. Ela senta na cama ao terminar de falar, parecendo frustrada, como uma criança faz quando o pai nega ler uma história de dormir pra ela.
-Não tem problema... Digo, não foi... Quero dizer que não tem problema, acontece, e eu não olhei nada. -Ergo as mãos em sinal de rendição e ela parece aliviada, ainda que inconscientemente ela saiba que é mentira.
-Eu vou... Me trocar...-Ela se levanta e volta pro banheiro. Passo as mãos no rosto, tentando apagar aquele momento da memória, mas era uma tarefa impossível. A porta então é aberta novamente e ela coloca a cabeça pra fora da fresta. -Reid, você pode pegar o meu sutiã na fresta da cama? Por favor? -Pede e eu concordo, pegando a peça de roupa com facilidade.
Não consigo não reparar nos ursinhos desenhados e reprimir uma risada. Noto também, o tamanho da peça. Franzo o cenho, e entrego pra ela, que pega rapidamente e volta a fechar a porta.
-Obrigada. -Diz num tom abafado e antes que eu possa responder a campainha é tocada, relevando o rapaz da secretaria.
-Dois temakis, yakisoba misto e uma porção de sushis de salmão? -Lê o pedido e eu concordo com a cabeça. Pego a sacola e coloco em cima da cama, esperando a menina que ainda se vestia.
A porta do banheiro é aberta e eu dirijo meu olhar pra ela, engolindo em seco quando a vejo. Ela secava seus cabelos curtos com a toalha e seu corpo estava coberto por uma regata e um shorts com estampa de pandas. Não era curto, mas era o tipo de roupa de incitava a sua curiosidade. Fazia você querer descobrir o que tinha por trás daquilo. Ela inteira era assim, na verdade. Uma incógnita.
-Se eu soubesse teria trazido algo menos indecente. Desculpa. -Pede e eu nego com a cabeça.
-Tudo bem. -A frase sai num pingo de voz, então pigarreio, tentando retomar a minha dignidade. -A comida chegou. -Aviso e seu humor logo muda. Ela se senta ao meu lado como um foguete e seu semblante era animado. A menina pega um dos temakis e começa a comer, olhando pra televisão.
-O que está passando?-Pergunta animada e sorri ainda mais quando identifica a série. -Doctor Who! -Exclama e eu concordo com a cabeça, pegando o meu temaki e comendo.
-Você também gosta? -A olho com expectativa e ela concorda.
-Embora o meu favorito seja o quarto, gosto dos mais atuais também. -Dá de ombros. Ela só pode estar brincando.
-O meu favorito é o quarto também! -Afirmo e ela parece tão surpresa quanto eu. Não consigo reprimir um sorriso, então nós voltamos a olhar pra televisão.
Tirando o fato de eu não conseguir comer sem me sujar, estava tudo agradável. Era bom ter a companhia dela. Olho pra ela de canto e vejo que ela murmurava as frases junto com a série. O canto da sua boca estava cheio de cream cheese, a deixando com uma aparência infantil, principalmente se combinada à sua estatura e ao seu pijama de pandinhas. A ver assim tão relaxada me parece contraditório. Ela é um paradoxo. Ficar um ano em cativeiro destruiria o psicológico de qualquer pessoa, e ainda assim, cá estamos, comendo e assistindo Doctor Who. Ela é a pessoa mais forte que já caminhou sob a Terra, e isso é um fato irrefutável. Eu não consigo nem imaginar as coisas terríveis que ela passou, e o quanto isso deve ter sido traumático pra uma pessoa sinestésica como ela. Não consigo imaginar os pesadelos, o medo de estar sozinha, traumas sofridos em cativeiro. É horrível demais pra minha cabeça.
-Em que está pensando?-Me pega desprevenido, pegando o par de hashis que estava na sacola e me entregando outro. Ela então começa a comer seu yakisoba, esperando a minha resposta, mas eu apenas nego com a cabeça.
-Nada demais.
-Você é um péssimo mentiroso, sabia?
-Sabia.
-Mentira. -Diz me dando um tapa de leve no braço e começando a rir. Sorrio. Era o que eu tinha vontade de fazer quando eu via sua risada. -Me diz no que está pensando. -Arqueia a sobrancelha desafiadora e eu a olho.
Que você fica linda quando sorri.
-Coisas do caso. Acha que vamos conseguir pegá-lo antes dele matar mais alguém? -Pergunto e ela suspira.
-Eu sinceramente não sei. Espero que sim. Mas ele está ficando cada vez mais rápido. Eu não duvidaria se ele fosse amanhã atrás de outra vítima. Seu desejo só vai aumentando e ele vai se tornando menos tolerante a cada vítima. Está impaciente.
Cruzo as pernas ponderando sobre o que ela disse e de fato faz sentido. Abro o meu hashi e o separo, tentando comer, numa tentativa falha.
-Reid? -Me chama e eu a olho. -Você não sabe comer com hashis?-Pergunta e eu apenas rio.
-Claro que eu sei, eu só...Não. -Digo por fim e ela começa a rir. -Não ria! Parece que eu estou comendo com dois lápis. -Bufo frustrado e ela pega um elástico na bolsa, enrolando nos hashis.
-Pronto criança, acho que agora vai ficar mais fácil. -Sorri e eu arqueio a sobrancelha.
-Criança? Eu tenho 32 anos. -Bufo frustrado pegando o hashi. -Obrigado.
-Internamente. -Pisca e eu sinto uma sensação estranha. Ela então volta a comer seu yakisoba e eu faço o mesmo, prestando atenção na série.
A noite se segue cheia de risadas e mais discussões sobre ela me chamar de criança e ser mais nova do que eu. Aliás, quando mencionei o fato dela estar usando um pijama de panda, ela apenas abanou as mãos no ar e bagunçou o meu cabelo, murmurando alguma frase sem sentido nenhum. Quando terminamos de comer, ela jogou os potes de plástico no lixo, junto com a sacola e voltou a se deitou ao meu lado. A cama era grande o suficiente pra dormirmos sem nos encostarmos, então cada um foi para um canto. Uma chuva fraca começa a cair e nós desligamos a televisão. Fecho os olhos e rapidamente durmo, devido ao cansaço. Não tive nenhum sonho.
Sinto então um pequeno corpo se debatendo do meu lado e me fazendo despertar.
-Sai de cima de mim! Por favor! -Murmura se debatendo e eu vejo uma lágrima escorrer dos seus olhos.
Cerro os olhos e respiro fundo, a puxando pra perto de mim e a abraçando, de forma que ela se sentisse protegida e não viesse a ter pesadelos. Depois de um tempo ela para de se debater. Enxugo suas lágrimas e ela apoia a cabeça no meu peito, colocando a perna por cima da minha. Okay Spencer, você consegue lidar com isso, é só a Angelina. Sua respiração então vai ficando mais lenta e eu percebo que seu pesadelo acabou. Sorrio de leve e beijo sua testa, fechando os olhos e seguindo o mesmo passo da menina, ao pegar no sono.
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