Quis o destino que Alexandre Nero e Giovanna Antonelli se reencontrassem no trabalho pela terceira vez por intermédio de uma peça de teatro. Isso mesmo: palco, encenação, drama e tudo mais. E ainda por cima, com um roteiro escrito pelos grandes atores Glória Menezes e Tarcísio Meira. Céus, que oportunidade incrível! Que sonho! Que honra! Eles não podiam estar mais felizes, por isso, tinham certeza de que iriam viajar muito, conhecer novas pessoas e fazer muito sucesso. Só não imaginavam que iriam passar por uma única situação: dividir o mesmo dormitório.
Mas lá estavam os dois, em frente à porta do quarto de hotel. A atriz mantinha os braços cruzados, apertando-se contra seu próprio corpo numa tentativa de conter um pequeno desassossego. Já o ator, segurava nas mãos o cartão chave que destrancava a abertura. Ao contrário da loira, ele não estava inquieto, nem apreensivo. Pra falar a verdade, estava feliz em dividir o quarto com a parceira. Então, quando inseriu o cartão num pequeno dispositivo e abriu a porta, Nero sorriu para a amiga e falou:
— Primeiro as damas. — fez um sinal com uma das mãos, indicando que Giovanna deveria entrar na frente.
A loira o encarou, forçou um pequeno sorriso e caminhou em passos lentos até adentrar no dormitório, que era iluminado pela luz do dia vinda da enorme janela. Era um local bem espaçoso, enfeitado por uns quadros pendurados nas paredes e duas poltronas largas com almofadas decorativas. Além disso, também possuía uma TV e uma outra porta que dava acesso ao toalete, mas Giovanna nem sequer percebeu isso tudo, porque no momento em que ela entrou no aposento, só conseguiu enxergar a enorme cama de casal.
— Nós vamos dormir na mesma cama? — ela falou baixinho, mais para ela própria do que para o amigo.
— Nossa... — Alexandre disse após entrar no dormitório e fechar a porta. — A galera nem nos avisou sobre isso. Quer que eu peça para os funcionários providenciarem duas camas de solteiro? — perguntou gentilmente, torcendo que a atriz negasse.
“Merda. O que falo agora? Se eu disser que não precisa trocar a cama, Nero vai achar que eu quero dormir com ele. Se eu falar que as camas de solteiro seriam preferíveis, ele vai desconfiar que eu estou escondendo que quero dormir com ele. Meu Jesus.” — a loira pensou, confusa. Mas acabou escolhendo a primeira opção. Talvez porque não quisesse parecer inconveniente, talvez porque desejasse mesmo dividir a cama com ele.
— Não precisa, pode deixar a cama como está. É só por hoje mesmo... Tudo bem pra você?
— Por mim ta tranquilo. — o moreno respondeu tentando parecer indiferente, mas por dentro estava comemorando. Depois, olhou para o canto, viu suas respectivas bagagens e acabou mudando de assunto. — Olha, já trouxeram nossas malas. Cê vai querer pegar algo? Amora pediu que fôssemos rápidos para almoçarmos com a equipe.
— Ai, vou trocar de blusa. Aqui não tá tão quente quanto o Rio. — ela respondeu e se dirigiu até onde as malas estavam. — E tu? Não sente frio não?
— Vocês cariocas não podem entrar num lugar com menos de trinta graus, que já pensam em frio. — ele riu e a atriz semicerrou os olhos. — Não troca de roupa nada! Eu não vou trocar. Olha o tempo que faz lá fora, sua louca.
— Mas eu estou acostumada com aquele calor infernal do Rio, né Nero? Olha a finura dessa blusa. — Giovanna disse, e, sem malícia, passou a mão pelo tecido da roupa que usava, mas Alexandre aproveitou o momento para encarar seu corpo descaradamente. Ela se arrepiou inteira quando sentiu aqueles olhos, que mesmo distantes, observavam-na de maneira tão ímpar, tão lasciva e, ao mesmo tempo, tão leve.
— Na minha opinião, não precisa mudar. — Alexandre disse após uma breve pausa, e se sentou em uma das poltronas do quarto. — Você fica ótima assim.
— Obrigada... — respondeu sem graça e pegou uma blusa cinza de manga média na mala. — Mas vou trocar mesmo assim, não aguento esse clima de São Paulo. — ela decidiu e o moreno gargalhou do jeito engraçado que a loira falou.
— Tá bom, mas não demore, senão daqui a pouco a chefa bate aqui.
— É rapidinho. — Giovanna entrou no banheiro para mudar de blusa, mas não fechou a porta, porque realmente era uma tarefa simples. — Aff, estou morrendo de fome. Tu sabe onde vamos almoçar hoje? — ela perguntou enquanto trocava de roupa.
De onde o ator estava sentado, era possível enxergar apenas umas sombras da loira se movendo. Alexandre conseguia ouvir que lá de dentro, a amiga falava alguma coisa, mas ele estava tão hipnotizado com a visão imaginária de Giovanna só de sutiã, dormindo na mesma cama que ele, que não conseguia absorver nenhuma das palavras da atriz.
— Nero? — ela de repente saiu do toalete com a nova blusa recém colocada, mexendo nos fios de cabelo que ficaram por baixo da roupa. — Tu me ouviu?
— Ah, desculpa.. — o ator falou meio aturdido, saindo de seus devaneios. — Tava pensando em outra coisa. Pode repetir?
— Eu tinha te perguntado se você sabe onde vamos almoçar. — Giovanna falou distraída, sem reparar no suspiro que o moreno deu, e foi pegar a bolsa para os dois saírem.
— Não sei não. Amora me contou que a equipe já tinha decidido um lugar mais reservado pra gente acertar os detalhes dos ensaios.
— Poxa, mas tu não me falou que ia levar a gente pros seus mil e um restaurantes? — ela falou rindo e Alexandre se levantou, porque já estava na hora de encontrarem a produção na recepção.
— Quando chegamos aqui, não quis incomodar e acabei não propondo nada. Mas... — ele começou a pergunta que tanto queria fazer, um pouco receoso. — Se você quiser, podemos sair pra jantar hoje num bar. Só nós dois. Topa?
— Claro. — a atriz respondeu sem rodeios, e até ela se surpreendeu com aquela audácia. — Depois de tantos elogios à esses lugares, fiquei curiosa.
Eles foram até a recepção e já encontraram praticamente toda equipe lá, inclusive Amora, que bateu palminhas quando os viu. Foram no mesmo carro até o restaurante, junto com mais duas pessoas da produção, e ficaram conversando para o tempo passar mais rápido no trânsito terrível de São Paulo. Giovanna dizendo que tinha agonia àquela poluição toda; Alexandre contando que via muita poesia nos grafites das paredes. Os dois sorrindo um para o outro. Sempre.
Quando chegaram ao restaurante, se reuniram com o resto da produção que viera em outros veículos. Amora, dona da voz de comando, era a que mais falava na mesa. Dava todos os avisos, organizava os horários com precisão e arrancava boas gargalhadas da turma toda. Giovanna também ria com entusiasmo e demonstrava ser a pessoa mais concentrada da conversa. Já Nero, parecia acompanhar aos poucos e estar interessado. Só parecia, porque ele não estava prestando atenção em nada.
Quer dizer, quase nada. A mísera parte de consciência atenta do moreno estava toda voltada para a atriz. Ele olhava do cabelo para o rosto, do rosto para o pescoço, do pescoço para os ombros. Encarava o jeito que ela movimentava as mãos de maneira ágil para se comunicar, o modo como os olhinhos dela ficavam pequenos quando ela ria muito, e, sobretudo, o hábito que Giovanna tinha de passar a língua nos lábios involuntariamente.
“Que diabos, Alexandre! É só a Giovanna. Você já viu ela mil vezes.” — ele tentava pensar visando uma pausa no ato de ficar babando pela loira ali, na frente de todo mundo. Contudo, parecia que cada movimento daquela mulher instigava-o constantemente. A atriz ria, ele ria junto. Ela falava algo, e ele tentava comentar qualquer coisa. Nero só conseguia pensar no jeito dela. No rosto dela. No corpo dela. Céus, aquilo era tesão. Era muito tesão.
Enquanto isso, o tempo passava e o grupo ia organizando toda a agenda do projeto. Acabaram conversando mais que o previsto, e lá pras 17h, Amora recapitulou algumas informações básicas, pois já estavam deixando o restaurante.
— Então gente, ficou decidido que amanhã, depois que trocarmos de hotel, vamos conhecer o espaço para os ensaios e verificar se o cenário está ok. Sábado, Giovanna e Alexandre darão início à caracterização e experimentarão certinho algumas roupas do figurino.
— Domingo vai rolar algo ou não vai? — Nero perguntou, porque ficou confuso com os planos para aquela data.
— Pra eu, você e Giovanna, talvez existam compromissos. Mas, pro resto da equipe, domingo é dia de folga. — a diretora respondeu e algumas pessoas da produção sorriram. — Aproveitem meus queridos, porque segunda-feira os ensaios começam pra valer e eu quero todo mundo no pique!
Eles pagaram a conta e depois se despediram. A maioria das pessoas foi andar pela cidade e resolver outros afazeres, entretanto, Amora, Alexandre e Giovanna voltaram para o hotel. Os três pegaram carona com um rapaz da cenografia e, quando finalmente chegaram lá, foram andando em direção aos seus respectivos quartos, enquanto batiam papo.
— Ai gente, estou tão ansiosa. — a atriz falou de repente. — Quero que segunda-feira chegue logo.
— Relaxa, o tempo vai voar, deusa. Estamos tão cheios de compromissos que quando a gente se tocar, já vai ser o dia da estréia da peça.
— Eu não vejo a hora. Sonhei tanto com isso! — Giovanna disse num tom de voz esperançoso, beirando à graciosidade. E Alexandre sorriu com atitude dela, pois achava a coisa mais fofa do mundo ver a mulher agindo quase como uma criança à espera do Natal.
— Também quero muito que chegue o grande dia, mas agora, a única coisa que desejo é uma caminha. Sério, estou morta de cansaço. — Amora falou quando os três entraram no elevador para subir pros quartos.
— Acho que também vou dar uma cochilada. Mas só um pouquinho, pra aproveitar a noite. — Nero comentou.
— Cê vai sair pra jantar? — a diretora questionou.
— Ah, eu e a Gio pensamos em ir para um bar. Nada demais. — o ator respondeu, mas ficou sem graça de não convidar Amora. — Se você quiser ir com a gente, o convite está de pé. — ele falou, suplicando com o olhar para que a diretora negasse. Mas graças à Deus, ela era esperta e sacou na hora que o amigo queria um encontro à sós com Giovanna. Por isso, respondeu:
— Não, não... Estou exausta. Podem ir vocês. — Amora piscou discretamente para Alexandre, enquanto a porta do elevador se abria. Era o andar onde se localizava o quarto dos dois atores. O dormitório de Amora era mais pra cima.
— Que pena, Amorinha. Nos vemos amanhã então. — a atriz mandou beijos no ar para a diretora e saiu com Nero no corredor. Os dois acenaram para a amiga e continuaram a andar até o quarto, mas antes que a porta do elevador se fechasse, eles ouviram a voz debochada de Amora gritando:
— Tenham uma ótima noite. E não se esqueçam: amanhã mudamos de hotel e não tem mais essa de dividir o quarto. Por isso, aproveeeeitem!
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