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História Não conte nada aos girassóis - Um dia Amarelo


Escrita por: HeyMaxi

Capítulo 4 - Um dia Amarelo


Fanfic / Fanfiction Não conte nada aos girassóis - Um dia Amarelo

 

Passaram-se os dias, voavam-se os pássaros, e os girassóis se mantinham imaturos. 

As flores tardavam sua forma final, expeliam o homem de perto de si com o gosto de suas sementes ainda impróprio para que fossem colhidas.  Castigavam o paladar do cultivador. Queriam que ficasse longe. As flores queriam permanecer intocadas. 

Ninguém pode apressar a maturidade. Isso desde que os dois girassóis descobriram, que apenas uma única coisa podia ligá-los entre si: ou seu amor de irmão, ou os maus toques bem intencionados um no outro. As  duas coisas não deviam se fazer presentes ao mesmo tempo, as outras flores não aceitariam aquilo.  

As flores queriam permanecer intocadas, pois agora se banhavam nos raios de sol de lados opostos, distantes, tristes, magoadas. Aquilo era culpa dos botões do cultivador que se recusavam a tornarem-se flores. 

Tanto os girassóis, quanto os fios amarelos, e o coração florido. Ambos queriam manter o pobre homem distante. 

As flores queriam permanecer intocadas...

Jongdae sentava-se ao pé dos degraus de madeira, tomava sol na varanda da casa azul. Seu olhos perdidos entristeciam até mesmo os pobres animais,  e lhe castigava a saudade que sentia dos beijos em sua face, em suas mãos, em sua boca. E seu olhar evidenciava isso quando seu rosto triste se voltava a Xiumin, no fundo da varanda, sentado no banco de madeira pintado de branco, recostado a  cerca embaixo do teto, com o sol impedido tomando seu rosto por apenas um feixe. A muitos dias os dois se afastaram, e Jongdae se castigava por um dia ter se questionado se os selares eram certos ou errados, pois logo após isso, sua cama voltou a ser tomada nas noites frias, e as páginas do livro do loiro voltaram a ser folheadas. Era melhor se perder com informações sobre as estrelas, que encarar o olhar de Jongdae.

O pai e a tia haviam ido até a cidade, deixando os dois garotos a sós, com apenas alguns ruídos dos animais cortando o silêncio. E pelo olhar inconformado, o menor seria o próximo animal a fazer barulho.

-Xiumin... – chamou mais de uma vez, até que os fios loiros dessem lugar aos olhos escuros, e ele desviasse a atenção das páginas – não está falando comigo... 

-Eu ‘to lendo, Jongdae – ambas as vozes baixas, tímidas, quase sussurrantes.  Explicou tentando permanecer o mais impassível que conseguia.

-Eu sinto sua falta... – o menino se levantou, caminhando  devagar, fazendo barulho dos sapatos na madeira, e seu olhar quase lacrimejante fazia as palavras serem ouvidas com atenção – sinto falta de dormir com você, não gosto mais de dormir só, é frio.

-Jongdae... – seu olhar era sério, ele suspirou parecendo cansado daquela situação – você mesmo disse que não devíamos ficar tão próximos, não disse?

Sim, ele disse. Por medo, e com incerteza, queria que alguém fosse a voz da razão, mas não queria que fosse ele, pois não achava nada do que sentia, um erro... – mas eu não tinha razão, gosto quando me beija, e quero que fique perto de mim. Não é errado, ora, até por que... – Jongdae perdeu a chance de ficar calado, sim, ele iria se arrepender disso. Mas queria estar certo, mesmo que isso significasse tocar na mais crua e dolorida verdade – Nós nem somos irmãos de verdade.

A boca entreaberta de Xiumin confundia a passagem de ar, seu corpo estava imóvel, aquelas palavras, por que? Por que Jongdae havia dito aquilo? – Jongdae?

O livro escorregou por sua coxa quando levantou, as folhas foram de encontro ao chão. Os girassóis sacudiram, e uma lágrima de Xiumin caiu como pétalas.

-Sabe Xiumin, eu pensei que você podia explicar ao pai, talvez ele entenda, se o fizer lembrar que não somos irmãos de verdade, e...

-E o que? – a voz gritante cortou o vento – quer que eu lembre a ele que não somos irmãos, pra você se livrar da culpa? Quer que eu encare meu passado Jongdae? – falava rápido, sua voz embargada,  cuspindo seu choro, sentindo ser chutado numa ferida que não demorou a cicatrizar, mas que lhe deixou uma marca profunda – quer me fazer lembrar que eu não tenho ninguém? que me deixaram sozinho no mundo? Que se não fosse pelo pai eu não teria ninguém do meu lado agora? – as lágrimas colidiam com a madeira, e Jongdae engolia em seco já se arrependendo daquilo tudo – Eu faria qualquer coisa por você Dae, mas eu preciso do pai mais do que nunca, preciso dele agora mais que em qualquer momento da minha vida. Quer que eu vá até ele e  jogue na cara  que ele não é meu pai de verdade, e tudo isso pra você não se sentir culpado quando me beijar? – tentava controlar sua respiração nervosa, as arfadas de ar entrecortando a voz,  os punhos cerrados, os dentes friccionando, seu coração apertado. – você é tão egoísta Jongdae...

O mais velho passou pelos ombros de Jongdae, seus passos fortes o levaram a porta, entrando na casa e sumindo de vista, deixando rapidamente um moreno pra trás, com uma tristeza que antes se dava por tê-lo calado, e dormindo em outra cama, mas agora, se dava por ter  o magoado  da pior forma possível. Agora sozinho, com seus olhos perdidos, confessou num sussurro pro vento – Eu só quero ficar perto de você, sem que ninguém  possa ter motivos pra te tirar de mim...

 

...

A casa foi tomada por uma atmosfera pesada, um silêncio que fazia os ouvidos zumbirem. O pai chegou junto com a noite, a caminhonete fazendo barulho de motor do lado de fora. Ele e  Betty seguravam sacola de todos os tamanhos, algumas tinham comida, outras tinham coisas que a tia mal deixou que passassem pela vista dos meninos, guardando tudo  em seu quarto. Sorria pra eles querendo deixar uma atmosfera divertida de segredo, mas os olhos dos garotos exibiam um escuro sem brilho, um preto fosco. De caras abatidas. Queria perguntar o que havia se passado, mas os dois fugiam de suas perguntas e se faziam fora de vista, trancados no quarto, em camas diferentes, de costas um para o outro. As flores queriam permanecer intocadas. Jongdae não  gostava daquilo, ao invés de deitar abraçado ao loiro, tinha de ficar daquela forma, sozinho, sentindo sua respiração ricochetear na parede. 

A hora do jantar foi anunciada pela mulher, e todos tiveram que descer e sentar-se a mesa, como uma família. Mas a mágoa que Xiumin sentia, junto a culpa de Jongdae que mal tocou no prato, imergiu todos em um ato de comer controverso, os repentinos maus hábitos eram estranhos aos olhos do homem e da mulher, o de silêncio, o de não olhar os olhos de ninguém, o de não responder a nenhuma pergunta feita à mesa. Calados, esguios. As flores queriam permanecer intocadas...

-Xiumin, é a ultima vez que te pergunto, por que estão assim? – ditava o homem na ponta,  entredentes, seu olhar passeando a mesa, observando o que comiam, esperando uma resposta do mais velho a esquerda.  Que comia devagar em porções miúdas, e não parava o ato de mastigar pra  dar voz a uma explicação aceitável – Jongdae, você não vai comer? – o homem bufava e tinha o torso inquieto, estava perdendo sua paciência com aquilo, o filho mais novo não estar devorando a janta de forma alvoroçada lhe consumia de preocupação, aquilo jamais foi visto antes – Qual é? o que tá acontecendo com essa família hoje?

-Eu só não quero comer – uma resposta baixa de Jongdae, como se não quisesse ser ouvido, não era o suficiente para tranquilizá-lo. E calada, como um juiz que se atenta aos movimentos metodicamente, Tia Betty notava o anormal tremor nas mãos do líder da casa, seus movimentos involuntários, a vermelhidão se formando no rosto, a expressão se fechando, a voz cada vez mais alta.

-Kim Jongdae, coma! – seu tom imperativo como uma ponta de faca, uma ordem direta, um teste, uma forma repentina de impor seu poder sobre os filhos que nunca antes foi usada, aquilo era estranho aos olhos de Betty, e até mesmo Xiumin voltou os olhos ao pai, notando a falta de tato com a situação. Mas os olhos do mais novo ainda se mantinham baixos, ele só não queria ter de explicar, mas não queria ser obrigado a mentir. E qualquer ensaio de resposta foi engolido quando  a impaciência do homem explodiu em gritos na sua direção  – Coma a porcaria da comida agora!

Um baque foi desferido na mesa pela grande e pesada mão esquerda do homem , que se chocou na madeira bem a frente de Jongdae, um tapa que fez os talheres vibrarem sobre os pratos, e a vidraria tremer. Os olhos assustados do moreno eram cópias do olhar de todos, ambos perdidos, incrédulos. Jongdae tremia em pânico, e se encolhia na cadeira diante da expressão raivosa do pai, que ele nunca havia visto antes.

-Adkins! – gritou a tia,   erguendo-se a direita da mesa, apesar do berro intimidador, ela sentia tanto medo quanto os sobrinhos. Xiumin se levantou num pulo  e puxou Jongdae da cadeira, os dois filhos correram assustados escada a cima. Jamais haviam presenciado tanta raiva no olhar pai.

As flores estariam bem, se o homem estivesse bem.

 Os girassóis estavam doentes...

 

...

 

 

Vez ou outra Xiumin olhava por cima do ombro o mais novo encolhido na ponta do colchão, ameaçando despencar da cama a qualquer momento, seu olhar perdido na madeira, algumas lágrimas ameaçando pingar pela ponta do nariz.  Jongdae estava atônito, talvez o grito ainda reverberasse em sua mente. 

O loiro não deixaria o irmão magoado a mercê do frio e do  silêncio, sua própria mágoa não era maior que o amor que sentia por aquele corpo magro, fios negros, e olhos repentinamente tristes. Arrancou o cobertor grosso de si,  apagando a luz ao levantar, e deitando em seguida no canto da cama de Jongdae quando passou por cima dele, recostado a parede, tomando seu corpo por trás com os braços, e  tratou de reconfortá-lo:

-Eu não sei o que aconteceu lá embaixo, mas não fique pensando nisso. Ele devia estar nervoso. E você devia ter comido. – disse soprando sobre as orelhas do mais novo.

Jongdae virou-se para encará-lo, seus olhares se encontrando no escuro, as respirações calorosas lutando contra o ar frio – Não queria que ele soubesse o que eu te disse, eu me arrependo muito daquilo, me desculpa Xiumin. Você tem razão, eu fui muito egoísta. Isso tudo está nos trazendo problema, aquilo lá embaixo foi culpa minha. Vamos parar de uma vez com tudo isso. Ta? 

Xiumin concordou com um aceno de cabeça, que não tinha certeza se foi visto por estarem no escuro. 

Os olhos já beiravam  a inconsciência, quanto um exclamar abafado de Betty foi ouvido, algo como um grito, que se calou no mesmo segundo. Um nível de tumulto era perceptível nos quartos abaixo deles. Os dois irmãos correram escada abaixo, serpentearam pelos móveis, e só pararam quando chegaram a porta do quarto do pai, de onde vinham os sons nervosos. Xiumin batia a palma na porta repetidas vezes e chamava pelo pai, enquanto Jongdae recuava dali, temendo encontrar o homem tão nervoso quanto a horas atrás. Mas toda a ação vista foi a porta abrir minimamente e tia Betty aparecer por ela, colocando apenas parte do corpo pra fora, e pela fenda, o loiro pode ouvir o choro do pai, se lamentando pra Irmã.

-Meninos voltem pro quarto de vocês agora! – a  mulher empurrava  o peito do sobrinho mais velho , com ordem na voz, mas ele se recusava a mover-se dali,  tentando ver através do espaço entre a mulher e a porta entreaberta.

-O que tá acontecendo ai dentro? – tentava separar-se dela e de suas mãos insistentes. 

-Não é nada meu querido, por favor, volte pro seu quarto agora mesmo. Os dois!  

Jongdae puxava a mão do irmão dali, seus braços esticados para fazê-lo voltar para o  andar de cima. E se não fosse os olhos assustados do moreno, Xiumin não o faria. 

Custaram a dormir naquela noite, pois baques surdos e vozes que se sobressaltavam mas não eram compreendidas podiam ser ouvidos.  O loiro apertava o menor sobre o peito a cada vez que algo audível demais acontecia. Foi necessário uma chuva forte, e trovões, pra emudecer e confundir os sons. E só assim, eles perderam sua preocupação para o sono.

 

...

 

Aquele episódio da madrugada foi esquecido no dia seguinte, como algo que simplesmente aconteceu, e que como tratou de explicar tia Betty “Era coisa de adultos” 

Se não tivessem ouvido o barulho tempestuoso da chuva e dos trovões, poderiam dizer que ela não aconteceu, pois o dia estava claro, e não havia o menor sinal dela no solo. Mais uma vez, acordaram sozinhos, de novo os mais velhos da casa haviam os deixado e ido a cidade. A menos dessa vez, Xiumin e Jongadae estavam bem um com o outro  – como sempre acontecia, não cabia tanto rancor em seus corações floridos – e conversavam no quarto sobre o quanto seria bom ter um cão e sobre aproveitarem a chuva algum dia pra roubar mel das abelhas. 

Ouviram o conhecido som do motor. Haviam chegado, e Jondae notou quando avistou pela janela a caminhonete parando na frente da casa. E de novo, o pai e a tia voltavam cheio de sacolas. Mas dessa vez, percebeu que tinha alguma novidade pros dois. Já que três pessoas saíram de dentro do carro, e um amarelo meio apagado brilhou sobre o sol lá fora. Pensou em alertar o irmão, mas o mesmo já havia decido pro andar de baixo para recebê-los e ele nem notou.

Jongdae estava incerto sobre aquilo, ponderou por muitos segundos, desceu com passos lerdos, propositais, e a conversa já parecia se desenrolar lá embaixo.

Os quatro na sala, Xiumin de frente pra visita cumprimentando educadamente.  Nem se deu ao trabalho de avançar além do terceiro degrau, apenas curvando o corpo para ser visto de baixo. 

Uma menina que usava um vestido azul comportado, e um sorriso educado para Xiumin – educado até demais, ele diria –  estava entre os irmãos de olhos azuis, seu cabelo era volumoso, com cachos de um loiro mais apagado comparado ao de Xiumin.  “Visitas?” se perguntou, mas já não estava gostando nada daquilo. 

-Jongdae, essa é a Emili, é uma amiga minha da cidade – Tia Betty apresentou, e a menina lhe direcionou um aceno com as mãos, que foi respondido com um “Oi” tímido e um tanto desinteressado do garoto na escada – Ela tinha muito interesse em conhecer vocês, já tinha os visto na cidade, então eu decidi convidá-la pra comemorar o aniversário do Xiumin com a gente.

 O aniversário, até mesmo o loiro havia esquecido de que faria aniversário no dia seguinte. Não havia motivos pra gostar ou desgostar da presença da garota na casa – que aparentava ter uma idade próxima aos dois – afinal, nem a conhecia. Mas o olhar que o pai e a tia trocavam, se referindo ao irmão e a menina, a forma como foram apresentados,  o jeito que o pai falava sugestivo sobre Xiumin ser um cara bonito. Aquilo fez Jongdae tomá-la como uma intrusa. E levado por uma emoção desconhecida por ele, interferiu a conversa, com sua voz se sobressaltando as demais.

-Legal, falta um dia pro aniversário, então volte amanhã! – impôs, não dando a mínima para os bons modos.  

-Jongdae... – o pai alertou. Ouvir mais uma vez a voz do adkins  em sua direção foi o suficiente para lembrar do episódio anterior, ao qual nenhuma desculpa lhe foi pedida, calou-se, ainda com o olhar afiado. Não gostou da ideia, não gostou nem um pouco da ideia... 

-Então – tia Betty tentou cortar o clima com seu sorriso largo, sempre de forma jeitosa para lidar com as coisas – não querem mostrar as terras pra Emeli? 

-Passo... – disparou Jongdae, dando meia volta e subindo novamente as escadas, era feio fazer birra daquela forma, e sabia que receberia broncas. Nunca foram de conflitos, mas o fato do pai e a tia estarem tentando aproximar Xiumin de uma garota daquela forma o fez ficar furioso, batendo a porta do quarto com força ao chegar no cômodo.  O Irmão tinha razão, talvez ele fosse egoísta, talvez ele quisesse Xiumin só pra si. 

...

 

A dias não tinha o irmão consigo – não da forma que queria – e agora pareciam ainda mais distantes.  Só ele sabia o quanto era frustrante ver a menina agarrada a Xiumin o dia todo. Ela resolveu acompanhá-los no trabalho, dizendo querer aprender sobre as atividades no campo, e o loiro parecia se divertir ensinando a ela como cumprir com as tarefas. Aquele sorriso mal intencionado que detectava nos lábios dela fazia seu estômago revirar. Vez ou outra o mais velho segurava sua mão, e envolvia seu corpo no dela pra ajuda-la a manusear alguma ferramenta. Ele não segurava a mão de Jongdae daquela forma quando limpavam as folhas...

O menor cansou de observar de perto a repentina aproximação entre os amarelos. De forma que apenas se emburrou dentro da caminhonete, onde não podia ouvir as risadas e as conversas dos dois de dentro dos vidros fechados. Estava recostado no banco de couro sintético, as pernas cruzadas e esticadas sobre o painel. O rádio ligado era a única voz ali dentro, e Jongdae não queria ouvir ninguém, nem mesmo o locutor que noticiava os acontecimentos recentes de todo o estado. Preparou-se pra calar aquela voz firme e ritmada, já segurando o botão do volume, prestes a girá-lo no sentido anti-horário, quando o assunto da vez chamou sua atenção...

“É um belo fenômeno astronômico, espero que todos possam aproveita-lo, e Deus queira que o céu não esteja nublado, pois a chuva de meteoros está prevista para a madrugada deste sábado. Cerca de cinquenta a setenta luzes por hora poderão ser vistas e será a maior chuva de meteoros registrada nos últimos anos...” 

Distância, redondezas, norte, sul, leste e oeste. Palavras que não entendia o significado, e por fim decidiu apenas desligar de uma vez. Estava irritado demais com toda  a situação, os últimos dias foram tão desgastantes. Decidiu não beijar mais o irmão, seu pai havia gritado consigo, e o pior de tudo, estava mais distante que nunca da única pessoa que lhe trazia a calmaria, e o faria sentir-se seguro. Não precisava de uma garota da cidade pra piorar ainda mais as coisas.

Deixou que a falta de som o fizesse pensar sobre o assunto, seria difícil ver algo dali, mas talvez se subissem a colina, os brilhos cadentes poderiam ser vistos. Não, com um aceno de cabeça em negação e um rosto fechado decidiu que Xiumin não merecia aquilo. Estava irritado com ele, resolveu ignorar tais informações. 

 

...

 

O resto do dia seguiu assim, com o pai e a tia planejando coisas que Jongdae não sabia do que se tratava, e  que Xiumin junto a Emili estavam se divertindo demais pra querer saber. O mais novo passara o dia se emburrando em qualquer lugar da casa, com ninguém pra prestar a atenção em si ou perguntar-lhe o que tinha, ou o que o incomodava, ou  qual flor Xiumin plantou em seu coração desta vez...

 A explosão de fúria que o pai teve à mesa parecia nem ter acontecido, nada foi dito, nada explicado, o fato caiu no esquecimento, e os cochichos entre ele e Betty pareciam ser o motivo disso. Já não sabia onde estavam os fios dourados e a loira, mas provavelmente estariam rindo e conversando por ai, da forma que o irmão já não fazia consigo. Todos a sua volta tinham planos,  o dia era produtivo pra todo mundo naquela casa, menos pro pobre Jongdae esquecido no quarto. Abraçado ao travesseiro, e a um bico birrento e sobrancelhas juntas que nunca se vira fazendo antes. Queria culpá-los, queria enraivecer-se de todos, mas no fim, seus devaneios voltavam ao ponto onde ele foi rude, tratou mal quem acabara de conhecer, fora hostil por tão pouco, não era de se impressionar se os outros estivessem o deixando sozinho de propósito. E se o sentido daquilo era fazê-lo repensar o que fez, e se arrepender, havia funcionado. 

A porta foi aberta com cuidado, fazendo um rangido de madeira quase inaudível. Por tanta timidez em adentrar o quarto Jongdae esperava por Xiumin, mas Betty foi quem deu dois passos a frente, usando chinelo ao invés de sapatos de moça da cidade. 

Escondeu-se na parede no momento em que a reconheceu, estava sendo um menino difícil de lhe dar ultimamente, evitava olhar pra moça, que se vestia de forma mais acomodada ao ambiente, com um vestido e um suéter mais básicos, sem cores  ou joias, mas que ainda vestia aquela expressão  e voz serena, de conversa maleável, e palavras fáceis, ditas quando sentou-se na ponta da cama, pousando a mão sobre os ombros de Jongdae envolvidos no cobertor. 

-Vai ter fogueira pela primeira vez que cheguei aqui, eu estava ansiosa – nenhuma resposta ou reação a afirmativa, apenas o som da respiração – você vai descer e se sentar com a gente? – suas costas moviam-se com o ar que entrava pelos pulmões, seus olhos não podiam ser vistos, mas estavam abertos, atentos a cada palavra – Dae...eu entendo  que tá chateado pelo que aconteceu, seu pai esta nervoso demais com a colheita. A gente decidiu que seria  bom ter mais alguém da idade de vocês em casa, só por alguns dias, pra se distraírem e não terem que se preocupar com nada disso. Vai ser bom, se você der uma chance...

-Nos distrair do que? – sua voz veio, ainda soprada na parede de madeira, não acreditava naquelas palavras,  tudo no que conseguia pensar era que os dois estavam forçando algo entre Emili e Xiumin.

Betty e Adkins estavam traindo as flores...

- De coisas que crianças não entendem meu amor – lhe assegurou, aquela estava sendo sua resposta pra tudo, argumento no qual ela se segurava como se fosse a única coisa capaz de sair de sua boca, a única coisa que tinha  a dizer, além da verdade. Jongdae sentou-se na cama com movimentos preguiçosos, o cobertor ainda preso em sua cabeça, formando um véu sobre seu corpo, os cabelos lisos e negros meio desajeitados escapando do pano pra espiar a mulher que foi capturada pelo olhar sério do mais novo. E como bem sabia ela, suas palavras eram imprevisíveis, pra  todos a sua volta,  o que aqueles olhos viam, o que a mente pensava, o que sua boca falaria ao vento, nem mesmo os girassóis saberiam dizer.  E num sussurro, sua boca sibilou perguntas de poetas, pintores, músicos e bêbados...e Jongdae.

-Somos donos do nosso amor? –  Céus, aquilo desconcertaria até Charles Bukowski. Que Shakeaspeare tenha algo a dizer, que Platão, Aristóteles e Voltaire respondam seus olhos negros, Que alguém regue este coração florido, e tirem os girassóis do escuro, e digam a ele que o amor criou o homem a sua imagem e semelhança. 

- Jongdae...Eu, o que... o que você ama? -  suas palavras tropeçavam umas nas outras, o moreno tinha o poder de lhe tirar a razão com uma unica pergunta.

-Coisas que adultos não entendem...

Betty estava boquiaberta, atônita, com um balançar de cabeça quase imperceptível, negando que algo assim estivesse preso dentro de Jongdae, de um menino que foi criado sozinho,  com uma família pequena, sem contato com outras pessoas. Afinal ele não poderia estar apaixonado por ninguém. 

-Você pode descer, se quiser, talvez você só precise se descontrair um pouco – a mulher afanou seus cabelos, olhou mais uma vez seus olhos puxados,e levantou-se dali, totalmente desconcertada. 

Jongdae olhou pela janela, dava pra ver a luz da fogueira refletindo no tronco da arvore, e também pôde notar uma marca roxa no cotovelo da mulher. algo em seu interior dizia que tinha haver com o grito que ouviu na noite passada.

...

 

O Fogo tremia queimando a  madeira, todos sentados a sua volta. A lua estava grande no céu, até mesmo ela se aproximava pra ouvir a musica, tocada e cantada pelo pai. Comiam uma torta feita pela tia, com guardanapos e bocas sujas. Migalhas no cantinho dos lábios de Xiumin, o dedo da menina, que estava ao seu lado, pousou em sua boca, limpando os resquícios com movimentos leves. E o mais velho lhe agradeceu com um sorriso fechado, ainda de boca cheia. A musica parou bruscamente, as cordas descarrilaram, quando notaram que Jongdae deixara seu quarto, e estava de pé, observando os movimentos.  sua expressão magoada olhou para a posição da menina. 

-Esse é o meu lugar – aquele, ao lado de Xiumin, encostado em seu ombro, como Emili estava agora.

- Sente-se aqui querido, ainda tem espaço – tia Betty pediu, sem jeito, deu batidinhas leves no tronco que estava sentada. As notas voltaram a sair do violão. E todos se atentavam apenas a musica, todos menos os dois irmãos.

A noite estava escura, dava pra ver as luzes amarelas da casa ao longe, mas aqui, apenas as luzes das estrelas, e do fogo, que acendia os rostos num amarelo alaranjado, dividindo tudo em partes escuras e iluminadas, formando penumbras graças a deformação das chamas. apenas partes do rosto de Jongdae estavam visíveis, e elas alternavam sobre seus olhos magoados que Julgavam Xiumin. 

Haviam decidido não se aproximar daquela forma novamente, e não via problemas em ser acolhedor e aproveitar uma nova – se não primeira – amizade, mas apesar de argumentar isso  a si mesmo, Xiumin se sentia culpado. 

A noite se estendeu por quase uma hora incômoda, com os dois trocando olhares, o pai encontrando calmaria na musica, e tia Betty perdendo seus pensamentos no calor da fogueira.

 

...

 

Mal amanheceu e a frente da casa foi tomada por mais caminhonetes, os funcionários que eram solicitados de tempos em tempos chegaram cedo. Mas dessa vez, não eram pra colheita, e sim para o tão esperado dia, o aniversário do Xiumin. Alguns traziam bebidas, as mulheres comidas, apenas seis pessoas, dois casais, e dois funcionários amigos da família. Que mal pisaram nas terras,  e já voltavam a dirigir pela rodovia pra acertar alguns poucos detalhes que restavam.

O Garth estava inquieto, sentado na poltrona da sala, suas mãos entrelaçadas sobre a boca, uma posição pensativa, uma das pernas agitadas em nervosismo. Seus olhos perdidos no tapete vermelho. 

-Não gosto da ideia, não gosto nada disso.

-Você diz isso desde que eu propus, mas já aceitou, agora é tarde – Betty dizia, ajeitando o vestido e escolhendo algumas joias. 

-Por que ele não pode ficar aqui e ajudar a arrumar a própria festa? Ele vai gostar – a voz grossa e paterna do homem dizia enquanto a irmã andava de um lado pro outro dando toques finais no cabelo.

-Adie, eles só vão ao cinema, vão ver um filme enquanto você e os outros arrumam tudo. 

-É essa a parte que não me agrada, o que eles vão ver, hã? Aquele da menina e um porquinho? eu gosto daquele.

-Adkins seu filho faz vinte anos hoje, ele via isso quando tinha o que? Uns oito? 

-Dezesseis! – o homem disse orgulhoso – e se eu deixar o Jongdae assiste até hoje. 

-Adkins, não é nada demais, é só um filme, não é como se estivesse condenando a alma deles ao inferno. E além do mais, ele vai estar com a Emili, você mesmo não disse que ele já estava em tempo de conhecer alguma menina? Ela parece gostar dele... – a mulher dizia colocando os brincos diante do espelho na sala.

-Mas e o Jongdae?

Ouviu um suspiro arrastado da irmã, que até fez um movimento de ombros – Ele não quer ir, se recusou todas as vezes, sabe Adie...você acha que o Xiumin quem tá na idade pra essas coisas, mas acho que o Dae quem deve estar apaixonado.

-Apaixonado por quem? – Retrucou, abandonando a ideia com ironia – pelos porcos? Pelas  ovelhas? Já ficou claro que ele não gosta da Emili, então...

-Não sei Adie, acho que estamos perdendo alguma coisa, ele fala como se tivesse acontecendo algo e nós nem nos damos conta.

-O Jogndae só é muito curioso Anabeth, e imprevisível demais. As vezes nem eu entendo o que ele fala. As vezes nem ele entende! 

-Seus filhos não entendem muita coisa Adie, nem coisas que eles já deviam entender na idade que têm, e é isso que estamos tentando concertar, não é? eles vão ao cinema, ponto. eu não passei esse vestido a toa...

A conversa adulta foi interrompida por Emili que descia as escadas, estava bonita, tirou elogios de ambos, seu cabelo bem arrumado, um laço vermelho na cabeça, um vestido rosa, e Xiumin logo atrás dela, havia deixado seu macacão jeans de lado, usava uma calça azul e uma camisa por baixo de um suéter sem xadrez algum. A gola ainda levantada. 

-Deixa eu te ajudar rapaz – o pai saiu de sua posição e começou a ajeita-lo, enquanto Betty os olhava e analisava a menina – tome cuidado... – o homem tomou Xiumin num abraço e parecia não querer soltá-lo mais, a tia escondeu o rosto na mão diante da cena, com pura reprovação, enquanto Emili tentava não rir daquilo. O loiro direcionou um sorriso e um virar de olhos pelos ombros do pai.

-Eu vou voltar logo pai, não se preocupa, e a gente vai na cidade várias vezes.

-Eu sei, eu sei...tá, é verdade – disse, finalmente se desvencilhando dele e limpando as mãos na própria roupa num ato de nervosismo. 

Ele seguiu os dois até a caminhonete, entregando as chaves nas mãos da irmã. Os dois mais novos se acomodaram no banco traseiro enquanto a tia conduzia pra fora das terras. Deixando pra trás um pai roendo as unhas de nervosismo. 

A cidade estava movimentada de gente, poucos carros passavam pelas ruas, era um fim de tarde de muitas estreias, filmes recém-lançados, filmes que demoraram a chegar, e  várias pessoas faziam fila ali,  algumas delas, como sempre, se atentando a beleza do garoto do campo. Para Xiumin era estranho não ter o irmão mais novo para explorar o lugar, que mesmo sendo pequeno, ainda não haviam visto de tudo. Foram a aquele cinema pouquíssimas vezes, e não pode deixar de pensar que queria Jongdae ali junto consigo,  enquanto Betty olhava o que estaria em cartaz no único cinema da cidade. 

Tentava seguir as recomendações do pai, ir de acordo com seus caprichos, não queria assustar o pobre Xiumin com um filme violento demais, mas qualquer uma das opções seria vista como uma lavagem cerebral pelo pai.  Optou pelo que parecia mais interessante, queria que se divertissem, e um romance policial não era coisa de outro mundo, um bom filme, uma boa história, tudo pra tirar Xiumin de tempo  enquanto lhe preparavam uma festa. E além do mais, o que o  Adkins não via, o adkins não saberia.

A sala estava cheia, a sessão era muito aguardada, as cadeiras estavam bem separadas, haviam ingressos para apenas dois assentos lado a lado, que foi cedido a Emili e Xiumin, enquanto a tia se acomodava mais atrás. Não sabia  se encarava aquilo como sorte ou acaso. Foi até melhor, não queria parecer vigiá-los, e um pouco de privacidade pra se divertirem livremente lhe pareceu uma ótima ideia.

Depois de acomodados nas poltronas vermelhas, a tela acendeu-se e todos fizeram silêncio, vários trailers de filmes de terror foram exibidos por minutos, gritos, sangue, barulhos estridentes, o filme nem havia começado  e algumas poltronas atrás a tia já se arrependia daquilo, e torcia para que Xiumin estivesse bem com as cenas. Não era pra menos,  aquilo incomodava o loiro, que por vezes fechava os olhos com força, e se controlava pra não tapar os ouvidos, o que arrancou risadas da menina ao seu lado. Apenas a luz do telão era o que dava visão da mão dela escorregando até os dedos do loiro, antes de segurar sua mão firmemente. Seus olhos abriram-se, e ele sorriu largo pra ela, com seus olhos brilhantes. Nem vergonha, nem outras intenções, nenhuma outra forma a se entender tal ato. Tudo lhe parecia uma brincadeira, tudo visto como gestos de carinho, aqueles fios amarelo brilhantes eram tão únicos, eram assim todas as pessoas do campo? 

Eram assim todos os filhos de Garth, eram assim todos os que cresceram entre os girassóis. 

Passaram-se minutos, e sua vista se perdeu na tela, a trama capiturou sua atenção nos primeiros segundos, tudo era tão impressionante, as cenas de perseguição, os diálogos envolventes, os sentimentos de revolta nas discussões, a coragem daquele detetive, que não deixava o amor de uma mulher interferir em seu trabalho. Mulher essa que ele descobriu ser a grande assassina, mas que se recusava a prendê-la, a forma como  o homem lutava pra decidir em fazer o que era certo, ou fazer o que seus sentimentos lhe mandavam. Aquilo hipnotizou a todos na sala. 

De repente Xiumin – que já estava quase fundindo-se ao assento – viu-se afogado em um clima totalmente inesperado: Uma musica lenta começou a tocar ao fundo, o homem entrou em sua sala escura, prestes a se livrar dos casacos depois de cenas cansativas que se desenrolaram no decorrer do filme, e antes que pudesse acender todas as luzes, encontrou os olhos perigosos da criminosa. 

A ponta da arma deslizou em seu rosto, correndo por toda a tez da face. A mulher o ameaçava com todas as mortes que carregava no nome. Ela ajudou a desabotoar sua camisa, e passou a pistola de forma ameaçadora por seus lábios. “Abra...” o homem estava indefeso, a musica instrumental de fundo tomou menos volume, os cortes de câmera exibiam vários ângulos da cena, uma mulher ameaçava tomar o policial a força.

 Xiumin tocou os próprios lábios com a ponta dos dedos, pois sabia o que viria a seguir. A mulher na tela afastou a arma e beijou o protagonista, até ai o detetive era Xiumin, por ter desvendado a ação que se seguiu. Mas se viu vítima, se viu ingênuo demais, quando  o beijo mostrado passou de um selar, e tornou-se algo diferente, algo que ele ainda não tinha visto, haviam mãos, apertos, carícias, e os lábios se moviam e faziam barulhos que ele ainda não ouvira.  Estava definitivamente hipnotizado por aquilo, sua atenção em cada movimento, em cada som, em cada expressão. E sua mente em Jongdae...

As cenas de ação retornaram, tia Betty podia suspirar aliviada, que o irmão não soubesse daquilo, ela já cogitava pedir um voto de silêncio entre os três sobre as cenas que viram. 

O filme acabou, e a noite já tinha chegado.  Xiumin saiu animado do cinema, e como uma criança, contava empolgado todas as cenas – que todo mundo viu – uma  a uma, tudo o que lhe chamou a atenção. Parecia ter sete anos encenando na rua as perseguições e imitando os barulhos de explosão e a posição em que o homem segurava a arma, o barulho de tiros que fazia com as bochechas arrancava risos da tia, e deixava a  garota um tanto constrangida. Elas sabiam do que ele estava falando, também tinham visto a mesma coisa, mas o menino estava elétrico demais. “Vou contar tudo pro Dae quando a gente chegar em casa!” 

Andaram pelas ruas iluminadas, e Betty decidiu que visitaria rapidamente uma amiga, e que enquanto isso os dois  podiam andar pela cidade – depois de frisar onde a caminhonete estava estacionada para que se encontrassem depois – o menino parecia já ter liberado toda a energia que lhe tinha tomado. E agora andava lado a lado, a passos lentos, da companheira dos últimos dias.

-Por que você quis ir pra tão longe? – falava da própria casa, do campo, se perguntava por que alguém iria querer sair da cidade pra conhecer as colinas gramadas depois dos quilômetros de trigo. 

-Sua tia me ensina corte e costura, ela é uma ótima professora, e uma ótima amiga – a menina disse sincera, olhando os próprios sapatos enquanto andava – E...bom, eu acabei falando de você e do Jongdae. E ela me disse do seu aniversário e me perguntou se eu queria conhecê-los. E eu queria, claro que eu queria, vocês são famosos aqui. 

-Famosos? Pelo que? 

-Você nunca notou? – ela perguntou como se aquilo fosse óbvio demais. 

-Ah, eu e o Dae, a gente nota... – deu de ombros, devagar e simplista – a tia diz que acham a gente bonito.

-Sim – concordou a menina, balançando os cachinhos loiros – qualquer menina queria ter vocês como namorado. 

-É que o pai as vezes brinca que a cegonha trouxe a gente de um lugar longe demais – os dois misturaram os risos, e chamavam a atenção de alguns caminhantes – mas eu não sei disso de namorado.

-Você não sabe como namora?

-Eu sei – confirmou com a cabeça, incerto pra falar a verdade, pois nunca tinha visto nada como nos filmes.

A menina pareceu observar algo ao longe,  puxou a mão do menino e esperou que um carro passasse, antes de arrastá-lo pro outro lado da rua. 

Um homem vendia rosas ali, bem embaladas num plástico com corações desenhados,  e uma fita vermelha. Xiumin não gostava tanto de rosas, tinham tantas outras flores no campo, preferia comprar doces à gastar com aquilo.

-Por que rosas? – perguntou, coçando a cabeça com um bico incerto.

-Sabe Xiumin...é o que os homens fazem, dão rosas pra quem gosta – ela semigirava nos próprios pés, balançando o vestido – eles dão rosas quando estão apaixonados, é bem romântico...

 

...

 

Cada minuto que se passava era torturante, Jongdae observava da janela a movimentação lá fora, os amigos do cultivador erguendo e posicionando sobe ordens de uma mulher a mesa gigante de madeira, escolhiam as toalhas, ajeitavam a faixa na frente da casa. A cozinha estava uma correria só, panelas e travessas de comida de todo tipo espalhados por todos os lados, o cheiro era bom, podia ser sentido do andar de cima. 

Jongdae não queria descer, não queria estar lá, tudo o que queria era que aquela menina fosse embora de uma vez, torcia para que apenas Xiumin e tia Betty voltassem, mas sabia que não seria assim. 

Não queria ver o pai, não queria ver o irmão, não queria ver ninguém, esperava que todos se esquecessem dele e o deixassem no quarto escuro.  Teve tempo de se trocar, estava arrumado, preparado pra festa, apenas por obrigação, mas seria uma briga feia fazê-lo sair dali. E quando tudo parecia estar em ordem, ouviu o barulho de motor, Xiumin havia chegado. 

Aquela foi a maior surpresa que já recebera, havia muitas pessoas, tochas espalhadas por toda a redondeza da casa, a luz amarelada na frente da porta era mínima, as lanternas brancas de papel presas aos varais se sobressaiam, na frente da casa uma mesa de piquenique grande com um banco extenso de madeira de cada lado, repleta de comida e baldes de cerveja, aquela era a melhor noite de fogueira, com chamas pequenas, de tochas, velas, das lanternas, e a mais bela das luzes: as que estavam acima de todos, a noite nunca esteve tão estrelada, era lindo de ver, tudo pareceu tão bem feito que podia pensar que as estrelas foram planejadas por eles também.  Naquela noite, até mesmo o céu sabia que era seu aniversário. Uma faixa pintada de azul que dizia “Dia do Xiumin”, todos tão arrumados, tão bem vestidos, aquilo tudo que pareceu dar tanto trabalho, tudo  feito só por ele. Xiumin sorriu largo quando todos gritaram uníssono “Feliz Aniversário”, naquela noite teve total certeza, de que não poderia encontrar uma família melhor. 

Aproximaram-se e recebeu abraços e bênçãos de todos, palavras de conforto, que o fizeram sentir-se mais especial que nunca. 

Jongdae viu pela janela o loiro entrar na casa, e pela pressa, logo era audível o som de seus passos na escada. Teria o  recebido com um abraço se não fosse o pensamento dele aos beijos com aquela garota pelas ruas. Aquilo lhe consumia em raiva. Correu e empurrou a porta com as costas, fazendo força com os pés sobre o chão. Apenas uma mínima fenda foi empurrada, e era o máximo que Xiumin conseguia mover da madeira.

-Jongdae? – perguntou.

-Vá embora aproveitar sua festa! – disse fazendo ainda mais força contra a porta.

-Você tá com raiva de mim? – sua voz quase não tinha volume, Jongdae sentiu que não havia mais força alguma exercida sobre a porta. A animação e a felicidade de Xiumin se perderam no fim da escada. Era seu aniversário, e Jongdae não queria  vê-lo. Seu sorriso morreu, seu dia amarelo tornando-se cinza. Seus olhos tristes. Não sabia mais o que fazer, não podia entrar, e não queria voltar e ter uma festa sem o menor.  Apenas esperou que algo mais fosse  dito, um som, uma voz, uma palavra sequer, mas Jongdae permaneceu calado, com as costas sobe a madeira fria. E ficaram ali, imersos no silêncio, por minutos que se pareceram horas.  Até que suas palavras passassem por baixo da porta.

-Como foi no cinema? – seu jeito de não pensar, de por o que lhe incomodava pra fora, de remover os espinhos antes que doessem. 

-Foi legal – não havia uma pétala sequer de animação em sua voz, sem vontade, sem ânimo – Era um filme com explosões, e perseguição, e uma mulher bonita.

-E a Emili? – algo em Xiumin pareceu ressuscitar ao ouvir a pergunta, ele até mesmo deixou um riso leve escapar. 

-Ela é um pouco esperta demais as vezes, eu nem entendo – sua voz abandonou a tristeza, e Jongdae podia ouvir até mesmo seus sopros atrás da porta, já nem fazia força na mesma, um feixe de luz adentrando um quarto pela pouca abertura – Sabe Dae...ela me pediu pra comprar uma rosa, disse que a gente compra uma rosa pra quem ama. 

O coração de Jongdae apertou-se, foi tomado por um medo indescritível – E...você comprou,  você comprou a rosa?

-Umhum... – A má afirmação fez Jongdae querer que o loiro saísse dali, que descesse as escadas e o deixasse sozinho, já estava a segundos de pedir aquilo, quando Xiumin continuou a falar devagar – por educação, você sabe... – De repente a mão pálida do mais velho ultrapassou o pouco espaço entre a porta e a parede, e os dedos curtos seguravam uma flor vermelha, crua, presa entre o polegar e o indicador pelo galho verde – Só foi difícil explicar por que eu tinha trazido mais uma...

A porta foi escancarada de vez, e Xiumin quase caiu pra dentro do quarto, se recompondo sem jeito encontrou o olhar assustado de Jongdae, alternando entre mirar seus olhos e a rosa que segurava diante de si. 

O loiro esperou que Jongdae buscasse a flor com a mão, mas ela passou direto e subiu até seu rosto, sentiu o outro braço passar por cima de seus ombros e fechar a porta atrás de si, e com um beijo forte suas costas foi de encontro a madeira.

A musica lá fora entrou abafada pela janela, apenas uma melodia ao fundo, e Xiumin tentou mover sua boca sobre a de Jongdae, que demorou a perceber os movimentos.

-O que tá fazendo? – perguntou fazendo distância dele. 

-Dae...quero te mostrar uma coisa... – o moreno piscou algumas vezes, sua curiosidade em ascensão.  Apenas deixou que seu corpo fosse girado e ele ficasse sobe a porta. Os poucos centímetros de altura que o loiro tinha a mais os fazendo inclinarem os rostos tão próximos. Seu nariz um ao lado do outro, suas bocas ameaçando se encontrarem, namorando apenas suas respirações. 

A ponta da rosa deslizou em seu rosto, correndo por toda a tez da face. Xiumin o ameaçava com todo o amor que sentia por ele. Ele ajudou a desabotoar sua camisa, e passou a flor vermelha de forma cuidadosa por seus lábios. “Abra...” o garoto estava indefeso, a musica instrumental de fundo tomou menos volume, cada olhar vendo aquilo por um ângulo diferente, um menino de fios dourados ameaçava tomar o coração florido pelos lábios. 

E Jongdae o receberá quando Xiumin tomar sua boca da forma que deseja. Seus lábios pendendo no ar. Sentiu uma sensação gostosa, e molhada, quando a pele úmida e macia do loiro segurou seu lábio inferior, e o puxou devagar, e fez novamente, dessa vez sugando o tecido e fazendo-o tomar um tom de vermelho parecido ao da rosa. Um fio de voz acariciou os ouvidos de Jongdae. “Morda”. E sentiu a língua do mais alto passar por seus lábios, e se meter em sua boca entreaberta. E como lhe foi ordenado, ele a mordeu, segurando o músculo entre os dentes, só pra senti-lo ser puxado entre seus dentes de volta pra dentro da boca do outro. “Faça...” Jongdae abriu seus olhos, e encontrou a boca do outro entreaberta, e decidido, segurou o lábio inferior de Xiumin entre os seus, e puxou devagar, sentindo a pele molhada sobe a pele molhada, num deslizar suave, e que fez um barulho estalado no final. Achou ter sentido um gosto, então fez de novo, e mais uma vez. Só pra no final adentrar sua própria língua dentro da boca do mais alto. Morder a língua de Xiumin era bom, mas  ter sua língua mordida por ele, fez seu corpo arrepiar-se dos pés a cabeça. Xiumin mordia ao mesmo tempo em que chupava sua língua, e como o loiro fez, repetiu o movimento e puxou de volta o membro pra dentro da boca, sentindo os dentes alheios rasparem o músculo rosado. Aquilo era bom, tão diferente dos beijos que costumavam trocar. Sentiu uma mão de Xiumin fazer direção a  seu quadril, e  o puxar pra perto, e quando ele dizia perto, era perto de verdade, perto no sentido de junto, perto de colado a ele, sentindo suas cinturas se encostarem. Repetiram os movimentos de beijar, segurar, chupar e morder. Um depois do outro, dessa vez com toques, com movimentos, com caricias em seu pescoço, sem sorrisos bobos, sem brincadeiras, Sem inocência, os girassóis não queria mais dar cor as pétalas, queriam dar gosto as sementes... se perderam nos atos, apenas moviam os lábios uns sobre os outros. Enquanto Jongdae se perguntava de onde Xiumin havia aprendido aquilo. As bocas se desvencilharam, os olhos se conectaram, os corpos ainda juntos. 

-Feliz Aniversário, Xiumin...

...

 

Como esperado por todos, Xiumin desceu trazendo Jongdae, que usava uma camisa branca, comprida, alguns números maiores que si, com as mangas quase passando suas mãos. Novamente abotoada...

O menor nem ligou pra presença de Emili ali, até lhe direcionou um sorriso, e elogiou suas vestes. Deu-se inicio a festa. Os adultos dançavam, bebiam, se divertiam como nunca. Aquele campo parecia ser um pedaço do mundo onde todos os sentimentos bons nasciam. Agora todos reunidos a mesa, comendo, brincando, contando histórias, enquanto  o pai tocava as musicas conhecidas por todos. O pai estava feliz, a tia estava feliz, os filhos estavam felizes, todos ali sorriam em meio as luzes e labaredas. E embaixo das estrelas. Xiumin não pensava mais em estar em outro lugar que não fosse  com sua família.

...

As horas se passaram, as pessoas já se perdiam em conversas de adultos, e Jongdae dormia em meio a eles, esticado no banco, com a cabeça sobre o colo da tia. 

 O pai chamou o filho mais velho pro canto, e sentaram-se nos degraus da varanda da casa. Com as pessoas distraídas ao longe, e o fogo iluminando seus rostos. 

O pai puxou uma caixa de madeira que foi deixada ali antes, e depositou no colo de Xiumin, acenando com a cabeça para que tomasse a frente. 

Quando foi aberta de dentro saiu uma melancolia jamais antes vista.  haviam muitos rolos de dinheiro, presos por elásticos. E uma foto: Um homem segurava um menino no colo. Uma criança pequena, de bochechas fartas. Xiumin...

-Esse é? – perguntou, sua memória tentando forçar-se a trabalhar. 

-Seu pai... – o homem disse, com lágrimas nos olhos. abriram agora a caixa do passado de Xiumin, que tomou a foto nas mãos. Relutante, e se preparando para aquilo, começou a contar  como se narrasse pra si mesmo – Eu era jovem demais, a mãe do Jongdae já estava tão doente. Vocês eram nossos vizinhos, ele te criava sozinho, e eu sentia lá no fundo, que logo eu teria de fazer a mesma coisa, teria de criar o Jongdae sem uma mãe... Perguntei a ele de onde tinham vindo, e ele só respondeu, “De Longe”, perguntei onde estava sua família e ele disse “Longe” foi a única vez que tive coragem de dizer algo a ele. Um dia eu estava triste, . Peguei o Jongdae que mal tinha acabado de nascer e decidi sair dali, decidi ir embora daquela cidade. Foi quando eu te ouvi chorar. Seu pai tinha morrido, eu achei que você já estava longe, mas se passou dois dias inteiros, e ninguém veio te buscar. Eu não podia te deixar ali, eu olhei pra você, e você tinha os mesmos olhos que o Jongdae, estava tão assustado,  eu te tomei no colo ainda chorando, te coloquei no carro e te trouxe pra cá – o choro do homem era incontrolável, cada palavra desencadeava um novo fluxo de lágrimas que rolavam de seu rosto até o chão –  você chorou por três dias inteiros, perguntou pelo seu pai enquanto eu chorava e não sabia o que fazer. Eu dormi com você todas as noites, te fazia carinho e dizia que ia ficar tudo bem. Poucas semanas depois, e você começou a entender... as crianças costumam não querer aceitar as coisas, mas Xiumin, você era um menino tão corajoso. Você sabia que seu pai não ia voltar...Você era uma criança tão triste, mas que conversava comigo o tempo todo, por que se parasse de falar, você choraria de novo – Xiumin enxugava as poucas lágrimas que deslizavam por suas bochechas – quando você fez cinco anos, foi quando me chamou de pai pela primeira vez. E meu Deus eu me senti tão feliz como no dia em que o Jongdae nasceu. Eu te deixei em casa e peguei o carro, e dirigi por horas só pra te comprar um presente. E quando o Dae começou a crescer, você começou a me ajudar a cuidar dele, era tão carinhoso. Ai ele começou a crescer mais, e começou a te fazer companhia, e você deixou de ser uma criança triste – o pai olhou Xiumin,  com seus olhos azuis castigados de choro – Você é meu filho Xiumin, e eu sei que você já não quer mais viver no campo, você quer ir a cidade grande, e estudar mais, e eu entendo. Guardei esse dinheiro só pra você, e tem muito mais de onde veio isso, graças a esses girassóis. Eu te deixo ir, vá, seja feliz. Eu tenho orgulho de você, e não importa pra onde você vá, sempre vai ser meu filho.

Xiumin o abraçou num pulo, envolveu o homem e desabou em lágrimas, suas costas movendo em ritmo descompassado, suas lágrimas molhando as costas do pai. E ele repetiu que o amava, uma, duas, quantas vezes foram necessárias. 

E os girassóis, observavam calados, pois sabiam que aquela seria a ultima troca de carinho entre os dois...

 

...

 

A madrugada veio, os convidados haviam ido, todos na casa dormiam. E Xiumin foi tirado de seus sonhos, com uma mão que pesava sobre sua boca, e um pedido de silêncio vindo de Jongdae, em pé, curvado sobre si. Que usava mais casacos que o comum. Sem muitas explicações pediu para que saísse das cobertas, e se vestisse da mesma forma pois o frio estava de bater os dentes. 

Arrastou o mais velho escada a baixo, ainda o pedindo silêncio com o dedo sobre a boca, e espreitaram-se pela sala até estarem do lado de fora.  Foi arrastado até a caminhonete, onde Jongdae exibiu as chaves. O mandando juntar-se a ele no banco do carona. Notou que a caçamba estava forrada com cobertores grossos, antes de entrar pela porta da direita.  “Você sabe dirigir?” perguntou, parecia ser mais importante que saber aonde iriam na calada da noite. “Não é tão diferente de dirigir um trator” foi a resposta que Jongdae lhe deu de ombros.

o carro tomou vida, acendendo os faróis e cortando o azul sombrio da madrugada. Dirigiram por alguns minutos, e já estavam distante da casa, porém, ainda dentro das terras. E com um pouco de dificuldade a caminhonete subiu a colina.

Chegaram ao topo do monte gramado, onde abaixo o rio que refletia a lua cortava as terras. Sentaram-se na caçamba da caminhonete, agasalhados, olhando a paisagem aberta, as milhões de estrelas acima de si, o cantar dos grilos, e a lua, que estava mais radiante que nunca. 

-Você ainda não disse o que a gente tá fazendo aqui! – perguntou Xiumin, admirando a coragem do irmão de arrastá-lo até ali.

-É meu presente de aniversário... ele vai vir logo-logo. 

Ficaram presos num silêncio contemplativo, o ar noturno era algo a se admirar. Até que Xiumin fizesse o céu de lousa, e começasse a ensinar a Jongdae tudo o que aprendeu com o livro de astronomia, mostrando-lhe as constelações, explicando coisas cientificas, e até mesmo uma estrela que o menor descobriu ser na verdade um planeta, e ficou fascinado.  De repente um rastro de luz cortou o céu, se perdendo como se ficasse invisível, em um segundo estava ali, e no outro não. 

-Faz um desejo... – Jongdae brincou, estava animado pelo outro não saber o que aconteceria naquela noite. 

Os pensamentos de Xiumin foram longe, desejou ficar do lado de Jongdae pra sempre, mas ao mesmo tempo, queria rogar a estrela que passou, para que ela o ajudasse em sua jornada fora daquelas terras, estava dividido. – Eu...não consigo decidir o que desejar...

Um sorriso fechado tomou o rosto de Jongdae, e seus olhos se voltaram pro céu, sua boca aberta pela posição da cabeça – Não tem problema, você pode fazer quantos pedidos quiser! 

E naquela hora os olhos de Xiumin brilharam, uma felicidade tomou conta de seu interior, seu espírito, sua essência pareceu flutuar até aquele céu, quando vários outros pontos brilhantes passaram acima de si, alguns tão fortes que iluminavam seus rostos numa mistura de verde, roxo e azul.  Jongdae deitou-se na caçamba, e Xiumin deitou em seu peito, abraçaram-se, e desfrutaram do espetáculo no céu escuro. Um a um, pouco a pouco, a chuva de meteoros se desenrolava no meio da madrugada. Aquele era o melhor presente de aniversário que já teve, e tudo graças a Jongdae. Sentia vontade de pegar com a mão cada um daqueles pontos, que desciam por seus olhos e se perdiam em seus pés. O rio refletia os pontos de luz, seus olhos refletiam o brilho da lua, e ali, juntos, abraçados um ao outro, adormeceram embaixo do céu estrelado. 

Aquele foi o dia mais amarelo de todos! 



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