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História Não conte nada aos girassóis - A Tempestade de flores acinzentadas - Dias chuvosos.


Escrita por: HeyMaxi

Capítulo 5 - A Tempestade de flores acinzentadas - Dias chuvosos.


 

 

“Xiumin, Jongdae...” – chamava o homem, furioso. Com a testa colada a porta, apertando os dentes fazendo um rangido agonizante, os olhos raivosos, pedia, quase ordenava. Na verdade, soava como uma ameaça “Saiam daí agora.”  Apertava a haste de madeira com as mãos e arranhava a porta com as quatro pontas afiadas do garfo. As pernas tremiam, o corpo suava frio ao mesmo tempo em que ardia de ódio, e a mente... A pobre mente do homem foi fraca demais, havia cedido à desordem, esticava a pele do rosto com as mãos, puxava o próprio cabelo pra trás. Ele batia com a testa na porta repetidas vezes, não sabia ao certo o que sentia, não sabia o que pensar, só deixava que as vozes gritassem contra os girassóis, e contra os filhos.

A final, a culpa é deles, a culpa disso tudo é toda deles.
Não, não, me desculpa Jihyo, não posso falar assim dos nossos filhos.

Talvez, talvez a culpa seja sua.
Não, A culpa é de Betty, sim, a culpa é da minha querida irmã, Deus, ela quem dirigia, ela fez aquilo.

 A culpa é de Jihyo, ela me deixou, ela deixou o Jongdae, ELA DEIXOU A GENTE.

Mas eu te amo, Jihyo eu te amo.  Não, a culpa  é minha, a culpa é minha por não ter percebido, eu só queria, CORVOS CÃES eu só queria que os malditos girassóis amadurecessem logo! INFERNO!... Sim, os girassóis, a culpa é toda dos Girassóis...

“Xiumin, Jongdae, saiam dessa merda de quarto agora mesmo!” – Bradou sua insanidade às paredes. Adkins Garth agora é um homem sem controle, com um garfo de quatro pontas em mãos.

E lá dentro os dois garotos sabiam disso, tinham medo dele. Mas deixariam que se autoconsumisse com sua loucura, não se importavam. Nada mais importava. Estavam perdidos. Os gritos do homem a porta não eram o suficiente pra tirar a atenção do vazio que sentiam no peito. A dor era tão fria quanto o chão que estavam sentados. Seus rostos eram incapazes de expressar aquele sentimento. 

Os olhos de Xiumin estavam presos no nada, derramavam lágrimas, que escorriam até a boca entreaberta. Nenhuma expressão, nenhum movimento, mal se podia notar o ar saindo do paladar seco, apenas as lágrimas que corriam. Sua cabeça estava uma confusão de sentimentos, e eles se desenrolavam uns sobre os outros rápido demais.  

-Eu tenho medo dele – Confessou Jongdae, com os arranhões ainda vermelhos no rosto – A culpa é nossa? Xiumin, a culpa é da gente –  Chorava com a respiração cortando, lutava pra prender o ar dentro do peito, mas o choro tornava aquilo uma tarefa árdua. Ele se arrastou até Xiumin, que estava com as costas encostada a cama, sentado no chão a sua frente. As mãos e os joelhos de Jongdae rastejando na madeira fria. Tentou envolver os braços ao redor do pescoço do irmão, mas este, ainda sem expressão, olhando o nada, o empurrou com força de encontro ao chão frio – Xiumin, por favor, diz alguma coisa, por favor, por favor... – sua voz ia sumindo à medida que se encolhia e chorava contra o assoalho, lamentando. 

Ainda tinham as marcas do acontecido: Cortes, hematomas, e mal podiam andar direito mesmo já tendo se recuperado. 

 O sussurro de Xiumin tomou o ar 

–Ela disse que a gente não tava errado Dae, ela me disse, e eu acreditei. Mas olhe o que a gente fez, Jongdae olhe tudo o que a gente fez. A culpa é nossa – Ele tentava segurar o peso daquela dor com a raiva que sentia de si mesmo – A gente fez isso...

 

-Há duas tempestades atrás-

 

Betty batia os panos no ar, fazendo gotículas de água espirrar ao vento, que soprava as roupas e os lençóis que a mulher estendia no varal.  O cesto ao seu lado ainda cheio de panos, e pregadores presos ao vestido dela. 

Como sempre, Jongdae lhe fazia companhia. Com os cabelos bagunçados e a calça dobrada até a metade da perna, pra não encostar na grama molhada embaixo dos pés descalços. Segurava um pregador na boca, e seus olhos orientais fixos ao varal onde tentava parar o fio em movimento e prender uma das camisas do irmão. Quando o fez, não pode evitar parar e observar o contraste da mulher entre os lençóis brancos: Seu rosto ainda tinha aquela maçã bem destacada, mas o sorriso havia sumido, e seus olhos estavam fundos, a pele embaixo deles escura, seu rosto estava cansado.

-Você parece doente – comentou, tirando do chão a cesta de panos e aproximando-se dela pra que pudesse pegá-los e estender com mais facilidade, sem ter de abaixar pra isso. 

-Eu estou bem querido, só ‘to cansada. Ainda é cedo... – a mulher abaixou pra pegar mais uma das roupas, e o cesto foi tirado do caminho de suas mãos. Jongdae o afastara dela, pra interromper a tarefa e lhe dar atenção. 

-O que tá acontecendo? – Perguntou sério. Achou ser a hora pra tirar aquilo tudo tão a limpo quando os cobertores estendidos que pingavam.

-O que Jongdae? O que tá acontecendo? – ela devolveu a pergunta – eu também não sei – lhe respondeu ríspida, não gostando do ar autoritário que ele impôs tão de repente.

-Você mesmo disse que estavam acontecendo coisas que eu e o Xiumin não podemos entender. Está cada dia mais pra baixo, parece doente, E esperava que eu ou o Xiumin não fossemos notar as marcas roxas? – ele tinha  a atenção dela, que torcia o próprio vestido com as mãos, não achou que uma hora teria de dar satisfações a nenhum dos sobrinhos – Se tá tentando esconder isso tudo da gente, tá falhando miseravelmente. Eu sei que tá acontecendo algo com meu pai, o Xiumin também sabe. Meu pai nunca gritaria comigo daquela forma se não estivesse.

Ela suspirou, e decidiu admitir – Só tá sendo um pouco mais difícil de lhe dar do que eu pensei. Mas vai ficar tudo bem – ela puxou o cesto pra perto o tirando de suas mãos com força, suspirando e voltando a sua tarefa de estender – Vocês não têm que se preocupar com isso. 

-Tia – pediu por fim, sem autoridade, sem força – Eu to com medo, só isso...

Ela parou por um momento, absorvendo as palavras, tomando-as pra si, ainda com os olhos no branco molhado estendido no varal – Eu também... – ela sussurrou. Os olhos marejando ao admitir aquilo. Em seguida enxugando a umidade que se formou na linha dos olhos, se recompondo pra explicar-lhe – Jongdae, a vida dos adultos é difícil...

-A de todo mundo é – respondeu baixo, a si mesmo. Mais um pensamento que uma resposta.

-Exato, e as coisas estão ficando difíceis demais pro seu pai lhe dar com isso sozinho. Os girassóis estão comprometidos, ele está ficando mais frustrados a cada dia e em meio a isso vocês estão crescendo. E o Addie não quer interferir nisso, quer que vocês cresçam sem preocupações. Por isso não queremos que se envolvam. É um assunto complicado – ela acariciou o rosto dele, desenhando com o dedo a linha do seu queixo firme – Então por favor, só brinquem e sejam crianças saudáveis, enquanto os adultos tentam resolver essas coisas tão... – procurou a palavra – complicadas. 

-Complicadas como?

A mulher olhou em seus olhos pra responder-lhe algo que satisfizesse sua curiosidade, mas por cima dos ombros dele, avistou Xiumin, correndo, ofegando, tentando se aproximar deles o mais rápido possível, o rosto assustado, os olhos tão arregalados que podiam ser vistos de longe. Ele estava desesperado, corria a ponto de tropeçar, e na cabeça de Betty só havia um por que – Complicadas assim!

Ela respondeu largando tudo pra trás, o que fez Jongdae virar-se e notar Xiumin cansando apoiado aos joelhos, a mulher tinha tanta convicção que não pensou em ir até o loiro, ela na verdade passou direto por ele e fez direção até a casa, quando o mesmo anunciou – É o pai, ele não tá bem! 

Ao ouvir aquilo Jongdae tomou vida saindo de sua posição e correndo logo atrás da tia. Os três disparavam pela grama, a tia à frente, nervosa, agitada. Jongdae logo atrás, sem entender o que se passava, e Xiumin de último, por já estar cansado de ter corrido até ali. 

Betty foi a primeira a chegar e desapareceu pela porta. Antes mesmo que Jongdae pudesse chegar à varanda pôde ouvir o som de coisas se quebrando lá dentro. Apressou-se, se atirando adentro com os olhos atentos e assustados.

Na cozinha o homem gritava, atirava os pratos nas paredes, jogava tudo o que estava encima da mesa no assoalho, partindo os copos ainda sujos do café da manhã em pedaços de vidro que se espalhavam no piso. A prataria das gavetas esparramadas no chão. Ele socava as janelas, cambaleava de um lado pro outro, derrubava tudo o que estivesse em falso. Ainda gritando e chorando. Jongdae estava imóvel, assustado demais pra mover um músculo enquanto a tia tentava lutar contra os braços do homem que se agitavam em todas as direções. 

Despertou somente quando viu Xiumin passar por si como um raio, e agarrar o homem por trás, seus braços fortes impedindo que ele se debatesse, mas Xiumin era arrastado com ele pra todos os lados. “Pai para!” Ele pedia entre dentes com a força que tinha de exercer pra segurá-lo “Addie pelo amor de Deus para com isso!” a mulher gritava tentando ajudar o sobrinho, mas o pai estava descontrolado. Com os olhos atentos a tudo, Jongdae avistou pela porta da cozinha que estava aberta dando visão pro quintal, o possível motivo de tudo aquilo, uma ovelha sangrando dilacerada no chão. 

“Minhas ovelhas” o homem lamentava, esbravejando-se “não vou perder meus animais também, eu não vou!” em um momento, o homem que se debatia ficara sem espaço, deu de costas no limite da cozinha, e Xiumin, por estar segurando-o por trás, chocou-se de cabeça contra a parede dura. Atordoado com a pancada, mas sem recusar-se a soltar o pai, Xiumin desceu as costas pela parede, baixando o homem nervoso consigo. Betty aproveitou o momento pra segurar-lhe o rosto e tentar acalmá-lo. 

-Ssshh, Tá tudo bem, Addie tá tudo bem, olha pra mim! – ela o pedia silêncio, enquanto ele ainda lamentava aos prantos.

-Meus animais, eu vou perder tudo, Anabeth eu vou perder tudo! 

-Addie, Ssshh, tá tudo bem –  ela acolheu sua cabeça em seu peito, chiando pra acalmá-lo na cozinha completamente destruída, Jongdae ainda estava de pé na entrada, assustado demais pra mover algo que não fosse o peito que subia e descia com a respiração nervosa – vai ficar tudo bem, vai passar, vai passar...

Ele já respirava mais calmamente, e Jongdae olhava preocupado pro irmão que pendia a cabeça devagar, e aos poucos ia ficando inconsciente. “Xiumin!” foi a ultima coisa que o loiro ouviu: a voz do irmão. 

Antes de sentir seus cabelos molhados.
E abandonar a consciência... 

 

...

 

 

Quando os olhos de Xiumin despertaram, o medo havia sumido, Jongdae estava ao seu lado, segurando sua mão, e aquilo era o suficiente pra que ele sentisse que tudo estava bem, que ele estava seguro. As paredes eram brancas onde estava, com cortinas de um tom azul esverdeado e a luz do dia entrando forte pela janela. Estava numa cama de hospital, com o corpo pesado dos dedos dos pés à testa, e notou um incômodo em sua cabeça, algo que a apertava. Estava enfaixada. Pôde ver o pai com as mãos fechadas embaixo do queixo, a perna inquieta, perdendo seus pensamentos no vazio das paredes embranquecidas. Ele levantou-se e saiu dali, sem notar que Xiumin estava agora acordado. Mas Jongdae notou. 

-Ei, ainda dói? Você tá bem? – sua voz calma acarinhou-lhe os ouvidos.

-Jongdae... – o sorriso que cresceu em seu rosto ao contemplar o mais novo ao seu lado fez as flores no peito de Jongdae abrirem-se novamente. 

-Você sangrou e não queria acordar mais, te colocaram numas maquinas, te furaram, mexeram na sua cabeça, eu fiquei com tanto medo.

-Eu to bem, não dói, mas está difícil ficar de olho aberto.

-Ficaram com medo de você não acordar, colocaram agulhas em você, com remédios. O médico disse que tá tudo bem com a sua cabeça, mas machucou muito. Ai teve de enfaixar. Ai eu pensei que tinham raspado seu cabelo – ele ousou dar um sorriso – ai você acordou. Ai eu fiquei aliviado.

Xiumin não sabia que tipo de remédio haviam lhe dado, talvez estivesse alucinando, ou talvez fosse por conta do choque de sua cabeça contra a parede, porém mesmo sem saber o motivo, uma mágica acontecia ali: Vendo o mais novo falar daquele jeito, tão pausado, explicando tudo devagar, fez a imagem do jovem e crescido Jongdae sumir. De repente era o pequeno Dae quem estava ao seu lado, pequeneninho, com um dos dentes faltando, e a forma como a boca se moldava ao redor da janelinha fazendo-o falar engraçado. 

E o coração de Xiumin despedaçou por inteiro.

 Tinha medo do pior acontecer, tinha medo do que o destino lhe reservava, tinha medo da tempestade, tinha medo do seu próprio pai. E o pior, como ele poderia deixar aquela criança ali, sozinho, e ir pra cidade grande? Como ele poderia deixar Jongdae pra trás? Havia diminuído consideravelmente de tamanho, era mágico ver o irmão dos tempos em que colhiam maçãs, e os olhos, incrivelmente, eram os mesmos. Negros, brilhantes, puxados, e que sorriam mais que os dentes.

-Jongdae... – ele pediu, ao pequeno dae, com a  voz quase sumindo – não solta minha mão.

-Eu não vou – apressou-se beijando as costas das mãos do loiro com um de seus dentes faltando – não vou, eu prometo. Xiumim,  Eu prometo que nunca vou soltar sua mão. 

-Dae... – Xiumin caiu em lágrimas – fica aqui, por favor – a garganta ameaçava fechar, a voz quase não saía, pois tamanha era a urgência que as lágrimas tinham de descer – Fica aqui, vamos colher maçãs...

Os fios dourados agora escondidos só queriam que ficassem assim, que fossem crianças de novo, queria voltar no tempo, e brincar com Jongdae. Queria morar naquele lugar onde  o pai sorria, não tinha gritos e nem desordem. Onde ele não queria ter uma vida fora dali, e não precisava se preocupar com o irmão. 

Por um momento achou ter sentido o cheiro do tronco da macieira misturado a tinta fresca da cerca recém-pintada, uma paz lhe tomou o corpo, e ele adormeceu mais uma vez, com a visão do pequeno Dae segurando sua mão. 

 

...

 

 

Passaram-se horas, e os irmãos brincavam sentados há cama, Xiumin disse o quanto Jongdae ficava bonito com aquela camisa xadrez vermelha – que por sinal lhe pertencia – e outra preta por baixo – com desenhos que os dois passaram minutos analisando até descobrirem o que era – , e Jongdae brincava sobre a cabeça do mais velho parecer um ovo enfaixada daquela jeito. Coisas assim tiraram sua atenção, e fizeram os ponteiros girarem mais rápido, cada vez que olhavam, eles haviam dado um salto enorme, até brincaram de adivinhar as horas sem olhar para o relógio.  Parecia que nada de ruim estava acontecendo, eles se esqueciam de tudo quando estavam juntos.

As flores sorriam longe de casa...

Logo Xiumin havia sido liberado pra ir pra casa, o que só aconteceria quando terminassem de ter uma conversa com o oficial da policia – e amigo do cultivador – a respeito dos problemas com as ovelhas:

-Meus homens olharam o local e, constatamos que talvez sejam coiotes – ele deduzia aos quatro de pé diante dele.

-Coiotes? Não é um coiote, nunca encontrei coiotes nas minhas terras – contradizia o Garth.

-Pra tudo tem uma primeira vez, e não estamos afirmando nada com convicção. É só uma suposição, e até sabermos o que é realmente é melhor que fiquem fora das terras. 

-Não vou deixar minha plantação – pontuou ele, prestes a dar um fim a conversa, fez movimento de sair da sala com paredes brancas certo de que ninguém o faria mudar de ideia. O policial agarrou seu braço, e abandonou na mesma hora a pose profissional pra lhe falar como amigo. 

-Adkins, Pro seu bem e pro bem da sua família, fique longe das terras até a gente matar seja lá o que for isso.

-Sim – Betty concordou – vamos morar na minha casa por enquanto. Na cidade. 

-Eu. Não vou. Deixar meus Girassóis pra trás. – silabou. Ele bateu pé, teimou, saiu dali com passos decididos, e o amigo policial logo atrás, ainda tentando apelar pro seu bom senso.

-Não posso deixar meu pai – Jongdae tinha certeza no olhar, e algo dizia que nada o faria mudar de ideia. 

A tia protestou, trocava argumentos com o sobrinho mais novo de que ele não sabia o que estava dizendo e que estava sendo tão teimoso quanto o pai, até Xiumin interromper a pequena disputa:

–Não posso deixar o Jongdae... – as vozes param de trocar argumentos, o moreno sorriu, e segurou a mão do mais velho, os dois olhares se voltaram à tia. 

A mulher parou diante deles, e só tinha um motivo pelo qual ela se arriscaria em voltar para o campo – Não posso deixar vocês sozinhos com seu pai. 

Tinham de voltar aos Girassóis, Talvez esse tenha sido o erro...

 

...

 

 

Garth se aproveitara da boa vontade – e falta de memória por lhe dar com diversos rostos pelos corredores – da enfermeira local. E já tomava seu terceiro calmante em menos de duas horas. Descontava sua frustração na lataria da caminhonete no lado de fora do hospital, tentando usar de todo o espaço aberto pra encher de ar seus pulmões, e esperar que isso o tranquilizasse diante da situação. Os dias têm sido os piores, os Girassóis estavam levando sua mente a ruínas. As sementes tomaram desgosto de quem às cultivou.  As memórias gralhavam em sua mente. Gritara com Jongdae, assustara todos durante o jantar. Era a terceira vez que provocava uma marca roxa no corpo da irmã. A mulher não dormia direito a dias, mas o pior de tudo, era ter a imagem gravada com uma cena de filme que passava como um loop em seus pensamentos: Primeiro vira uma de suas ovelhas sangrando no chão,e depois, sua mente tornou-se uma tempestade. E quando voltou a si, Xiumin estava desacordado, sangrando no chão. E a culpa era sua, e agora, da caminhonete;

-Merda! – Batia os punhos fechados contra o capô. 

-Addie! – Betty tentava tirá-lo de seus pensamentos destrutivos, mas o homem castigava a própria face puxando a pele pra todos os lados, e machucando as mãos tentando amassar a lataria do veículo – Adkins!  - gritou, por fim recebendo sua atenção – Não vamos voltar pra casa enquanto não tivermos uma conversa séria.

-Não temos tempo pra isso – ele lhe dava com ela mostrando-a a palma da mão, bloqueando suas palavras. 

-Adkins você não pode continuar fingindo que está tudo sobe seu controle!

-Por que não? Eu sou o pai dessa família afinal.

-Por que não está nada sobe controle – Ela cravava o olhar nos dele – por que você tá perdendo o controle!

-Não exagere dessa forma.                  

-Addie, não é possível que você não esteja vendo que  isso tudo não é como antes. Que não é como quando você tinha só crises de ansiedade ou ficava triste, você tá agressivo. 

-Eu sei – ele admitia – é culpa das flores Anabeth. É culpa daqueles malditos girassóis!

-Adkins são só flores! – ela gritou contra ele, cansada do homem idolatrar aquela imensidão de amarelo como se fosse mais importante que tudo – São só um monte de flores, meu irmão olha pra você, olha pro que tá fazendo – ela apontava pro amassado que ele conseguiu provocar na caminhonete, ele se manteve em silêncio, divagando sobre tudo e encontrando respostas pra nada – tem um jeito de resolver isso, você precisa’ 

-Eu sei, Anabeth eu disse que vou cuidar de tudo – ele cortara sua fala – está decidido, leve o Jongdae com você. Quando tudo tiver bem e eu der um jeito nos girassóis vocês voltam pro campo.

-Addie – ela começara, tentando falar aquilo de uma forma que não o irritasse, tentando ter tato com a situação – eu tenho um amigo que pode te ajudar, você só precisa passar alguns meses sobe... Observação médica e’

-Observação médica? Anabeth – a mulher respirou fundo e deu um passo discreto pra trás ao ver o irmão deslizar as mãos do capô e cerrar o punho enquanto a encarava – você quer me internar?  Acha que eu estou louco? É isso?

-N-não, quer dizer... Adkins, e-eu to com medo – se explicava, tentando apelar para que ele entendesse – Medo por você, medo pelos meus sobrinhos! 

-Eu sou o homem dessa família! – ele bradou, e a mulher calou-se diante de sua ira – E eu vou manter tudo sobe controle. Eu não vou perder mais nada, não vou perder meus Girassóis e não vou perder meus filhos assim como perdi a Jihyo! 

-Você tá perdendo sua sanidade Adkins – séria, ela ditou de ultimo ao abrir a porta, antes de se meter dentro da caminhonete – Tá perdendo por causa daqueles malditos Girassóis. São seus filhos, sua família, é algo irrecuperável. 

-Eu sei, e eu vou cuidar deles – sustentou seu olhar com confiança – Leve o Jongdae com você pra cidade.

-E quanto ao Xiumin?

ela questionou, e o homem ergueu os olhos pro céu. 

 

...

 

 

Cães, coiotes, lobos, seja lá o que estivesse destroçando suas ovelhas, não se atreveria a adentrar sua plantação novamente. O cultivador espalhou algumas armadilhas pra ursos dentro dos Girassóis. “Um amigo me vendeu por um preço bom demais pra se recusar” tentava explicar aos olhos curiosos dos três que analisavam a trava de pressão circundada por dentes pontiagudos já um tanto enferrujados. Aquilo podia arrancar o pé de qualquer animal descuidado que corresse por entre o amarelo. ”A partir de hoje ninguém além de mim entra nos girassóis, entendido?” 

 

Entendido. Ninguém queria perder o pé. Todo o resto da – Desgastada – família achava aquilo radical demais. Mas que contrastava a desordem que  o Garth se encontrava.  Mais assustador que os dentes de ferro, era o rosto e olhar do cultivador. Frios, fundos, quase sem vida.

A noite demorara a chegar, o campo parecia silencioso. O homem e os filhos sequer realizaram alguma das tarefas diárias, esqueceram até mesmo de alimentar os animais. Seus problemas eram maiores que os da terra.

Só não eram maiores que os das flores.

-Eu não ‘to muito bem ultimamente, as coisas estão difíceis, não vamos  ter uma colheita esse ano.  E agora... – Parou pra respirar, todos na sala ouviam atentamente o homem explicar-se, e lamentar – Agora alguma coisa tá matando os animais. Às vezes acho que isso é algum tipo de maldição... – Tentava encontrar as palavras certas, ter tato com a situação. – Uma maldição que me persegue e que envenena tudo o que eu toco, tudo o que eu tento cuidar. – Suspirou – Eu tomei uma decisão, e vai ser melhor pra todos. Então... Arrume suas coisas Jongdae. Você vai com a sua tia pra cidade.

O pai terminava de ditar, sentado a poltrona. Com a cabeça apoiada nas mãos fechadas, sua pose pensativa tentando lhe dar da melhor forma com a situação.

-Certo, vem Xiumin. Eu te ajudo com a sua mala. – se oferecia. Puxou o irmão pela mão, e começou a subir as escadas. 

-Jongdae... – o homem chamou, fechando os olhos, procurando coragem pra dizer aquilo. Se á tinha ou não, teria que fazer de qualquer forma pois Jongdae já parara os passos nos primeiros degraus, pra ouvi-lo dizer – Só você vai pra cidade...

O irmão mais velho olhou com confusão para  o pai, a tia calada no canto da sala, o pai com peso nos olhos. Jongdae voltou seu corpo pra constatar o que  ele dizia.

-E... e o Xiumin? – os rostos de ambos denotavam preocupação no que o velho Garth tomou como decisão.

-Pai? – O loiro apressou uma resposta.

-Você vai pra cidade grande. Eu falei com um amigo hoje cedo, você pode morar com ele pelo tempo que quiser, e... – parou, analisando a melhor das hipóteses – ele vai te ajudar a encontrar uma escola, e vai te orientar com o que precisar. Vai ser bom pra você...

Aquelas palavras o tiraram de orbita, o momento havia chegado cedo demais, e na pior hora. Quando Xiumin mais queria envolver Jongdae em seus braços e protegê-lo de qualquer mal que estivesse por vir, chegara a hora de dizer Adeus.

E os espinhos das flores no coração de Jongdae cresceram no mesmo instante.

-E quem disse que você pode decidir isso, hã? – Expeliu todo o ar de seu peito num grito. Ergueu o rosto, desafiava o pai, a raiva o consumia. 

O Coração florido cansara-se de ter sua vida decidida por outra pessoa. Cansara-se dos sins e dos nãos. Dos “Faça isso” e “Não faça aquilo”. Cansara-se das pessoas ficando entre ele e o que sentia por Xiumin.

-Jongdae não grite com seu pai! – a mulher tentara interferir, mas a imperativa de suas falas sobressaltava qualquer voz que tentasse calá-lo.

-Você anda chorando, gritando com todo mundo e quebrando tudo nessa casa. São os animais, são os girassóis, e eu não entendo nada disso, não entendo nada do que tá acontecendo. Mas eu sei que nem eu e nem o Xiumin temos nada haver com isso! – ele apertava os dentes e mostrava uma raiva na negritude dos olhos jamais antes vista por ninguém – Eu não vou pagar pela sua burrice!

-Jongdae! – a tia tentava calá-lo devolvendo seus gritos que eram direcionados ao pai.

-Isso tudo é culpa sua. Criou a gente detrás dessas cercas como se fossemos igual aos animais. Nunca pudemos fazer nada que você não gostasse, nunca podíamos ir aonde você não queria, e eu cansei disso! – parou pra retomar o fôlego, lapidou seu discurso, e desferiu uma ultima frase afiada contra o homem – Isso tudo é problema seu, lide com isso sem envolver a gente. Meu irmão não vai sair de perto de mim. 

Assim seria a partir de agora. Quando não tinham pra onde fugir. As flores queimavam. 

 

O pai engolia em seco, segurou-se na cadeira pra tomar as palavras desafiadoras do mais novo – Não foi uma decisão só minha, Jongdae – ditou, por alguns segundos tomando gosto em cuspir cada silaba e calar o filho ao dizer – Xiumin pediu por isso...

O silêncio tomou os ares pelo tempo que o moreno precisou pra absorver aquilo. A boca entreaberta, custando a mover-se  – Mas ele não quer isso... – assegurou, mais uma vez Jongdae tentava falar pelo irmão. Moveu os olhos do homem, para os fios loiros. O olhar de Jongdae e Xiumin confrontando-se – Você não quer, não é?

E foi ali, quando a primeira gota foi vista escorrendo pela janela, quando o barulho da água agredindo o telhado foi ouvido, quando o vento soprou forte. O Silêncio de Xiumin foi a pior resposta. E a primeira tempestade começou...

De novo, perdera todo o controle sobre seus próprios passos, sobre o que sentia, sobre seu futuro. Mais uma vez, estar ou não com quem amava, não dependia apenas de si. Ele não tinha culpa de nada estar acontecendo, só queria estar junto de quem amava, e que se danem os animais ou os girassóis, mas isso não estava ao alcance de suas mãos, não enquanto estivesse dentro das cercas. E ele só culparia a uma pessoa por isso. Seus olhos, queimando, atiraram contra o Adkins.

– Eu odeio você... 

Xiumin sentiu seus dedos serem largados. Segurar a mão de Jongdae naquele momento tinha um significado maior, queria ir, tinha que ir. Mas nunca quis deixá-lo. Porém o irmão se afastava, e subia as escadas por conta própria. O deixando pra trás...

Problemas, decisões, medidas, impasses... Tempestades. E em meio a isso, os Girassóis.

 

 

...

 

Aquilo eram nuvens rasas e passageiras, comparado ao vendaval que se aproximava. As gotas caiam mínimas no chão, a chuva mal podia ser sentida pelo irmão mais velho, mal ameaçava apagar o misto de amarelo e laranja que queimava a madeira. 

Xiumin, encostado a arvore, sentado no tronco diante da fogueira que acendeu pra si mesmo, perdia o olhar e os pensamentos na luz das chamas. 

Partia um galho em pedaços. E atirava-os no fogo que dançava. Estar ali sem musicas das cordas do violão, sem risos, sem companhia, apenas diante da luz da lua e das labaredas, era como sentia que viveria a partir de amanhã, sozinho, longe do campo, longe da família. Longe de Jongdae. 

Devia estar feliz por ter chegado o dia que lhe foi prometido. Exatamente: Devia. 

Estaria sozinho, por conta própria quando partisse, tomaria as rédeas de sua própria vida. Mas essa não servia para que tomasse a mão do irmão e o levasse consigo, pra onde quisesse, pra onde fossem felizes. 

Sozinho.
Xiumin estaria sozinho.

 Mas não hoje, não ainda. Pois o fogo acentuou no chão a sombra da mulher que se aproximava com os braços guardados na blusa de frio. 

Que sentou ao seu lado, e contemplou no fogo o quanto era difícil iniciar uma conversa sobre toda a bola de feno de coisas que não podiam discernir onde ou quando começaram a dar errado. Depois de segundos pensando, a coisa que lhe pareceu plausível a se dizer foi:

-Como se sente?

Em sinceridade maior, pura, descascada. A resposta foi:

-Eu não me sinto. Eu simplesmente não me sinto – disse pro fogo – Eu sonhei com isso tantas vezes. Estudar, trabalhar, quem sabe a te ensinar.  E agora, já nem tenho certeza se quero mesmo ir. E pra piorar, eu sinto que não devo ficar também. 

-Seu pai te assusta? 

O pensamento que o calor lhe trouxe foi “Qual seriam as consequências, se eu aliviasse, só um pouco, o peso que tinha na consciência. Se eu afrouxasse só um pouco, e vacilasse só um pouco, sobre meus segredos com Jongdae? Só pra poder respirar mais leve, por um segundo. Talvez dois...”

-O que fiz me assusta. O que penso me assusta. O que sinto. Tia, esse é o pior. O que eu sinto é o que mais me assusta... 

Ela encarava o reflexo da luz tremula em seus olhos enquanto ele seguia dizendo antes que se arrependesse

-Por que a gente continua ouvindo ele? Meu pai não tem condições de cuidar da própria vida. E o pior de tudo é que não é só ele que eu já não reconheço. Eu nem sei mais quem eu realmente sou. Quem o Jongdae é. É confuso. – parou por um momento, céus, que ele não se arrependesse de confiar tanto naquela mulher – Eu devia ter sentido  algo especial pela Emili?

-Vou parecer a vilã da história se disser que foi pra isso que ela veio aqui?

Ele tentou sorrir.

-Não, eu já sabia.

-E você sentiu?

Aquele silêncio, e a forma como, por milímetros, Xiumin murchou-se no tronco. Era claro a negativa. 

-Acho que a gente não escolhe por quem sente essas coisas, não é? – perguntava com a bochecha deitada no braço, os olhos grandes suplicando respostas  com a voz baixa, que mal superava os estalos da madeira queimando no fogo.

O ambiente ao seu redor, aliás, era de se identificar com sua situação:
Chovia – de leve, mas ainda chovia – encima do fogo. Se afastassem a pele das chamas, o frio tomaria seus corpos. 

Frio e calor

Fogo ou chuva

Ir ou ficar

A família, ou o amor.

Seus sonhos, ou o campo. 

Em meio a tudo isso, ele só queria escolher Jongdae. 

-Tudo o que eu queria agora, era pegar a mão do meu irmão e sair daqui, ir pra bem longe. Não é como quando ele me proibia de ler alguma coisa, ou de ir a algum lugar. Ele tá tentando decidir nossas vidas, sendo que tá tudo se despedaçando ao redor dele. Tia, olha pra você – a mulher tentava se esconder dos olhos que analisavam sua pele com manchas roxas nos braços – toda marcada. 

-Não é de propósito.

-Eu sei. Minha cabeça também não foi. Não consigo culpar totalmente ele por isso – e nem era com isso que se preocupava – Mas tia Betty, se eu for embora, e o Jongdae? Quanto tempo vai demorar até ele machucar o Dae também? 

A tia sabia que eventualmente, uma hora isso aconteceria, cedo ou tarde, aconteceria. Garth estava se tornando, mesmo que sem querer, uma ameaça a todos a sua volta. 

E isso foi dito a ela, por um amigo da cidade grande, que entendia de mentes doentes. E que passou meses no telefone, ouvindo-a narrar cada situação, e a condição do irmão. Há poucos dias ele chegou a uma conclusão, mesmo a distância.

 

SOBRE A DOENÇA DAS FLORES AMARELAS

"Basicamente, Anabeth, explicando de uma forma que você entenda melhor. Pelo que você me disse o seu irmão fugiu pro campo  como uma forma de deixar tudo o que aconteceu pra trás. Ele encontrou um refugiu e uma tranquilidade naquelas terras. E decidiu que seria ali onde ele iria cuidar dos dois filhos. Afinal ali eles estariam longe de qualquer coisa que os fizesse mal.

O problema, na verdade, é a plantação. Mas precisamente, os Girassóis. Seu irmão usou o cultivo das sementes como uma maneira de seguir a vida, ele passou a se dedicar aquelas flores como uma forma de tratar o luto. E isso é normal, só é difícil de manter de forma saudável. Ele dedicou tantos anos  a isso, que virou dependente.

E agora, pelo que sabemos, a plantação está com problemas. Isso não é pra sempre, pode ser temporário ou por uma série de fatores e variáveis. Mas isso foi o suficiente, pra junto a sua depressão e traumas, causar um efeito devastador nele.

 Entende o que quero dizer? Sem as flores, é como se ele estivesse a mercê dos problemas que nunca conseguiu superar. E pior ainda, seu irmão sente que assim como não consegue cuidar dos girassóis, não conseguiu cuidar da esposa doente. E o que leva ele a este estado atual, é achar que da mesma forma, também não vai conseguir cuidar dos filhos. E sendo o pai, a figura de maior importância na família, ele se sente na obrigação de tentar concertar tudo.

Por isso penso que não vai ser fácil trazê-lo até aqui, mas se você conseguir, estaremos disposto a cuidar dele da melhor maneira possível, independente do tempo que for preciso."

 

E ele estava certo. As conversas, que na maioria das vezes levava a discussões, sempre terminavam no ponto onde o Garth se recusava a  aceitar ser tratado.

Mas Betty ainda estava ali, estava por Jongdae, e por Xiumin. Permaneceria ali por sua família, pra manter a ordem, pra cuidar de todos. Afinal, foi isso o que ela sempre fez. Com um amor e carinho tão grande que mal cabiam no peito. Um sorriso largo e radiante no meio de toda a conturbação. Um olhar, que mesmo cansado, transmitia o sentido de paz, apego, seus braços eram como um ninho, que aqueceram Xiumin em um abraço, e ali ele sentia que estaria seguro de qualquer coisa. Ela o abraçou e passou a beijar o topo de seus cabelos, repetidas vezes enquanto o apertava no peito. Um amor mais intenso que o calor do fogo. 

-Meu menino. Não se preocupe, Jongdae vai ficar comigo. E enquanto eu estiver aqui, eu prometo que não vai acontecer nada de mal a ele. E eu não vou deixar de cuidar de você também, eu nunca vou! Eu vou te visitar na cidade grande sempre que puder. Você nunca vai estar sozinho, nenhum de vocês. São meus meninos, são a coisa que eu mais amo nesse mundo. E tenha a certeza, de que eu vou estar aqui pra protegê-los de tudo.  

E por um momento, o rapaz de fios dourados, se perguntou se merecia todo aquele amor.

-Tia – chamou ainda no peito dela – Me pergunto todos os dias se você e o pai ainda iriam me amar. Quando soubessem do que fiz, do que eu e  Jongdae fizemos – a mulher assustou-se por um momento com aquilo, mas a única coisa que se passou em sua mente sequer foram ações, e sim palavras, que talvez os irmãos tenham se arrependido de dizer um ao outro. Por que era assim que eram vistos. Nasceram dentre os girassóis, jamais fariam nada de mal a nada, e nem a ninguém – Não me pergunte, eu não posso contar. Eu nem sei se é ou não errado, mas se eu errasse. Você me perdoaria?

E ela sorriu, no fim, os dois irmãos eram, a vista dela, as pessoas mais bonitas, com os corações mais puros que ela tinha o prazer de ter embaixo das asas. 

-Vocês cresceram, e ainda assim, continuam tendo os mesmos olhos de quando eram crianças, sabiam? Vocês ainda são tão inocentes, e isso é bom. Então, meu querido, vai saber quando estiver fazendo algo errado. E nada que venha de dentro do coração de alguém como você, pode ser errado 

-Xiumin... – ela chamou, e uma coisa pesou dentro das pálpebras. Ardeu mais que o fogo, veio de uma forma tão intensa que mal teve tempo de segurar. 

Por que às vezes, as lágrimas. Elas pesam mais que qualquer outra coisa. Pois você não pode segurá-la nas mãos, quem dirá nos olhos? 

-Meu menino, quando eu te vi pela primeira vez, você era tão assustado, e não falou comigo por dias. E depois por semanas, Xiumin você me evitou por meses. E eu achei que nunca gostaria de mim. Mesmo depois de um ano você ainda achava que eu não gostava de você da mesma forma que gostava do Jongdae, por que não tínhamos o mesmo sangue.  E eu te disse que sangue não formam famílias. E que família não é onde você nasceu, nem de quem você descende. Muito menos de onde você veio. Família é onde você está, é quem está com você, é quem te ama além de todas as coisas. E é isso que eu faço...

Xiumin sentia com o rosto as lágrimas castigarem a respiração da mulher, e fazê-la tremer no peito.

-Eu te amo, amo o Jongdae. É só isso que eu tenho feito todos os dias da minha vida. E enquanto eu tiver aqui, acima de qualquer outra coisa, eu vou continuar amando você. Não duvide disso...

Sobre suas inocências, o garoto duvidava desde o dia em que colocou as mãos, e dedicou aqueles toques a Jongdae. E sentiu algo que nunca sentira antes, não algo de coração. Algo de corpo...

Mas independente disso, sobre o amor que recebia, e sobre a segurança que sentia enquanto a mulher estivesse por perto. Disso ele não duvidava.  Sua resposta a ela, foi o mais puro, verdadeiro, e de muito significado:

-Obrigado. – ele sorriu, mesmo que ela não pudesse ver, e suas palavras baixas, quase sussurradas, com o rosto brilhando pela luz do fogo, eram de coração – Eu cresci devagar demais pra lembrar da minha mãe. E cheguei tarde demais quando tive a chance de ter uma, por que o  Jongdae também não tinha. Mas ele tinha você, e eu também queria. Você é a única coisa que a gente tem de mãe, e é do que a gente mais precisa agora. Obrigado por estar aqui, por ser nossa mãe. E por favor...

Uma gota de lágrima, que falava por um mar de palavras, caiu de seu rosto.

Não deixe de ser, nunca.

Disse o menino. Ficariam ali, acolhendo um ao outro. Até que a  chuva caiu com força, e apagou o fogo, deixando sozinha a lenha molhada, em cinzas, enquanto os dois voltavam pra dentro da casinha azul de madeira.

 

...

 

 

O que precisava ser dito, fora dito. Xiumin dissolveu um pouco do que o entristecia.
A casa no escuro, e em silêncio. Exceto pela luz da lua que entrava pela janela, e excerto pelo barulho dos grilos lá fora. 

Todos dormiam. 

Todos... Menos o que fazia ruído na madeira do quarto, se aproximando lentamente da cama.

Todos... Menos aquele que fingia ter caído no sono embaixo da coberta, com o rosto escondido na parede.

Todos, menos os irmãos.

-Você não tá dormindo, tá?
Silêncio...

-Eu queria falar com você. Jongdae?
Os grilos... 

-Jongdae...
Apenas os grilos...

E uma respiração aquecida é sentida na bochecha, é surpreendido por lábios que circundam sua orelha. E o sussurro, meio salivado no fundo da garganta, entra pelo ouvido, depois de um beijo de lábios quentes no lóbulo da orelha – Jongdae. 

-Estou acordado – respondeu com os olhos fechados, sentindo. 

E de novo, o sussurro, no pé da orelha, molhado – Levanta. 
E  lhe  beija mais uma vez.

-Vamos lá fora. 

 

...

 

 

Jongdae não estava de pijamas naquela noite, pois foi se esconder no lençol após a confusão há quase uma hora atrás. E Xiumin sequer pensava em dormir. 

Esqueceram que a tempestade ainda se desenrolava lá fora. E duas coisas aconteceram naquela noite. 

Uma: Xiumin puxou Jongdae embaixo da chuva, até o celeiro. 

A outra: o pai acordou de seu sono, com corvos gralhando em seu ouvido. O barulho torturante das aves direto em sua audição que na verdade estavam apenas em sua mente o fizeram levantar. E pela janela, no segundo em que a luz de um relâmpago acendeu os girassóis. Em meio à claridade que durou dois rápidos segundos, o homem iludiu-se com vultos de cães que corriam por entre as flores. Outro relâmpago, outra imagem de cães ameaçando matar seus animais.

Cães, corvos... O homem toma a espingarda nas mãos.

Em um momento a tia foi até seu quarto, e Adkins já não estava mais lá.

 

 

Dentro do celeiro, Xiumin fechou a grande porta. O barulho da chuva batendo no teto era abafado. Estava frio apenas lá fora. E por não haver nenhum som aqui dentro, os dois ouvem apenas as vozes baixas um do outro.

Jongdae sentiu raiva a momentos atrás. Mas onde ela estava agora? Que Xiumin tomou seu corpo pelos braços fortes e o sentou numa mesa de madeira, levando ao chão sacas de sementes.  

O loiro namorava-o com os olhos antes das mãos. Jongdae o tinha entre as pernas, de bocas entreabertas, próximas, e olhos conectados. Contemplavam um ao outro como se mal soubessem o que estava acontecendo, como se tivessem se surpreendido com algo que encontraram no olhar um do outro. 

Pareciam assustados visualmente, mas na realidade, aquilo era sentir o calor carnal que começava a tomar seus nervos. 

-Xiumin... – chamou abandonando seus olhos – E se for como o pai disse?  E se for uma maldição?

E de repente o loiro parou pra ouvi-lo atentamente.

-E se quando nos beijamos pela primeira vez, dentro da plantação, nós amaldiçoamos os girassóis. E por isso eles não amadurecem? 

-Isso não é verdade – soprou, sussurros quase inaudíveis vindo de Xiumin, A ponta dos narizes se encostando – Não fizemos nada de tão errado assim. Vamos parar de nos culpar, só por agora. Se eu tiver de ficar longe de você, então pare de pensar só por hoje. hum? 

­E pra selar aquele acordo. Xiumin passou os olhos pelas clavículas de Jongdae, amostras. O moreno usava uma regata branca, coberta pelo macacão, de um verde tão fraco que mal se sabia direito a cor, quase marrom. O que importa, é que deixava os ombros dele expostos. Diferente do irmão que tinha um corpo forte, robusto –  de alguns músculos evidentes mesmo vestido pela camisa xadrez vermelha – Jongdae tinha o corpo mais magro. E os ossos na região de seus ombros foi o que lhe despertou o desejo.

Levou os lábios até ali, beijando a pele, por toda a extensão da clavícula, se aproximando do pescoço. 

Respirando quente ali
beijando quente ali
e despertando em si mesmo uma rigidez dentro da roupa. Mas precisamente, dentro da cueca. 

Não era a primeira vez que sentia aquilo não apenas em si, mas em Jongdae também. 

O mais novo o puxou como se precisasse colar ainda mais os corpos já juntos, perdendo as mãos por suas costas. Xiumin desabotoou com a ponta dos dedos o botão que segurava o roupa no lugar, vendo a alça se desprender nos ombros, deixando-os ainda mais amostra. Beijou a região novamente.  E voltou a fazer a mesma coisa com o outro botão.

Jongdae tinha no torço agora apenas a camisa branca. E beijou a boca de Xiumin, o segurando por trás do pescoço. Fazendo com as línguas aquilo que o loiro aprendeu nos filmes. Procurando algum gosto na boca um do outro, e não parariam até encontrar.

Amantes, quando se beijavam assim, quando tocavam um ao outro com gosto, e aos poucos iam se deixando levar pelos movimentos de quadril um no outro. Xiumin roçando nas pernas de Jongdae sentado a mesa. Ficando a mercê dele quando os fios negros se perderam em seu pescoço, e sua boca beijava a pele ali. Jongdae o mordia, e apertava sua bunda. 

Aquele era o segredo mais sujo, descobriram juntos, que em poucos segundos, desejavam tanto aquilo a ponto de seus sexos ficarem inteiramente duros. Massageavam um no outro pra aproveitar aquilo. Enquanto se perdiam nos beijos. Descobriram como se namora.

-Eu prometo que vou voltar o mais rápido possível, e vou te levar comigo. Vamos viver juntos longe daqui. E ninguém vai poder dizer se estamos certos ou errados. Eu prometo. 

Disse de olhos fechados, enquanto sentia Jongdae segurar seu rosto. 

-Xiumin... Espera.

-Não começa a pensar demais Jongdae...

-Não é isso! – ele o empurrou devagar. E os dois interromperam o momento, com  Jongdae entortando as narinas e buscando algo com os olhos por toda a área – tá sentindo esse cheiro?

Não estava até ele chamar atenção pro odor que antes era apenas um cheiro agradável de terra molhada, mas quando a chuva se intensificou de forma que parecia ameaçar derrubar o teto com pancadas d’água, o cheiro de podridão alcançou eles. 

E xiumin avistou, por cima dos ombros de Jongdae, um rastro manchado sobre o feno no chão, que ia até os fundos da construção. Sangue. Andaram até o monte de feno acumulado sobre um volume, e ao afastar a palha, o mais velho se afastou num susto. Embaixo do amontoado, mais uma ovelha destroçada, que aparentemente foi arrastada até ali. 

-Vamos chamar alguém? – perguntou o mais novo.

-É melhor deixar ai, o pai vai encontrar amanhã. A gente tem que voltar pra dentro, o que matou ela pode ‘tá perto ainda. 

Assentiu. E próximo à porta, antes de voltar, beijou novamente o irmão, o abraçou de pé, e tomou de novo seus lábios. 

Não precisavam chamar alguém.
pois sem que vissem a porta foi aberta minimamente
a chuva não deixou que ouvissem os passos no feno.
E a tia presenciou, de olhos bem abertos, os dois irmãos
Que se beijavam dentro do celeiro. 

Xiumin sentiu o corpo do irmão tremer, sua respiração falhar. E ao olhar pra trás, a mulher, molhada pela tempestade, com os cabelos e o vestido pingando, tinha o rosto congelado diante da cena.

Ficaram se entreolhando, ambos igualmente assustados. O ar pesou, o coração dos irmãos bateu forte. Descobriram o segredo das flores. 

-Xiumin? Jongdae?... – ela não conseguia fechar a boca, e nem piscar. E nem dizer qualquer coisa.

E não precisou...

A porta do foi escancarada, por ela a chuva entrou impiedosa. Porém mais impiedosa que ela, era a loucura do homem que adentrou o celeiro. 

- Malditos cães, malditos corvos! – ele gritava, quando rapidamente notou os três ali, de pé no celeiro, sua cabeça pendeu pro lado em desconfiança, e a voz, mesmo mansa, era evidente nela que, aquele já não era Adkins Garth em sã consciência – o que vocês estão fazendo aqui?

E a primeira coisa que ele notou, foi a ovelha morta atrás dos irmãos. E os gritos do filho mais novo, da discussão passada, reproduziram em sua mente descontrolada. 

-Jongdae? O que você fez? Por que está acordado? – desconfiava – você me odeia tanto assim Jogndae? 

O homem tinha um olhar assustador, e até mesmo respirava de uma forma quase animalesca, ele tremia o rosto, e apertava os dentes.

-Você está matando os animais por que me odeia, Jongdae?

E ninguém havia notado a arma atrás de suas pernas, apontada para o chão. Até ele erguer os dois canos, devagar, e apontar direto na direção do filho mais novo.

Jongdae paralisou. Suas pernas não eram capazes de se mover, a sua frente, com um olhar lunático, seu pai lhe apontava uma arma no peito.

-Ele não fez nada! – Xiumin, com o coração batendo contra o peito entrou na frente de Jongdae, escondendo o irmão atrás do próprio corpo – Ele não fez nada!

Ao ver o irmão, na mira de uma arma, se pondo em seu lugar, ameaçado a ser morto pelo próprio pai. Jongdae começou a gritar em choro, e abraçou o corpo do loiro a sua frente. As lágrimas de desespero uniram os dois. As mãos de Jongdae estavam na frente do corpo de Xiumin, e ele as segurou com força. Enquanto choravam na mira de uma arma. 

-Vocês mataram meus animais! Vocês querem se vingar de mim?

-Não fizemos nada!           

E como uma fera de olhos azuis, a mulher tomou vida, virando direto pro irmão e segurando o cano da arma. Afastou da direção dos meninos. E o rosto do homem ardeu em um tapa tão forte que sobrara pele do rosto dele embaixo de suas unhas.

Os corvos pararam de gritar, a mente pareceu assimilar o que fazia. E o Garth, olhou os olhos que choravam dos filhos, e  a mulher bufando de ódio a sua frente. A arma em suas mãos. Ele fugiu dali...

Deixando pra trás a tia, perdida numa confusão de acontecimentos, tentando reagir a qualquer um deles, mas ficava difícil, vendo os sobrinhos abraçados no chão de feno, chorando juntos. Como se agradecessem por estarem vivos.  

“Me desculpa!”  pedia Jongdae ao irmão, desesperado, o abraçando pelas costas, ajoelhados no chão “Me desculpa!”. 

A mulher estava com a mente atordoada demais pra saber onde olhar. Falava pro nada.

-Xiumin, Jongdae. Eu não sei o que tá acontecendo com vocês. Eu não sei se vou ser capaz de entender um dia – ela voltou-se a eles, e tinha uma ordem, clara e direta – Subam e arrumem suas malas, não deixem seu pai os ver. Partiremos amanhã! 

Eles entenderam. Culpados ou não, envergonhados ou não, entenderam. E não tinham motivos pra desobedecer. 

Aquela foi a primeira tempestade.

 

...

 

 

 

Nesta mesma noite, adkins, ainda achando estar em posição de dar ordens, disse a mulher que partiriam quando amanhecesse. 

Estava virado pra janela de seu quarto, sentado a beira da cama, de costas pra entrada. E ouviu, quando a porta, atrás, foi aberta devagar. 

Sabia quem era a única pessoa que teria coragem de ir até ele. E disse, sem olhá-la. 

-Eles têm que ficar longe de mim. Quando amanhecer, vamos todos deixar o Xiumin na estação. E depois você e o Jongdae ficam na cidade.

Não ouve um “sim” ou um “entendido”. Ela apenas abriu, ouviu, e fechou a porta. Deixando o homem sozinho, com a lua, e com seus pensamentos.

 

...

 

 

 

E a manhã chegou, ninguém dormiu. A mulher voltou à porta. Mas não era pra buscá-lo, e sim pra vê-lo uma ultima vez. Ter uma ultima conversa. 

 Mesmo com todos os acontecimentos, mesmo já tendo visto coisa demais, e precisando dar um basta ela mesmo naquilo tudo. Mesmo estando com medo do próprio irmão mais do que qualquer outra coisa. Não é como se fosse fácil deixá-lo pra trás. 

Mesmo que seu interior dissesse, que não estava deixando ninguém. Na verdade, estava fugindo.

Queria dar a ele no mínimo o direito da fala, de fazer algo positivo e ela desistir daquilo. Diria uma ultima coisa, e lhe daria a chance de uma ultima resposta.

-Addie – chamou entrando no quarto, ele já estava de pé. Mas não como se tivesse dormido. Talvez tenha apenas deitado. E tido uma longa noite se insônia, igual a todos naquela casa – quero conversar uma coisa com você. Queria saber algo antes de irmos.

Ele, com roupas bonitas e botas novas, se preparando pra dar Adeus a um filho, como se ainda fossem a família perfeita de sempre. Esperou que ela sentasse a cama, e ouviu atentamente. 

-Nunca se perguntou o motivo, de o Xiumin não ter se interessado pela Emili?

-Sabemos que ele não liga pra essas coisas – ele respondeu enquanto buscava algo na gaveta da cômoda. 

-Ou talvez ligue. Mas, não exatamente... o tipo de coisa que empurramos pra ele.

-Como assim Anabeth? Pare de falar tão difícil – resmungou. 

-E se o Xiumin for o tipo de rapaz... – ela parou por um momento, tentando escolher bem as palavras – que prefere a companhia de outros rapazes? 

O homem parou os movimentos com as mãos, ainda afundadas na gaveta. Imóvel. 

-Sabe, esse tipo de pessoa existe. Nós sabemos disso. 

-Invertido? – ele interferiu – Sabe, igual como falam na Tv?  É sério que estamos falando disso? Acha que o Xiumin é ...? – ele até rio. 

-Não, na verdade, não acho que sejam.

-Sejam? – ele conjeturou. Erguendo uma sobrancelha, finalmente se voltando a ela. E o olhar que ela encontrou não foi dos melhores. Arrependeu-se na mesma hora por estar sentada, tão inferior a ele – acha que meus dois filhos são assim? do que porra você tá falando Anabeth, estúpida. Como pode pensar isso dos seus sobrinhos? Achei que estavam me considerando o louco da casa, mas pelo visto a louca aqui é você.

-Adkins isso pode acontecer em qualquer família.

-Não na minha! – ele gritou, e de novo. Os olhos. Seria assim todas as vezes? Igual na noite passada. Aqueles olhos sádicos – Não os meus filhos. Se você gosta de bancar a inteligente e a mente aberta pra pensar sobre essas coisas. Pense quando você tiver seus próprios filhos. Ah é, você não pode! 

Ela calou-se, e se recusou a acreditar que aquilo saiu da boca de seu irmão. 

-Não pode por que seu ventre é podre! – ele apontou – É podre por que você tem esses pensamentos imbecis. Os meus filhos não são assim, por que eles nasceram da Jihyo, e ela era uma mulher perfeita. E meus filhos são perfeitos. Os filhos de Jihyo são perfeitos, por que ela era pura! E se fosse pura como ela, poderia ter um filho que não morresse dentro das suas entranhas!

A mulher estava boquiaberta. Os xingamentos nos momentos de loucura que o homem lhe direcionava, as marcas roxas que causava nela quando a empurrava contra algum móvel em meio a sua histeria. Nada daquilo doeu mais, que aquelas palavras. 

Levantou, ameaçou batê-lo no rosto com as mãos trêmulas, mas desistiu no meio do ato. Negando com a cabeça, incapaz daquilo. Deixou o quarto com um buraco no peito. E uma raiva lhe  coçando os dedos. 

Enquanto ele voltou a buscar algo na gaveta.

 

Desceu os degraus devagar, um a um. Atordoada. Aos poucos, a medida que descia pro andar de baixo, o corpo dos sobrinhos sentados no sofá e as malas no chão eram revelados. 

E com a mão sobre o ventre, na frente dos dois. Diante da atenção deles, Ela deu seu veredito.

-Eu os amo, muito. Talvez eu nunca entenda o quanto se gostam. Mas não me importa. Eu não posso manter uma criança viva dentro de mim. Não posso ter a quem chamar de filho – ela deixava que as lágrimas rolassem pela bochecha, mas sua voz, ainda era um misto de raiva e razão – mas isso não me impede de ser mãe. Já chega, peguem suas coisas e vamos embora, eu prometo tentar entendê-los, vamos saber lidar com isso da melhor forma. Bem longe daqui. Vou ser mãe essa vez, e tirá-los de dentro dessas malditas cercas. 

E foi com isso que rapidamente, ela tomou a mala dos dois pela alça, e arrastou até o lado de fora.  Jongdae e Xiumin deram as mãos, e com uma mochila pendendo no ombro de cada um, saíram da casa. 

Do lado de fora, ouviram o homem anunciar “Nós partimos em quinze minutos”

Olhando pra trás, inaudível, a mulher respondeu a casa azul. 

 

“Nós partimos agora”

 

Acomodaram a bagagem, e entraram rapidamente na caminhonete. A mulher parou com os dedos na chave, e olhou os sobrinhos no banco de trás pelo retrovisor. 

-Vocês entendem que é preciso?

Eles assentiram. Ela olhou pela janela do carro, dizendo a si mesma que tentou ajudá-lo, que fez de tudo pelo irmão mais velho. Seus olhos azuis derramaram uma ultima lágrima. Ela fez a caminhonete tomar vida girando a chave, e os pneus rodaram na velocidade do quão rápido eles precisavam sair dali.

Os irmãos olharam a casa se tornando pequena à medida que deixavam as terras, ao dobrarem a cerca branca, deram Adeus com os olhos ao mar de girassóis. Pensaram até nos animais. Abraçaram-se.

Anabeth estava salvando seus sobrinhos.
Xiumin e Jongdae estavam abandonando seu pai.

Logo o Garth  veria mais a  caminhonete em falta  na frente da casa, os guarda-roupas vazios. E nenhum sinal da presença dos filhos. Não iria demorar até ele entender que foi deixado.

Sentiram-se livres de tudo, logo estariam na rodovia. Xiumin e Jongdae sentiam que finalmente poderiam se amar de verdade.  

Eles só não esperavam que a tempestade os alcançasse no meio do caminho. 

 

...

 

 

A caminhonete estava quase no meio da rodovia, sozinha, se aproximando das plantações de trigo que passavam por trás da cerca. Do outro lado, as colinas. As gotas de água começaram a bater no vidro, fazendo barulho estalado. Nuvens negras se encontravam no céu, formando um véu acinzentado acima de tudo. O barulho do limpador era indiferente pra eles. Jongdae ouvia a chuva se chocando no asfalto, e o tempo escuro a sua frente, enquanto recostava-se no pescoço de Xiumin. Ambos os olhares perdidos. Sem querer conversar muito sobre o que estavam fazendo. 

À medida que o carro ia acelerando, os dois iam se levantando de suas posições quase deitadas. Pediam pra tia ir devagar, mas ela pisava cada vez mais forte no acelerador, respirava de boca aberta, começando a ficar nervosa com a situação.

-Tia o que foi? Tia Betty, tá acelerando demais, a pista tá molhada, você tem que manter a calma. – Xiumin pedia, calmamente.

-Meninos.  – ela ajustou num movimento só o retrovisor, dando a eles visão de um outro carro surgindo na linha da estrada, que cortava o asfalto a uma velocidade maior que a da caminhonete – aquele é o carro de um amigo do seu pai – eles se entreolharam – E eu temo que não seja ele quem esteja dirigindo dessa forma! 

-Ele nos alcançou.
Concluiu Jongdae. 

O carro estava a uma velocidade superior. E se aproximava cada vez mais, o barulho da chuva se misturou ao do motor sendo forçado a ir cada vez mais rápido.  Começara uma perseguição no meio da tempestade na rodovia principal.

-Eu não vou voltar, eu não vou deixar ele alcançar a gente!

Anabeth jogava o carro contra o do irmão, tentando não lhe dar passagem. Virava o volante pra esquerda e pra direita quando o homem tentava cortá-los. E os pneus arranhavam as poças de água que se formavam no asfalto molhado. 

-Eu os amo demais pra permitir que vivam dessa forma! 

Ela dizia aquilo pra se autoencorajar a tirá-los do próprio pai. Se sentia responsável por eles agora, Anabeth nunca permitiria que vivessem infelizes. 

Ela não sabia como seria quando tivesse de parar e correr pra rodoviária. O Garth seria capaz de perseguir qualquer ônibus que tomassem. 

Não teve tempo de ter nenhuma ideia. Sua testa quase foi de encontro ao volante quando o adkins bateu com o próprio carro na parte de trás da caminhonete, tentando obrigá-la a encostar. 

A chuva aumentou, a tempestade gritava no ouvido dos irmãos quando o vento entrava pela janela e soprava em seus ouvidos. O frio os castigava, e eles tentavam se segurar dentro do veículo que deslizava de um lado pro outro. 

O Adkins só podia estar com sua insanidade a mil pra lançar seu carro contra a caminhonete, o fazendo mudar de curso e vacilar na pista molhada. 

Foi na mais brusca das batidas na lateral traseira do carro, quando ele amassou a caçamba da caminhonete com o capô do veículo emprestado. Que Xiumin sentiu Jongdae abandonar seu peito à força.  

Quando o carro de Betty
Xiumin
E Jongdae...

Serpentou a rodovia, e capotou por duas vezes, raspando a lateral no asfalto por muitos metros. 

 

Houve a polícia chegando depois de uma hora

Houve os bombeiros locais retirando as pessoas de dentro do carro destruído.

Houve um pai chorando sentado na pista.

Havia sangue no vidro da frente da caminhonete no lado do motorista

E dias depois, Houve um enterro.

Esta foi a segunda tempestade...

 

 

...

 

A TEMPESTADE DE FLORES ACINZENTADAS

Demoraram dias – com uma diferença de doze horas entre eles – para que os dois irmãos finalmente acordassem. Naquele mesmo hospital. Uma cama ao lado da outra. 

Um oficial veio. Um rosto conhecido, amigo da família. E lhes contou muitas histórias, por quase uma hora inteira.

Disse a eles sobre o estado do pai nos dias em que ficaram desacordados. 

Lhes explicou o estado de saúde de cada um. Haviam quebrado ossos, e passado por cirurgias. Felizmente, mesmo estando desacordados, não correram nenhum risco no processo.

Contou-lhes que haviam matado o animal que estava comendo as ovelhas e as galinhas. Era mesmo um coiote, que se perdeu de um bando maior e encontrou alimento nas terras, por ali ficou. 

Não detalhou nada sobre o acidente antes disso.

Custou, tentando encontrar a melhor forma de dizer aos dois meninos que conheceu quando ainda eram pequenos. O problema, é que não havia uma forma melhor. 

Encima das camas, eles souberam. Que haviam perdido o ar, haviam perdido um colo, um carinho, um sorriso encantador, haviam perdido um amor de mãe. 

-Anabeth Garth não sobreviveu ao acidente, eu sinto muito. 

 

...

 

E justamente por isso agora eles se lamentavam. E culpavam o amor que sentiam, pela morte da tia. Chegaram há três dias de volta a fazenda. Depois de se recuperarem do fatídico acidente de carro. – e durante os vários dias não receberam nenhuma visita do pai –  A primeira coisa que viram foi os Girassóis. Não queriam estar ali. Agora odiavam aquelas flores. Elas representavam a obsessão, e tudo aquilo que levou toda a família a ruína. 

Parte era  culpa dos irmãos. Parte era culpa dos Girassóis.

Mas de uma coisa tiveram certeza ao entrarem de novo na casa. Não havia mais família embaixo daquele teto. 

Permaneceram por três dias, trancados no quarto. Se limitando a comer nas horas em que o homem passava fora de casa. Há três dias não olhavam na cara do pai.

E agora, depois de terminar de juntar com um garfo as palhas do celeiro. A mente dele voltou a gritar. E o homem batia na porta, berrava no corredor, para que saíssem daquele quarto. Até que desistiu.

Saiu das terras. Deixando no quarto, dois meninos, que choravam.

-É culpa nossa Jongdae. Ela só queria ajudar a gente. Tudo o que ela fez, todos os dias, foi tentar ajudar a gente – Apertava o pano da calça, os dentes, os olhos. E deixou todo o ar escapar quando ergueu a cabeça pro teto – E quem ajudou ela?  Jongdae, a gente é tão egoísta! 

-Eu odeio ele – respondeu –  Ele acabou com a nossa vida.

Foi até a janela.

-Eu odeio aquelas flores. Xiumin, eu não vou viver mais aqui. Eu não vou fingir que somos uma família de novo.

O irmão juntou-se ao seu lado. E segurou sua mão, os dois, olhando as flores pela janela. 

Jongdae declarou, ali:

-Ele tem que pagar por isso. Se eu não puder gostar de você como eu quero. Se eu não puder viver com você. Eu prefiro não viver mais...

Assim seria a partir de agora. Quando não tinham pra onde fugir. As flores queimavam.

 

...

 

Como fez todos os dias em que sua alma morria um pouco. Foi lhe dado um tempo, pra que decidissem, se o culpariam ou não pela morte de Anabeth. Ainda decidiam se prenderiam o homem ou não. E sabendo disso, Adkins nublava com álcool a sua mente corrompida. Ele estava em ruínas. Os olhos inchados, escuros, mortos. A barba crescendo, os cabelos bagunçados. O homem estava começando a morrer de dentro pra fora.

A noite caiu, e um amigo, passou pelas mesas do bar na beira da estrada. E afoito, foi até o Garth. Precisava dizer aquilo o mais rápido possível, mas também precisava ter cuidado com o homem que acabara de perder a irmã.

-Adkins.

Mal recebeu sua atenção. Ele mal tirava o olhar do copo cheio.

-Aquele cara que trás ração pra cidade. Ele passou dirigindo pela rodovia – fez uma pausa – E disse que viu muita fumaça, e fogo nas suas terras. 

O Copo virou no balcão, o liquido desceu em cascata até o chão. 

“E disse que viu muita fumaça, e fogo nas suas terras”

Fogo
fogo nas suas terras...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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