- Já fez as malas minha querida ? – Perguntou-me a madre Agatha correndo de um lado para o outro, olhando todos os cantos do quarto no qual passei praticamente toda a vida. – Oh, anime-se querida, não são todas as mulheres que tem a oportunidade que você está tendo.
- Eu sei tia, sei que meus pais escolheram o que era melhor para meu futuro, sei que deveria estar grata por essa honra da qual não sou digna, mas ... – Suspirei olhando o sol nascente pela janela.
- Não me diga que está novamente mergulhada nos devaneios daqueles livros românticos tolos que você lê – repreendeu a madre Agatha terminando de alinhar meu cabelo em um lindo penteado.
- Não são tolos tia, são a minha válvula de escape. – soltei um leve resmungo quando meus cabelos foram puxados com um pouco mais de força do que o de costume.
A velha porta de madeira rangendo ao abrir chamou minha atenção. Um jovem homem loiro com uma roupa simples adentrou o local, seu olhar era amigável porém o cansaço era visível. Mesmo jovem, trazia algumas olheiras e rugas que demonstravam uma certa experiência de vida.
- Bom dia, meu nome é Nathaniel. Fui enviado por Conde Viktor, para lhe conduzir de volta a França. – disse em meio a uma reverencia.
- Pensei que meu pai mandaria a carruagem da família para me buscar – retruquei confusa pela repentina mudança de planos.
- Meu senhor fez questão de mandar uma de suas para que seu retorno ocorra da maneira mais confortável possível – garantiu com um sorriso amigável.
- Está vendo Angelique, com toda certeza digo que não existe mulher mais afortunada do que você. Tenho certeza que será muito feliz em seu casamento. – Disse a madre Agatha me dando o vigésimo abraço daquela manhã, sua felicidade era palpável porém eu tinha minhas dúvidas sobre essa felicidade em questão.
Meu cabelo ficou pronto e eu soube que era hora de partir. Nathaniel saiu do cômodo com minhas malas, acompanhado pela madre Agatha enquanto eu dava uma última olhada no cômodo que fora minha casa durante muitos anos.
Fui levada para aquele convento aos cinco anos de idade. Meninas dos mais diversos locais do mundo eram levadas para aquela escola de freiras que era especialista em preparar futuras jovens damas. Passei os últimos onze anos da minha vida aprendendo a ler, bordar, costurar, cozinhar e limpar. Além das mais diversas regras de etiqueta e decoro para que jamais cometesse algum erro que envergonhasse meus pais ou um futuro marido.
Fora dentro daquelas paredes que aprendi sobre o mundo. Quando pequena corria pelos corredores com as demais internas, brincando de me esconder pelas sombras e imensas cortinas daquele local. Lembro-me de que naquela época, a única preocupação das freiras era me ensinar sobre idiomas, matemática e tudo que era considerado importante para uma jovem dama saber. Aprendi também sobre as mais diversas capitais do mundo e sempre era repreendida por devanear em meio as aulas. Sonhava em conhecer todos esses locais mas sabia que esse era um sonho que não me seria permitido realizar. Foi nesse momento em que descobri os livros que me permitiam viajar para os mais longínquos locais do mundo.
Certo dia em meio as minhas corridas pelos corredores senti fortes dores na barriga e quando fui me queixar as freiras da enfermaria elas sorriram me deixando confusa enquanto chamavam a madre Agatha, que sempre fora responsável por mim. Fiquei desesperada quando vi o vestido branco sujo de sangue.
- Oh, acalme-se menina, você apenas está se aproximando da idade de casar – disse a freira enfermeira. Depois daquele dia todas as minhas corridas foram proibidas e substituídas por longos passeios no jardim. Minhas roupas, antes largas e confortáveis, foram substituídas por apertados corpetes trançados. Minhas aulas, antes lotadas de cálculos e livros, foram totalmente substituídas por treinamentos para ser uma boa esposa.
E no meio de tudo isso, comecei a me preparar para o futuro inevitável que me cercava.
- Adeus tia, obrigada por cuidar de mim durante todos esses anos. Você foi a melhor amiga que eu poderia ter. – Aquele abraço foi muito doloroso, acho que o mais odioso em tudo isso era ter de me afastar de tão estimada amiga, que esteve ao meu lado em todos os momentos.
- Cuide-se menina, que Deus a abençoe e não se preocupe, tenho certeza que nos veremos outra vez. – O sorriso de redondas bochechas roseadas que ela me dirigia me acalmava. – Nunca se esqueça que tudo está nas mãos dEle, confie que o melhor vai ser feito.
Entrei na carruagem sem olhar para trás, queria ter metade da força que tia Agatha tinha. Apesar de ser uma romântica nata, já estava conformada com aquilo que me aguardava. Ela sempre me dizia que Deus escreve certo por linhas tortas e que no final das contas eu poderia me surpreender com as viradas que a vida dá. Eu sinceramente tinha minhas dúvidas.
A carruagem de Conde Viktor tinha o dobro de tamanho da carruagem de meus pais, o que me fazia sentir-me extremamente solitária. Sentia vontade de sair e me sentar junto ao Nathaniel, gostaria de observar a paisagem enquanto ele conduzia porém sabia que não era o correto. Uma mulher jamais deveria se dirigir a um homem sem a presença de mais alguém presente. Tenho certeza que não seria um comportamento bem visto, principalmente vindo da futura Condessa.
No fim das contas, não sabia se estava preparada nem para o casamento em si nem para a responsabilidade que esse título me acarretaria. Me garantiam que havia sido preparada para isso durante toda minha vida só que bem lá no fundo do meu coração, não era isso que queria. Queria viver os romances dos livros dos quais tanto amo, só que vendo a maneira como as coisas se desenrolaram para mim, começo a acreditar que eles são realmente apenas ficção.
Passou-se um dia muito tedioso quando o pôr do sol trouxe também o sono. Dormi tranquilamente até que um grande estrondo interrompeu meu sono que até agora havia sido extremamente calmo. Abri os olhos assustada e vi pela janela aberta que uma chuva torrencial caia lá fora, se eu aqui dentro estava totalmente encharcada estava imaginando o estado de Nathaniel lá fora.
Um raio muito forte me assusta fazendo-me dar um grito que foi rapidamente abafado pelo estrondo da explosão. Minhas botas acabaram escorregando me fazendo bater com força na parede da carruagem. Senti uma forte dor nas costas, não tive tempo de protestar pois um novo estrondo, ainda maior que o primeiro, fez os cavalos se assustarem e saírem correndo. Por entre o alto barulho da chuva podia ouvir a voz do Nathaniel tentando acalma-los. Um buraco na estrada fez com que a carruagem ficasse em duas rodas laterais. Me segurei a janela mas logo percebi que não havia sido uma boa ideia, pois a chuva forte caindo em meu rosto estava me desequilibrando em pouco tempo. Um novo raio fez meus olhos fecharem, a água da chuva estava forte demais para lutar contra e minha mão escorregou. Com o peso do meu corpo a porta da carruagem abriu e fui lançada para fora com toda a força. Minha cabeça bateu em uma pedra no caminho e pela velocidade dos cavalos a carruagem se afastou de mim rapidamente.
Fazia muita força para manter os olhos abertos, porém a dor da pancada tornava isso praticamente impossível. Antes de apagar, ouvi um barulho de passos ao meu redor, por entre as luzes dos relâmpagos e chuviscos observei uma silhueta alta que se aproximava de mim. A última coisa que me lembro antes de desmaiar é de uma mão suave e quente sendo colocada em meu rosto.
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