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História Nem por Meio Milhão de Libras! - Thor e Beyoncé na Parada LGBTQIA


Escrita por: Okaasan

Notas do Autor


Oi, pessoal!

Enfim, o grande capítulo da parada gay chegou. #TodasDizAtéQueEnfim!
Peço desculpas pela demora! Mas, quando a gente tem filho pequeno em casa, só se escreve quando eles deixam, kkkkkkk.
O texto de hoje vai ter alguns links e eu, encarecidamente, peço a você, leitor(a), que veja todos para um melhor entendimento do capítulo.
Personagens de Saint Seiya aparecendo por alguns parágrafos, porque eu adooooro Saint Seiya! \o/ Para quem não se lembra, Kinka e Ginka são aqueles youkais que aparecem no ep. 5 de InuYasha Kanketsu-Hen.

Imagem: créditos aos fotógrafos. :)

No mais, boa leitura!

Capítulo 28 - Thor e Beyoncé na Parada LGBTQIA


Fanfic / Fanfiction Nem por Meio Milhão de Libras! - Thor e Beyoncé na Parada LGBTQIA

***

 

John Sesshoumaru correu. Correu como quem corre pela própria vida, mas naquele instante ele corria pela vida de outra pessoa.

Uma pessoa que lhe era totalmente indispensável, cara, dileta, amada.

— Rin! Rin! RIN! — berrava ele, enlouquecido. Estava dentro de uma casa em chamas, o calor insuportável e a fumaça lhe entorpecendo os sentidos. — CADÊ VOCÊ?!

— SOCORRO! — bradava a mocinha, de algum lugar ali perto. — ESTOU PRESA! SESSHOUMARU! ME TIRA DAQUI!

A porta do quarto emperrada, que poderia ser aberta com um chute certeiro de alguém forte como ele, estava a poucos metros de distância. Todavia, o inferno de Sesshoumaru aconteceu quando ele notou que não enxergava a maldita porta. Os gritos de Rin recrudesceram lá dentro. E os do loiro também.

Ele estendeu as mãos para a frente, no intuito de tatear até achar a porta, mas seus dedos não acharam qualquer superfície onde pudesse se apoiar. Foi quando os gritos de medo da jovem se transformaram em clamores de agonia — o fogo a estava cercando e possivelmente sua pele macia e morena estaria ardendo com a proximidade com as chamas.

— SESSHOUMARU!!! ME TIRA DAQUI PELO AMOR DE DEUS!!!

— RIN! EU... — ele tossia, intoxicando-se com a fumaça. — EU NÃO ENXERGO A PORTA DO...

— IEEEEEEEEEEAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!

O grito que ecoou pela casa entrou como navalhadas pelos tímpanos e no coração do loiro, que entrou num frenético desespero ao notar que ela havia sido atingida pelo fogo. Desvairado, Sesshoumaru correu para a frente, querendo alcançar ao menos uma parede.

Mas a parede parecia a quilômetros de distância. Ele correu, correu, correu.

Estava perdendo a indiazinha por quem ele daria a própria vida.

— RIN...! ME PERDOA, ME PERDOA! EU NÃO PASSO DE UM CEGO FILHO DA P***! EU NÃO VOU CONSEGUIR TE SALVAR!

— Sesshy... Está tudo bem.

— N-não, não está... Ela...

O loiro sentiu sua cabeça ser envolvida por um par de braços afáveis e estremeceu de susto. Piscou inúmeras vezes até perceber que tivera um pesadelo e que estava sendo abraçado por Izayoi.

— Sesshy — chamou-o sua madrasta, mansamente. — Sou eu, cariño. A mamãe.

— M-mãe — balbuciou ele, enxugando as lágrimas que não sabia ter chorado. — O que... Por que você está aqui? Onde... — seus olhos se esbugalharam. — Onde está Rin?

— Rin? — volveu a espanhola, intrigada. — Está dormindo no quarto dela, meu amor, são cinco e quarenta e cinco da manhã. Você teve um pesadelo...

— C-como você sabia que...

— Senti um aperto no peito e resolvi descer para te ver. Você estava chorando e dizendo que não conseguiria salvá-la...

Ele corou de imediato ao ouvir aquilo. De fato, seu rosto estava ensopado, bem com o travesseiro. Olhou para o borrão colorido que era Izayoi e suspirou pesadamente.

— Foi só um... Pesadelo. Sonhei que ela tinha ficado presa em uma casa pegando fogo e eu... Não enxergava a porta do quarto para tirá-la de lá e... — Sesshoumaru teve calafrios, mal conseguindo disfarçar o quanto estava abalado. — Foi horrível, mãe.

— Foi o seu guia espiritual te dando um alerta. É bom tomar cuidado. Vou rezar para que os espíritos protejam você e Rin.

— Ah, Iza, que bobagem. Não existe espírito desencarnado.

— Sesshy, se não existe espírito desencarnado, como é que você soube que Nana tinha passado mal trancado dentro do banheiro aquela vez?

Sesshoumaru se lembrava muito bem. Na época, ele e o espanhol tinham 22 anos de idade; Toga e Izayoi estava viajando e Sesshoumaru tinha ido à faculdade. Naraku andava meio fragilizado, devido às complicações que a insuficiência renal crônica lhe trazia. No dia em questão, o moreno tinha ido tomar um banho assim que percebera que não estava conseguindo urinar quando as dores nos rins o atacaram. Sozinho em casa, ele gritou desesperado sem conseguir sair do box do banheiro e desmaiou ali mesmo.

Foi nesse momento que o loiro, subitamente, sentiu a urgente necessidade de ir ver o amigo e abandonou seu orientador do TCC para trás, correndo para casa e intuindo que o espanhol tinha perdido a consciência. Assim, Sesshoumaru arrombou a porta e socorreu Naraku, que foi hospitalizado na UTI do St. Mary’s no mesmo dia, já que seus dois rins praticamente pararam de funcionar. O jovem só teve alta depois de ser transplantado, quase onze meses depois.

— Foi coincidência, Iza — disse o loiro, teimoso. — Não me venha com essas estorinhas religiosas porque para mim isso é mentira.

— Como você é cético, meu bem. Mas não vamos mais falar sobre isso. Então, você sonhou com Rin... Ela é maravilhosa, não é? Sabia que um dia você aprenderia a gostar dela como todos nós. Já até sonha com ela...

Sesshoumaru arregalou os olhos irritados e logo franziu o cenho, bravo.

— Bobagem. Eu não ligo para essa selvagem do terceiro mundo... Só fiquei abalado porque o sonho era muito real, e seria horrível presenciar uma morte como aquela!

Izayoi abriu um largo sorriso ao ver as bochechas do enteado rubras como tomates. Estava estampado na face do loiro o quanto a pequena brasileira mexia consigo.

Cierto, cierto, cariño. Vamos tomar um bom café-da-manhã... — convidou-o a espanhola, recebendo com alegria a mão de Sesshoumaru, que queria ser conduzido para fora do quarto.

Okay. Pode me servir aqueles bolinhos do lanche de ontem? Eu adorei. Uma delícia! Como você os fez? Tinham um gostinho maravilhoso, comi tanto que nem quis jantar.

— Não fui eu quem fiz aqueles bolinhos, Sesshy.

Sesshy não. Então foi quem?

— Prefiro deixar que sua mente brilhante lhe conte... — riu a espanhola. O loiro corou até as orelhas; a única pessoa que ele sabia que adorava se aventurar na grande cozinha de Ferguson Manor, fora Izayoi, era a bela Rin.

 

***

 

Sete horas da manhã.

Ann Kikyou saía de casa, depois de haver preparado um scottish breakfast a pedido de Andrew Miroku, que comprara todos os itens daquele café-da-manhã reforçadíssimo que Sandie Cameron lhe apresentara. Mesmo ela se sentia um pouco cheia demais naquele instante; contudo, estava satisfeita por saber que seus irmãos tinham fartura em casa. O emprego de Miroku o mudara muito, e o mantinha muito afastado do lar, todavia Kikyou sempre ficava alegre ao vê-lo retornar à pequena residência, brincando com ela e Raymond Inuyasha e, de alguma maneira, fazendo-os se esquecer um pouco da saudade implacável que sentiam de sua mãe.

A jovem presbiteriana se sentou no banquinho da estação de trem e ali aguardou pacientemente pelo comboio. Ela vestia um camisete bege e sua saia de tweed; soltara os cabelos e mantinha na orelha os brincos de nó do amor que ganhara no dia anterior. Ainda estava levemente desconfortável, afinal aquelas joias valiam mais do que suas roupas e sapatos.

Por mim, tanto faz estar com essas roupas surradas, são as que eu tenho... De qualquer maneira, não é como se eu fosse encontrar com Naraku na rua... E ele também nem iria ligar para mim. Ele nem gosta de mim...

 

***

 

I know when you were little girls, you dreamt of being in my world… Don’t forget it, don’t forget it: respect that, bow down bitches (Eu sei que, quando vocês eram garotinhas, vocês sonhavam estar no meu mundo... Não se esqueçam disso, não se esqueçam disso: me respeitem, curvem-se, vadias) — cantarolava Naraku Octavio enquanto tomava um demorado banho frio no banheiro de seu antigo quarto na mansão Ferguson. Já que era para incorporar Beyoncé Knowles, então era preciso mergulhar no universo musical da diva pop desde agora. E, além do mais, o moreno adorava aquela canção. Eram sete e quinze da manhã e ele estava elétrico, apesar de ter tomado dois comprimidos de Rivotril na noite anterior. — Bow down bitches! Bow bow down bitches!

O espanhol estava eufórico — os últimos meses não tinham sido tão bons devido ele ter sido pego desprevenido pelo novo e assustador sentimento por certa presbiteriana preconceituosa que era totalmente o contrário do que ele era. Naraku já estava se irritando com a bagunça que aquela garota estava fazendo em seu coração e sua mente.

Na noite anterior, assim que ele conseguira ‘convencer’ seu melhor amigo a acompanhá-lo à Parada do Orgulho LGBT, que aconteceria na Aldersgate Street, em pleno centro da Cidade de Londres, foi até à jovem indígena, que fizera um primoroso trabalho em seus longos e volumosos cabelos, que foram escovados, chapados e modelados à la Beyoncé. Rin mal sentia os próprios braços depois de haver terminado de embelezar aquela juba...

Agora, Naraku terminava de se enxugar e se sentava nu sobre o vaso sanitário. Cuidadosamente, levou as mãos à bolsa escrotal, pegando os testículos e introduzindo-os dentro do canal inguinal — a tarefa exigia atenção, pois poderia causar-lhe danos caso fosse mal executada. Com o saco escrotal agora vazio, ele puxou seu pênis para trás e o manteve seguro lá, usando uma calcinha específica para drag queens e uma cinta modeladora que daria mais destaque às suas nádegas rijas de homem. Terminando, olhou-se no espelho e tocou o próprio púbis, satisfeito. Geralmente transformistas colocam esparadrapos cirúrgicos para garantir que o pênis permaneça preso, mas o rapaz não gostava muito da ideia e achou satisfatório o resultado final de seu tucking[1].

— Nada de se exibir hoje, viu? — disse ele olhando para baixo. — Hoje eu sou uma diva, e divas não ficam de pica dura.

O psicanalista então saiu do banheiro, enrolou-se num roupão colorido e foi fazer o desjejum. Após dar um beijo em Izayoi e outro em Rin, que também já havia acordado, Naraku se empanturrou de frutas e sucos e em seguida foi decidido até o quarto de John Sesshoumaru. Ambos trocaram uns empurrões antes de começarem, então, a produzir o loiro.

Naraku surpreendeu Rin ao sair esbaforido do quarto do amigo chamando-a:

— Rin, minha diva da selva! Que tal me dar uma mãozinha com a minha make?

— Ah... Tá bom, macho, eu vou — a jovem brasileira ficou ligeiramente envergonhada, pois Sesshoumaru usava apenas uma bermuda. Lá dentro, o loiro congelou ao ouvir que ela concordara em ajudar na produção, que ele até então não sabia que seria em SEU quarto. Tomou nota mental de bater em Naraku depois que voltassem do evento.

Eram oito e vinte da manhã.

 

***

 

Cinquenta minutos depois, Izayoi e Rin olhavam embasbacadas para os dois amigos que saíam do quarto de Sesshoumaru, discutindo como sempre, já que Naraku queria maquiar Sesshoumaru de qualquer jeito e este não concordava.

Não era para menos: o loiro resmungão parecia ainda mais alto dentro de um macacão cheio de detalhes em preto, prata, azul com armadura de vinil moldada no peito. Havia também luvas de braço e botas de vinil, além da famosa e longa capa vermelha que se lhe prendia às ombreiras do traje. O espanhol penteara os cabelos de Sesshoumaru de forma a deixá-los volumosos e propositadamente desalinhados, somando à aparência do herdeiro Ferguson um quê de soberania e requinte, juntamente com a sensualidade da fragrância 212 Men, companheira inseparável do loiro. E, claro, os óculos escuros já estavam lá para garantir o conforto dos seus olhos sensíveis. Sem que notasse, Rin abriu ligeiramente a boca ao contemplar a indiscutível beleza de Sesshoumaru. Beleza esta que se acentuava pelo fato de ele estar distraído, apalpando a estante em procura do martelo Mjölnir que o espanhol lhe trouxera.

Que galalau![2]”, pensou ela.

E, por falar em Naraku, este ficara irreconhecível. O espanhol aplicou em si mesmo todos os recursos de maquiagem conhecidos para fazer com que seu rosto ficasse feminino; a seu pedido, Rin lhe fizera um esfumado gatinho nos olhos cobertos por um trio de sombras prata, branco e roxo, além de um batom vermelho vivo que realçava a alvura de seus dentes. Um body preto de couro sintético com detalhes em strass no busto preenchido pelos seios postiços e meias arrastão, botas pretas cano alto salto 15, uma jaquetinha curta de couro e brincos de prata de nós do amor (que ele havia comprado na filial da mesma loja onde Miroku escolhera os de Kikyou) complementavam aquele look. E, nas unhas, esmalte preto com francesinha invertida.

Rin, que fora convidada a se retirar do quarto para que os rapazes se vestissem, chegou a levar a mão ao peito quando a “Beyoncé” saiu de detrás do “Thor”, revirando seus documentos que estavam uma bolsinha de mão. Naraku acabou erguendo os olhos de sua bolsinha ao sentir o olhar curioso da morena, que involuntariamente caía para o espaço entre suas pernas. Trocista, o psicanalista murmurou em português:

— Fico maravilhosa de xibiu, não acha, minha lindona?

— Armaria... E-eu não tava olhando pra... Pra... Pra tua... — apressou-se a responder ela, envergonhada. Naraku gargalhou alto e ganhou um olhar tedioso e uma reprimenda de Sesshoumaru:

— P*** que pariu, essa risada de travesti fantasma acaba com todo o trabalho que você teve para ficar parecendo uma mulher.

— Por que, Sesshy? Se eu conseguisse fazer voz de mocinha, você toparia me levar para a cama? — indagou o outro, manhoso, recebendo uma saraivada de xingamentos de volta. Izayoi acabou intervindo.

— Nana, Sesshy, deem um tempo. Já brigaram demais hoje.

— A culpa é desse arrombado, Iza, ele me irrita com essas viadagens — acusou o loiro. Estava tão agastado com o amigo que nem se dera conta da proximidade de Rin. — Onde está o martelo?

— Mas, Naraku — ia dizendo a morena, cuja curiosidade superara a vergonha naquele momento. — Como você fez pra esconder a... A tua...

— A minha neca? Simples... Primeiro, você precisa de duas bolas e um pinto, claro, e então você pega as bolas com bastante jeitinho e enfia no...

— Cadê a p**** do martelo?! — esbravejou o loiro.

— Está em cima da mesa de centro, cuzão!

— E cadê a mesa de centro, seu viado?! Costuma ficar por aqui, mas já não está mais! Alguém a tirou do lugar!

A jovem indígena ficou constrangida; ela havia mudado a mesa de centro no dia anterior durante uma faxina. Logo se deu conta de que trocar a posição dos móveis confundia Sesshoumaru e quanto mais evitasse piorar o humor dele, melhor seria. Rapidamente, ela pegou o Mjölnir e anunciou, já diante do loiro que estava com os ombros enrijecidos ao notar-lhe a proximidade:

— Aqui... Sesshoumaru. O teu martelo. Desculpa, quem tirou a mesa do lugar fui eu.

— Oh... — fez ele, murchando como um balão furado enquanto pegava o martelo, mas não o soltava, obrigando a moça a sustentar o objeto para que não caísse.

Pelo que lhe era possível deduzir, Rin estava vestida com uma regata branca (ou bege, pois ele não conseguia mais diferenciar tons de cores) e bermuda estampada com motivos azuis, além de tênis nos pés pequenos. O design do borrão preto que era o cabelo da jovem aparentava mostrar um rabo-de-cavalo alto. No pescoço, um crucifixo pequenino de madeira. Ela estava deslumbrante e ele bem que adoraria poder deslizar as mãos sobre aquele corpo lindo para senti—lo e aspirar o aroma daqueles fios negros, mas...

Izayoi se aproximou mais uma vez e, assim como Naraku, sentiu o peso no ambiente e achou melhor se intrometer:

— Rin, cariño, não precisa se desculpar. Sabemos que não fez por mal... Não é, Sesshoumaru?

— Oh... Err... Sim, sim, eu sei — retrucou ele, já reavendo seu ar blasé costumeiro e tomando para si o martelo. — Apenas procure não mudar mais os móveis, certo, Rin? Eu... Eu já decorei as posições de todos e um centímetro pode fazer bastante diferença quando não se enxerga direito.

— O que falta agora, cigarrón? — indagou o espanhol, já com as chaves do carro em mãos.

Cigarrón é o meu pau de óculos. Vamos embora — resmungou Sesshoumaru, alcançando o ombro de Naraku e andando ao seu lado. — E as garrafas de água?

— Aqui — ofereceu Izayoi, prestimosa, colocando as garrafas na mão dele, que agradeceu com um “thanks”.

— Posso tirar uma foto? Vocês ficaram ó... Muito massa... — perguntou Rin, meio tímida em seu elogio. Os dois amigos estavam tão bem produzidos que ela teve vontade de registrar aquele momento. De imediato, o loiro e o psicanalista se entreolharam.

Massa?! Como assim, garota? — perguntou Sesshoumaru. — Você quis dizer que estamos parecendo macarrões?!

— Eita bixiga da gata, não é isso não, galego velho! — protestou ela.

— Acho que é alguma gíria brasileira, John — comentou Naraku, aguardando a explicação da mocinha.

Damn it... Que língua maluca! Quem dá conta de aprender um idioma bizarro desses? — foi a tréplica desdenhosa do loiro. Por sorte, Rin não entendera a crítica e agora tentava explicar que “massa” era um termo usado para dizer que algo era excelente e de alta qualidade.

A espanhola que ouvia em silêncio a conversa apenas sorriu para si mesma. O iPhone de seu enteado tinha mais de vinte músicas de Jota Quest, Zezé di Camargo & Luciano, Luan Santana e Sandy & Junior, que o próprio Sesshoumaru solicitara a ela que as salvasse da internet e armazenasse em seu cartão de memória.

Por fim, Rin obteve a foto que queria. Os dois amigos, abraçados pelos ombros, sorriam-lhe espontaneamente. A jovem, contudo, não tinha como imaginar que o loiro sorria apenas para ela.

 

***

 

— Vou estacionar aqui perto da Catedral de St. Paul, John — disse Naraku, manobrando o veículo em uma vaga das raras que haviam por ali. — Tudo bem para você?

— Tudo. Até porque não está tão longe de casa. Essa fantasia esquenta para c******.

— Imagine eu que estou vestida com esse body de couro.

— Por que não tira essa jaqueta, seu maluco?

— Boa ideia, mona, já não aguento mais — E Naraku despiu a jaqueta. — Calor da p****!

Os dois desceram do carro do espanhol e olharam embasbacados para a quantidade incrível de gente fantasiada com os mais variados tipos de modelos — heróis, vilões, celebridades, transformistas etc. Casais homossexuais de homens e mulheres transitavam pela rua Warwick Ln. Aqui e acolá, um ou outro som de carro ligado com música pop.

Meio incerto sobre qual direção tomar, Sesshoumaru apertou o ombro do amigo, que também estava parado observando o movimento intenso de pessoas. Ambos sabiam que ladrõezinhos ficavam à espreita para roubar os pertences dos participantes da parada mais distraídos. Foi quando uma voz conhecida saudou o loiro:

— Ora se não é o grande Thor, filho de Odin...

— Julian! O grego da faculdade! — disse Sesshoumaru, identificando o dono daquele timbre. Logo atrás deles, a figura de um belo jovem trajando uma toga grega de um ombro só aparecia ali, sorridente. O rapaz tinha na face uma expressão divertida ao cumprimentar Sesshoumaru.

— John, há quanto tempo! Já fazem uns doze anos... — volveu Julian, dando um tapinha do ombro do loiro e aproveitando para averiguar a capa vermelha dele.

— Você desapareceu, cara, nunca mais te encontrei em festa nenhuma...

— Agora tenho que ficar na Grécia cuidando dos negócios de família e mal tenho tempo de vir ao Reino Unido. Parece que, naquela época, você estava cuidando do seu irmão Octavio, não estava? Ele estava internado...

Julian Solo era um jovem de família nobre que conhecera os Ferguson durante o período que Sesshoumaru se graduara em Física. Era grego de nascimento, porém falava muito corretamente o inglês.

— Isso... Você foi para a Grécia assim que ele fez o transplante de rim. De que você está vestido? Sabe... Eu estou com distrofia de Fuchs, então praticamente não vejo nada além de cores... — confessou o loiro, enquanto Naraku notou o interesse do recém-chegado por si.

— Sou Poseidon, o deus dos mares... E essa moça linda que está com você, é sua namorada? Como é o seu nome, querida? — inquiriu Julian, observando os atributos falsos do corpo agora feminino do espanhol que ria baixinho.

— Ficou maluco, Julian? Esse é o Octavio, meu irmão, esse travecão! — explicou Sesshoumaru, levando o rapaz a ficar boquiaberto. Naraku não resistiu e deu sua risada máscula à guisa de explicação.

— Mas... Mas ele está tão... Ora... Me desculpe, eu não o reconheci, Octavio. Creio que só o vi uma vez na vida e... Você estava bem mais magro.

— Não me ofendeu de forma alguma, señor Solo! Eu quero mais é que as pessoas não me reconheçam. Lembro-me de receber uma visita sua no hospital.

— Sim, foi... Bem, fico feliz por ver que está bem e saudável... Com todo o respeito, você ficou realmente super bem produzida... Ou melhor, produzido... Como digo?

— Fique à vontade para me chamar do que quiser... Para você, posso ser o Naraku Octavio, a Beyoncé Knowles, o Michael Jackson, a Britney Spears… Deixe sua imaginação fluir, principalmente quando estivermos entre quatro paredes — piscou o espanhol, malicioso, deixando Julian desconcertado e ainda curioso com a indumentária dele. Sesshoumaru cutucou o amigo com força nas costelas. — Ai, Sesshy!

— Sabe — interveio o jovem grego. — Eu vejo vários vídeos de covers de cantoras pop e noto que há muitos transexuais que fazem umas performances incríveis. Você também dança, Octavio?

— Quem, eu? — esganiçou-se ele, levando a mão ao seio postiço. — Mi amoooor, yo soy una diva!

— Ah, quero ver. Meu carro é aquele do outro lado da avenida. Vai mesmo dançar?

— Mas é claro que eu vou! — e, sem esperar resposta de Sesshoumaru, Naraku o puxou pela mão indo em direção ao veículo do grego. Havia uma garota loira recostada ali, com uma fantasia sexy de sereia.

De onde estavam, Julian exclamou:

— Thetis, querida, me faz um favor? Ligue o som!

— Qualquer música? — respondeu ela, com um sotaque grego evidente.

— Tem Flawless, da Beyoncé? — perguntou Naraku ao rapaz.

— Tem sim. Thetis, coloque Flawless.

Os três chegaram junto do carro e Julian apresentou sua companheira, que ainda não era exatamente uma namorada, aos dois amigos. Ela também ficou curiosa com Naraku, que em nada lembrava um homem, a não ser que abrisse a boca para falar, pois sua voz era extremamente grave. O que fez a diferença na aparência do psicanalista foi o fato de ele procurar se manter o mais natural possível. Sabia se equilibrar em um salto alto; os cabelos e unhas não eram postiços e a maquiagem muito bem feita por Rin não estava pesada demais. Além do mais, o espanhol estava levando muito a sério a brincadeira de ser a Beyoncé por um dia. Sagaz e observador como era, Naraku reproduzia com facilidade os trejeitos e maneirismos típicos de uma mulher.

— Uau, isso é que é um cover bem feito da Beyoncé! Você está perfeita! — comentou a moça, com um smartphone em punho. — Se importa se eu filmar?

— Filme, eu quero que me filme! Bow down, bitches! — respondeu ele, empolgado. Sesshoumaru revirou os olhos, mas não se opôs a nada; sabia que o amigo queria apenas se divertir. As batidas eletrônicas de Flawless soaram do veículo e Naraku não se fez de rogado, dançando com perfeição a música de Beyoncé. Não era para menos, ele vinha ensaiando aquela coreografia há mais de um mês.

Enquanto isso Sesshoumaru estendia o iPhone para Julian, que o olhou de forma interrogativa.

— Pode filmar também, por favor? Nossa mãe adora essas boiolices dele.

Dessa maneira, Julian e Thetis registraram a forma apaixonada com que o espanhol travestido se rendeu às batidas da canção, enquanto cantava junto e ignorava o cansaço que sentia:

You wake up, flawless. Post up, flawless. Ridin round in that, flawless. Flossing on that, flawless. This diamond, flawless. My diamond, flawless. This rock, flawless. My rock, flawless (Você acorda, perfeita. Bota a cara no sol, perfeita. Anda por aí, perfeita. Exibindo, perfeita. Este diamante, perfeito. Meu diamante, perfeito. Esta pedra, perfeita. Minha pedra, perfeita).

— Cara, eu tenho que postar isso no YouTube — afirmava a grega Thetis, empolgada.

God damn, God damn, God damn (caramba, caramba, caramba)! — esganiçava-se ele, falhando miseravelmente em reproduzir um falsete.

 

***

 

Em King Edward Street, um quarteirão dali, uma atarantada Ann Kikyou perambulava pela calçada. Não imaginava se deparar com aquela grande quantidade de pecadores ali nas ruas. Chegava a se encolher ao ver os muitos homens e mulheres travestidos.

— Meu Deus, por que não esperei para vir a Londres no sábado? — lamentou-se ela, agarradinha à sua bolsa. Olhava para as fachadas de lojas, em sua grande maioria fechadas, e se arrependia a cada minuto por ter saído de Leeds naquela manhã.

Foi quando, ao passar por um beco sem saída, ela sentiu-se sendo arremessada contra uma parede e contemplou com horror dois gêmeos de aproximadamente trinta anos, carecas e cheios de tatuagens, que lhe apontavam canivetes. Os olhos de ambos estavam avermelhados e suas pupilas contraídas; estavam sob efeito de drogas, possivelmente.

Apavorada, Kikyou mal conseguia balbuciar algo, principalmente ao ouvir o que um deles exclamava, cheio de rancor:

— Seu travesti nojento, podre! Gente da sua laia não deveria ficar por aí se exibindo!

A jovem foi empurrada com brutalidade para a parte de trás de um trailer estacionado ali. Temendo pelo pior, ela fechou os olhos e começou a fazer uma oração enquanto levava uma bofetada no rosto e caía sobre a calçada.

 

***

 

“Beyoncé”, “Thor”, Julian e Thetis caminhavam sem pressa no meio da multidão. O espanhol suava em bicas por causa do body de couro e dos longos cabelos soltos, mas suportava bem o incômodo. Até porque viu que o amigo estava bem melhor agora, rindo e brincando. Sesshoumaru nem se lembrava de que estivera deprimido nos últimos seis dias.

De repente, um grito agudo de mulher soou por ali. Contudo, como tinha bastante ruídos e sons de música no local, a princípio aquele clamor passou despercebido...

Até que a pessoa gritou novamente.

Naraku de imediato sentiu seu corpo estremecer com um calafrio e olhou para todos os lados, ansioso. Parecia loucura, mas o timbre daquele grito parecia com a voz de...

— PELO AMOR DE DEUS, ME SOLTEM!

— CALE A BOCA, SEU VIADO FILHO DA P***! VAMOS ARRANCAR ESSES PEITOS FALSOS E TE DAR UMA LIÇÃO POR ANDAR POR AÍ COMO SE FOSSE MULHER!

— M-MAS EU SOU UMA MULHER!

Os gritos vinham de um beco sem saída do outro lado da avenida. Angustiado, Naraku apertou o ombro de Sesshoumaru:

— John, eu preciso... Preciso ir ali ver uma coisa...

— Mas logo agora, Octavio?

— É... — ele enxugou o suor da testa. — Não demoro, é rápido.

Assim, o psicanalista se foi o mais rápido que suas longas pernas permitiam e, com dificuldade, conseguiu ultrapassar o mar humano, torcendo para que estivesse louco. Devido ao seu passado triste de vítima de estupros, Naraku ficava anormalmente inquieto ao ouvir pessoas gritando para serem soltas. Seu coração ribombava no peito.

Ali, num canto deserto do beco sem saída, dois homens encurralavam uma pessoa chorosa, cuja blusa e bolsa estavam parcialmente destruídas. Ninguém mais prestara atenção devido ao grande barulho da população, onde gritos agudos se faziam ouvir a todo instante.

Naraku ficou cego de ódio e não sentiu que seus punhos se fecharam enquanto ele avançava para o trio. Vendo a aproximação da figura feminina, os homens olharam para trás. A pessoa permanecia de cabeça baixa, assustada demais para abrir os olhos, murmurando algo que lembrava uma oração.

— D-Deus... Por favor me m-mande ajuda... N-não quero morrer...

Kikyou não queria morrer daquela forma bizarra, sendo confundida com um transexual por dois skinheads drogados. Ela queria viver, desejava cuidar de seus irmãos. E almejava de coração rever o psicanalista espanhol.

Foi quando ouviu uma voz agressiva soar acima de si, tal qual um rugido.

— Seus cuzões, por que não batem em alguém do seu tamanho?!

— Outro viado?! Ginka, cuide desse que está aí no chão! Eu cuido do arrombado intrometido aqui! — vociferou um dos homens.

Okay, Kinka... Agora vá para o inferno, escória... — sibilou o outro, voltando-se perigosamente para Kikyou, cujos olhos saltados não acreditavam no que viam.

Mesmo em face ao grande perigo, reconhecera o dono da silhueta feminina que agora batia e apanhava do indivíduo tatuado chamado Kinka. Juntando forças, a jovem deu um brado agudo:

— N-NARAKU...!

A voz límpida acertou em cheio o coração de Naraku, que acabou levando uma pancada na cabeça durante aqueles segundos de distração. Seus olhos castanhos se encontraram com os de Kikyou e ele acabou se atrapalhando, recebendo um sério puxão de cabelo.

Prestes a ser subjugado por Kinka, o corpo do espanhol mais uma vez se retesou quando pôde ver o estado da moça caída no chão. O sangue lhe subiu aos olhos e Naraku se pôs a chutar e esmurrar enfurecido seu oponente. Ginka desistiu de atacar Kikyou e resolveu ir socorrer o irmão, que agora era severamente surrado pelo psicanalista possesso.

— O QUE FIZERAM COM KIKYOU?!? ELA É SÓ UMA GAROTA!!! FILHOS DA P***!!!

A cena seria cômica se não fosse trágica: os dois skinheads agora enfrentavam grande dificuldade de combater Naraku que, auxiliado pelo body que lhe permitia liberdade total de movimentos, os atacava com golpes de capoeira. Por fim, a ponta da bota salto 15 acertava com força o nariz de um, ao passo que o outro agora cambaleava trôpego, gemendo de dor com as mãos sobre o estômago. Então o psicanalista pegou as cabeças dos gêmeos e as chocou uma contra a outra, fazendo-os desmaiar.

Agilmente, o espanhol aproveitou a deixa para recolher a carteira, o celular quebrado e a bolsa cortada de Kikyou, que chorava e tremia olhando para ele. Sem mais delongas, Naraku acocorou-se diante dela, cujos olhos estavam enormes. A face esquerda da jovem estava vermelha e inchada; ele a tocou de leve, condoído.

— Depois eu vou colocar uma compressa fria aqui — disse ele, estendendo a mão livre para a jovem presbiteriana. Ela, contudo, estava petrificada no mesmo lugar; só agora havia reparado que o seu objeto de afeto estava travestido de mulher e, entre suas pernas, não havia volume algum. Alarmada, ela balbuciou:

— V-você fez cirurgia de mudança de sexo?!

A pergunta irritou ainda mais o homem, que corou violentamente. Estava se sentindo um lixo por ser visto daquele jeito pela moça a quem amava; nervoso, ele a ajudou a se levantar de uma vez.

— Isso não importa, c******, vamos embora daqui antes que esses arrombados acordem!

— M-mas eu não posso sair assim — soluçou ela, ainda muito abalada com tudo aquilo. — Eles rasgaram m-minha blusa e...

O espanhol de imediato olhou para baixo: agora que Kikyou estava de pé, era possível ver que sua blusa e seu sutiã estavam em frangalhos. Ela lutava para esconder os seios. Ainda mais transtornado do que antes, Naraku a abraçou com força e, evitando olhá-la, a arrastou consigo.

— F***-se a sua roupa! Vamos embora!

— Embora... P-para onde?!

— Para onde mais, sua crentelha chata do c******? Para a minha casa!

 

***

 

John Sesshoumaru ria e brincava de headbang com Julian, sob o olhar divertido de Thetis. Estavam sob a marquise de uma lanchonete fechada; havia um grupo de roqueiros que ouviam Slipknot e Lamb of God no som do carro no local. O loiro e seus amigos acabaram caindo nas graças dos músicos e ali mesmo ficaram. Ele dançava, se sentindo leve e descontraído. Aceitou uma cerveja gelada e, estranhando a demora do amigo espanhol, resolveu telefonar para ele. Ao primeiro toque, Naraku atendeu a chamada com um palavrão. O loiro arqueou uma sobrancelha.

— Cadê você, viado?

— Estou resolvendo um problema, seu filho da p***, não posso ir te buscar agora!

— Problema? Que problema?

— Não é da sua conta! — e o espanhol desligou a chamada, agora abrindo a porta traseira do carro para que Kikyou entrasse. Ela, ainda muito nervosa, subiu e sentou-se abraçando o próprio corpo. Timidamente, indagou ao espanhol:

— Oh... Naraku... Você tinha que buscar alguém...?

— Não, não tinha! Agora vista essa minha jaqueta ao invés de ficar encolhida como um pintinho molhado! — retrucou ele, grosseiro, retirando o carro do lugar e o guiando para fora da vaga, tendo que dirigir lentamente para não acertar ninguém. Naraku estava terrivelmente irado, buzinando a torto e a direito e xingando os pedestres mais lentos que transitavam pela via.

A jovem presbiteriana achou por bem ficar calada — intuindo que ele estava daquele jeito por ter sido “obrigado” a socorrê-la, ela simplesmente se vestiu com a jaqueta e abriu a bolsa, conferindo seus pertences.

— A minha Bíblia... — lamentou-se ela, baixinho, recebendo um olhar tenso e nervoso do espanhol pelo retrovisor.

— O que tem a sua Bíblia, Kikyou?

— Acho que ela ficou lá...

— E daí que ela ficou lá? Compre outra!

— Mas foi a m-minha mãe que me deu...

Naraku olhou pelo retrovisor de novo e viu que ela recomeçara a chorar em silêncio. Seu coração doeu: por intermédio de Inuyasha, ele sabia que ela já não tinha mais a mãe. De fato, a maneira contrita com que Kikyou olhava fixamente para sua bolsa rasgada demonstrava que perder a Bíblia que ganhara de Kaede lhe feria mais do que ter sido atacada pelos gêmeos malucos.

O espanhol sentiu vontade de parar o carro e ir para o banco de trás, onde ele de bom grado afogaria a gigante saudade que sentia da boca rósea da moça. Era preciso dar um basta naquele sentimento virulento que o consumia por dentro, aquele amor tresloucado por uma mulher que ele acreditava que o detestava. Contudo, não dava para raciocinar direito. Não com o calor insuportável que sentia, nem com as botas que agora magoavam seus pés e muito menos com seus órgãos sexuais espremidos pela calcinha de tucking.

Ligeiramente ofegante pelo nervosismo excessivo, Naraku suspirou ao chegar à rua de sua casa. Faltava pouco para chegar ao seu local seguro. Estacionando o carro, o psicanalista deu a volta e abriu a porta traseira para Kikyou, que permaneceu parada, olhando-o atentamente de cima até embaixo. Era impressionante como até vestido de mulher ele ficava lindo, pensou ela meio contrariada.

— Anda, racha! Desce logo daí. Estou com pressa, tenho uma caralhada de coisas para fazer! — exclamou ele, já sem um único trejeito feminino. Meio indecisa ainda, a moça agarrou sua bolsa e apeou, ficando a menos de meio metro de distância daquela “Beyoncé” tão alta. Ele virou o rosto; quanto mais ficasse olhando para a jovem presbiteriana, mais abobado ficaria.

Sem poder mais esperar, Naraku tomou a mãozinha de Kikyou entre as suas e a puxou consigo para sua residência. Abriu o portão e gritou por Kagura, levando a moça a ficar muito desconfortável. Será que ele era casado?

Espantada com a urgência do clamor de seu patrão, Kagura saiu de dentro da casa, com um avental e uma touca na cabeça. Naraku praticamente empurrou Kikyou para os braços da outra, dizendo enquanto se virava em seus saltos altos e dizia, sem olhar para trás:

— Kagura, cuide dela para mim! Preciso voltar à rua!

Os olhares das duas incidiram para o bumbum firme e parcialmente exposto de Naraku, que se foi da casa batendo com força o portão.

 

***

 

Trinta minutos depois, Ann Kikyou entrava no banheiro de Naraku com uma muda de roupas de Kagura e uma toalha felpuda e macia. Despindo-se e olhando para aquela parcela da intimidade do psicanalista disposta ali em seus cosméticos, a moça se permitiu descontrair um pouco sob o chuveiro frio do cômodo espaçoso.

Ela não pôde deixar de ficar aliviada quando Miss Thompson, que parecia uma jovem muito correta, lhe disse ser a secretária do lar do espanhol. Prestativa, Kagura lhe fizera a compressa gelada no rosto, dera roupas limpas e lhe permitiu tomar um banho. Foi através dela que Kikyou soube que Naraku Octavio fora um menino de rua e que dependia de um coquetel diário de medicamentos para sobreviver por ter sido submetido a uma transplante de rim.

A água caía sobre as costas da presbiteriana, que suspirou mais uma vez. Seu dia estava uma loucura; caíra de paraquedas no meio de um evento LGBT, quase fora esfaqueada por dois skinheads e, de repente, foi salva deles pelo espanhol sedutor que marcara sua vida, totalmente produzido como uma mulher. Kikyou não se esquecera de como Naraku fora malvado consigo no dia da ópera, e ainda estava bem magoada com ele, mas agora queria não pensar muito nisso. Aquele indivíduo já andava bagunçando demais seus sentimentos.

Kikyou não percebeu que o dono da casa havia retornado. Ele voltara ao centro de Londres unicamente para procurar a Bíblia perdida que, por sorte, continuava no chão atrás do trailer. Era a primeira vez que Naraku sorria ao ver o livro sagrado do Cristianismo que não lhe atraía nem um pouquinho.

Na cozinha, o espanhol acabou deixando a emoção falar mais alto e expôs entre cochichos para Kagura que estava morto de vergonha ao ser visto pela garota presbiteriana daquele jeito e insistia com a estudante de Matemática que largasse o almoço para ajudá-lo a retirar a primorosa maquiagem, ideia veementemente rebatida por ela, que não entendeu a princípio os motivos de Naraku, mas depois deduziu o óbvio e tratou de dar apoio ao patrão:

— Para que limpar a make, Mr. Naraku? Você está divino! Quanto a Miss Wright, ela que te aceite como você é. Apenas coloque uma roupa confortável, acredito que esse body com essas botas devem estar te cozinhando.

— Mas, Kagura, ela...

— Nada de “mas”. Você é o anfitrião dela, precisa recebê-la direito. Vou terminar o almoço.

A forma como Naraku ergueu os olhos para Kagura revelou algo inusitado para ela. Seu patrão estava imensamente inseguro com a presença daquela jovem ali. Encorajando-o, a mulher lhe sorriu:

— Por que não veste a túnica que Mrs. Izayoi lhe deu de aniversário?

— Acha mesmo que não preciso tirar a maquiagem?

— Tenho certeza. Agora vá dar atenção à sua convidada.

A resposta de Naraku foi estalar um beijo na testa de sua secretária e sair rapidamente da cozinha. Foi como um foguete para seu quarto e lá se despiu da roupa de Beyoncé, enfiando-se em seu banheiro particular e enfim libertando seus genitais, aproveitando para se refrescar com um banho frio. Em seguida, enxugou-se e vestiu a túnica mencionada por Kagura e uma calça legging.

Ann Kikyou deveria conhecer quem ele era de fato, seus gostos e preferências. Não havia motivo para se esconder dela.

 

***

 

Agora Naraku e Kikyou estavam sentados cada um em uma poltrona na varanda, com Kagura acomodada sobre uma cadeira, lutando para entabular um diálogo. Entretanto, o casal parecia constrangido demais para conseguir falar. Por fim, a secretária se cansou e anunciou que iria embora, já que terminara todos os seus afazeres. Ignorando os olhares suplicantes do patrão, ela se foi.

Agora estavam a sós, tímidos e confusos em relação ao que fazer. A jovem não conseguia compreender o porquê daquela insegurança do ainda muito maquiado Naraku, que, até onde ela percebia, era o sujeito mais bem-resolvido do mundo. Foi quando o smartphone do psicanalista tocou — o som de chamada era um trecho de Rainmaker, de Yanni. Kikyou o olhou ainda mais interessada, mas desviou o olhar quando ele distraidamente ajeitou o pênis agora bem delineado sob a roupa justa.

— O que é, Sesshoumaru? — disse Naraku, meio agressivo, as unhas perfeitamente recobertas pelo esmalte cintilante.

— Arrombado, pensei que tivesse dito que iria me levar naquela churrascaria no Soho!

— P****, eu já disse que não vou sair com você, c******. Chame Rin, a coitada nem passeia direito.

— Essa índia não sabe nem andar aqui na cidade, quanto mais em outra, sua bicha! — vociferou o loiro.

— Pare de chamar a garota de índia, p****, ela tem nome! Tomara que ela dê um chute no seu saco de pentelhos loiros.

— Viado fodido.

— Fodido é você. Qual o motivo da raivinha, Sesshy? Sua unha quebrou?

— Você me largou sozinho no meio da muvuca daquele universo de bichas, sabendo que eu já não consigo mais voltar para casa sem ajuda!

— E daí? Aliás, você nem estava sozinho, seu cuzão!

— Você não passa de um egoísta chupador de rola, Naraku!

A essas alturas, a jovem olhava abismada para o psicanalista, depois de ouvir tantos palavrões em menos de dois minutos. Ele, sem notar as caretas de Kikyou, prosseguiu em suas tréplicas irritadas:

— Ô seu cego filho da p***, me chamar de chupador de rola não é argumento. Eu chupo rola, chupo boceta, chupo o c****** que eu quiser. E dê um tempo com essa lenga-lenga, já me esgotou a p**** da paciência, cigarrón! O seu amigo não te levou em segurança para casa? Então por que ainda reclama?

— Reclamo porque foi VOCÊ que me fez sair de casa para ir à parada gay, seu p****-louca retardado!

— Vamos fazer o seguinte, Sesshoumaru — replicou o espanhol, cansado. — Vá atrás do seu amigo Poseidon gostosão e da sereia gostosa dele e trepe com os dois, talvez essa sua chatice seja falta de sexo.

— Vá se f****, Naraku.

— Vá se f**** você! Estou ocupado! Se me ligar de novo, vou aí te comer de madrugada com meu vibrador. Se quiser facilitar as coisas, vá depilando o c* enquanto me espera.

— MORRE, DIABO! — e assim o loiro desligou a chamada.

Naraku então ergueu os olhos e viu o quanto, sem querer, constrangera Kikyou, que parecia ainda mais ressabiada. Contudo, foi ela a primeira a romper o silêncio:

— Ah... O toque do seu celular...

— Você gostou? — indagou ele, não se animando a olhar para ela. — A música se chama...

Rainmaker — completou a jovem, surpreendendo Naraku. — Yanni é o meu artista favorito.

O espanhol arregalou os olhos. Afinal, Yanni era o artista favorito dele também.

— Você gosta de Yanni?!

— Bom... Sim — admitiu ela, corada. — Gostaria de aprender a tocar as músicas dele, mas são difíceis. Estudo todos os dias, mas não progrido.

— Tem piano?

— Teclado. Eu adoraria ter um piano...

— Eu tenho... — afirmou ele, atraindo de vez a atenção irrestrita da moça, cujo olhar cintilou.

— Tem?! Aqui?! Deixa eu ver?

— Oh... , . Acompanhe-me, por favor.

Lentamente, Kikyou seguiu o dono da casa para dentro, que andava meio torto de lado, sem querer dar as costas para a jovem. Ainda se encarando ostensivamente, o casal chegou até o majestoso piano Fazioli. Kikyou mal piscava, agora voltada de vez para o belo instrumento. Antecipando-se ao que ela perguntaria, o espanhol disse:

— Toque.

— E-eu não sei tocar direito.

— Mas você está com vontade de tocar, Kikyou, e eu estou com vontade de te ouvir...

Mordendo o lábio em franca expectativa, a moça puxou a banqueta e se sentou, começando a dedilhar Nostalgia de forma tímida. Enquanto isso, algo como fogos de artifício espocavam dentro do estômago de Naraku — ela estava tentando tocar sua canção predileta. Tudo dentro do psicanalista gritava para que ele envolvesse Kikyou em seus braços e dissesse o quanto ela mexia com seus mais puros sentimentos.

Meio que de forma automática, o espanhol levou a mão aos longos cabelos da jovem, acarinhando-os de leve com o mais sublime fascínio de um homem apaixonado, fazendo com que ela se interrompesse de vez, congelada com aquele toque sutil. Quebrando o súbito clima idílico, ele afirmou:

— A música é perfecta, mas seu dedilhado não é bom. Mantenha as mãos em uma posição mais natural... — e o psicanalista se debruçou sobre o instrumento, pousando a mão direita sobre as teclas do piano e indicando a ela como deveria fazer. Contudo, Kikyou o surpreendeu:

— Vamos tocar juntos... Você sabe tocar Nostalgia, não sabe?

— Oh... Lo sé, pero...

— Toque comigo — pediu a jovem, encarando o homem desorientado. — Você toca a clave de sol e eu, a clave de fá.

Estou sendo um tolo, ela não sente nada por mim, nunca entenderá que eu a amo... Por que não paro de suspirar ao lado dela?!, ponderava Naraku, incomodado. Mas como dizer não àquele olhar que ele tanto adorava?

Dessa maneira, os dois se posicionaram sobre a banqueta, que era um pouco mais larga — ele à direita e ela à esquerda. Os dedos experientes de Naraku percorreram pelas teclas, enquanto Kikyou se esforçava por acompanhá-lo executando os acordes da canção tão apreciada por ambos.

Por mágicos quatro minutos e meio, o casal parecia se amar enquanto tocava aquela peça complicada. A sincronia entre as notas e as pausas era perfeita; o espanhol conhecia ali um prazer totalmente arrebatador e não-sexual enquanto tocava com destreza as difíceis sequências de semicolcheias [3] que a canção pedia.

Ele é um promíscuo blasfemador... Pratica obscenidades com mulheres e homens, mas... Jesus, como eu amo esse homem!, refletia ela, emocionada.

Em êxtase, Ann Kikyou levou a mão à cintura de Naraku e o puxou de leve para mais perto de si. Surpreso, o homem quase perde o ritmo da música; contudo, seu coração o induziu a fazer o mesmo com ela, enquanto ambos continuavam tocando à uma.

Ansiosos, hesitantes, apaixonados.

O clímax da música chegava e, sem que uma única palavra fosse dita, Naraku e Kikyou sabiam o que fazer para encerrar a grandiosa canção que de certa forma os transportava para bem longe dali, de seus problemas e angústias, levando-os para um lugar onde só haviam ele e ela.

O último compasso da música foi tocado. O som do piano ainda reverberava no ar quando Kikyou ergueu o rosto afogueado e borrou o batom vermelho dos lábios de Naraku num beijo avassalador que foi prontamente correspondido.

***

 

1 — Tucking: nome dado à prática muito comum entre drag queens e transformistas de esconder seus genitais masculinos.

2 — Galalau: gíria pernambucana relacionada a pessoas muito altas.

3 — Semicolcheia: nome da figura musical cuja duração é de metade de uma colcheia.

 


Notas Finais


Como fazer o tucking com o pênis (podem clicar que é apenas um desenho ilustrativo): https://img.buzzfeed.com/buzzfeed-static/static/2016-03/30/20/enhanced/webdr10/enhanced-mid-1637-1459385408-1.jpg

Make do Naraku: http://www.dicasdemulher.com.br/wp-content/uploads/2009/08/maquiagem-com-batom-vermelho-2.jpg

Flawless - Beyoncé: https://www.youtube.com/watch?v=IyuUWOnS9BY

Julian Solo: https://www.cavzodiaco.com.br/mobage/poseidon/poseidon3.jpg
Thetis: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/5f/67/6e/5f676edbce303b1043a1529d76c543bb.jpg


Brincos da Kikyou: http://pandorajoias.vteximg.com.br/arquivos/ids/160084-1000-1000/290696CZ.png

Nostalgia - Yanni: https://www.youtube.com/watch?v=dE1o_uUXTvo

.
..
...

O sonho do Sesshoumaru :O
Rin de boca aberta com a beleza dele fantasiado de Thor :O
Ele e o NaraDIVA na parada gay :O
Kikyou sendo confundida com um transexual e apanhando :O
Naraku lutando capoeira vestido de mulher :O
Os dois tocando piano juntos :O

Adoraria comentar tudo o que este capítulo representou para mim, mas aí seria mais outras 7 mil palavras, kkkkkkkkk. Agradeço a você, @KarinaSesshy, pela grande ajuda com o texto e me fornecendo um montããão de fotos da Beyoncé para "montar" o Naraku :D

Abraços, lindos da Mamãe! Devo acabar de responder a todos os seus comentários em breve *-* #TodasComemora @Okaasan


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