História New Stage - Understand and accept

Era como um sonho, não um pesadelo.

Tudo ao redor parecia distante e abafado pelo meu choro incessável. Ali naquela viatura da polícia em um lugar em que eu não fazia ideia de onde era eu apenas deixei toda a frustração sair.

Morto, ele está morto.

A imagem de Hades e Bianca no chão e depois da arma apontada para mim apenas se repetia torturante em minha mente, quando eu respirava, quando fechava os olhos, quando eu chorava... o tempo todo.

Não sei quanto tempo levou até a viatura de Otto começar a andar em direção a minha casa. Ele não dizia nada, na verdade não havia o que dizer, apenas havia meu choro e um luto infundado e irracional que tomava minha alma dolorosamente.

- você precisa ser forte Nico. Agora acabou. – a voz dela invadiu minha mente me fazendo chorar ainda mais.

- não diga isso. Eu não consigo mais, na verdade eu nunca fui forte. E agora ele se foi, e ela se foi e você se foi... – respondi aos sussurros a ela.

- nós nunca existimos na sua vida Nico. Nós fomos a muito tempo, mas eles... – sua voz cantarolou em meu ouvido e como se ela tivesse ao meu lado indicando eu olhei para a janela.

Estávamos a frente da casa dos Jackson agora, Otto parou a viatura e me olhou por um instante antes de sair e ir até a porta batendo nela e logo Sally e Poseidon apareceram a frente. Eles pareciam cansado o que me fez sentir ainda pior, os olhos dela foram para onde eu estava e lacrimejou, foi quando foi impedida por Otto de vir até mim, ele disse algo a ela, como um aviso no qual ela apenas assentiu e veio correndo em minha direção.

I promise that one day

I'll be around

I'll keep you safe

I'll keep you sound

Right now it's pretty crazy

And I don't know how to stop

Or slow it down

Eu prometo que um dia

Eu estarei por perto

Eu manterei você segura

Eu manterei você salva

Agora está um pouco louco

E eu não sei como parar

Ou ir mais devagar

- Eles são reais para você Nico. Eles sempre te protegeram e cuidaram como nós nunca seriamos capaz de fazer. – a voz da minha mãe invadiu novamente minha mente como um sussurro doce, ela parecia aliviada. – seja forte apenas mais uma vez, não por mim, não por seu pai e muito menos pela Bianca, mas por eles. – funguei antes de Sally chegar até a viatura e abrir a porta já se jogando em mim em um abraço apertado o qual retribui sem evitar.

- oh meu menininho... Sinto tanto. – Sally choramingou em meu ouvido enquanto alisava meu cabelo com carinho.

Hey

I know there are some things

We need to talk about

And I can't stay

So let me hold you for a little longer now

Take a piece of my heart

And make it all your own

So when we are apart

You'll never be alone

Ei

Eu sei que há algumas coisas

Que precisamos falar

E eu não posso ficar

Então me deixe abraçá-la mais um pouco agora

Pegue um pedaço do meu coração

E faça dele todo seu

Desta forma quando estivermos separados

Você nunca estará só

Através dela e das lágrimas que embaçaram minha visão eu achei ter visto por um breve momento a silhueta da minha mãe me olhando com aquele leve sorriso tranquilizador que ela costumava me dar quando queria me acalmar e dizer que tudo ficaria bem.

- agora não há mais nada que te prenda as sombras Nico. Você tem que se libertar e viver finalmente bem e feliz. – a voz dela era tão presente quanto o abraço de Sally. – nunca foi culpa sua Nico, e não há justiça maior do que a morte. Seja para o bem ou para o mal.

You'll never be alone

When you miss me close your eyes

I may be far but never gone

When you fall asleep tonight

Just remember that we lay under the same stars

Você nunca estará só

Quando sentir minha falta, feche os olhos

Posso estar longe, mas nunca fui embora

Quando você cair no sono à noite

Só lembre que nós deitamos sob as mesmas estrelas

Suas palavras soaram como uma canção lenta e ao mesmo tempo que dolorida era suave. Ela me jogou um último sorriso e com um piscar de olhos enxergados ela sumiu e eu nunca mais a vi ou ouvi.

(...)

A sala dos Jackson nunca pareceu tão fria e sem vida. Mesmo com a lareira acesa, mesmo com a mão quente de Sally na minha eu ainda sentia um vazio congelante.

- Jason já está chegando com o Percy. – Poseidon disse desligando o celular e vindo até nós que estávamos sentados no sofá.

Ouvir o nome deles fez com que meu sangue parecesse mais grosso em minhas veias. Assenti sem dizer nada.

Eu já estava melhor, o choro havia cessado depois de muito custo apesar de minhas mãos ainda tremem e meu corpo está cansado como se tivesse sido atropelado por um caminhão.

- Nico... Vou pegar um pouco de chá para você. – Sally alisou minha mão. – você está congelando. – ela observou com uma careta de preocupação e depois mediu minha temperatura com a outra mão logo suspirando – mas não está com febre. – me deu um beijo na testa. – já volto.

Assim que ela saiu eu já senti sua falta. Sally era a única presença quente no local. Poseidon estava distante sem saber o que fazer comigo e eu entendia isso, ele me olhava tentando disfarçar, mas sua preocupação era óbvia.

Eu queria dizer que estava bem, que eles não precisavam se preocupar. Mas não conseguiria mentir, não conseguiria nem confiava na minha própria voz para dizer nada.

Depois do que pareceu um segundo Sally estava de volta, ela me deu a caneca com a bebida quente que eu tomei de bom grado e desceu queimando em minha garganta, mas era uma sensação boa, uma sensação de vida.

Coloquei a caneca na mesa de centro e fiquei a encarando por algum tempo deixando novamente minha mente vagar, até que a porta se abriu e meus olhos foram involuntários para os meus irmãos que entravam com olhares preocupados e receosos.

Três pares de olhos foram direto para mim. Azul, verde e âmbar. Jason segurava o Percy como apoio e eles pararam ao me ver. O olhar azul de Jason ficou levemente aliviado, acredito que por ele saber com o que estávamos metidos e nas possibilidades de dar algo errado.

Já o do Percy ficou mais tenso, como quando eu havia quebrado o braço quando criança, como quando eu tomei aqueles remédios e como todas as vezes que eu o preocupei naquele ponto. Um olhar tão desesperado e suplicante que me fez segurar as lágrimas o máximo que pude.

De repente eu o estava abraçando.

Não soube se ele veio até mim ou eu fui até ele, não soube quando, não soube como, mas nada importava. Ele era a fonte de calor mais intensa que eu poderia ter, ele era tudo que eu poderia ter e sentir naquele momento.

Hey

I know there are some things

We need to talk about

And I can't stay

So let me hold you for a little longer now

Take a piece of my heart

And make it all your own

So when we are apart

You'll never be alone

Ei

Eu sei que há algumas coisas

Que precisamos falar

E eu não posso ficar

Então me deixe abraçá-la mais um pouco agora

Pegue um pedaço do meu coração

E faça dele todo seu

Desta forma quando estivermos separados

Você nunca estará só

Afundei meu rosto em seu peito e chorei novamente silencioso, suas mãos me cobriam como podia já que havia um gesso em seu braço. Ele beijou o topo da minha cabeça com carinho e por um momento, apenas um precioso e lindo momento em que eu estava ali abraçado com ele eu senti que tudo ficaria bem.

(...)

Acordei sentindo meu corpo ainda pesado. As lembranças voltaram quase que de imediato e os pesadelos não ajudaram nada com isso.

Depois de muito tentar eu adormeci ao lado de Percy na minha cama. Ninguém disse nada sobre isso e nem tinha o que dizer, todos sabiam que o único capaz de me acalmar era ele.

Virando-me devagar para olhá-lo imaginei encarar seus rosto sereno dormindo, mas encontrei seus olhos verdes-mar nos meus cautelosos e com olheiras profundas.

Meu coração pesou por saber que ele não tinha dormido. Percy não tinha dito nada na noite anterior e nem eu, ele apenas ficou comigo e eu com ele, lado a lado sem precisar dizer uma palavra, mas agora eu sabia que era necessário.

- você não dormiu? – perguntei ouvindo como minha voz saiu estranha e falha.

Percy manteve seus olhos sérios em mim e me abraçou levemente torcendo o lábio.

- dormi um pouco. – respondeu por fim e ouvir sua voz fez parecer com que a luz pálida do sol que vinha pela janela ficasse um pouco mais forte e brilhante.

- mentiroso. – resmunguei me aconchegando nele. Senti seu leve sorriso e me xinguei por não estar olhando. Ficamos em silêncio por um momento até eu suspirar pesadamente. – eu gritei?

Percy alisou meu braço sem responder de imediato.

- não foi por isso que não dormi. – disse ele por fim me fazendo apoiar no cotovelo e olha-lo.

Seus olhos verdes pareciam tão claros agora, quase azuis.

- então isso é um sim? – insisti, mas ele não respondeu. Suspirei. – desculpe...

Percy tocou meu rosto com carinho e me puxou para um beijo leve nos lábios o que me surpreendeu. Quando se afastou seu olhar estava intenso e quente.

- não dormi porque estava com medo. – ele disse oco me fazendo franzir o cenho confuso. – tenho medo de fechar os olhos e algo acontecer com você. Tenho medo de respirar e alguém te machucar. – ele suspirou profundamente e beijou minha cabeça. – céus Nico, eu não posso te perder.

Com suas palavras toda minha luta para não chorar mais pareceu em vão, meus olhos se encharcaram com lágrimas leves escorrendo enquanto eu o abraçava forte.

Minha mãe tinha razão, eles estavam ali por mim sempre. Foram eles que me acolheram e se preocuparam comigo, então porque? Porque eu ainda me sinto tão mal pela morte deles?

- me desculpe, por tudo. Por te preocupar, por ser tão irracional e cego... – as palavras sinceras simplesmente saíram da minha boca.

Percy beijou meu pescoço com carinho.

- eu é que sinto muito por você passar por tudo o que passou, e pior ainda, eu não estava lá. Eu disse que estaria, mas não estava.

Me afastei para encará-lo com indignação. Seus olhos sofridos me fizeram praguejar por fazê-lo sofrer.

O beijei com vontade sem nem mesmo pensar, meu corpo pareceu se mexer sozinho em resposta aos meus sentimentos. De primeira ele não respondeu, mas logo se entregou e intensificou o beijo com necessidade.

Necessitávamos um do outro.

- você estava lá. – falei em um sussurro ofegante quando nos afastamos. – da mesma forma que está aqui agora, você sempre está comigo.

Ele sorriu fraco e me beijou novamente.

- não como eu queria estar, não como eu queria te proteger.- disse colando nossas testas fazendo meu coração parar só de pensar nele naquele lugar, naquele momento.

- Deus sabe o quanto eu desejei que você não estivesse la, nem no carro, nem em qualquer outro lugar a vista daqueles bandidos. Até da política... – suspirei tentando me recuperar da tensão. – até ela te ameaçou. Você entende? Eu não consigo nem imaginar o que faria se algo acontecesse com você. E com Jason... ah Jason! – falei rápido demais, tudo veio à tona.

Quando me lembrei de Jason e o que ele havia feito uma mistura de raiva e compaixão me preencheu.

Percy apertou minha mão.

- eu sei. Fique calmo Nico, já passou. – ele me tranquilizou. Sorri duro me aconchegando nele de novo. – mas você deveria conversar com ele, direito desta vez. – com isso enrijeci o olhando. Percy apertou o lábio para minha reação. – ele me contou.

- o que você acha? – perguntei receoso.

- no começo eu fiquei com raiva, acho que mais por ficar de fora do que pelo que ele fez em si. Mas depois de brigar muito com ele eu entendi suas intenções. – ele me encarou firme. – Jason só estava tentando proteger a gente Nico, nossa família é tudo para ele. Você não faria o mesmo?

O fitei sem saber o que responder.

Eu faria?

- você faria? – perguntei por fim e ele me deu um sorriso seco.

- provavelmente. – seus lábios foram para os meus me surpreendendo – o que é que eu não faria por você? – perguntou retórico depois se levantou me fazendo fazer o mesmo. – vamos, temos um longo e cansativo dia pela frente.

Sua mão estava estendida para mim, seu sorriso era fraco, mas tranquilizador, seus olhos verdes que antes pareciam tão claros agora tinham uma tonalidade viva, como jade.

Enquanto pegava sua mão me perguntava o que é que eu não faria por ele.

(...)

O clima não poderia estar pior. Na cozinha estavam todos da minha família, inclusive Hazel e Piper. Senti uma opressão quando chegamos e todos nos olharam.

Como Percy eles mal pareciam ter dormido.

Tudo aquilo, toda aquela dor nos olhos deles, toda aquela preocupação e sofrimento, era culpa minha?

- Ei como você está? – Hazel se levantou e me abraçou.

Sentir seu calor, seu abraço firme e preciso me fez sentir um pouco melhor.

- melhor. E você? – respondi e ela apenas deu nos ombros.

Era óbvio que ela não estava tão abalada, afinal Hades não era nada para ela, não era nada para ninguém além de Bianca. Que também estava morta.

Sentei a mesa e comecei a comer, o silencio incomodo tomou o local até Sally começar a conversar com Piper sobre coisas do casamento que estava marcado para o fim do próximo ano.

Enquanto eu comia podia ver os olhares de Jason em mim, ele parecia receoso e tinha motivos pra isso. Percy percebendo se inclinou e falou baixo para mim:

- Converse com ele.

Lhe dei um olhar longo e depois para Jason que nos encarava e então assenti.

- Nico? – Hazel me chamou baixo e eu a olhei ao meu lado. Ela torceu o lábio tristemente e eu já esperei por notícias perturbadoras, essa com certeza era. – você vai querer... – ela engoliu em seco. – ir no velório deles?

Senti certa pena dela por ter que me perguntar aquilo, mas sabia que era necessário. De repente percebi que todos na mesa ficaram quietos de novo, analisando e esperando minha reação.

Eu deveria ir? Não, eu precisava ir. Precisava dizer a ele de alguma forma o que sentia.

Assenti para ela sem ter confiança em responder com palavras. Hazel pegou minha mão.

- estarei lá com você. – ela garantiu.

- nós estaremos. – Percy reafirmou me fazendo encarar seu olhar encorajador.

- Obrigado. – falei quase inaudível.

(...)

Eu estava me encarando no espelho longo do meu antigo quarto. Lembro quando Sally colocou espelhos de corpo-todo em todos os quartos afirmando que até os meninos precisavam ver se estavam bem vestidos.

Não estava tão certo disso agora.

Estava com uma roupa social toda preta emprestada do Percy. Meu cabelo nunca pareceu tão sem vida, o joguei para o lado por fim. Meus olhos pareciam ainda mais fundos e negros o que me dava um ar gótico de um nível escroto.

Respirei fundo desistindo de encarar minha decadência quando alguém bateu na porta.

Jason entrou relutante.

- posso falar com você? – perguntou receoso.

Ele vestia um casaco preto e calça jeans. Fiquei imaginando se ele também iria ao velório.

- sim. – respondi o vendo entrar e sentar na cama me olhando. – o que foi?

- você tem todos os motivos para estar nervoso comigo Nico, mas eu quero que saiba que tudo que fiz... eu achei que podia te deixar longe de problemas, podia te proteger e proteger nossa família, mas no fim...

Me virei para encará-lo e seus olhos estavam distantes no nada. Meu coração afundou.

- não estou bravo com você Jay. – falei em um suspiro me sentando ao seu lado. – deveria, mas não estou.

Ele ficou me olhando atônito o que me fez sorrir sem humor e continuar.

- com tudo o que aconteceu eu fiquei me perguntando se não faria o mesmo. Você ao contrário de mim pensou na nossa família. – meus olhos marejaram involuntários enquanto eu encarava minhas mãos. – eu ao contrário de você apenas fui egoísta e piorei tudo. Como pude ser tão cego? Tão obsessivo?

Jason pegou minha mão com carinho me fazendo olha-lo, ele retribuiu meu olhar com intensidade e compaixão.

- nada disso é culpa sua Nico. Você mais do que qualquer um é vítima disso. – me tranquilizou.

Sorri de leve para meu irmão mais velho que estava sempre tentando ser o irmão-mais-velho.

- me desculpe te colocar nessa. – pedi sincero e ele sorriu com carinho antes de me dar um abraço rápido.

- tudo bem maninho. Agora vamos. – falou se levantando. – Longo dia pela frente.

Vê-lo falando isso me fez lembrar de Percy mais cedo e meu coração se aqueceu um pouco por perceber que apesar do longo dia eles estariam comigo.

- o mais longo de todos. – resmunguei antes de segui-lo para porta.

(...)

Pegamos um taxi até o local já que o carro estava no mecânico devido a batida recente.

Antes de sair Sally me abraçou forte sem precisar dizer nada. Poseidon apertou meu ombro de forma que mostrasse confiança. Agradeci internamente por eles não irem, já estava sendo bem ruim vê-los tão preocupados e sei que não seria mais bonito naquele lugar, naquela despedida.

Em todo o caminho Jason, Percy e eu ficamos em silêncio. Percy manteve sua mão na minha o tempo todo e isso me fez ter um pouco mais de segurança.

Minha cabeça girava e eu tentava manter meu equilíbrio, mas tinha a sensação de que iria desmoronar a qualquer momento, de novo.

Assim que saímos do carro eu observei o cemitério, a fachada era envelhecida e opaca de cinza e azul escuro, já dá entrada já podia-se ver as fileiras de cruz branca e túmulos se estendendo em uma imensidão incontável. O clima fechado com nuvens cinzentas e escuros deixavam o lugar ainda mais triste e sem vida.

Hazel e Otto nos encontraram na entrada e com minha irmã segurando minha mão firmemente e Percy a outra seguimos Otto até onde estavam velando e logo enterrariam Hades e Bianca.

Não havia quase ninguém no lugar, os caixões estavam fechados um do lado do outro. Um Padre acaba de fazer uma reza e estava saindo, ele nos olhou e depois se retirou.

Meus olhos ficaram parados nos caixões a minha frente, ambos lacrados, não era uma coisa bonita ou reparável quando se levava um tiro na cabeça. O de Bianca era mais claro que o de Hades.

- Nico, vamos te dar um tempo. – Hazel disse me dando um beijo no rosto.

Ela parecia nervosa, quase que com raiva daqueles dois por estarem mortos.

Ela se afastou com Otto abraçando-a. Jason me deu um olhar preocupado enquanto Percy apertava minha mão.

- você quer que eu fique? – perguntou ele com seus olhos verdes que mesmo no clima triste e apagado ainda eram tão brilhante e cintilante.

Neguei com a cabeça.

- apenas um tempo. – pedi e ele me deu um sorriso apertado antes de me beijar no rosto e se afastar com Jason.

Virei-me para fitar os dois caixões a minha frente, lado a lado um do outro e de suas covas. Olhar para eles juntos me fez questionar o quanto próximos eles deveriam ser, mais próximos do que eu jamais seria.

Encarei a lápide cinzenta de Bianca que não tinha frase assim como a de Hades, apenas datas. Bianca, a irmã que eu mal conheci e me tratou como lixo, como um incômodo. A mesma que praticamente sacrificou tudo por um pai mal agradecido e egoísta, a garota com olhar forte e debochado qual eu vi apenas três vezes na vida e jamais conseguiria esquecer.

A irmã que eu nunca teria.

Perguntei-me se assim como Hazel se Bianca não tivesse sido criada pelo monstro que Hades era, ela seria de alguma forma amável. Pensar nisso fez meu coração doer com uma pena repentina pela minha irmã morta, mas eu logo a expulsei. Talvez ela não tivesse culpa pela forma que foi criada, mas nada justificava seus comportamentos.

- Sinto muito por você não ter tido a sorte que eu tive. – murmurei para ela. – hoje eu vejo isso, vejo o quanto sou sortudo por ter sido encontrado por pessoas tão boas. Então eu sinto muito irmã, por você ter se mantido perdida. – falei sincero passando levemente minha mão por seu caixão que parecia frio demais.

Am I asking all these questions for nothing?

I'm wondering if anyone's there

And I really need to make a confession

I hate to say that I'm a little bit scared

Eu estou fazendo estas perguntas por nada?

Estou me perguntando se tem alguém aí

E realmente preciso fazer uma confissão

Eu odeio dizer que estou um pouquinho amedrontado

Respirei fundo e encarei o caixão de Hades dessa vez, senti meu coração gelar e pesar no peito. O caixão era escuro, opaco e mórbido. Era tão parecido com ele que me fez questionar se quem havia escolhido o conhecia.

Eu passei metade da minha vida o procurando, procurando respostas para todos meus traumas mesmo já sabendo que isso não mudaria nada, ainda assim eu procurei. Procurei pela esperança de achar um mal entendido, de achar uma família que procurasse por mim, se achar um pai.

Tolo. Foi a única coisa que fui por todo esse tempo, tolo e inconsequente.

But I've been on this train too long

People gettin' off and on

I'm prayin' that I don't forget where I belong

And every time I ask myself

Am I turnin' into someone else?

I'm prayin' that I don't forget just who I am

I really wanna understand

Mas estou neste trem há muito tempo

As pessoas embarcam e desembarcam

Orando para eu não me esquecer de onde eu venho

E toda vez que me pergunto

Será que estou me tornando outra pessoa?

Estou orando para eu não me esquecer quem eu sou

Eu realmente quero entender

- Por sua causa eu coloquei todas as pessoas que se preocupam comigo em perigo. Por sua causa eu passei a não confiar nos sentimentos dos outros, afinal se meu próprio pai fez tudo aquilo comigo porque outra pessoa não faria? – sorri sem humor para a madeira escura. – por sua causa eu tive uma vida terrível por anos, traumatizado, perseguido por um passado que não entendia, por pesadelos e lembranças horrorosas que hoje só foram acrescentadas. – senti minha garganta se fechou pelo choro reprimido. – tudo de ruim que aconteceu comigo foi por sua causa, então por quê? Porque eu ainda estou aqui? Por que estou chorando em frente seu caixão como se você fosse alguém importante? – as lágrimas já saem lentas, silenciosas e doloridas, escorrendo pelo meu rosto antes que eu pudesse limpá-las.

'Cause we all get lost sometimes

We all get lost sometimes

Don't leave your heart behind

Porque todos nos, nos perdemos as vezes

Todos nos, nos perdemos as vezes

Não deixe seu coração para trás

Então enquanto eu chorava discretamente a frente do caixão negro de Hades eu entendi.

Não importava o que ele havia feito, quem ele havia sido, nem nada. Ele era meu pai, e antes, bem antes das coisas ficarem tão horríveis, dentro de mim havia uma criança que o amava.

Respirei fundo e limpei o rosto me recuperando.

- você nunca poderia me dar as respostas que eu queria, porque eles não estavam com você. Agora entendo isso. Você nunca foi o ponto, eu fui. Eu não queria te encontrar e sim a mim mesmo. – bufei para mim mesmo sabendo o quanto aquilo tinha sido ridículo. – seria irônico demais te agradecer? Porque de certa forma estou bem melhor agora, sem você.

You wake up, your whole world's flipped

It's just different, and you gotta

You know, you just gotta go with it

That's just simply growing up

And not seeing it in a negative way

And if they see it as if it's been given to you

I mean, as much as times can be crazy

You're gonna feel

Like that's where you're supposed to be

You're not gonna feel out of place anymore

You're gonna feel like that's where you were meant to be

You don't have to pretend that it's easy all the time

You just let it go and grow with it

And you can't hold on to the old you

Or the old this, or the old that

Because you change

And not changing in a bad way

Just changing because that's what happens in life

You grow up

Everyone moves on

You're just learning

You stay true to yourself

Changing isn't a bad thing, it never was

But at the end of the day, you know

You're the same person

And where your heart is

That doesn't change

Você acorda, seu mundo inteiro está invertido

É apenas diferente, e você tem que

Você sabe, você só tem que ir com isso

Isso é simplesmente crescer

E não veja de uma forma negativa

E se eles veem isso como se fosse dado a você

Quer dizer, tanto quanto o tempo pode ser louco

Você vai sentir

Como é onde você deveria estar

Você não vai se sentir fora de lugar mais

Você vai sentir como é aí que você deveria estar

Você não tem que fingir que é fácil o tempo todo

Você apenas deixa ir e cresce com isso

E você não pode se segurar no antigo você

Ou ao velho isso, ou o velho aquilo

Porque você muda

E não é mudar de uma forma ruim

Apenas mudando porque é isso o que acontece na vida

Você cresce

Todo mundo segue adiante

Você está apenas aprendendo

Você fica fiel a si mesmo

Mudar não é uma coisa ruim, e nunca foi

Mas no final do dia, você sabe

Você é a mesma pessoa

E onde está seu coração

Isso não muda

Assim que as palavras agridoces foram soltas uma brisa fria percorreu o cemitério me fazendo arrepiar seguida de um silêncio ainda mais mórbido.

- Ei garoto, temos que enterrar esses dois. – um coveiro disse se aproximando e eu assenti dando alguns passos para trás.

Observei em silêncio quando ele colocava o caixa de Bianca dentro da cova, era doloroso ver, como a morte era fácil e a vida inútil.

Tudo que Bianca fez e sacrificou não significou nada no fim.

- Pobre garota. – uma voz soou ao meu lado, olhei no leve susto encontrando um senhor de idade, com cabelos grisalhos e olhos castanhos escuros familiares. Ele me encarou analítico. – você não acha triste?

Assenti sem saber o que dizer. Quem é esse senhor?

Ele me encarou e depois sorriu fraco.

- desculpe, deve ser estranho um idoso louco se meter no seu luto. – ele disse me analisando. Estava prestes a dizer que não estava de luto, mas sabia que era mentira. – é assustador como você se parece com ele, mas fico feliz que você tenha um pouco da minha Maria.

Assim que ele falou o nome dela as semelhanças começaram a se destacar. Mesmo olhos, mesmo sorriso fraco e expressão preocupada ao me olhar.

- você é...? – sussurrei incapaz de fazer algo diferente.

Ele sorriu de leve.

- sim, sou seu avô Nico. Devo dizer que estou feliz por finalmente te reencontrar apesar das circunstâncias. – ele fez uma careta para o coveiro que agora terminava de tapar a cova de Bianca.

Abaixei os olhos me sentindo mal.

- me desculpe, eu não sabia...

- ah claro que não sabia. Não pense nisso garoto. Se eu soubesse que você estava vivo também teria procurado. – de repente ele pareceu ainda mais velho, o senhor deveria ter uns 70 anos e se apoiava em um bengala de madeira clara.

Ficamos em silêncio por um momento, eu não sabia o que dizer para o senhor ao meu lado então apenas encarei agora o caixão negro descer na cova de Hades.

- por que você veio? – perguntei por fim e o senhor não pareceu surpreso com a pergunta.

- eu sempre soube que ele não prestava, mas Maria era tão apaixonada por ele e houve um tempo, um curto tempo em que vi que vocês dois foram felizes. – ele me encarou curioso. – talvez você não se lembre disso...

- eu me lembro. Estranhamente eu me lembro de como costumávamos ser uma família. – respondi automaticamente.

O senhor me olhou com compaixão.

- é bom que tenha algo bom afinal de contas. – ele deu nos ombros por fim e voltou a encarar a cova de Hades sendo preenchida pela terra húmida. – o que quero dizer é que eu esperei por isso por muito tempo, o dia em que a justiça o alcançaria de alguma forma.

As palavras dele me fez lembrar as de minha mãe em minha mente: “não há justiça maior do que a morte. Seja para o bem ou para o mal.”

- você acha que isso foi justiça? – perguntei mais para mim mesmo e o senhor bufou com ironia.

- é melhor do que nada. Vamos esperar que haja uma justiça “maior” ou “divina” no fim das contas. – respondeu com um toque de sarcasmo que eu invejei.

A aceitação daquele senhor me deixava com inveja, parecia tão mais fácil.

Ficamos em silêncio por mais um longo tempo. O coveiro terminou seu trabalho nos deu um olhar rápido e saiu.

- pode parecer estranho para você Nico, mas venha me visitar. – disse o senhor me fazendo olha-lo. Novamente ele me analisava. – não sou o avô que você sempre teve, longe disso. Mas você é meu único e precioso neto. Ficaria feliz em te conhecer no tempo em que me resta.

Meu coração se aqueceu com essa possibilidade. Eu nunca tive um avô nem pelos Jackson’s então a ideia me fez quase sorrir, além da expressão carinhosa do senhor a minha frente.

And every time I ask myself

Am I turnin' into someone else?

And I just pray to God that I'm still who I am

I really wanna understand

I just gotta understand, yeah

No, I just need to, I need to understand

I really wanna understand

Oh, who I am

E toda vez eu me pergunto

Estou me tornando outra pessoa?

Eu peço pra Deus para eu ser só quem eu sou

Eu realmente quero entender

Eu só quero entender

Não, eu só preciso, eu preciso entender

Eu só preciso entender

Oh, quem eu sou

- Claro, eu gostaria disso. – respondi sem jeito o vendo sorrir.

Meu avô colocou sua mão esquerda e trêmula em meu ombro, ele era um homem alto apesar de idoso e então me olhou nos olhos por um momento antes de sair.

Virei-me para frente e encarei pela última vez todo e qualquer vestígio do meu passado enterrado a minha frente.

Finalmente acabou.