História Nictofilia - Missing

Nictofilia

Capitulo 16 – Saudade

 - Se esquive. – Ela dizia enquanto me acertava com um chute, este que me lançou a alguns metros de distância e foi menos dolorido do que os das últimas duas horas. – Muito lenta, foque-se em outras coisas também. – Caminhou até mim e parou na minha frente.

 Observei o caminho que meus calcanhares travaram na sua pequena luta com o chão, tinha aprendido a me manter no chão depois de um chute de Loretta que me lançou contra uma árvore. E eu ainda estava no nível mediano de treinamento. Até agora já tenho uma coleção de hematomas e arranhões pelo corpo, além do cansaço físico.

 - As pessoas não conseguem se concentrar em duas coisas ao mesmo tempo. – Resmunguei enquanto massageava o local que era tinha me acertado.

 - Você não é qualquer pessoa. – Retrucou balançando a cabeça. – Você é uma caçadora, você pode fazer mais que humanos comuns, basta se concentrar. – Deu um peteleco na minha testa e riu.

 Resmunguei de dor e massageei o local.

 - Vamos de novo. – Disse cansada. Eu só queria a minha cama agora.

 - Não, você vai descansar e curar-se desses machucados. – Puxou-me e eu não protestei.

 Sentamos na escada e Loretta começou a me curar. Somente MinSoo e Hoseok estavam ali, os outros tinham ficado em casa, estudando.

 Nossas provas começaram e digamos que eles acabaram se dando mal nelas e agora estavam correndo contra o prejuízo, perdendo assim seu sábado livre. Loretta é bem inteligente e sinto que finalmente tem alguém para eu competir em notas, o que é bom.

 - A Hana-ssi ainda não sabe qual é a habilidade especial dela? – Hoseok pergunta do meu lado.

 O olho sem entender nada.

 - Não estou sabendo de nenhuma habilidade. – Dei de ombros.

 Loretta terminou seu serviço e depois olhou para MinSoo.

 - Cada caçador tem uma habilidade única, geralmente é por genética. E também tem a habilidade especial do clã, exemplo disso são os Jung’s, que tem a famosa ‘aura milagrosa’. – MinSoo explica e faz aspas com os dedos. – A do seu pai era poder pressentir coisas, como a Loretta. Já a da sua tia é algo mais para o ataque, ela... como explicar? – Gesticulou as mãos de forma aleatória.

 - Ela podia se igualar a um anjo ou demônio só com suas habilidades de luta. – Loretta diz sorrindo. – Lembra da minha luta com o Junmyeon? Imagine ela como ele. – Abro a boca surpresa. – Raciocínio rápido, movimentos ainda mais, junta com a ótima visão de vocês, a força e o corpo resistente. É quase o caçador perfeito.

 - Os Ichidas ganharam fama aqui na Coréia depois de exterminar um clã de vampiros que reinava aqui. Esse clã não obedecia aos acordos e muitos tinham medo de caça-los, aí pediram ajuda. Já faz uns cinquenta anos isso. – Hoseok conta-me com os olhos brilhando. – Tinha uma caçadora como a sua tia, acho que era a sua avó.

 Prestei atenção em tudo o que eles falavam, maravilhada. Eu queria honrar meu clã, ser um orgulho para minha tia.

 Descansei mais um pouco e Loretta e eu voltamos para o nosso quinto round, os anteriores acabaram comigo sendo derrotada ou então Loretta parava porquê via que eu não estava nada bem.

 Respirei fundo, limpei a minha mente e fechei os olhos.

 Acho que já está na hora de levar esse treinamento a sério.

[...]

 Pela primeira vez, eu não tinha perdido, quer dizer, eu quase estava conseguindo, mas minha oponente foi mais rápida e forte e me derrotou. Pelo menos já foi alguma coisa.

 MinSoo estava preparando um bolo enquanto eu a observava sentada na cadeira da mesa da cozinha. Hoseok estava sendo treinado pela Loretta, na verdade era mais um teste para ver se ele era bom mesmo. Tenho dó dele.

 - MinSoo, como você e o JongDae se conheceram? – Perguntei enquanto comia um cookie que ela tinha feito e me dera, que aliás, está delicioso.

 Ela parou de untar a forma de bolo e virou-se para mim, sorrindo.

 - É uma história bem longa, posso te contar outro dia, sim? – Piscou para mim. – Você não se incomoda com o cheiro parecido com o de cachorro que tem na casa? – Riu e voltou a fazer seu trabalho.

 - ChanYeol cheira a orvalho misturado com enxofre, Loretta a... Bom, não sei explicar como é o cheiro dela, Junmyeon cheira a chuva, JongIn cheira a tipo casa nova, também não sei explicar bem, BaekHyun, por incrível que pareça, cheira a loção de lavanda, minha tia cheira a lírios e Namjoon cheira a enxofre. Cheiro de cachorro para mim está parecendo até normal. – Dou um sorriso divertido e ela gargalha. – Você sente também?

 - Meu olfato não é tão bom assim como o seu, mas é um pouco superior a de humanos comuns. Eu preciso identificar cheiro de ervas e etc., então preciso saber distinguir cheiros. – Deu de ombros. – Mas depois que você convive com um lobisomem, precisa tomar cuidado com certos cheiros porque o olfato deles é ainda mais potente que os de caçadores. 

 Cruzei minhas pernas em cima da cadeira e comi mais um pedaço do meu cookie, adorando aquela conversa. Ela coloca o bolo no forno e se concentra em limpar a bagunça.

 - Loretta já treinou outras pessoas além de mim? – Perguntei.

 - Ela me treinou, mais umas quatro mulheres e um vampiro. – Disse vindo até mim. – De acordo com as outras pessoas nesse meio sobrenatural, somos os melhores de cada categoria. O treinamento é duro, mas vale a pena, tenho certeza que você vai conseguir superar. – Afagou os meus cabelos. Eu sorri de olhos fechados com o gesto e comi mais um biscoito.

 A porta da cozinha se abre e por ela passam JongDae e Minseok, já vestidos. JongDae beija o topo da cabeça da namorada, que sorri. Acabo sorrindo também com a cena e Minseok, pelo contrário, faz careta. Olhei-o e ri de sua reação.

 - O que nós conversamos sobre demonstração de afeto enquanto eu estou perto? – Ele reclama pegando um cookie.

 Os dois reviram os olhos e o outro sentou-se na cadeira ao meu lado e olhou divertido para mim.

 - Ele só reclama por que ainda não conseguiu uma namorada, não ligue para esse velho ranzinza. – Piscou para mim e ganhou um tapa na cabeça por Minseok.

 A essa altura, MinSoo já derramava finas lágrimas pela gargalhada incessante. Eu ria, mas discretamente.

 - Ele tem problemas para achar uma namorada? – Perguntei ainda rindo. – Não deveria ter, é tão fofo que dá vontade de apertar. – Apertei minhas próprias bochechas, encenando o meu desejo que sempre tive assim que eu o vi.

 Ele corou um pouco e riu.

 - Sério? – Perguntou sorrindo sem mostrar os dentes, mas ainda assim, envergonhado.

 - É, você parece um hammister. – Sorri, segurando a gargalhada presa na minha garganta.

 Mas meus outros dois companheiros não tiveram a mesma reação, eles riram como se fosse a última vez que fariam isso na vida, até mesmo Minseok caiu na gargalhada e eu o acompanhei.

 - OK, chega de falar de mim. – Balançou a cabeça negativamente. – Vou subir, até mais. – Despediu-se com um aceno, que eu retribuí.

 Segundos depois, Hoseok entra na casa choramingando e todo sujo de terra. Olhei-o com a sobrancelha arqueada e sorri de canto.

 - Bem-vindo ao clube das pessoas que já perderam para Loretta Averoff. – Falo rindo e ele me acompanha na risada, rindo também.

 - Ela é difícil de se derrotar, não é? – JongDae perguntou para ele, que assentiu. – Lembro-me de ter lutado com ela uma vez, não durei cinco minutos. – Riu e voltou a comer seu biscoito.

 - Eu já a derrotei. – MinSoo fala atraindo a nossa atenção. – É o fim do treinamento. A partir do momento em que você derrota ela, você já está pronto. – Conclui por fim.

 - Então vejo que eu vou passar uma eternidade então nesse treinamento. – Choraminguei.

 Eles riram da minha desgraça e eu sorri em meio a turbulenta confusão que está a minha vida.

ΩΩΩΩ

 Olhava a paisagem que se fazia um borrão à medida que o carro andava. Desenhei coisas estranhas no vidro do carro que eu tinha oportunidade de criar graças ao vapor que saia da minha boca. Olhei pela décima vez o vestido que eu usava.

 Ele é azul escuro, com partes em renda da mesma cor do tecido, ele chega ao meio das minhas coxas e é superconfortável. Finalmente tive uma chance de usar algumas das roupas que Loretta tinha comprado para mim naquele dia do shopping.

 Eu ia a mais uma festa da empresa, já que na outra eu não fui, em pleno domingo à noite, enquanto eu deveria estar em casa dormindo já que amanhã eu tenho prova. Mas ela tinha alegado que como eu já tinha passado pelo ritual, não precisaria dormir e perder uma noite não faria mal.

 Minha tia é um exemplo de pessoa.

 Depois de mais de dez minutos pensando em como o bater de asas de uma borboleta gera o caos, chegamos ao local da festa. Nesse meio tempo, já tinha até a nova teoria do caos se brincar. O local é um típico salão de festas no meio da cidade. Uma construção grande sem andares, com jardins ao seu redor, quase como uma mansão.

 Se tem uma coisa que eu aprendi aqui na Coréia, é que quando um rico dá uma festa, não é uma simples festa, é ‘A’ festa. Talvez até com um show de K-idol particular.

 Sai do carro com a minha tia do meu lado, ela estava linda com um vestido preto longo, maquiagem leve e os cabelos ondulados. Meu cabelo estava curto, então não dava para fazer muita coisa, só o deixei liso e solto mesmo.

 Quando entramos, ela foi logo falando com um monte de gente que eu não conheço, só sorri e acenei. Como já dizia a minha sábia tia: ‘Sorria e acene, sempre ajuda a enganar o tédio que você sente, só sorria e acene’.

 Sentamos numa mesa e ficamos conversando sobre coisas aleatórias, além de falar mal do povo da festa, em latim, claro. Descobri que depois de passar pelo ritual, eu automaticamente sei falar latim, bem útil.

 Sinto um cheiro estranho e automaticamente olho para a direção que ele exala. Um homem de terno vem em nossa direção, ele tinha um andar seguro, talvez até arrogante. Olhos pretos, cabelos também pretos e raspados em ambos os lados, um bom porte físico e um olhar sutil. Observo a minha tia e ela está com um sorriso de canto no rosto. Olho de novo para o homem e ele agora está com um sorriso aberto, mostrando seus dentes impecavelmente perfeitos. Ele é o que? Filho de Apolo?

 Falando em filhos de deuses gregos, preciso parar de ler sobre mitologia grega. Daqui a pouco eu vou começar a achar que eles existem mesmo e eu vou atrás da deusa Atena, porque ela é legal, ou então de Hades.

 Mas espera, de trevosidade eu já tenho a Loretta, ela serve. Será que ela tem um cão? Seria legal ela ter, aí ele se chamaria Cérbero e ela governaria o submundo. Iria ser maravilhoso.

 - Senhorita? – Sou despertada dos meus pensamentos nada normais pela voz grossa do homem. Quase que eu pulo da cadeira pelo susto. – Quer dançar? – Ele estende a mão para a minha tia, que aceita sem nem pensar duas vezes em se levantar e ir com o homem da voz grossa.

 Olho para o casal se distanciando de mim e indo para o centro da pista de dança incrédula.

 Sozinha.

 Alone.

 Bom, já estou acostumada. Então para voltar a me entreter, direcionarei meus pensamentos ao mundo do submundo em que Loretta é a rainha e tem um cachorro chamado de Cérbero.

 - Sozinha? – Uma voz familiar pergunta na minha frente, mas não olho seu rosto. Reviro os olhos e preparo uma resposta com todo o sarcasmo existente do meu ser para responder à pergunta óbvia.

 Olho para cima, abrindo a boca para responder, mas desisto assim que vejo de quem se trata.

 - Ah... TaekWoon-ssi, minha tia me deixou para dançar com um homem que aparentemente ela conhece, nada demais. – Forço um sorriso, mas ele não parece acreditar em mim, pois balança a cabeça negativamente.

 Ele sorri um pouco vermelho e depois estende a mão para mim.

 - Não sou lá o melhor par de dança do mundo, mas quer dançar comigo? – Ele abaixa a cabeça e deixa seus cabelos negros cobrem o rosto num sinal claro de vergonha.

 Tão fofo, dá vontade de apertar.

 Rio de sua reação e então seguro sua mão, ato que eu acho que foi inesperado da minha parte para ele. Eu me levanto, ainda segurando sua mão e me posiciono ao seu lado.

 - Vamos? – Perguntei sorrindo.

 Ele abre um largo sorriso, algo que eu nunca vi na minha vida, e começa a me conduzir até a pista de dança.

 Começamos a dançar algum tipo de valsa, mas a todo momento ele ficava com vergonha de me olhar nos olhos e eu só ria.

 - Por que tem vergonha de mim? – Perguntei tranquila.

 Ele me olhou surpreso e só sorriu timidamente.

 - Sou muito tímido, nem sei como estou conseguindo fazer isso sem me atrapalhar e pisar no seu pé. – Riu olhando para baixo.

 Levantei sua cabeça com a mão com que eu segurava seu ombro.

 - Se olhar para baixo vai se atrapalhar também. Tenta perder a timidez um pouco agora, porque está estranho você olhando para o nada. – Coloquei minha mão em seu ombro novamente e ele concordou, olhando nos meus olhos, pela primeira vez, creio eu.

 Durante os três minutos que seguiu a valsa inacabável, eu finalmente pude conversar direito com ele. Descobri várias coisas sobre um Taekwoon que eu realmente desconheci por completo. Ele é filho de um CEO de uma empresa grande, adora crianças e café, é tímido, gosta de animais, toca piano e de vez em quando pratica canto, não é bom de dança e é emotivo. Ele também perguntou algumas coisas sobre mim e perguntou se eu tinha gostado do livro.

 No final, foi até legal ter ido nessa festa.

[...]

 Segunda de manhã, quem veio me buscar não foi Loretta e sim ChanYeol, ele me recebeu com um sorriso no rosto e um abraço apertado, que até mesmo eu estranhei a ação repentina.

 Depois dessa cena um tanto estranha para a minha tia e para mim, ele me levou até o parque abandonado. O caminho foi silencioso, mas foi um silêncio confortável.

 - Se eu fosse embora, você sentiria a minha falta? – O ruivo me perguntou enquanto caminhávamos e eu parei de andar.

 Era uma boa pergunta, eu sentiria?

 Normalmente, eu diria que não, mas é quase impossível esquece-lo completamente. De certa forma, tudo o que eu faço eu sinto a presença dele perto de mim, quase como a minha sombra. Mas não sou tão dependente agora como antes, agora que eu já estou socializando normalmente, eu posso fazer amizades novas.

 Só que nenhuma preencheria a lacuna que o Park causaria.

 Encaro sua face preocupada e lhe dou um sorriso.

 - Você é importante para mim, claro que eu sentiria. – Falei dando ombros, como se fosse o óbvio.

 Ele sorriu abertamente, mostrando todos seus dentes. E novamente, ele me deu um abraço, tanto que me levantou do chão e eu me senti um urso de pelúcia em seus braços, pois eu era tão pequena em comparação a ele. Comecei a rir por que seu nariz estava fazendo cocegas no meu pescoço.

 - Eu também sentiria. – Ele respondeu ainda me abraçando e me apertando ainda mais, a ponto de eu não conseguir respirar com a combinação do aperto e das risadas.

 - ChanYeol, pode me soltar? Não estou conseguindo respirar. – Dei leves tapas em suas costas, num pedido para ele me soltar e assim o fez.

 Voltamos a caminhar normalmente.

 Mas uma coisa ficou na minha cabeça, por que a pergunta? Ele ia embora? Ou só era uma pergunta aleatória?

 Deixei isso de lado e tentei me concentrar no assunto da prova que ainda estava fresco em minha memória.

~/~

 As árvores balançavam pelo seu peso sobre elas, ele era quase como um macaco em cima delas. Adora brincar sobre elas, resgatando um período de sua infância que não voltaria. Logo atrás dele, vinham duas pessoas encapuzadas, mas não conseguiam acompanha-lo sempre devido a sua velocidade sobrenatural.

 - Espera a gente, criança teimosa! – Uma das encapuzadas falou, sua voz era rouca e um pouco grossa, mas ainda sim feminina.

 Ele parou em um galho e ficou de cabeça para baixo nele, segurando seus pés com as mãos e olhando para elas.

 - Noona lenta. – Ele falou divertido e recebeu um olhar fuzilante sobre si, ele correu novamente, com medo do que viria a acontecer com seu corpo caso ela chegasse mais perto.

 Não estava a fim de perder um braço atoa.

 - Se acalme, ele é só uma criança, como você disse. – A outra falou calmamente, sua voz não tinha nada de especial, mas o que chamava atenção eram as mechas onduladas de seu longo cabelo ruivo para fora do capuz.

 A outra revirou os olhos e desistiu de sua ideia inicial de decapitar aquele moleque.

 E voltaram a seguir seu caminho normalmente.

 Elas tinham uma missão a cumprir e fariam de tudo para cumpri-la.