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História No ar sólido, o sonho voa. - Capitulo Único


Escrita por: 1234567a

Capítulo 1 - Capitulo Único


Sonhos, sonhos.  Pseudonimo: João Pentecostes.

    A aula acabara de terminar.

                        Não conseguia parar.

De fingir ser uma lágrima misturada ao eterno e amargo mar.

    Por algum motivo desconhecido a sua pessoa,

                    Na maresia, a alma caçoa

            Da sutil brisa que ressoa,

        Palavras mortas flutuantes (marcando a rua) sobre o quente asfalto.

                        Objetos discentes, bem afortunados, do planalto,      Sujeitos ao corpo docente do alto.                    

    Aprendem algo a respeito de seu significado,

                    Em meio a aulas com alguém educado;

            Às vezes nomes, as vezes feitos, contados muitas vezes de modo                   entisicado.                                    

                Não haveria nada a temer, se fosse importante,

                                                      A ausência de placa ou sinal que encante

    A história dessa minha gente, povoada de cidade, cujas muitas desilusões, falsidades e sonhos__ do mar do sofrer__ fazem impotente.

    Sentia-se insone, os sonhos se foram pelos ecos distantes das vozes urbanas; todas as rimas desse mundo ou do próximo - se é que existe um próximo - não poderiam trazer nenhum deles de volta.

    Passara os últimos vinte minutos sentado em um canto desgramado da praça olhando para aquele sinal ou placa, não tinha certeza qual. Ésta solenemente denominava ali (um lugar solar de verões antigos) praça Comendador Manuel de Melo Pimenta; um nome por qual nutria nenhum sentimento especial, embora tenha de fato uma vez pertencido a um ser humano cujo coração pulsante fazia-o vivo. Independente de quem fora, Manuel agora reside no meio dos esquecidos, assim como todos os nomes de outrora que uma vez pertenceram a corações pulsantes. Com essa reflexão o contemplador contemplou a possibilidade de pesquisar na internet do celular quem fora o comendador, apesar de não ter a menor ideia a respeito de qual função um comendador desempenha, ou sobre o que de fato é um comendador. Concluiu, no entanto, que sempre haveria tempo depois para investigar gente morta, mesmo não estando naquele momento fazendo algo particularmente interessante, ou necessário.

    Era uma quarta-feira. Lá pelas duas da tarde, a escola acabara fazia uma hora e meia. Devia estar em casa, longe daquele mundo de tédio e isolação, ou pelo menos a caminho de casa no ônibus (indo para algum lugar). Aquela praça parecia-lhe surreal, algo saído da imaginação de um louco qualquer em um manicômio; o verde das folhas era sujo, desprovido daquela clareza serena das florestas televisivas, ou daquela alegria opressiva dos desenhos infantis e dos apresentadores artificiais. Não era um tom melancólico acinzentado; mas sim, um verde-amarelado e visivelmente um tanto surrado pelos longos anos de cidade.

    Tendo a tarde livre, decidiu ficar por ali mesmo. Não tinha plena consciência do porquê, mas gostava de pensar, a fingir-se de romântico, que ficara para contemplar o pôr do sol. No fundo não via e nunca viu nada de especial sobre o entardecer. Era sim aquela praça, o atraindo e o puxando, por algum motivo escondido em meio ao barro seco no qual sentara-se. Uma inesperada pontada na barriga acordou-o de seu devaneio vívido, não ficaria lá até o pôr do sol.

    Estava cansado, o dia fora mais longo que o normal. Riu das piadas contadas pelos amigos durante os intervalos, esforçando-se para achar alguma graça. Assistiu às aulas e debateu com os professores quando pôde, fingindo interesse. Até mesmo disse bons dias entusiasmados para todos que cruzavam seu caminho, mesmo estando vazio e estagnado por baixo da casca de palhaço que o encobria.

    No dia letivo, não fizera nenhuma atividade maçante o suficiente para justificar seu cansaço; era chumbo, lento, apenas um fardo a todos à sua volta. Era um sentimento que, a seu ver, não nascia espontaneamente. Olhou de volta pelas obscuras janelas da memória, mas não conseguia identificar o gatilho responsável pela bala que se alojara fundo na sua carne.

    Havia também acabado de se cansar com a própria miséria. Se alguém conhecido o visse, julgaria-o louco. E tal julgamento, se provado verdade… Seria o fim, definido tão solenemente pela opinião alheia quanto a placa que define todas as extensões verdes, lamacentas e cimentadas da praça sem distinção.

    Decidiu ligar para a mãe. Pediu que o buscasse de carro na frente da banca porque não se sentia bem. Ela chegou meia hora depois, veio escutando os top quinze hits pop no rádio e refletindo a respeito da possível diarreia do filho, pois em sua mente o mal estar era sempre associado à dor de barriga. Desse ponto em diante, especulava consigo uma série de diagnósticos que a levavam, invariavelmente, às velhas caganeiras. Enquanto contemplava uma longa lista mental de laxantes - com um cigarro na boca - chamou-lhe o nome do meio da rua.

    Ele, com vergonha da atenção pública, foi às pressas antes que sua santa mãe realmente gritasse; não havia muita gente na rua, muito menos gente conhecida, mas era o suficiente. Jogou a mochila, cheia de livros didáticos e outras bijuterias, nos assentos de trás. Sem nenhum cuidado adicional, entrou batendo a cabeça no teto baixo do veiculo.

    Sua responsável deu-lhe um bom dia caloroso e levemente jocoso. Retrucou com o silêncio; não tinha paciência para ser educado ou gentil naquele momento, ainda mais com família. Principalmente com família. A vida não o fora com ele, por que deveria agir dessa forma com aquela que trouxera à existência, que o condenara às eternas angústias e frustrações inerentemente presentes no futuro de tudo que se faz debaixo do sol, que o condenara a uma escalada tortuosa até o topo de uma montanha só para fazê-lo novamente, que o condenara à insignificante banalidade do cotidiano?

    Bem, a vida era assim, pensava ele com um certo desgosto recorrente.

    As rodas do carro começaram a girar, quebrando a inércia inicial e acelerando dentro da névoa invisível de calor que mesclava-se com o ar débil da grande cidade.

    Mudou a rádio e aumentou o volume da música, para não ter de ouvir perguntas inconvenientes. Está sentindo muita dor? Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa na escola? Está bravo comigo? Cê sabe que eu te amo, não? … aos seus olhos de mosca, era tudo barulho, sons aleatórios, cujo significado inspira propagandas de seguro de vida. Além do carro, além da rua, além do transito insuportável, além das casas, além dos postes elétricos e telefônicos, além das torre de sinal, além dos prédios, além dos rios, além das serras, além de sua vida; o que mais há?.

    Os minutos arrastavam-se e ele apenas mirava a cidade com intensidade; grafites nas paredes, cheiro de diesel, barulho. Tanto barulho. Perguntava-se como sonhos podiam existir sem serem sufocados ou implantados pelas incessantes ondas de propaganda, que lhe gritavam aos ouvidos e a todos os outros sentidos o que comprar e o que pensar.

     Sua mente borbulhava junto com o mar caótico de corpos apressados em movimento. O mundo corria. Corria em volta de si mesmo.

    Conforme a correria, veio a raiva, e a raiva crescia e crescia. Comerciais no rádio, alto-falantes nas ruas, cartazes espalhados em todo canto. “Ganhe a viagem de seus sonhos, o carro de seus sonhos, a casa de seus sonhos, o emprego de seus sonhos, a mulher de seus sonhos, o corpo de seus sonhos”.

     O ódio queimava-lhe os intestinos, uma profunda sensação de repulsa e nojo mais puro engolfava seu coração apodrecido pelos anos de viver só por pão, viver somente por viver.

    O que o destino reservava para ele? O futuro era uma incógnita, variáveis indecifráveis que contribuam para um resultado imprevisível. E mesmo se ele de fato tivesse um plano, se ele ainda possuísse ambições e sonhos, importa? Ele morreria e todo seu legado, que desperdiçara seu tempo terreno para construir, afundaria nas areias, existente apenas em palavras arcaicas nas paredes. Deserto viraria floresta, floresta viraria mar, mar viraria cidade, cidade viraria deserto. E tudo que uma vez foi sofrimento vívido esvaeceria, assim como já esvaeceu e esvaece, nas mentes novas dos povos. Seu corpo seria devorado por vermes, lacraias, baratas e não podia impedi-lo de forma alguma. Talvez se fizesse uma cremação? Não ia mudar nada. Seu corpo seria vaporizado pelas chamas: reduzidas a cinza, suas memórias e momentos mais íntimos seriam apenas tosse nos pulmões do coveiros.

    Sua vida fora real? Não só fundamentada pela aparência, pelo ideal, pela expectativa. Fora errado de sua parte acreditar que havia algo mais?

    O mundo o enojava. Todos aqueles que insistiam na tese de dois e dois são cinco o enojavam. A profecia mental de sua mãe realizara-se: sentia dor de barriga. Tanta que seu corpo contraiu-se; algum ser maior colocara o pé sobre suas costas, forçando-o a se ajoelhar perante o que lhe fora imposto. Sua mãe dizia-lhe algo, preocupada com seu bem estar. Mas ele ouvia apenas murmúrios abafados, quase longínquos.

    Abriu suas pálpebras úmidas e trêmulas, direcionando seu olhar perdido para o horizonte finito, limitado pelos muitos arranha-céus distantes e próximos, fazentes de sombra no rio que não é rio. Um fogo corpulento apossava-se de um prédio na margem oposta do Tietê. A fumaça negra ventando para fora do edifício formava uma nuvem carbonífera a desafiar o céu azul do fundo. O breu surgido do fogo também consumia. Consumia de um canto ao outro toda luz, manchando o paraíso.

    Um pôr do sol fora de hora veio e as trevas alastraram-se sobre o asfalto da marginal. A dor continuava, mas em tom diferente: insetos rastejavam por debaixo da sua pele, moscas perfuravam seus tímpanos para escapar pelas orelhas, lacraias eram choradas como lágrimas e os ratos, um por um, eram vomitados. Acabava por sentir o gosto das baratas que eram esmagadas entre seus dentes, besouros faziam buracos para sair de seus ossos e vermes festejavam sobre seus músculos, dançando a música de seus gritos.

    O trânsito se moveu. Ele convulsionava. Algumas palavras tentaram escapar pela sua boca, mas sem nenhum resultado similar ao sucesso. A mãe, mais uma vez, parara  o carro no meio da estrada, chacoalhava o filho imerso em seus pesadelos, gritando ao seu ouvido choros desesperados, enquanto ao mesmo tempo procurava em sua bolsa desarrumada (um verdadeiro amontoado de papéis de bala e recibos) pelo celular para ligar para o samu.

    Os motoristas apertavam violentamente suas buzinas e xingavam o carro inconvenientemente bloqueando o caminho para a salvação de suas casas. Um deles, um homem mais velho, obeso, na faixa dos cinquenta, saiu do carro as pressas, vermelho de raiva e estresse. Foi correndo na marginal, passando por vários outros em suas carruagens metálicas, um tanto surpresos com o que se passava diante de seus olhos cansados, indo em direção ao veículo causador de tanta agonia.

Ao ouvir gritos estridentes ecoando carro a fora, e ao ver a espuma branca saindo da boca de um dos passageiros, imediatamente digitou, com os dedos grandes demais para as teclas, o número da ambulância.

 


Notas Finais


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