— Você chifrou o seu namorado comigo?
Já era noite. Liliane estava dormindo. Todos os outros haviam ido embora assim que ela chegara do trabalho, não deixando espaço para Leandro confrontar a irmã em seu quarto, enquanto ela lia Saramago.
— Eu já disse que Charles não é o meu namorado.
— E o Charles sabe disso?
— O que você quer dizer?
— Ele ficou com ciúmes quando me viu aqui. Pensou que era um encontro duplo. Depois ficou com ciúmes quando você disse que transar uma única vez com o garçom o garçom da pousada foi melhor do que transar com ele.
— Eu não disse que foi o melhor. Disse que eu não esqueci. Se a pergunta fosse "qual o melhor sexo?" eu teria de mentir.
— Por que mentir?
— Porque sim. Agora que já resolvemos você pode voltar para a sua cama.
— Vocês dois podem parar de falar alto? - Liliane estava na porta.
— Oi, mãe. Eu ouvi um barulho. Vim ver se Esmeralda tava bem.
O único barulho que eu ouvi foi o de vocês falando e eu preciso dormir. Já pra cama. Os dois.
Leo dera as costas para a irmã e voltara, escoltado por Liliane, para o próprio quarto. Queria conversar com Mário. O único menino que ele fizera amizade até agora. Contudo só iria comprar um celular no sábado. Teria de esperar até chegar na escola para ter com quem falar.
— Temos de ensaiar. - Isa falava com os amigos. A apresentação já é na quinta. Temos menos de uma semana.
— Vão lá pra casa hoje de novo. Eu já tenho o meu figurino. Falta o do Leo.
— Eu me vesti de cigano no verão passado. Posso emprestar a roupa pra ele.
— Reunião hoje, então?
— Fechado.
Antes que pudessem entrar na sala, Valentina chegou abraçando o Leandro.
— Já tem planos pra amanhã?
— Comprar um celular com a minha mãe. Caso contrário terei de aprender a mandar sinal de fumaça.
— Quanto tempo leva para escolher um Samsung? Quero saber se você vai sair amanhã de noite.
— Acho que não.
— Agora vai. Minha amiga vai dar uma festa de aniversário na piscina da casa dela. Você é o meu convidado.
— Obrigado, mas não sei se posso ir.
— Precisa da permissão da mamãe?
— Eu cheguei há três dias. Não vou ser o filho rebelde.
Valentina pegou uma caneta na bolsa e escreveu um número de telefone no braço dele.
— Esse é o primeiro número que você vai salvar. Me avisa se puder ir. Preciso de alguém para me ajudar a escolher um biquíni.
Valentina entrara na sala recebendo um raio na nuca lançado pelos olhos de Esmeralda.
— Espero que você não esteja considerando ir.
— Por quê? Tenho de ficar apenas com os seus amigos?
— Já falei que eu não gosto da Valentina.
— Em qual parte da conversa você recebeu um convite? Só eu preciso ir.
Enquanto Leandro entrava na sala, Isa cochichou "eu perdi alguma coisa de ontem pra hoje?".
— Não. Só alguém de áries tendo ataque de nervos antes do meio dia. Nada de novo em New York.
Mário estava separando a música que os irmãos iriam dançar no seminário, enquanto Esmeralda vestia a saia de cigana no quarto. Era só o que precisava para o ensaio. Isa afastava os móveis da sala e Leo lavava a louça do almoço.
Quando estava tudo pronto, Esmeralda lhe entregara o sitar que pegara emprestado com o ex professor de dança.
— Antes que se preocupe, você não vai precisar aprender a tocar até quinta. É apenas para encenar.
Ensaiaram a dança, enquanto Isa e Mário liam a parte teórica do seminário. O tema era cultura e cada grupo da turma poderia escolher uma. Os quatro haviam escolhido as variações do ciganismo e estavam pensando em qual deveriam se apropriar mais.
O sol caíra lá fora. A lua estava crescendo no céu. Liliane chegara surpresa por encontrá-los em casa em plena sexta à noite. "Ainda mais, estudando".
— Nossas condições financeiras não nos permitem sair.
— Nem pra tomar um sorvete no fim da rua? Acho que isso eu ainda posso pagar pra vocês. Mas, primeiro, arrumem a minha sala. Vou dormir na casa da sua tia, Bianca. Ela adoeceu.
Após colocarem todos os móveis no lugar e esperarem Esmeralda vestir um short, goram a uma sorveteria na esquina do prédio. Havia, apenas, uma mulher com duas crianças. Serviram-se e sentaram na mesa que ficava na calçada. Após postar um Snap, começaram a comer.
— Outro Snapchat? - Pergunta Leo. Seu namorado vai bater aqui de novo.
— Ele não é o meu namorado.
— Porque você não quer.
— Finalmente alguém me entende. - Disse Isa. Todos os dias eu digo que o Charles é apaixonado por ela. Até o Leo, que só o viu uma vez, também notou. Você o beija há seis meses e não notou isso ainda.
— Seis meses e você ainda diz que não é namoro?
— Não combinamos exclusividade.
— Como se você ficasse com alguém além dele, né, amiga. Por favor. Só você acha que não estão namorando.
— Eu nunca o vi lá na escola. - Disse Leandro.
— Ele está no segundo período de Administração.
— O cara não administra nem a vida amorosa, quanto mais uma empresa.
— Cala a boca.
O sorvete acabara, mas permaneceram sentados, enquanto Esmeralda insistia em mudar de assunto. Seu telefone tocara. Falando no diabo, ele mostrara o rabo.
— Oi, Charles.
— Oi, amor. Tudo bem?
— Sim. E você?
— Também. Ia te chamar pra dormir aqui. Minha mãe tá na minha avó.
— Uma hora dessas? O que eu vou dizer pra mainha?
— Que está na Isa.
— Mas ela está aqui.
— Em algum momento ela vai embora. Você vai com ela.
— O.k. Te aviso quando tiver saindo. - Desligou. Amiga eu vou "dormir na sua casa". - Ela realmente fizera as aspas com os dedos.
— Vai ver o namorado?
— Vai pro inferno, Isa.
— Mário, me empresta o seu celular? - Pediu Leo que, ao pegar o aparelho, digitara o número já quase invisível no seu braço.
Esperou alguns segundos.
— Valentina?
"Eu não acredito nisso", disse Esmeralda para Isa.
— Oi.
— Tá ocupada?
— Claro. É sexta à noite.
— Quais as chances de você largar o que está fazendo?
— Qual a proposta?
— Minha mãe tá na minha tia. Quer vir pra cá?
— E a sua irmã?
— Casa do namorado.
— Achei que você não quisesse ser o filho rebelde.
— Vem? Te faço brigadeiro.
— Chego em meia hora. De quem é esse número?
— Mário.
— Que Mário?
— Não vou fazer a piada do armário em respeito a namorada dele aqui presente.
— Vai à merda.
Desligou.
— Você realmente vai trazer a Valentina aqui pra casa?
— Qual o problema? Quer que eu passe a noite sozinho?
— Isa pra casa do Mário.
— Mas eu vou dormir na casa da Isa. Sem aspas. Namoramos há dois anos. A mãe dela não liga mais.
Esmeralda e Isa pediram um Uber, enquanto Leo voltava pra casa.
— Se lembre de despachar a Valentina antes do meio dia. Você vai sair com mainha.
— Você não vai?
— Já tenho um celular.
Três casais. Uma noite. Qual dos seis iria acordar sorrindo mais na manhã seguinte?
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