Me encolho com o friosinho matinal que bate contra meu corpo me gelando , sinto ele doer e meus ossos trincarem quando me mexo. Extremo desconforto.
Meus olhos se abrem em pequenas frestas , e aos poucos vão se abrindo completamente junto de um bocejo. Os fracos raios solares batem nos degraus da varanda , por pouco não encontram minhas pernas. A manhã preguiçosa não tardou a chegar , as árvores que balançavam barulhentas ontem a noite se encontram tranquilas até então.
- Bom dia - alguém fala baixinho , numa voz calma e gostosa de se ouvir ao acordar.
Me espreguiço e forço a me levantar , passando a mão no cabelo desgrenhado e embaraçado . Bocejo outra vez e olho para o lado , vendo Izzy com uma cara de sono , os cabelos castanhos bagunçados e uma xícara transparente em mãos , o líquido pretinho exala seu cheirinho de café preto e fresco.
- Não acredito que dormi aqui fora. - solto um riso abafado e tomo a xícara das mãos de Izzy.
- Nós dormimos . Perdemos a noção do tempo e já era tarde da noite.
Dou um gole no café e sinto o amarguinho do líquido. Geralmente eu prefiro café docinho , mas mais vale um café amargo do que nenhum café.
- Eu devo estar deplorável. - murmuro passando a mão pelo rosto.
- Que nada , está linda. - Izzy se levanta e estende a mão para mim.
Seguro sua mão e me levanto. Limpo minha roupa e estalo os dedos. Izzy segue para dentro da casa e eu fico alguns segundos ali pensando coisas aleatórias , tipo : O que eu tenho para fazer do meu dia?
Deixo um leve suspiro escapar e caminho até a porta da casa , a empurrando de leve . Atravesso a soleira e meus olhos cruzam o desastre que restou da noite anterior e quase que instantaneamente vão parar no loiro alto que conheci ontem , por sinal ainda não sei seu nome. Ele está sentado ao pé da escada , tentando enfaixar a mão com um pano e obtendo sucesso algum.
- Hey , não é assim que se faz. - Vou até ele e me sento ao seu lado , mesmo com receio de incomodar eu seguro sua mão a repousando em meu colo com cuidado.
- É enfermeira? - ele pergunta sorrindo de lado.
- Não , porém vivi em um lugar cercado por varias delas. Acredite , sei bem como fazer isso. - observo o corte em seu braço. - Emfim , aqui tem caixinha de primeiros socorros?
- É só um corte , não precisa de tanta frescura.
O loiro rebelde tenta puxar sua mão de mim , mas eu a agarro com força fitando o mar de seus olhos profundos.
- Olha o tamanho desse corte , é gigantesco! Se não cuidar pode virar uma infecção! - o olho seriamente.
Mas a única coisa que ele faz é rir , rir da minha preocupação com seu corte , rir da minha cara. Uma risada infantil da parte dele.
- E você olha o drama que está fazendo! por um machucado em uma pessoa que você nem conhece. Não ligue para um simples corte moça. - fala entre os gracejos.
- Garanhão , já ouviu falar em tétano?
- Por que "garanhão" ? - pergunta malicioso.
- Fale logo onde está a caixinha!
Ele me fita por alguns instantes e volta a rir.
- A caixinha do meu coração? Ela está aqui sente . - ele segura minha mão com a outra livre do corte e a coloca em seu peito.
Rapidamente retiro minha mão do mesmo e levanto desconcertada.
- Hey Izzy , sabe aonde está a caixinha de primeiros socorros? - o loiro grita , e ao longe ouço a voz de Izzy responder " Está no armário da cozinha. "
Dou as costas ao loiro e sigo até a cozinha , meus olhos buscam pelo armário enquanto passam pela pia cheia de garrafas vazias , copos sujos, tudo sujo. Vejo o armário de madeira da minha altura , todo aberto e vazio de comida , exceto pelos biscoitos e pacotes de cigarros . Aperto os lábios e agarro uma caixinha branca no fundo do armário.
De volta a sala , outra vez me sento ao lado do loiro e novamente repouso sua mão cortada sobre meu colo. Começo a desinfectar o corte com álcool e os pelinhos do braço dele se arrepiam por conta da ardência.
- Dói ? - pergunto , logo depois fazendo pressão com o algodão.
- Nem um pouco.
Sorrio e seguro uma pomada ; " Para desinfeccionar " diz o rótulo. Espremo um pouco no dedo e passo sobre o ferimento. Depois calmamente colo um band-aid.
- É assim que se faz , pessoa que não sei o nome. - guardo as coisas na caixinha e me coloco de pé.
- Michael , mas todos me chamam de Duff. - ele se levanta também - Obrigada pela ajuda.
- Não há de que Duff. - respondo e sigo outra vez para a cozinha.
POV. DUFF
Ester... Seus olhos quase que me hipinotizaram , não sei o que há de errado com eles ou o que há de certo mas eles parecem ter um poder inigualável. Mulher alguma que eu joguei em minha cama tem os olhos mais perfeitos do que essa garota , nenhuma. Seu olhar de menina inocente me excita , sua delicadesa faz qualquer homem se curvar ao seus pés.
Se eu não me conhecesse bem eu diria que essa garota acaba de me dominar .Mas não.
POV. ESTER
(...)
A casa está limpa , exceto é claro pelos quartos lá de cima. Não me atrevo a entrar em nenhum deles e encontrar seja lá o que for . Eu limpei o chão sujo , incluindo o vomito do tal Duff. Na cozinha eu lavei toda a louça , espremi algumas laranjas em uma jarra de vidro e fiz um suco fresco.
- Caralho , isso não é mais recinto para machos! Vou pegar minhas malas e sumir! - Axl fala da porta da cozinha , a fumaça de seu cigarro impregnando a casa.
- Tava tudo tão bagunçado que eu resolvi dar uma arrumadinha. - me escoro na pia , agora limpa.
- Até que para uma louca você serve para alguma coisa. - ele ri
Me encho de raiva e atiro um guardanapo sujo em seu rosto. Deixo a cozinha e caminho até a porta da casa , saindo por ela.
Louca é o passado desse ruivo . Odeio quando alguém me rotula como louca , eu não sou e sei bem disso.
Caminho pelas calçadas estreitas da rua calma. O vento sopra nas copas das avores com seus troncos sinuosos e grossos , bagunçando todo meu cabelo.
Paro em frente a floricultura que ontem eu avistei da janela , observo enquanto uma mulher enfiada dentro de um macacão largo monta em uma bicicleta velha e sai com dois vasos de rosas para entrega. Avanço para a porta que diz " Bem vindo" , e a placa ainda está ali.
Adentro a floricultira e logo um perfume suave das flores impregnam minhas narinas. Meus olhos brilham ao baterem nas tulipas , minhas flores preferidas. O local todo arejado e magnífico , é preenchido pela voz de um senhor de meia idade que pergunta:
- O que deseja senhorita?
- Eu vim pela vaga de emprego. - digo sem tirar os olhos das flores , permitindo tocar e sentir as petalas macias dos lírios.
- A vaga é para atender os clientes , já que eu com essa dor nas costas não consigo ficar aqui o tempo todo. - olho para ele só agora notando ele se apoiar em uma bengala.
- Tudo bem. Eu amo flores e esse me parece o trabalho perfeito. - sorrio
- A vaga é sua então senhorita. Pode começar amanhã , são apenas 2 dias na semana.
Uau mais fácil do que eu pensava , agora vou poder ajudar Izzy e ele não vai precisar me sustentar.
- Obrigada senhor. - aperto sua mão sorrindo e dou a volta saindo daquele lugar perfumado.
(...)
Assim que subo os dois degraus da varanda e piso na soleira da porta , ouço Johnny Rotten berrando sobre a anarquia no Reino Unido em uma música do Sex Pistols , logo a música é trocada por uma lenta e nem um pouco barulhenta do Elton John.
Passo pela porta e a encosto atrás de mim , meus olhos vão em direção a Steven que parece mais calmo hoje , não há nenhum estresse visível em seu rosto. Ele faz trocas de beijos e carícias com sua namorada , que se me recordo bem se chama Adriana.
Eles sorriem e Steven parece estar bem apaixonado pela amada , só que ela não demonstra de forma alguma estar apaixonada por ele , essa é minha concepção.
Paro de observa-los , que nem me notam, e vou até a escada . Subos os oito degraus um em um e os contando como quando era criança. Assim que piso no corredor um gemido suave e delicioso de guitarra preenche meus ouvidos , meus passos seguem o som desfrutando da magicalidade que ele oferece aos meus tímpanos.
O som me leva a um quarto no fim do corredor , uma porta estreita e velha de madeira se encontra entre-aberta e um cheiro de baseado exala no local fazendo coçar meu nariz. Empurro de leve a porta e meus olhos seguem na direção de meu primo , Izzy , com uma guitarra rítmica em mãos fazendo dela sair esse som perfeito.
- Ester , bem vinda ao meu mundinho.- ele fala sem tirar os olhos da guitarra.
Coço a cabeça envergonhada , pois não achei que ele fosse perceber minha presença aqui , droga devo estar o atrapalhando.
- Desculpa o incomodo... É que os acordes... me facinaram. - aperto os lábios lembrando da última vez em que vi alguém tocar um instrumento assim ao vivo.
Difícil lembrar de um passado tão pequeno e de poucas lembranças , difícil principalmente lembrar desse momento... Do meu pai segurando um violão preto , que com muito custo comprou , ele tentava cantar uma música do Led Zeppelin e sua voz rouca caia perfeitamente na música que agora me falha o nome.
- Incomodo nenhum , e fico feliz que gostou dos acordes - ele solta um risinho e apaga o baseado num cinzeiro.
- Você gosta da guitarra? É sua paixão? - pergunto , imaginando se ele quer isso para a vida dele , se é o que ele quer realmente seguir.
Gosto de saber os desejos e sonhos da vida de uma pessoa , já que a minha não é nada interessante e nem sonhos eu possuo.
- Ela é minha maior paixão. Eu faço amor com a guitarra para você ter noção.- fala rindo.
- Desde quando começou a se interessar pela música ?
- Eu sempre fui influenciado por música - ele dá um gole em uma garrafa de vodka - Alice Cooper , The Rolling Stones , Led Zeppelin e uma banda que minha avó tinha. Ganhei uma bateria e eu a tocava , mas depois de um tempo eu conheci a guitarra e me apaixonei.
- Deve ser maravilhoso isso de ser apaixonada por algo... - balanço a cabeça imaginando.
- Você não é apaixonada por nada?
- Não sei , talvez o frio. - gracejo
- Frio é bom , eu também gosto. Muito melhor que o calor e o suor.
POV. IZZY
(...)
Já era noite e eu tentava encontrar algumas constelações no céu estrelado , quando um grito me assustou e fez com que eu me apressasse a sair da janela. Um grito de Ester.
Corro para fora do quarto , quase escorregando no piso liso e encerado. Paro em frente a porta do quarto onde ela está e olho para o lado quando a porta do quarto de Duff se abre e ele passa pela mesma , com os olhos vermelhos vestindo apenas uma cueca branca.
- O que ela tem? - ele pergunta
- Isso que eu quero saber. - forço o trinco e o mesmo se encontra aberto , abro a porta e meus olhos miram Ester encolhida no canto do quarto , com a cabeça entre as mãos , enquanto murmura " Ele vai me pegar , ele quer me tocar , ele quer "
- Eu... Deus , essa maconha do Axl é muito alucinógena. - Duff fala e corre para seu quarto , se trancando no mesmo.
Reviro os olhos para Duff e volto a atenção para Ester , a janela do quarto está fechada e as cortinas separadas. O quarto está iluminado apenas pela luz da lua que adentra a janela , a mesma lua que a pouco eu admirava.
Rapidamente me lembro que isso pode ser uma crise dela , como a enfermeira disse ela podeia ter e agora está tendo uma.
Com muita pena na alma eu vou até a gaveta da cômoda e seguro em mãos a anestesia. Pego o frasco do remédio e perfuro a agulha nele extraindo o líquido.
Forço meus pés e me aproximo de Ester.
- Ele está vindo. - ela murmura , dói no coração como tudo isso parece ser real para ela.
Retirando forças e coragem eu injeto a anestesia no braço esquerdo dela. Rapidamente ela para de falar e seus olhos se tornam vazios. Aos poucos seu corpo vai relaxando e ela cai na inconsciência.
Levanto com ela em meus braços , como uma pluma eu a deito na cama. Sua mão agarra a minha , antes que eu tenha tempo de puxar o cobertor sobre ela. Então metendo o foda - se eu deito de uma vez ao lado dela , a abraçando pela cintura.
- Tudo vai se acalmar. - murmuro.
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