Eu não esperava vê-la ali. Eu me esforcei cada milésimo de segundo que estive em campo para impressiona-la. Dediquei todos os meus gols, mesmo que secretamente, a ela. E no final, tudo o que queria era poder abraça-la. Sempre me achei um tolo, era só ela aparecer que eu me derretia um pouco por dentro. Mas ela foi embora, foi embora com outro homem. E de repente o rancor que estava adormecido em mim, vinha à tona.
Queria poder fugir, me dispersar no meio dos meus companheiros de equipe e não ter que falar com Oliver e Neele. Porém, eles pareciam tão felizes por estar ali, que não consegui dar as costas, apenas esperei que eles se aproximassem.
— Erik! — Neele gritou e me abraçou — Nossa, quanto tempo que não te vejo.
— Foram só alguns meses, Neele. — Dei um beijo em sua bochecha — Confesso que é uma surpresa te ver aqui, quando Seu Klaus me ligou pedindo quatro ingressos, pensei que fosse para ele, Dona Martina, Oliver e Peter.
— Estamos namorando! — Ela falou animada, entrelaçando os dedos com os de Oliver.
— Uau, isso sim que é uma novidade. — Comentei, sorrindo — Como vai, Oliver? — Estendi a mão para que ele pudesse apertar.
— Tudo bem, Erik. Desculpe pela Liv, o voo dela sai daqui a pouco e ela teve que correr para o aeroporto. — Ele falou, sem graça.
— Tudo bem. — Dei de ombros e fingi que não me importava nem um pouco com o fato dela ter ido embora sem ter falado comigo.
Tampouco me importava dela estar acompanhada de um homem que eu não tinha a mínima ideia de quem era. Mas naquele momento uma coisa estava clara como água para mim: ela estava seguindo em frente. Na verdade, desde Pirmasens ela decidira seguir em frente. Apenas eu remoía aqueles sentimentos confusos dentro de mim.
— O que vocês acharam do jogo? — Perguntei após alguns segundos de silêncio constrangedor.
— Você arrebentou, hein? — Oliver disse e bateu no meu ombro.
— Estava inspirado. — Comentei e sorri.
— Eu sei como se chama essa sua inspiração... — Neele comentou como não queria nada, mas aquilo me afetou profundamente.
Livia tinha sido a minha inspiração a vida toda, afinal, ela estivera do meu lado desde o início. Mas naquele momento, não mais. Obviamente que o fato dela estar presente me assistindo, me afetou. Me fez sentir raiva e, ao mesmo tempo, uma felicidade sem tamanho. Descontei tudo isso no jogo. Nos meus dois gols. Mas não gostava de lembrar do efeito que ela sempre tivera sobre mim.
— Me desculpa, Erik. — Minha amiga colocou a mão no meu ombro — Às vezes me esqueço completamente que vocês estão sem se falar. — Ela fez uma careta triste.
— Sabe... — Oliver começou — Eu ainda espero que algum dia, alguém me explique por qual razão vocês dois pararam de se falar.
— Hm... Foi decisão dela. — Comecei a falar — Gostaria de entender as razões dela, mas não ficaram muito claras para mim e, como sempre, eu respeito tudo o que ela decide.
— Sempre achei você um frouxo perto da minha irmã, Erik. — Eu o olhei confuso — Qual é, cara, você não pode deixar a Liv determinar o futuro da amizade de vocês assim. Ela te pediu para você se afastar, ok. Mas por quanto tempo? Vocês são amigos uma vida toda, não pode deixar uma amizade dessa escorrer pelo ralo. — Falou como se estivesse indignado com toda a situação.
— E tem mais, Erik. — Neele continuou — Ela estava aqui. Ela veio te ver jogar, no seu primeiro jogo pela seleção. Você não acha que ela se importa, nem que seja um pouquinho que seja, com você?
— Eu não estou vendo ela aqui, agora. — Comentei, simplesmente.
— Ai, como você é cabeça dura! — Ela rolou os olhos e suspirou emburrada.
— A gente pode conversar sobre isso depois? — Perguntei, suplicando com o meu olhar para que ela entendesse que eu não estava afim de discutir sobre isso, naquele momento — Vocês vão embora quando? Eu vou ficar aqui até o dia cinco, vocês poderiam aparecer lá no hotel.
— Vamos embora amanhã de manhã. Infelizmente, esse nosso encontro vai ter que ficar para próxima. — Oliver disse.
— É uma pena. Queria poder matar a saudade que estou de casa, passando mais tempo com vocês. — Disse, sincero — Quanto ao assunto que eu não quero comentar no momento... — Continuei a falar e a tirar a camisa utilizada no jogo — Eu poderia guardar para entrega-la depois, mas não sei quando vamos nos ver ou quando vamos nos falar novamente. Então, quem a encontrar primeiro, entrega. — Entreguei a camisa nas mãos de Neele, que sorriu entendendo o recado.
— Um frouxo. — Oliver disse e riu alto.
Não pude me conter e ri também. Era um frouxo mesmo quando se tratava de Livia Moritz. E temo até hoje que isso não mude nunca.
— Boa viagem de volta para casa. — Falei e dei as costas aos meus dois amigos, indo em direção ao vestiário.
x
Jogamos mais dois amistosos, um que ganhamos de cinco a zero contra a Macedônia e outro que perdemos de um a zero para a Turquia.
Já estava de volta a Mogúncia, Francis chegaria naquele final de semana, tinha o chamado para passar uns dias ali comigo, já que não tínhamos nos visto desde o ano passado e ele tinha terminado o namoro com Valerie fazia uns dois meses.
Estávamos comendo batata chips enquanto jogávamos conversa fora no sofá da casa, contava para Dogan como tinha sido os jogos e como Livia havia me surpreendido aparecendo no primeiro jogo.
— Quando você vai pegar um avião até Paris e se declarar para ela? — Dogan perguntou inocentemente, enquanto colocava um punhado de batata na boca.
— Primeiro, ela pediu distância. Segundo, não estou apaixonado. — Disse como se aquela fosse a maior convicção da minha vida.
— Você jura? — Ele perguntou, irônico — Não vi você com nenhuma garota desde que você voltou da sua cidade, e isso já faz uns seis longos meses. Enquanto ela...
— Nem me fale! — Disse emburrado — Não tenho culpa se nenhuma dessas garotas é a Liv.
— Depois diz que não está apaixonado.
— Julian está chegando daqui a pouco, eu não tenho jogo amanhã. Vamos sair nós três hoje, quem trouxer alguém para casa está isento de pagar as contas por essa semana, fechado?
— Às vezes me pergunto se não é você que tem dezesseis anos nessa casa.
— Meu amigo, se tem uma idade para se fazer esse tipo de coisa, é agora. Eu sei que você é novinho, mas vamos lá, não é como se você ainda fosse virgem.
Ele apenas deu de ombros.
— Se prepara, porque ninguém resiste a essa carinha de novinho aqui.
Eu ri alto, enquanto liberava a entrada de Julian, que havia tocado a campainha no mesmo instante.
Quando meu amigo adentrou o apartamento, pulei para abraça-lo. Tinha sentido falta dele, na última vez que estivemos juntos eu estava um caco de lixo humano. Mais no fundo do poço, impossível. E agora era ele que parecia estar precisando de uma ajuda, de um ombro amigo. Depois de instalar ele no quarto de hóspedes, nos dirigimos a sala e continuamos nosso ritual de fazer vários nadas na tarde da sexta-feira.
— Então.... Me conta direito o que aconteceu entre você e a Val. — Puxei o assunto que eu sabia que ele estava evitando a todo custo.
— Ah, cara.... Não foi nada demais. Não foi uma traição, nem nada disso. Um dia ela me chamou para conversar e disse que não estava mais dando certo, que tinha deixado de ser amor para ser só amizade, que ela esperava que eu compreendesse e que éramos muito novos para estarmos amarrados um ao outro dessa forma.
— Em resumo, ela disse que queria curtir a vida, só que sem você. — Dogan falou e recebeu uma encarada de Jules.
— Basicamente isso.
— E como você está? — Perguntei, preocupado. Qual é o problema dessas mulheres? Por que elas insistem em afastar caras legais como Jules? Ou como eu? Eu me perguntava naquele momento, ainda não sabendo que temos que ter paciência, que a coisa certa tem a hora exata de acontecer.
— Eu estou lidando bem com a separação. Mas confesso que senti falta de um ombro amigo no momento. Ainda tentei conversar com ela, até finalmente entender que se um não quer, não existe esse lance de relacionamento, então o que me restou foi superar. — Ele completou.
— O Erik deu uma ideia que combina muito com esse lance de superar... — Dogan se intrometeu — Nós vamos sair hoje e quem trouxer alguém para casa está isento de pagar as contas pelas semanas que você estiver aqui.
— Ei, eu falei só essa semana. — Protestei.
— E eu estou aumentando o prazo.
— Folgado. — Joguei uma almofada nele.
— Sério isso? — Jules perguntou, enquanto me encarava — Claramente estou em desvantagem. Acabei de sair de um relacionamento duradouro.
— O Erik não pega ninguém desde a Liv. Então.... Estamos quase que no mesmo barco. — Dogan sorriu.
— Dogan, você é ridículo. — Bufei, irritado, mas não aguentei e comecei a rir. Eu era mesmo um otário.
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O som estava estridente dentro daquele ambiente, várias luzes coloridas dançavam por nossos rostos e as pessoas pulavam animadas na pista de dança.
— Acho que eu vou buscar alguma coisa para beber. — Jules falou e saiu em direção ao bar, dei de ombros e segui ele, tendo a completa noção de que Dogan estava atrás de mim.
Eu não era fã daquele tipo de ambiente, eu preferia mil vezes beber em casa ou em um barzinho mais quieto, balada não fazia muito o meu estilo. Mas eu tinha que aproveitar que ainda estava novo, que a responsabilidade ainda não tinha se apossado completamente nos meus ombros. Eu era um garoto, apenas um garoto de dezenove anos querendo aproveitar a vida.
Enquanto eu dava um gole na long neck que o bartender tinha colocado na minha frente, eu dava uma reparada no local, estava bastante cheio, mas meus olhos bateram logo em uma ruiva que dançava sensual na pista. Eu tinha certeza que a conhecia de algum lugar, porém não me recordava de onde.
O rosto dela virou-se em minha direção e eu lembro do sorriso sacana que ela deu, eu não pude fazer nada, apenas sorrir de volta.
Ela caminhou na minha direção, gostei logo de cara, vi que era uma garota de atitude.
— Olá, Erik. Quanto tempo que eu não te vejo por aí. Depois que acabou a escola você sumiu. — Ela disse, apoiando os dois braços ao redor do meu pescoço.
Então, eu lembrei. Era Kathy, a ruiva que Livia tinha implicado na formatura. Ela era da minha sala e nunca perdia a oportunidade de tentar alguma coisa comigo, parece que hoje era o dia de sorte dela, já que eu estava disposto a ceder.
— Oi, Kathy. Ando muito ocupado treinando, por isso que você não me viu mais por aí. — Falei enquanto dava outro gole na cerveja.
Observei meus amigos se distanciarem um pouco de nós dois, conversando entre si, provavelmente comentando que eu estava mais perto de ganhar a aposta.
— Andei assistindo alguns jogos seus e fiquei impressionada com a sua evolução. Eu ficava me perguntando como seria ficar com um jogador de futebol, sabe? E me martirizava porque você nunca me deu uma chance no nosso último ano. — Ela disse, passando a mão pelo meu rosto.
Provavelmente, essa foi a primeira cantada de maria-chuteira que levei na vida.
Observei todo o seu corpo apertado em um vestido colado preto e curto. Um pedaço de mal caminho.
— Então, acho que hoje é seu dia sorte. — Sorri de lado e vi o sorriso dela se alargar.
Não fiz nada, ela avançou sobre mim e começamos a nos beijar com fervor. Fiquei um pouco desconcertado no início, não esperava que ela fosse me atacar daquela maneira, mas fui me adaptando ao ritmo dela. Minhas mãos começaram a passear por todo o seu corpo e terminaram na sua bunda, local onde eu dei um apertão. Ela pareceu não se importar. As unhas dela já passeavam por dentro da minha camisa, causando pequenos arranhões por onde passava.
— Sabe... — Ela começou a sussurrar no meu ouvido — Na formatura, eu quis bater naquela sua amiguinha... — Eu franzi o cenho, não entendia o porquê de ela comentar aquilo, logo naquela hora — Eu senti inveja dela.
— E por que isso? — Eu perguntei, curioso, enquanto ela depositava beijos molhados no meu pescoço.
— Por que ela teve o que eu mais queria naquela noite. Você.
— Agora eu estou aqui e não vejo nenhum sinal da Livia. — Eu falei, enquanto a puxava para um canto qualquer daquele lugar — Hoje você pode me ter. — E voltei a beija-la.
Eu estava precisando daquilo. Meu ego gritava por aquilo e eu não fazia ideia. Depois de ter me sentido rejeitado e afastado, quase que obrigatoriamente, da garota que eu queria, existia outra – talvez outras - que me desejava da mesma forma.
Eu era sim um garoto. Um garoto que tinha feito uma aposta estúpida. Um garoto que aproveitou aquela noite e levou Kathy para casa. Sem imaginar a dor de cabeça que ela causaria depois.
x
O celular tocava dentro da calça jeans que estava jogada pelo quarto. O peso de Kathy em cima do meu peito atrapalhava os meus movimentos. Mas eu precisava atender, poderia ser alguma coisa relacionada ao futebol.
Retirei, cuidadosamente, a cabeça dela do meu peito e coloquei em cima do meu travesseiro. Corri e atendi o celular rapidamente, sem olhar o identificador de chamadas.
— Alô. — Falei com a voz arrastada.
— A sua camisa acabou de chegar aqui em casa. — A voz dela soou do outro lado da linha.
Eu não esperava. E ouvi-la acabou por me assustar e fez com que eu mordesse a língua sem querer.
— Merda! — Disse com a voz embolada e bati a mão na testa.
— O que você disse? — Ela perguntou e se ela estivesse na minha frente podia jurar que ela estava franzindo o cenho.
— Desculpa, Livia. É que eu mordi minha língua. — O quão estupido eu era, mesmo?
Pude ouvir sua gargalhada gostosa e instantaneamente me deu uma vontade de sorrir também.
— Então, eu te liguei para agradecer o presente... E para pedir desculpas, você sabe... Por não ter ficado naquele dia para falar com você.
— Eu não esperava que você ficasse. — Disse, rancoroso — Afinal, nem esperava você ali, você que pediu a distância.
— Eu sei... — Suspirou alto.
Eu também soltei um suspiro pesado. Sentindo no mesmo instante duas mãos envolverem a minha cintura.
— Quem é? — Ela falou com o tom de voz normal, provavelmente para que a pessoa da outra linha ouvisse que havia alguém ali, além de mim.
— É a Livia. — Sussurrei em resposta.
— Ei, — Ela me deu um beliscão na barriga — você disse que o dia era meu, lembra?
— Hm... Você está com alguém. — Ela constatou — São oito da manhã.
— Uhum... — Confirmei, sem dar muita importância para aquela constatação.
— Desculpa ter te ligado tão cedo. — Ela fez uma pausa — Só queria te agradecer mesmo pela camisa. Pensei que fosse um sinal de que as coisas estavam voltando a se encaixar em seus lugares. Que estavam voltando a ser como era antes.
— Nada vai ser como era antes, Livia.
Pude ouvir um fungado. Meu coração se apertou. Sabia que ela estava chorando do outro lado da linha.
— Tudo bem.... Acho que tenho que aprender a conviver com as consequências de meus atos. Seja feliz, Erik.
E a linha ficou muda.
— Está tudo bem, Erik? — Kathy perguntou e começou a depositar beijos nas minhas costas.
— Mais ou menos. — Suspirei alto e levantei repentinamente da cama, comecei a catar as roupas que estavam jogadas pelo chão do quarto e entreguei as roupas femininas para a dona.
— O que é isso? — Ela perguntou, como se não estivesse entendendo nada.
— Está na hora de você ir embora. — Disse simplesmente.
— Mas Erik...
— Eu e você foi um lance de uma noite só, eu quero deixar isso claro para você. Eu tenho um foco na minha vida e relacionamento não faz parte disso. — Disse bem sério e sincero.
— Eu aprecio que você esteja sendo franco comigo. — Falou enquanto terminava de se vestir — Quando quiser relaxar um pouco, você já sabe para quem ligar, eu viria com o maior prazer. — Piscou o olho, me deu um selinho e saiu porta afora.
Olhei para o celular que estava ainda na minha mão e ponderei se ligava ou não para Liv. Decidi por não ligar, se ela queria diminuir essa distância imposta por ela, ela que deveria correr atrás e não eu.
A porta foi aberta novamente e um Dogan apareceu, indignado.
— O que foi? — Perguntei enquanto ele tapava os olhos.
— Veste uma cueca, que eu não mereço ver suas bolas brancas a essa hora da manhã. — Falou rindo — Parece que eu perdi uma aposta...
— Não era as mulheres que se derretiam por essa sua carinha de novinho? — Perguntei enquanto vestia a cueca.
— Vai se foder. — Ele disse saindo e batendo a porta — Ah... — Colocou a cabeça para dentro do quarto novamente — Estou saindo para tomar café da manhã na cafeteria aqui perto, se quiser que eu pague, me acompanhe.
— Só vou jogar uma ducha. — Disse e me dirigi ao banheiro.
— Só eu que não como ninguém. — Pude ouvir Dogan reclamar e eu caí na gargalhada.
Estava sentindo falta de me sentir assim. Leve, sem responsabilidades e sem ter que sentir a necessidade de estar pensando em Livia toda hora e lamentando o destino da nossa amizade.
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