(Katsuki/Noite passada)
Estava apenas eu, o piano e a chuva. O clima frio de São Petersburgo, por qual sempre fui apaixonado, encaixava-se perfeitamente ao som que eu tocava. Aquela música não tinha um nome, na verdade há dois meses acordei no meio da noite com ela martelando minha cabeça como um pedido para ser passada para o papel e do papel para o piado. Quase como um presságio, e eu a atendi.
Observava o vapor da caneca de café em cima do piano e como sentia-me confortável naquele momento. Nada podia nos interromper, até meu celular tocar. O retirei do bolso de minha calça moletom preta olhando a tela que mostrava o nome de Yuko. Atendi.
— Yuuri! Tudo certo para amanhã? — disse ela animada como de costume.
— Claro, estarei no hospital às 09:00am. Aproveitarei para conhecer um pouco as crianças. — ouvi ela riu meigamente.
— Elas irão gostar muito de você, Yuuri. Bem, preciso desligar, até amanhã então, estarei lhe esperando. Fique bem.
— Fique bem. — desliguei e tomei um gole do café devolvendo a caneca para o piano.
"Estou ansioso, nunca lidei com crianças antes e muito menos com crianças que correm riscos. Sinto que estarei fazendo algo bom."
(Dia seguinte)
Mal dormi noite passada. Estava nervoso sobre o contaria para elas e se realmente as agradaria com a primeira aula sendo de piano. Tive medo que talvez me rejeitassem ou algo do tipo.
— Olá. A Dra. Nishigori se encontra? Sou o músico que dará aulas para as crianças. — disse para a balconista do hospital. Ela olhou-me com um sorriso amigável.
— Claro, está sim. A avisarei que você está aqui, pode subir para o nono andar. — a funcionária pegou o telefone, que suponho ter ligando para Yuko e fez sinal para que eu subisse.
— Obrigado.
Apertei o botão para subir e notei o elevador ao lado abrir-se, ele vinha de cima.
— Yakov arrancará nossa pele. Soube que ele está de mal com Lilia, o que piora mais a situação.
— Ah, isso não é de hoje! Sinto falta de Viktor nos treinos. Na verdade em toda a patinação, ele alivia qualquer tensão.
Um garoto de mais ou menos 16 anos e uma garota alta e ruiva saíram do elevador ao lado. Observei-os sair conversando e não pude deixar de ficar curioso sobre o nome "Viktor", seria o famoso patinador, não? Então ele está internado aqui? E aqueles dois seriam seus colegas, Yuri Plisetsky e a outra eu não lembro o nome.
O elevador a minha frente abriu e entrei apertando para o nono andar, que é o departamento de câncer infantil. Chegando num corredor repleto de desenhos em folhas de ofício coloridas, frases motivadores e fotos, fiquei encantado com a vida nos desenhos. Eram todos lindos. Senti uma dolorosa pontada em meu coração, pois não queria que suas jovens vidas terminassem tão cedo. Caminhei olhando para os desenhos em direção a sala de atividades das crianças.
— Oh, ali está ele! — disse Yuko ao monte de crianças que estavam a sua volta. Todas sorridentes e lindas.
Coloquei minha mochila em uma cadeira ao lado da porta para que pudesse conhecer as crianças e saber seus gostos musicais. A grande maioria gostava do pop internacional, as músicas mais populares. Duas das crianças sabiam tocar piano e violão e isso fez-me sentir calmo e feliz, pois as aulas seriam divertidas ao dobro com dois ajudantes. Subimos para o décimo terceiro andar onde ficava a sala de música. Era a primeira vez que a via, era bem organizada e tudo cheirava novo.
— É lindo. — disse enquanto caminhava pelas crianças que observavam o lugar junto de mim. — Obrigado, Yuko. — a agradeci parando no meio da sala, a mesma sorriu escorada na porta.
— Irei visitá-los assim que conseguir tempo. Tenho que ir, mais tarde nos falamos. — disse Yuko despedindo-se de mim e das crianças.
Pedi gentilmente que todas pegassem o instrumento que quisessem e sentassem nas almofadas ao lado do piano. Primeiro tocamos algumas músicas conhecidas por elas, o que foi bem divertido, era lindo ouvir suas risadas inocentes como se nelas não existisse um câncer sequer. Uma risada tão limpa e viva.
— Muito bem, o que acham de cantarem e eu tocar? Temos cantores aqui? — perguntei vendo diversas mãos serem levantadas. Sorri de orelha a orelha, pois aquilo fazia com que eu tivesse mais vontade de ficar com elas. As crianças escolheram uma música que por acaso já havia escutado no rádio. — Faremos assim então. — toquei as primeiras notas e assisti seus rostos sorridentes e ansiosos.
As crianças sorriam umas para as outras num ato de paixão, estava tão afortunado estando ao lado delas, tocando para elas e elas tocando em meu coração. Logo a letra da música foi passada para suas pequenas cordas vocais e eu apaixonei-me. Um musical infantil, queria leva-las para mostrar ao mundo seus valores e que não são diferentes de ninguém, que elas são como são. Junto daquela música escolhida por Sofia (a menina mais velha da turma), o refrão apaixonante ecoou pela sala toda. Eu estava enfeitiçado por elas. Todas elas. Eu tocava de olhos fechados sentindo a correnteza melodiosa preencher meu ser, mas assim que abri novamente notei alguém nos observar da porta. Eu o reconheci, era o patinador.
Viktor Nikiforov.
Eu o assistia sempre que apresentava-se, seu amor pela patinação é tão evidente quanto a minha pela música. Ele olhava-me nos olhos como se quisesse contar-me seus segredos, como se me pedisse por socorro. Suas expressões eram tão tristes, a música com certeza falava com ele. "Não se preocupe, eu sei como você se sente, Viktor."
Finalizamos a música e notei seu rosto estar rubro e ele passar os dedos delicadamente em seus olhos confessando as lágrimas que acabaram de escapar. Decidi conhecê-lo, afinal, suas apresentações eram um dos espelhos para minhas composições.
— Oi... é... Viktor, sim? — eu estava nervoso.
Ele era... bonito?
Seus olhos azuis tiravam meus pés do chão, sua expressão contraída de confusão fez minhas bochechas aquecerem. "Não, Yuri, nervosismo agora não!" Eu queria dizer que ele era a grande inspiração para as minhas músicas, dizer que admirava seu trabalho e que o câncer que existe nele não é nada comparado ao seu talento nato. Seus lábios abriram-se minimamente fazendo eu ter esperança que iniciássemos uma conversa. Infelizmente Viktor voou para o elevador deixando eu e minhas confissões engavetadas... mais uma vez. O observei apertar o botão diversas vezes, ele encarava os pés intensamente assustando-se quando as portas se abriram e sumindo dentro dele. Voltei para dentro da sala sentindo meu corpo todo ficar dormente.
— Yuuri, quando teremos aula de novo? Quero pensar em mais canções para tocarmos. — um garotinho pegou em minha mãe esquerda tirando-me da breve hipnose.
— Oh, me desculpe, nós teremos aulas duas vezes por semana, sempre na terça e na quinta. Podem escolher as músicas que preferirem. Na próxima aula irei ensinar as partituras do piano. — seus festejos arrancaram-me uma risada.
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Cheguei em casa por volta das 02:30pm graças a chuva e o trânsito que prenderam-me. Larguei as chaves do carro e de meu apartamento em cima do sofá e fui direto para o banho. Liguei o chuveiro e deixei a água quente escorrer pelo meu corpo relaxando cada músculo do mesmo. Com as gotas da água extraindo o cansaço de meu corpo, a música que toquei para as crianças voltava viva em minha mente junto com a imagem de Viktor. Fechei meus olhos e foi como voltar no tempo onde eu tocava aquele refrão olhando em seus olhos e outra desconhecida melodia nascia dentro de mim. "Por quê?." Abri meus olhos encarando a parede branca a minha frente, encostei minha testa sentindo o suor que era feita pelo vapor.
— Viktor...
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