"Eu tenho dormido mais tarde, eu tenho respirado mais forte
Eu estive cavando mais fundo, mas as memórias não vão parar
Não consigo parar de pensar em você."
(Thinking 'Bout You - Dua Lipa)
*
(PLISETSKY)
— Isso é inaceitável! Aquela ruiva desgraçada… ela me paga! Ela sai para namorar e é o Yakov quem me xinga… patético…
Almoçava uma macarronada deliciosa enquanto descansava os ouvidos depois da bronca que levei. Fala sério, Yakov bem que podia rever seus conceitos! Para não atrasar o treino pedi comida e resolvi ficar pelo ginásio do velho Feltsman, ainda bem que não estava por perto porque durante meu surto de raiva acabei derrubando molho no chão.
— Yuri? - uma voz familiar ecoou pelo estabelecimento
Eu estava no vestuário e mesmo assim conseguia ouvir todos os barulhos possíveis.
— O QUE É VELHO?! EU TÔ COMENTO E EU JÁ ENTENDI QUE SE A MILA SAIU FOI PORQUE QUIS E NÃO É CULPA MINHA! - berrei encarando o armário vermelho a minha frente.
— Pensei que nunca te encontraria, mas parece que seus berros me guiaram. - essa voz…
Virei lentamente meu pescoço para a porta encontrando Otabek carregando mais uma de suas expressões mortas. Ele cerrou as sobrancelhas ao me olhar, e é claro, eu estava com o rosto pegando fogo, Otabek parecia que ia me engolir daquele jeito.
— O que você tá olhando? - voltei para a tigela descartável de macarrão em meu colo.
— Nada, na verdade eu procurava a sua ajuda.
Minhas bochechas pioraram, o que ele quer? Eu acho que está cedo para declarações e eu ainda nem formulei a minha fala. Porra, será qual reação eu faço?
— B-bem, que tipo de ajuda você procura? - disse colocando um garfo de macarrão na boca.
— Gostaria de visitar Viktor e sei que você é o mais próximo dele entre os patinadores.
Era isso? Viktor? Grrr! Bem, ao menos ele veio me procurar primeiro.
— Claro, levarei você no hospital. - coloquei a tigela descartável no lixo depois de ter terminado.
— Mas antes… - bateu com o indicador no canto de sua boca.
— O que? - perguntei quase como um sussurro tendo a certeza de que estava pedindo-me um beijo.
— … limpe o rosto.
O QUÊ? Merda isso foi pior do que ter pensado em beijá-lo! Bati em minha testa sentindo o choque da rejeição. Olhei na tela escura de meu celular e tinha molho por quase toda as minhas bochechas.
— Esperarei lá fora. - saiu a passos calmos.
— Espere! Eu não posso ir com você, seria melhor se eu te desse o endereço. - mordi o lábio em angústia.
Era impossível sair agora, Yakov quebraria todos os meus ossos. Eu tinha treino até as 19:00pm hoje, precisava pensar: eu fui a primeira em pessoa que Otabek pensou e Yakov sempre pensou primeiro em Lilia… é isso!
— Oh, é mesmo. Então você me passa que eu aviso quando eu estiver lá e…
— Não! Eu lembrei que o velho me deu folga depois do almoço, estou liberado. - sorri disfarçadamente. O moreno olhou-me suspeito logo fazendo sinal para que eu o seguisse.
Respirei em alívio, ou não, porque com certeza levaria bronca.
*
No hospital, entramos de óculos escuros e os maus olhos imediatamente foram direcionados para nós.
— Oi, é Yuri Plisetsky. - baixei os óculos para a recepcionista e a mesma sorriu sem nem mesmo disfarçar.
— Mas é claro! Sabe o caminho. - piscou.
Pegamos o elevador para o andar de Viktor em silêncio. Observava a áurea ilegível de Otabek através do espelho ao nosso lado, não seria capaz de secar ele tão na cara-de-pau.
— Chegamos.
Bati na porta ouvindo o barulho de um salto feminino aproximando-se.
— Yuri e Otabek! - Hana abriu sorridente. — Por favor, entrem!
Otabek passeava com os olhos pelo quarto procurando Viktor que não estava na cama. Hana disse que ele estava no meio de um exame e que mais uns minutos estaria de volta.
— Como ele tem se saído? - perguntou Otabek em pé ao lado da persiana.
Hana sentou-se na poltrona bege descansando as mãos em seu colo.
— Viktor está muito melhor. Ele passou por um bocado de dificuldade até algumas semanas atrás. Seu físico ganhou mais peso e hoje já começa com atividades como ginástica. - terminou sorrindo.
Se tem uma coisa de que Viktor odeia é ficar parado. Sempre que estávamos em semana de competição, ele ficava o tempo todo alongando-se. Os três minutos que ele esperava a comida aquecer no microondas, lá estava ele com uma perna apoiada no armário do eletrônico enquanto o seu tronco deitava sob a perna, fazia outras posições também. Não era de se esperar que ele fizesse isso enquanto está sendo supervisionado.
— É até comum vindo de Viktor. - Altin riu. — Como patinador, se não podemos estar no gelo nessas condições, pelos menos manteremos a flexibilidade.
— Não é verdade? - os dois riram.
Agora parando para pensar, eu sinto tanto a sua falta, velho Nikiforov, você é o único que eu podia contar sobre tudo, até de meus sentimentos. É uma pena que esteja enjaulado nessa droga de hospital com pessoas doentes que só te deixam pra baixo. Se eu tivesse a liberdade de te visitar todos os dias, acredite Viktor, eu viria e lhe traria as frutas que você mais gosta.
Olhei para Otabek e sua expressão distraída ao conversar com mamãe é tão diferente da que ele costuma fazer. Seus lábios estão curvados em um pequeno sorriso encantador, as sobrancelhas tranquilhas e sua voz não é áspera, o que o deixa mais bonito…
— YURI! - dei um pulo ao sentir mãos bater em minhas costas. A risada de Viktor dançou pelo quarto. — Olha só, você ficou corado! Que lindo! Queria te ver mais vezes assim. - apertou minhas bochechas.
Afastei suas mãos de mim e ajeitei a jaqueta que usava. Sentia meu rosto em brasas. Olhei para Otabek e ele direcionava-me um sorriso do qual nunca vi antes. Os dentes perfeitamente alinhados e brancos, as maçãs de seu rosto coradas pela gargalhada que ele soltava… isso foi como levar um banho fervente.
Meu celular tocou dando-me outro susto, olhei para sua tela vendo o nome de Yakov. Droga, ele me pegou.
— Vou atender. - sorri e sai do quarto.
— Onde você está, Yuri!? - gritou e eu afastei o aparelho de meu ouvido.
— Escuta aqui velho, eu treinei desde cedo! Fiz o trabalho que Mila não fez e você me vem com essa?
— Já para o ginásio! - desligou.
Eu não queria voltar, queria ficar e observar o sorriso de Otabek, porque ele não daria um daqueles tão cedo.
— Aconteceu algo, Yuri? - Viktor perguntou assim que retornei ao quarto. Suspirei e guardei o celular.
— Yakov está furioso porque Mila fugiu de novo e ele descobriu que eu também. - sorri fraco olhando para o pé de sua cama.
— Mas você não disse que… - interrompi Otabek.
— Eu já vou indo. Viktor, te ligo mais tarde. - bati a porta atrás de mim.
Eu estava encrencado, não ligava a mínima para o que Yakov irá dizer quando me ver, provavelmente dirá que sou irresponsável como Mila e que saí para namorar. Que piada, namorar? Eu… eu bem que queria ter saído com Otabek para um passeio ou sei lá…
Não era a primeira vez que parava no meio da calçada pensando no cazaque.
*
(KATSUKI)
Minha irmã, Mari, veio me visitar por alguns dias. Passei boa parte da manhã tendo que ouvir o quanto estava frio e que a primavera em Hasetsu era mais agradável, de fato, mas por essa primavera eu não abria mão.
Mari teve uma menina com o cara que ela conheceu na faculdade. Estão casados e a pequena Kin veio logo em seguida, com os olhos de Mari e o cabelo castanho claro de seu pai. Antes de me mudar para a Rússia tive um pouco de dificuldade de desgrudar de Kin, ela adorava passar as tardes de domingo comigo, eu cantava para ela e um dia a prometi ensinar tocar piano, o que a fez jurar de mindinho. O tempo passou e mesmo assim, Kin continua a mesma garotinha doce de sempre.
— Não vale, Yuu, você sorriu primeiro! - denunciava minha derrota no jogo de quem riria primeiro.
— Tudo bem, você venceu pela quinta vez, acho que sou ruim mesmo. - rimos.
Mari chegou do supermercado pondo as compras em cima da mesa e ligando a televisão da sala.
— Ainda não terminaram esse jogo? - perguntou desabando no sofá.
— Yuu perdeu cinco vezes, mamãe!
— É mesmo? Você é bem ruim, Yuuri. - ri de seu deboche.
E quando eu finalmente estava extraindo Viktor de minha cabeça, as conspirações fazem ele retornar. Um programa de famosos falava sobre Leucemia e o principal assunto depois disso é claro que seria Viktor.
— Isso é uma droga, ele é tão amado e tão talentoso…
— Eu sei, ele está internado no hospital onde dou aula. - disse com o pensamento longe.
Sonhei com o platinado umas dez vezes essa noite, coisa que nunca me aconteceu antes. Acordei com uma leve ansiedade e pensando nele. Como alguém pode te levar a loucura em uma semana? Ele é meu ídolo desde a infância e isso é tão… clichê. Eu só não quero ser aquele que o atormenta só para ter um autógrafo. Segurei-me até agora para não lhe encher de perguntas.
— O patinador gato?! Tá brincando? - Mari sentou ao meu lado e de Kin no carpete.
— Sim, mas só não contem para ninguém, ele é supervisionado até pela polícia eu acho. Ninguém sabe que ele está lá.
— Yuu, você já viu ele? - eu queria contar tanta coisa para elas, mas sei que pela segurança de Viktor eu devia ter cuidado.
— Não, nunca. Eu dou aula para as crianças então não saio da sala.
Eu não queria mentir, seria formidável ver o divertimento estampado em seus rostos ao saber que Viktor Nikiforov assistiu uma de minhas aulas. E como eu queria sentir aquela sensação calorosa de novo…
— Você lembra da vez que chorou porque não conseguiu um autógrafo dele? Mamãe teve que te acalmar por uma semana. - riu enquanto eu procurava um lugar para esconder meu rosto corado.
Não é como se eu ainda quisesse o autógrafo, é claro que eu guardaria a sete chaves, mas ao estar perto dele naquelas vezes, não chegou nem perto do sentimento de ganhar uma assinatura sua. Sentir sua respiração bater na ponta de meu nariz, a palma de sua mão na minha quando o levei para dentro da sala ou quando ele quis dizer algo mas Yuko chegou bem na hora. É só fechar os olhos e os sentidos voltam numa facilidade absurda.
Eu queria acreditar que é porque o admiro tanto, mas seu corpo aquece quando pensa em alguém especial?
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