Eu passei a tarde dividindo meu olhar desconfiado entre Lena e Melinda. Lena jogou xadrez com Anthony e retribuía meu olhar apreensivo pelo rabo do olho como se de alguma forma soubesse que eu havia escutado o que elas tinham conversado. Ou talvez ela estivesse apenas incomodada com minha cara de poucos amigos. Observei várias vezes seu desconforto, estava tão nítido que ela chegava a engolir a seco quando, sem querer, nossos olhos se encontravam. Ela tentava disfarçar fazendo perguntas vazia que ganhavam como respostas falas secas e monossilábicas. Sua atenção variava desigualmente entre Anthony e eu, ela riu sem graça quando ele lhe colocou em xeque, mas depois de dar de ombros ela acabou movendo seu bispo e o menino exalou indignado.
-Xeque-mate? – Ele perguntou visivelmente contrariado. – Como? Quando foi que você colocou seu cavalo aí?
-Há dois movimentos, quando você achou que eu estava tentando salvar minha rainha.
Ela continuou com aquele sorriso forçado e se levantou da cadeira segurando o rosto do menino entre as mãos e beijando seus fios dourados.
-Você está virando um excelente jogador.
-Não bom o suficiente pra te vencer.
-Extraordinário o suficiente pra me dar trabalho.
Os dois se entreolharam e pela primeira, desde que eu entrei na sala com Anthony, ela sorriu verdadeiramente, leve e sincera. Mas logo sua expressão murchou quando soltou o rosto da criança e se virou pra mim.
-Acho que nós já devemos ir, não é Kara? – Ela perguntou receosa, num tom cauteloso que eu não entendi de onde tinha vindo.
Eu simplesmente concordei com a cabeça.
-Mas já? – Melinda nos interrompeu numa surpresa exagerada.
-Já. – Lena lhe respondeu tão seca como minhas frases monossilábicas. – Obrigada pela hospitalidade e diga da Robert que espero uma resposta rápida dele. – Ela por fim sorriu e abraçou rapidamente Melinda, seu olhar se voltou para mim, e eu me fiz instantaneamente em pé erguendo meu peso sobre os calcanhares.
Fui até Melinda e lhe cumprimentei igualmente breve, olhei de relance para Anthony que acenou com a mão em seu largo sorriso infantil, só consegui acenar de voltar e curvar meus lábios em algo semelhante a um sorriso forçado.
Segui Lena pela casa e Melinda veio atrás de nós, nesse meio tempo Lena já tinha pegado o celular e estava falando com seu piloto. Lena conhecia a casa, não ficou nenhum pouco perdida no labirinto de corredores e acabamos parando em frente a mesma pista que chegamos, entretanto o helicóptero não estava mais lá.
-Aconteceu alguma coisa? – Perguntei observando ela desligar o celular e voltar seu olhar para Melinda. Ela apenas sacudiu a cabeça.
-Não, o jato está chegando.
-O que aconteceu com o helicóptero? – Perguntei sentindo meu cenho franzir. Lena voltou a balançar a cabeça com os olhos fechados, como se pedisse para que eu deixasse o assunto de lado.
Não demorou para o barulho do jato se fazer presente e Melinda se pôr a fazer novas despedidas.
-Volte logo, Lena. – Ela disse num tom incrivelmente sincero, de tal maneira palpável que quebrou um pouco as feições sérias de Lena. A morena assentiu e voltou a lhe dar uma breve abraço. –Kara. - Ela se voltou pra mim com os braços estendidos, talvez a Medusa não fosse me petrificar, mas seu abraço de jiboia me sufocaria até a morte. – Foi um prazer enorme te conhecer, por favor acompanhe a visita de Lena mais vezes, talvez assim ela não dê uma de sumida. – Ela me envolveu igualmente rápido e antes que pudesse me prender completamente em seus braços Lena segurou minha mão e me puxou para longe do enlace.
-Vamos Kara, o jato já está estacionando. – Ela falou apressadamente, envolvendo forte nossos braços, dando um leve aceno para Melinda e me arrastando pela pista de pouso.
A porta abriu verticalmente, descendo no mesmo instante uma rampa pela qual Lena continuou a me puxar para dentro. Seu toque urgente e forte me levou para cima e só me soltou quando a porta fechou atrás de nós.
-Lena? – Perguntei com o cenho franzido com ela se movendo pelo claustrofóbico corredor e se dirigindo a poltrona próxima da minúscula janela quadrada.
Ela olhou pra mim esperando que eu falasse mais alguma.
-Está tudo bem? – Eu perguntei hesitante.
-Vem, senta aqui, já vamos decolar.
Ela pediu baixo e eu obedeci, assim que me sentei ela avançou sobre mim amarrando o cinto de segurança, o cheiro do seu cabelo me inebriou momentaneamente e senti falta da proximidade quando ela voltou para o seu lugar.
-Por que você está me perguntando se está tudo bem?
Eu balancei a cabeça vagamente, lembrando daquela conversa troncha e sem contexto que ouvi, me sentindo ligeiramente mal por lembrar das investidas de Melinda em Lena.
-Eu não sei, você parece... Distante.
Lena voltou a engolir a seco e, como eu, balançou a cabeça vagamente.
-Metropolis me traz uma série de lembranças, o ar daqui é diferente pra mim.
-Metropolis ou Melinda? – A pergunta escorregou dos meus lábios como um lápis que caí por descuido entre os dedos.
Ela me olhou surpresa pelo tom sugestivo e seus olhos reviraram nas órbitas.
-Um pouco dos dois, talvez. – A tênue confirmação de alguma maneira me magoou. Sua voz soou vaga, sem intenção de ser declaratória, mas era muito nítido que a noção do que Metropolis significava estava diretamente relacionado ao que Melinda significava para ela.
-Sim, ela parecia bem feliz em te ver mesmo. – Eu falei me recostando no banco, de alguma maneira a ideia de Melinda afetar Lena daquela forma feria meu ego. –Você não tinha me dito que tinha amigos tão próximos em Metropolis. – Mais uma frase que escorregou por meus lábios e que havia sido feita entre meus os dentes.
-Andávamos juntas no colégio interno. – Lena respondeu visivelmente cansada, sua cabeça se apoiou no encosto reclinado da poltrona e seu olhar buscou o meu, que lhe negava atenção sobre o pretexto de encarar o nada a minha frente.
-Vocês pareciam bem próximas. – Mudei meu tom percebendo que ela finalmente estava totalmente focada em mim e reconheceria facilmente qualquer pergunta fora de contexto, qualquer indício de que eu estava sondando a relação das duas.
-Melinda estava presente em muitos momentos da minha vida. – Lena disse parando um instante como se puxasse algo em sua memória. – Eu nunca tive exatamente amigos, na verdade. Acho que já conversamos sobre isso. Eu tinha muitos colegas, Luthors nunca ficam sozinhos, eles sempre estão mal acompanhados. – Ela riu amargamente com o próprio comentário e então seus olhos baixaram encontrando a memória que tanto procurou, o sabor da curva em seus lábios mudou, aquilo ali parecia longinquamente um sorriso sincero. – Melinda foi o mais próximo que eu tive de uma amiga, pelos motivos errados, claro. Mas ela estava lá quando não havia mais ninguém.
Eu engoli dolorosamente a seco, esperando que viesse à tona o que ela havia se lembrando, mas sua voz minguou para o nada. Eu aguardei, e aguardei, e aguardei, mas Lena parecia estar se acomodando ao silêncio, fechando calmamente os olhos, procurando uma boa posição para dormir.
-Por que “pelos motivos errado”? – Perguntei subitamente, fazendo-a reabrir os olhos.
Ela parou um pouco e respirou fundo, tentando formar uma linha de pensamento na mente sonolenta.
-A amizade minha e de Melinda nunca foi algo honesto. – Ela disse com os olhos estreitos e num tom disperso. -Não sei se consigo explicar direito.
-Como você não consegue explicar algo assim, Lena?
Seu cenho franziu visivelmente incomodada e seus olhos se voltaram para mim.
-Não sei explicar, simples assim. – Ela exalou. -Tente você, como você nos explica?
-Como é?
-Você ouviu. Se é tão fácil explicar uma amizade, explique a nossa Kara.
Seus olhos me encararam insistindo na pergunta já dita. Eu dei se ombros e tirei suas feições da minha mira, desconsertada.
Até pensei em entreabrir os lábios, mas não sabia bem o que dizer. Ela me lançou um último olhar vitorioso antes de voltar a se recostar na cadeira e tentar dormir.
Eu exalei contrariada e minha mente se perdeu num loop de pensamentos. Era diferente, nós realmente não tínhamos motivos para sermos amigas, mas Melinda e ela tinham.
-Kara? – A voz de Lena soou baixo, ela tinha o rosto virado para a janela e o olhar que procurava não encarar meu reflexo no vidro. – O que eu e você temos... Bom, eu nunca tive antes, com ninguém.... Eu não sei explicar como, mas você é necessária na minha vida. Não sei se posso dizer isso de qualquer outra pessoa.
Eu parei por um instante e minha mão avançou involuntariamente procurando a dela. Ela tinha os braços envolvendo o próprio corpo e acompanhou com o olhar o enlace de nossas mãos, eu também encarei admirada como o espaço entre meus dedos se encaixavam tão bem nos dela.
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