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História Note To Self. - Califórnia sabe como festejar.


Escrita por: GorjessSpazzer e Lobertor

Notas do Autor


Desculpa por ter demorado um pouco mais do que o costume, mas ainda é dezembro. O lado bom de eu ter levado um pouco mais de tempo para terminar o capítulo, foi que ele tem bastante passagem de tempo. Eu fui capaz de entrar em diferentes climas, e isso talvez tenha passado para as descrições da Jessica.

Capítulo 3 - Califórnia sabe como festejar.


Fanfic / Fanfiction Note To Self. - Califórnia sabe como festejar.

Era uma manhã de segunda feira, por volta das oito e meia da manhã. Algum tempo havia passado desde que eu deixei de passar, tão sozinha, o meu tempo no refeitório. Era o início da semana de provas para a universidade, lá pela terceira semana de outubro, e eu tinha a sorte de ter menos exames que a maioria dos alunos, por dia. Era a primeira bateria de avaliações do sexto quad, o quadrimestre, equivalente ao que seria o meu quarto semestre, na maioria das universidades. Stanford gosta de dificultar as coisas, não que faça muita diferença no final. Apenas temos mais testes com essa desculpa.

Eu estava novamente pelos jardins, mas infelizmente todas as sombras ao pé das árvores estavam ocupadas. Eu consegui meu lugar em um dos bancos de cimento que se espalhavam pelo campus. Estava um pouco afastada dos demais, mas não ligava. Aliás, o que disse em minha outra nota me parece agora uma tremenda mentira. Eu gostava sim de estar sozinha, principalmente se não era tão íntima às pessoas que me cercavam.

Posso exemplificar, começando por uma breve explicação do que vestia. Era uma das minhas combinações favoritas: o par de converse de couro na cor bege, a calça jeans rasgada nos joelhos e nas coxas, uma camiseta preta que fazia referência clara ao álbum mais famoso de minha banda favorita. Do outro lado da via pavimentada, sob uma árvore, estava um rapaz talvez da minha idade e com uma roupa parecida, apesar de que usava chinelo e sua calça não tinha rasgos. A camiseta era branca e tinha uns padrões de tijolos na frente, com um “The Wall” estampado na altura do peito.

Eu poderia simplesmente me aproximar e fazer uma pergunta qualquer em relação à banda que ele responderia, parecia estar alto o suficiente para que uma conversa como aquela pudesse acabar em uma amizade. Mas eu não fazia questão. Talvez eu parecesse mesmo uma solitária esquisita, de bem com estar sozinha, que prefere que seja assim. Como um garoto da minha sala, que eu já vi lendo um livro de meus jogos favoritos e ouvindo heavy metal de seus fones, ao passar ao seu lado, e que também era o excluído da turma. A única diferença entre nós podia bem ser apenas o autismo dele.

No começo eu me perguntava os outros achariam de minha introversão, já que se espera o contrário da maioria das pessoas, mas eu percebi que eu nunca liguei muito para a opinião alheia. Um foda-se e um pouco de paz era o que eu precisava para sobreviver, sendo dramática. Preferia estar ali, lendo meu livro, do que gastar energias fazendo amizades. Eu saberia fazê-las, se precisasse, mas o que eu tinha era o suficiente. Eu costumo ser bem acomodada e autossuficiente no que diz respeito a relacionamentos.

Deixei de observar a vida alheia e voltei a me concentrar no livro, que apoiava sobre minha barriga. Usava a bolsa para apoiar minha cabeça enquanto deitava naquele banco, grande o suficiente para mim, mas o pé direito ficava pendurado para fora. A perna esquerda estava dobrada. Apenas aumentei em um o volume de meus fones de ouvido para voltar minha atenção à leitura. Eu já havia lido um livro de Jobs, estava lendo um de Zuckerberg e seria legal se eu encontrasse um de Gates que prestasse, ou outra pessoa interessante, talvez uma saga qualquer, se não encontrasse nada.

Eu havia adquirido certo interesse na vida desses caras, e eu já havia criado por eles mais afinidade do que com todas as outras pessoas do campus. Além disso, esses livros pareciam me ensinar mais de negócio do que aqueles obrigatórios pela faculdade, que possuíam nada mais que teorias arcaicas de administração. Sempre que lia algo assim me questionava o real valor de uma universidade. Nenhum desses caras havia terminado o ensino superior, mas tinham inteligência o bastante para o fazerem, se quisessem. Cada vez mais parecia que formações atrás de formações não eram determinantes de sucesso, como os professores diziam; parecia-se mais com um limitador do que com um libertador.

É estranho pensar isso hoje em dia, logo eu que pagava pau para universitários e Stanford desde o ensino médio. Eu ainda gosto de Stanford, pelo menos. Só que, às vezes, aparentava que, depois que eu me formasse, eu teria várias portas fechadas, para compensar um pequeno conjunto delas, um pouco mais atraentes, que seriam abertas para mim. Ninguém contrata um formado em uma universidade dessas para trabalhar num bar. Não que passar a noite com bêbados fosse meu sonho de emprego, mas vocês entenderam. Dizem que você pode ser o que quiser,mas a vida lhe dá as opções entre as quais pode escolher. Eu queria que meu direito de escolha fosse além disso.

Eu tinha o espírito de alguém que quer algo além, mas o quê? Eu ainda não sabia, ao certo, tinha minhas dúvidas. Eu não havia sido presa, não sabia programar e não tinha autoconfiança o suficiente para largar tudo e ir em busca de iluminação espiritual na Índia. Eu também não me encaixava aos talentos rebeldes. Mas, porra, eu faria alguma coisa. Tenho desses surtos de motivação aleatoriamente. É engraçado. Parece que eu até ganho alguns centímetros a mais de altura e meu pé bate mais forte contra o chão, de tanta confiança. Mas de volta ao livro...

- Hey, Jung. – É, parecia que aquele não era o melhor momento para leituras. Eu estava muito distraída e agora tinha companhia, não que eu reclamasse dessa. À minha esquerda vinha Yuri, com o típico boné bordô da universidade na cabeça, alguma blusa de estampa legal e a bolsa pendurada em um dos ombros. Eu tirei as pernas do banco e me sentei normalmente, para que não ocupasse todo o lugar. Ela sentou largada ao meu lado. – As provas começam hoje também?

- Poderiam acabar hoje. – Deixei o livro fechado sobre o meu colo. Eu o guardaria depois em minha mochila, não teria tempo para ler. Deveria faltar pouco para ter que ir a sala. Eu gostava de chegar uns minutos antes do início. Sempre tinha os professores espertalhões que chegavam antes do horário marcado.

- É pra prova? – Yuri perguntou ao apontar para a capa do livro em minhas pernas. Eu imediatamente olhei para ele. Faria sentido, poderia ser. Eu já havia me matado de estudar na noite passada e no caminho para cá. Era apenas um passatempo.

- Não, apenas tive vontade de ler. – Confessei com uma risada fraca ao balançar o livro. Aproveitei a deixa para guardar no bolso maior, junto com o caderno e as apostilas do curso. Não eram muitas, apenas um ou dois professores tinham a sua própria, os com a carga teórica mais pesada.

- Pensei que odiasse o Facebook. – Eu pisquei algumas vezes com a pergunta que eu ouvi, interrompi o zíper pela metade em seu trilho, sem fechar a bolsa completamente. De fato, eu não era a maior fã daquela rede social e seus usuários. Eu nem tinha o aplicativo exclusivo para mensagens, pelo desuso. E, felizmente, meus assuntos com Yuri agora não eram todos sobre provas e trabalhos. O grupo em um aplicativo de conversas, que Tiffany havia criado para as “amigas de almoço” tinha sido uma boa ajuda para isso.

- Eu sou apenas curiosa. Mark pode ser legal, mas ainda acho a rede social dele perda de tempo. Isso é ressentimento, eu já perdi muitas horas de vida compartilhando coisas inúteis. – Confessei, com um sorriso. Acho que todos têm algo na vida que se arrependem de ter feito. Eu poderia culpar o aplicativo de mensagens do qual tanto dependia, ou quase isso, daqui a alguns anos.

- Se você diz... – Yuri balançou os ombros e permaneceu em silêncio. Eu também. Não sou a melhor pessoa para conversas. Eu nunca sei exatamente o que falar para iniciar uma, eu era melhor em fazer comentários idiotas e prolongar assuntos. Ela não tinha dito muito, era difícil comentar algo sem parecer forçado. – Hm... Você vai estar livre na hora do almoço? Digo, vai ter prova ou vai se juntar a Fany e a Shikshin?

- Eu vou. Estou livre ao meio dia. – Sorri em meio a minha resposta e Yuri balançou a cabeça, concordando, e então se pôs de pé. A alça direita da mochila voltou ao seu ombro. Aquilo devia ser pesado. Ela vivia com computador, materiais de desenho e essas coisas para cima e para baixo. Design era um dos cursos mais seletivos e puxados dali.

- Então nos vemos mais tarde. E boa sorte na prova. – Yuri coçou a nuca com um sorriso desajeitado e se afastou, em direção ao prédio onde ficavam as classes de suas aulas.

- Você também! – Devolvi suas palavras e ela se virou brevemente para sorrir em agradecimento. Eu curvei os lábios para cima e desviei o olhar quando ela tornou a olhar para frente. Eu fiz o mesmo. Já não havia mais aluno chapado algum sob as árvores. Talvez eu devesse ir para a sala de aula, também.

...

Eu saí da sala de provas confiante. Era matemática nesse dia. Poderia ter sido uma experiência traumática no ensino médio, mas a calculadora facilitava os cálculos, para a minha sorte. Eu me virava com a teoria. O pior era aprender os conceitos da máquina financeira, mas não era exigida na prova. De qualquer forma, eu tinha o pressentimento de que me sairia bem o suficiente para não estudar como louca para as provas do fim do ano, o que era muito bom. Significava mais tempo livre.

Como havia dito para Yuri, eu almoçaria junto ao grupo, no refeitório de sempre. Eu avistei na mesa em que Tiffany antes se sentava sem eu perceber, ela e Sooyoung. Por curiosidade, olhei para aquela mesa afastada, próxima ao banheiro feminino. Vazia. Havia algo de errado com ela.

Antes de me juntar as duas, que já saboreavam se seus pratos, eu peguei minha bandeja e fiz minha escolha entre as opções diversas. O de sempre, salada como parte indispensável. Fiz meu caminho até a mesa depois de comprar uma lata de suco, dessa vez. Eu não sei do que Tiffany e Sooyoung falavam, mas elas estavam animadas e riam, as mãos cobrindo as bocas cheias de comida.

- Colocaram o que no almoço de vocês? – Perguntei, divertidamente, por mais que a expressão em meu rosto fosse séria. Tiffany e Sooyoung estavam parecendo pimentões, pela falta de ar.

- Estamos rindo da nossa própria desgraça nessas provas. – Sooyoung respondeu quando finalmente se recuperava de suas risadas. Ela limpava as lágrimas dos cantos dos olhos e Tiffany se abanava. – E você, amiga, como foi?

- Bem. – Dei de ombros e abri o lacre da garrafa. Afastei minha mão e fiz careta de dor quando tive o polegar arranhado por aquela parte em específico. Odeio esse tipo de lacre.

- Nerd. – Tiffany zombou. Não sei se ela ria da minha resposta ou da minha falta de jeito para abrir latas de refrigerante e derivados. – Eu poderia ter ido muito bem se aquele professor ridículo não tivesse ferrado com a turma! – Tiffany começou a se lamentar. Eu tinha certeza que Sooyoung já sabia daquela história e agora eu seria a ouvinte de Hwang, a injustiçada, mas eu não estava muito a fim de ser psicóloga ou conselheira. Não me levem a mal. Eu estava com fome.

- E aí, pessoal. – E Kwon Yuri salvou a pátria. Ela geralmente era a última a chegar à mesa, por conta dos próprios horários. Não sei se é preciso mencionar quem era uma das primeiras a chegar à fila do restaurante. Talvez alguém pelo nome de Choi Sooyoung. Cumprimentamos a ela com sorrisos e ela se sentou ao lado de Sooyoung, de modo que estava de frente para mim. Tiffany sentava à minha esquerda.

- Chegou a sombra da Jessica. – Tive vontade de pisar no pé de Tiffany quando ela disse aquilo. Na verdade, ela já havia começado com brincadeiras do tipo de um tempo para cá. Confesso que às vezes eu tinha vontade de rir, mas na maioria delas era apenas constrangedor. Considerava apenas falta de transa, por parte de Tiffany, apesar de ser ridículo de mais pensar isso assim, tão abertamente.

- Eu não sou sombra de ninguém, é apenas o horário que acabam minhas aulas, coincidência. – Yuri se defendeu, claramente perturbada com as acusações de Tiffany. Eu estaria da mesma forma em seu lugar. Foi engraçada a carinha de indignação que ela fez, então eu enchi minha boca de alface para não rir. Sooyoung também estava com as bochechas infladas por alguma coisa, mas engoliu tudo de uma vez para falar.

- Tudo bem, Yuri. Não precisa dar tantas desculpas. Olha, a Jessica não vê problema. – Sooyoung passou um dos braços sobre os ombros de Yuri e a outra mão, com um garfo entre os dedos, apontou para mim. Eu ri da cara que Yuri fez para Sooyoung, como se tivesse vontade de acertar um soco nas maçãs do rosto, ressaltadas por conta do sorriso que a shikshin tinha. Eram normais as brincadeiras com Yuri, naquele sentido. Os mais novos realmente sofrem mais.

- Enfim, gente. – Tiffany cortou o assunto que ela havia começado. Pelo sorriso em seu rosto, estava satisfeita com o que causou e era a hora de mudar o rumo da conversa. Eu preferi não me pronunciar quanto aquilo. Era capaz de eu partir para o lado delas e perturbar Yuri ainda mais. – Quem vai à festa do Mausoléu? – Sinceramente, eu esperava por aquilo ainda nessa semana. Mesmo em épocas em que praticamente não temos vida por conta dos prazos finais de trabalhos e provas, Tiffany ainda arranjava tempo para festas.

- Quem é Mausoléu? – Sooyoung não parecia estar brincando com aquela pergunta. Definitivamente. Tiffany a olhou como se não acreditasse no que havia ouvido e eu ri sem vergonha alguma. Aquela risada alta e tão espontânea que constrange todos que estão ao redor. Se eu pudesse descrever a reação de Yuri, seria a mesma de Sooyoung, confusão, mas eu não estava confiando em minha vista naquele momento. Meus olhos pouco estavam abertos enquanto eu gargalhava.

- Mausoléu não é uma pessoa, Soo. – Eu sabia que Tiffany também estava com vontade de rir, e só não o fizera para não constranger as calouras.  Ela me cutucou para que eu parasse minha crise de riso, mas não é como se eu fosse conseguir fazer aquilo de uma hora para a outra. Tudo bem elas não sacarem das festas do campus, mas não saber o que um mausoléu é, isso é completamente diferente.

- Que festa é essa? – Yuri perguntou, de repente parecendo interessada. A meu oposto; eu não havia ido aquela festa ano passado, não pensava em ir novamente. Tiffany havia frequentado os seus dois anos anteriores e, provavelmente, não interromperia a sua sequência.

- É só uma festa de Halloween idiota. – Eu dei de ombros, já parecendo alguém normal depois de meu pequeno surto, e voltei ao meu almoço. Se continuasse naquele ritmo, eu terminaria no horário do jantar, ou no dia seguinte.

- É a melhor festa de Halloween do mundo. – Tiffany me contrariou; perspectivas diferentes. Yuri e Sooyoung gostaram mais da de Tiffany. – É sempre na última sexta ou sábado de outubro, começa às dez. Confirmaram, esse ano, às dez. Eu sou da turma dos juniores, estou ajudando a organizar . Vocês vêm, né?

- Não. – Sorri amarelo. Eu era apenas uma sophomore, em meu segundo ano. Não era obrigada a estar na festa. E outra, às dez, em casa, com meu computador, eu poderia fazer coisas mais produtivas. Não teria que aguentar gente bêbada, drogada, barulho e caras com fetiches em asiáticas. Estamos na Califórnia, o que mais existe aqui são latinas, loiras, e, especialmente nessa universidade, chinesas e outras etnias da região. Os caras adoravam. Eu nunca gostei de caras.

- Caralho, Jung! Que chata! – Sooyoung fez careta para mim e jogou um guardanapo de papel usado em minha direção. Eu desviei e ri de sua falsa revolta. – Se calouros podem ir, eu vou também. Quero perder minha virgindade de festas de adulto.

- Você mal tem idade para encher a cara. – Eu joguei o papel de volta em sua direção. Por pouco não caiu em seu prato. Foi como se eu visse minha vida passar diante de meus olhos. Você pode brincar a vontade com Sooyoung, mas não com sua comida.

- E você tem? – Ela devolveu a pergunta e eu mostrei a língua. Eu só precisava de mais alguns meses. Tiffany era a única maior de vinte e um ali, a adulta da mesa, como se fosse a mãe de uma renegada e duas calouras. No final, ninguém ligava se você tinha quinze, estava ali por algum motivo, e comprasse algumas doses de álcool ou qualquer outra coisa. Não era muito difícil de conseguir o que quisesse nesse tipo de situação.

- Eu vou também. – Yuri disse, decidida, interrompendo minha discussão inútil com Sooyoung. Tiffany sorriu largo para as duas e bateu palmas, contente pela maioria ter aceitado. Eu tinha certeza que sobraria para mim também, agora com ainda mais pressão. Mas eu não cederia pelo máximo que pudesse. Fazendo-me de difícil, poderia ser, mas parte disso era pura preguiça.

- Vai perder essa, Jess? Eu dou uma carona a todas vocês. Se vou começar por São Francisco ou por Midtown depende da sua resposta. – Tiffany virou-se para mim com aquele sorriso assustador, de canto de lábios. – Você pode ficar naquele seu computadorzinho escrevendo o que quer que seja, ou pode ser jovem uma vez na vida e se divertir com a gente, comemorar o fim das provas.

- Eu não tenho fantasia. – Eu sabia que aquela desculpa não serviria para convencer Tiffany. Eu também precisaria de motivos muito nobres para dar aos meus pais para que me permitissem vir tão tarde para Palo Alto e ainda me emprestarem algum dinheiro, se eu realmente fosse.

- As pessoas vão mesmo fantasiadas? – Yuri perguntou, para confirmar. Pela cara pensativa de Sooyoung e seu mastigar lento, deveria estar decidindo como deveria vir na próxima sexta. Tiffany balançou a cabeça, enfaticamente. Tiffany gostava de se fantasiar. Deveria ser uma de suas partes favoritas das festas. – Pensarei em algo.

- Você tem até amanhã na hora do almoço para me dar a resposta, ou terá que arrumar um jeito de vir sozinha. – Tiffany decidiu aquilo por si mesma. Era injusto, a porcaria da festa seria apenas no último dia da semana, eu poderia bem avisá-la quando quisesse. Eu bati com o punho na mesa e iria reclamar, mas ela me olhou de modo repreensivo. – Vinte e quatro horas é tempo suficiente para conseguir alguns dólares com os pais e decidir se quer ir ou não. – Eu ri sarcasticamente para Tiffany. Eu estava sendo chantageada na cara dura.

...

Fazia mais de duas horas que eu havia voltado de Stanford. Era quinta feira, e, graças a qualquer coisa que reja o universo, as piores provas haviam se passado. Era véspera do fim daquela semana que atormentava os universitários, e também de uma das festas mais esperadas do ano.

Eu ainda estava ocupada com meu computador, desde que cheguei da universidade. Com o notebook ultrafino sobre o colo, eu estava parcialmente deitada em minha cama. As cortinas balançavam com o vento que vinha da varanda que, junto aos raios de sol que batiam no tapete ao centro do quarto, deixava a temperatura agradável. Música saía dos autofalantes estéreo da máquina em cinza espacial. Três programas apenas abertos. O editor de textos, um aplicativo de streaming de música e uma página da web, onde estava conectado o aplicativo de mensagens que eu usava. Era geralmente assim que eu passava o dia. Todos eles.

Meus dedos acertavam intuitivamente as teclas certas, eu mal olhava para o teclado, concentrada nas palavras que se formavam aos poucos na tela retina. Eu estava naqueles surtos que tenho em que nada ao redor importa, a própria música parece um som distante. Estava num ponto da história em que eu estava bastante interessada e as ideias transbordavam. A ansiedade para transformar a inspiração em algo descrito era audível pela forma que meus dedos atingiam o teclado. Eu não teria prestado atenção em outra coisa, se mais de três sons de notificações seguidas não tivessem chamado a minha atenção. Antes de minimizar a janela atual, dei uma olhada no relógio do monitor. Já havia se passado mais uma hora desde a última vez que chequei.

Eu abri o navegador e observei várias mensagens não lidas. A maioria de grupos que não me interessavam no momento, mas havia também uma mensagem de Eunji – eu havia deixado de vacilar com ela -, que aproveitaria para responder, e outra de Hyoyeon. Mas quem havia me chamado atenção por último estava no topo da lista, e foi no nome de Yuri onde eu cliquei. Resumidamente, sua mensagem dizia:

“Ei,Sica, ocupada agora? Deve estar estudando, não quero tirar muito do seu tempo. Já decidiu como irá para a festa amanhã? A propósito, que bom que você decidiu ir com a gente. Assim, seus pais param de reclamar por você ficar o dia inteiro em casa, sua reclusa. Ah! Aliás, você prefere Goku ou Naruto?”.

Primeiro, eu fiquei encarando aquela última pergunta. Sério que ela estava cogitando aquelas opções? Nada contra, fui muito fã de animações japonesas em uma época de minha vida, mas parecia complexo de mais para uma festa de Halloween. Boa parte das pessoas terminava em um lago apenas com as roupas de baixo. Parecia um investimento desnecessário.

Depois, eu me toquei de algo. Eu não fazia ideia do quê eu iria para a festa, ainda. Eu não tinha fantasia em casa, absolutamente nada. Eu sempre preferi festas de natal às de outubro. Eu não me fantasiava de algo desde a infância. Respondi desesperadamente a pergunta de Yuri, algo como que não tinha ideia do que iria, e tinha que sair rápido para providenciar uma fantasia. Sobre sua dúvida, disse outro herói qualquer como sugestão, apenas para contrariar.

Eu fechei o notebook sobre o colchão e dei um pulo da cama, corri até a sacada de meu quarto e observei a casa ao lado. Estava tudo silencioso, mas eu percebi uma movimentação na casa, depois de um tempo prestando atenção.

- Kris! – Chamei por ele em voz alta. O seu quarto ficava quase de frente ao meu. Demorou um pouco, mas ele apareceu vestindo apenas uma bermuda e uma regata simples. Ele não saiu para a varanda, apenas havia afastado a cortina para olhar para mim. – Eu preciso da sua ajuda.

- No que? – Ele riu e ajeitou o cabelo espetado. Aposto que estava jogando e talvez a tiara dos fones de ouvido houvesse amassado seu penteado. Ele finalmente saiu do quarto e abraçou os próprios braços. A brisa estava fresca, não passava dos 64 °F. Não estava frio, fora apenas um choque térmico, com certeza.

- Tenho uma festinha de Halloween na faculdade. – Cruzei os braços e os apoiei sobre o parapeito da sacada. Kris olhou para mim como se eu houvesse dito uma loucura, além das que já estava acostumado a ouvir de mim. – É amanhã, eu não sei o que vestir. Preciso de sua ajuda urgente, ó, senhor da moda de São Francisco.

- Quer a ajuda do futuro estilista para escolher uma fantasia? – Ele riu do meu convite e eu sorri forçado, balancei a cabeça, repetidamente. – Eu posso te acompanhar? Seria justo. – Kris, assim como Tiffany, tinha seus dias de festas. Principalmente se nessa houvesse o movimento LGBT infiltrado. Caso contrário, ele preferia ficar em casa, jogando.

- É de Stanford. Não é minha culpa se você preferiu Berkeley, poderia participar. – Sorri de lado e ele deu de ombros. Era uma das maiores rivalidades do estado, quiçá do país. No futebol, nos estudos e onde quer que fosse. Sempre que alguém de casaco vermelho encontrava outro de casaco azul, ou vice-versa, se olhariam torto. Era impulsivo.

- Você é a traidora. Por que não se muda para Palo Alto? Poupe-me de sua conversa de “eu amo minha cidade”, você se manda daqui todos os dias. – Kris me atacou de volta, por brincadeira. Eu gostava, realmente, de São Francisco, mas estudar em Stanford era um sonho de adolescência. Eu também gostava de Berkeley e toda a história por trás dela, inclusive tentei ser admitida lá, pela proximidade em relação à cidade. A carta resposta de Stanford veio primeiro, e que melhor lugar para se estudar negócios do que no Vale do Silício? – Vamos. Vou me trocar rapidinho.

- Rapidinho. – Eu ri para ele e entrei com o mesmo intuito. Kris nunca se arrumava “rapidinho”.  Eu também não sou nada veloz para isso. Na verdade, a nossa disputa seria mais como ver quem chegaria por último à calçada.

Eu não soube dizer se fui eu ou ele quem terminou de se enfeitar por último. Isso porque eu fiz uma rápida parada na cozinha, para pegar o dinheiro com minha mãe e depois na garagem, para pegar minha bicicleta. Quando eu abri a porta da garagem, Kris já estava com as mãos nos bolsos da calça jeans a me aguardar.

- A madame vai subir ou quer que eu ajude até nisso? – Perguntei assim que montei na bicicleta. Kris não tinha boas memórias de infância com elas, e talvez por isso não tivesse feito questão de aprender a conduzir uma. Eu não tinha um carro, mas minha garupa já serviu de carona para algumas pessoas.

Enquanto pedalava pelas ruas desniveladas de São Francisco e conversava com Kris, foi impossível não me lembrar dos tempos de escola. Quando estava com Kris, eu me tornava mais nostálgica. Nós éramos tão livres naquele tempo. Digo de responsabilidades e preocupações com a vida. Eu ainda considero o ensino médio uma das melhores épocas da minha vida. Foi o momento em que eu descobri quem era de verdade, tive minhas primeiras experiências e fui mais autêntica comigo mesma. Eu sinto saudade de tudo isso. Dos sentimentos mais do que a escola, de fato.

Lembro que era assim, de bicicleta, que eu, Kris, na garupa, e Emmerich, em outra bicicleta, íamos para a escola. Em particular me lembro da icônica vez em que colocamos “Highway To Hell” para reproduzir em nosso caminho – poético – e quase tivemos o celular roubado. Nós éramos como os três mosqueteiros, ou uma versão nerd dos três patetas. Pelo menos até o segundo ano, quando Emmerich voltou para Wisconsin, seu estado de origem. Aí era praticamente só eu e Kris.

Nós assistíamos animações japonesas, jogávamos RPGs, desenhávamos e colecionávamos cartas e histórias em quadrinhos, gostávamos de bandas que estrearam antes mesmo de termos nascido. É, não éramos o trio mais popular da escola. Também tinha no grupinho três nerds programadores, um que inclusive estava fazendo um jogo para web na época, um que manjava de hardware e gostava de fones tecnológicos, e outro meio anarquista anti-capitalismo, que tinha problemas com garotas. Identificava-me com esse. Ele, Kyle, estuda história hoje em dia. Era nossa matéria favorita com o melhor professor que havia tido. Sinto que falarei sobre ele em outra oportunidade.

Era com esse tipo de gente que eu me encaixava. Gostava de aprender um pouco mais sobre a diferença entre as memórias RAM e Hard Drive – eu deixei de baixar vários jogos em meu notebook recém-adquirido porque ele “só tinha quatro gigas de memória”, bem vergonhoso - , como escrever um código HTML, pensar em maneiras de como reconstruir a sociedade – o que incluía a população mundial se desfazer de todo seu dinheiro, devolvendo cada centavo ao banco -, falar sobre os créditos que ganhava da Ubisoft por ter finalizado mais um Assassin’s Creed e especular quando seria o fim de One Piece. Aliás, isso ainda está em publicação?

Nós – Kris e eu – entramos em uma dessas lojas que vendem coisas inúteis e baratas por um dólar, em uma das ruas de comércio do bairro. Minha mãe havia me dado uma quantia bem maior que o preço de quase tudo ali, mas eu não era do tipo que saía gastando dinheiro para o que eu considerava ser à toa. Se bem que, com uma fantasia, eu provavelmente a aproveitaria em todas as outras festas de Halloween que fosse, nos próximos anos. Isso se eu fosse mesmo a alguma.

- Hey, Jess. – Ouvi a voz grave de Kris e, assim que me virei para ele, o garoto colocou uma espécie de tiara verde com as orelhas do Yoda nela. – Está linda assim. – Eu tirei aquele negócio e o usei como arma contra Kris. Nada contra Jedis, eu gosto dos princípios, mas ir vestida de Yoda era de mais para mim.

- Verde não cai muito bem em mim. – Eu usei isso como desculpa, por brincadeira. Eu até gosto de alguns tons de verde. Kris era um dos poucos que percebia o meu humor por trás de palavras duras ou sarcasmo, creio que já estava acostumado. Deve ter sofrido com isso no início, ele pode ser bem sensível, às vezes. Acho que por isso, eu sempre preferi ter amizade com garotos. Menos drama, mais diversão. Eu não tenho paciência para muitas coisas. – Eu quero algo simples. Não to a fim de torrar dinheiro com isso, nem pagar micão na faculdade.

- O Yoda vai ficar triste por você ter o chamado de micão. – Kris fez um biquinho como se estivesse triste ao agitar aquelas orelhas verdes e enrugadas, bem realistas, inclusive, o que chegava a ser grosseiro. Principalmente se pensasse em colocar o dedo ali.

- Não se importa, o Yoda, e perdoar-me ele irá. – Eu fiz uma clara referência ao jeito de falar do personagem, invertendo a construção frasal. Kris não precisou dizer nada para que ficasse claro que ele não havia entendido. Eu tinha ganhado a batalha de quem era o mais nerd ali. – Me ajuda a escolher algo barato e legal, logo. – Revirei os olhos. Eu acho que não tinha muita paciência para fantasias também.

...

Quando cheguei em casa, já havia escurecido do lado de fora, os postes já estavam todos ligados e era a lua que iluminava o céu. Saí da garagem e fui direto para a cozinha, mas, ao passar pela sala, cumprimentei meu pai que estava em seu computador, acompanhando as suas ações no site da corretora. Sempre procurando uma forma de ganhar dinheiro.

Minha mãe já preparava o jantar. Eu interrompi o que ela fazia para entregar o que havia sobrado do dinheiro. Algo em torno de quarenta dólares, ignorando os centavos. Eu detestava moedas e contá-las. Sempre me atrapalhava, às vezes era constrangedor.

- Ainda sobrou isso? – Minha mãe pareceu abismada. Era algo difícil hoje em dia, fantasias já foram mais baratas. Um fato interessante sobre ela é que ela era branca, mas tinha suas raízes catalãs. Sim, eu era mestiça. Asiática, com metade dos genes hispânicos. Para ser mais São Franciscana, só se eu fosse parte da comunidade lésbica. Não, espere...

- Consegui uma oferta. Últimas do estoque. – Respondi ao erguer a sacola da loja que havia visitado. Por sorte, encontrei o que precisava num tiro só e por um preço razoável.

- Não precisa me devolver. Você tem o que comprar na faculdade, não tem? – Minha mãe disse, praticamente ignorando o fato de eu estar estendendo duas notas de vinte e algumas moedas para ela. Eu insisti para que recebesse o troco, mas ela rejeitou. – Estou falando para ficar com isso, se precisarmos, eu peço para você. – Então eu dei de ombros e coloquei o dinheiro de volta nos shorts jeans. É, eu era mais uma das que usavam casacos e shorts curtos. Querendo ou não, nós sempre nos encaixamos em algo do senso comum.

- Por que Jessica está ganhando dinheiro? – Krystal surgiu na cozinha. Tinha uma toalha ao redor dos ombros e as roupas de esporte sujas para levar à maquina de lavar. Devia ter chegado do treino há pouco tempo. Eu entendia o fato de ela ter perguntado aquilo. Não era por presentes ou dinheiro. Nós também não tínhamos mais mesada há algum tempo, nem era aniversário de ninguém, o de Krystal foi há poucos dias. Manter as crescentes necessidades e a filha mais velha em Stanford tinha seus custos, mas eu não reclamava.

- É para a faculdade. Não fique de olho gordo. – Nossa mãe respondeu rapidamente. Eu ri, já que sabia que Krystal havia sido mal interpretada. Aquele era nosso problema, mesmo com os nossos pais. - E vai logo guardar essas roupas molhadas, ou você vai secar o chão da casa inteira.

- Não é isso, eu só perguntei. – Krystal encolheu os ombros, mas, ao invés de obedecer à mãe, ela apenas abraçou sua cintura e encheu sua bochecha de beijos. Era engraçado imaginar como Krystal já fora menor do que eu e hoje em dia era a mais alta da casa. Eu fiquei com o título da que precisa de ajuda para alcançar a prateleira mais alta.

- Jung Krystal! Me solte! Está me molhando toda! – Minha mãe protestou, mas tinha um sorriso nos lábios. E eu? Bem, eu caí fora antes que Krystal começasse com suas demonstrações de afeto para cima de mim. Eu tinha alguns capítulos por terminar e algumas mensagens para responder. Seria assim que eu fecharia a noite, com chave de ouro e panquecas para o jantar.

...

Era finalmente noite de sexta, eu estava enfim livre de provas e dores de cabeça, e iria tentar aproveitar o que seria minha primeira festa como universitária. Estava psicologicamente preparada para encarar pessoas bêbadas e drogadas, e também havia recebido um sermão de meus pais para que eu não fosse uma delas. Eles poderiam ficar tranquilos quanto a isso.

Eu estava no carro de Tiffany, pela primeira vez no dia. Foi mais uma das manhãs que tive que me contentar em ir de ônibus para a faculdade. Ou seja, boa parte do dia eu havia passado fora de casa. Pela minha cabeça, um costumeiro pensamento de quando eu me sentia improdutiva se passava: que desculpa eu daria aos leitores que aguardavam por atualizações, enquanto eu me fazia de ocupada em uma festa a fantasia?

Tiffany já havia dirigido por mais de uma hora, estávamos finalmente em Midtown. As caixas de som bombeavam “California Love” com o 2Pac, Dr. Dre e outro que não me recordava o nome. Por mais que não fosse o normal para mim ouvir hip hop, confesso que aquilo estava me deixando no clima para festa. Eu conhecia a música, havia sido mencionada no livro que eu estava lendo, mas havia sido escolha de Tiffany.

Tiffany estava com uma de suas fantasias clássicas. Ela gostava de empregadas vitorianas, então ela fez uma pequena adaptação: ela era uma zombie maid. Palavras dela. Eu estava com roupas leves, ao contrário do vestido pesado de Tiffany, com um roupão da Sonserina – eu disse que gostava de alguns tons de verde - sobre uma saia de prega cinza e uma camisa de botões branca, por ter sido mão de vaca de mais para comprar o uniforme de Hogwarts. Era o suficiente para a festa.

- Droga! – Tiffany reclamou e então eu acordei para a vida. Olhei em volta e entendi o porquê de Tiffany ter esmurrado o volante. – Eu entrei na rua errada de novo! – Ela sempre fazia isso. Toda vez confundia qual era a rua de Sooyoung.

- Desculpa, eu viajei. – Disse, antes que fosse acusada por ter a deixado fazer aquela cagada. Geralmente, era Sooyoung quem a alertava, quando Tiffany estava prestes a entrar uma rua antes, como de costume.

- Você é uma péssima copilota. – Eu não sabia se “copilota” era uma palavra, mas eu ri concordando com Tiffany. Eu esperava que eu não fosse assim assumindo o volante. Eu ainda planejava tirar a carteira de motorista no ano seguinte. Bem, pelo menos no videogame eu fazia um bom trabalho.

E finalmente chegamos em frente a casa de Sooyoung, depois de ter dado a volta pelo quarteirão. Tiffany buzinou e em pouco mais de um minuto Sooyoung apareceu, mas demorou um tempo a mais para vir ao carro, já que teve que colocar os cães que escaparam de volta para casa. Eu e Tiffany ríamos do trabalho que a Choi estava tendo, e como xingava os pobres animais. Mas ela conseguiu.

- E aí, meninas. – Sooyoung cumprimentou quando abriu a porta direita, no compartimento traseiro. Ela estava vestida exatamente como a Misty, do clássico Pokémon, que voltou a ser popular graças ao seu jogo para mobile. Sooyoung também prendeu o cabelo em um coque torno, a única diferença é que não havia tingido os cabelos de laranja nem usava uma peruca. Graças a deus.

- E essa roupa, aí? Vai ser você quem vai pegar todos os monstros da festa? – Eu perguntei quando Tiffany avançou com o carro, depois que cumprimentamos Sooyoung. Tiffany riu da minha provocação, enquanto seguia caminho para a casa de Yuri.

- Engraçada, Jung. – Sooyoung disse, cheia de ironia. – Só não te chamo de cobra porque você claramente assumiu isso hoje, com essa roupa. – Eu não sabia qual era a casa favorita de Sooyoung em Harry Potter, mas não parecia ser a mesma que a minha. Deveria ser Grifinória, pelo jeito.

- Cale a boca, trouxa. – Eu ri para ela e acabei levando um pescotapa da Choi. Eu praticamente me inclinei sobre o banco para tentar retribuir ao tapa, mas Sooyoung se escondeu atrás do banco de Tiffany.

- Fiquem quietas as duas, ou eu vou mandar as multas para vocês. – Apesar de Tiffany ter brigado, ela ria de nossa interação. Era sempre assim. Não era muito difícil fazê-la rir por qualquer besteira.

O caminho da casa de Sooyoung a de Yuri foi consideravelmente rápido – qualquer coisa é mais rápido do que vir de São Francisco a Palo Alto – e Tiffany não se confundiu no caminho. Tinha algo errado com as ruas de Midtown, que não se repetia em Old Palo Alto. E lá estava a casa de Yuri. Tiffany buzinou e Yuri não demorou tanto quanto Sooyoung para sair, nem teve problema com animais. Yuri entrou pelo mesmo lado de Sooyoung, já que era o mais próximo à calçada.

- Oi, pessoal. – Yuri cumprimentou enquanto se ajeitava no banco logo atrás de mim e fechou a porta. Nós três a cumprimentamos ao mesmo tempo. Eu conseguia a ver pelo espelho retrovisor à minha direita. Graças ao que quer que seja divino, ela havia desistido de Son Goku. Ela estava bem melhor como Lara Croft, a versão com a regata branca e os shorts caqui. – Isso é groselha ou ketchup? – Yuri perguntou para Tiffany. Seu sorriso estava meio assustador, com todo aquele sangue falso e ferimentos.

- Gelatina. – Tiffany respondeu. Nem um, nem outro. – Finalmente o bonde está completo! – Tiffany disse, animada, assim que deu partida novamente. Dessa vez, fez questão de cantar pneu. Eu podia imaginar os pais de Yuri correndo atrás do carro porque a filha deles estava de carona com uma louca. – Nós bem que poderíamos formar uma irmandade... Tocando no assunto, vocês estão pensando em entrar para alguma fraternidade ano que vem?

Tiffany olhou para o retrovisor fixado ao teto do carro para olhar para Yuri e Sooyoung. Eu sabia que a pergunta não era para mim. Eu já disse, desde a época de caloura, que não era meu interesse. Todo mundo queria entrar em uma fraternidade, como nos filmes, eu achava uma puta babaquice. Tiffany só não entrou em uma por falta de tempo e grana. Geralmente essas coisas são extremamente seletivas. Se você não é gostosa ou muito boa em algo, é bom que você tenha uma boa quantidade de cifrões em sua conta bancária. Eu sabia escrever fanfictions.

- Olha, não minto. Seria bem interessante. – Sooyoung foi a primeira a se pronunciar. Seu olhar vagava pela vista da janela. – Mas eu duvido que eu consiga entrar em algo assim. As festas devem ser super bacanas e tem todo o lance de status e tal, mas eu prefiro a irmandade de vocês. – E as reações variaram entre “ownt” e “brega”.

- Eu admito que não vejo a hora de me mandar de casa. Seria legal morar na universidade, nem que fosse nos alojamentos. – Yuri se expressou por fim. O engraçado é que era quem morava mais próximo de onde estudava que considerava se mudar para lá. – Porque vocês duas não se mudam pra Stanford? Deve ser muito pé no saco ter que fazer essa viagem todo dia.

- É caro. Eu já dependo da bolsa, não tenho como pagar a taxa dos dormitórios também. Não vinha incluso na bolsa que consegui. – Tiffany explicou sua situação. Sua sorte foi ter herdado aquele carro.

- O transporte sai mais barato. – Eu também respondi. Não seria ruim morar na universidade. Eu já havia cogitado a possibilidade, inúmeras vezes, mas eu não tinha renda para aquilo. Também duvido que meus pais gostariam de ter a filha tão longe de casa. Eles eram bem corujas.

- Vocês ainda voltam para Frisko essa noite? – Sooyoung perguntou. Eu e Tiffany assentimos. – Caramba, porque não ficam lá em casa? Meus pais deixam de boa.

- Seus pais deixam, mas os da Jessica convocariam o exército para vir atrás dela. – Tiffany respondeu e eu tive que dar risada, pois concordava com cada palavra, sem achar exagero. Mesmo que eu dissesse que dormiria em casa de uma amiga – eles não sabem sobre minha sexualidade -, provavelmente achariam que aproveitei que estava longe para passar a noite com algum garoto, e engravidaria, e teria que largar a universidade, entre outras coisas.

- Eles têm medo de que eu volte para casa com um neto para eles. – Eu respondi, em voz alta. Tiffany riu, concordando sem ao menos conhecer meus pais tão bem, mas o suficiente para saber que era verdade.

- Logo a divina santidade Jung? – Yuri também zombou.  – É mais fácil a Soo não comer nada na festa do que você voltar grávida.

- Olha, eu queria discordar, porque fiquei ofendida, mas é verdade. – Sooyoung concordou. – De qualquer forma, vamos voltar a falar da nossa irmandade. Vai ser a mais popular do campus! – Aquele assunto se prolongou durante o nosso caminho. Definimos que teria que ter o nome de alguma letra do alfabeto grego, como de clichê, e uma breve definição de nós mesmas. Só que ninguém chegou a decidir algo.

...

Nós quatro chegamos juntas em frente ao famoso e turístico Mausoléu de Stanford. Você mal podia ver a grande construção branca e aquelas esfinges esquisitas que protegiam a entrada, em ambos os lados. Na verdade, se você não conhecia o Mausoléu, não diria que ele era branco. Ele estava de todas as cores, por conta dos refletores. Logo em frente a ele, havia um palco elevado com a mesa do DJ e mais luzes florescentes. Estava lotado. As pessoas também andavam com adereços de LED e pinturas neon, que você conseguiria comprar, junto com as bebidas, em um bar improvisado que uns alunos do terceiro ano ficaram de tomar conta.

A programação era bem simples. Começava as dez – quando chegamos, faltavam quinze minutos para as onze -, e à meia noite teria uma apresentação especial da banda famosinha do campus, toda universidade que se preze tem uma dessas. O show duraria cerca de uma hora, e então o DJ voltava com a música eletrônica. Para muitas pessoas, era quando a festa começava de verdade. À uma da manhã, já estava todo mundo muito mais solto e chapado de não me pergunte o que.

- Eu quero dançar! – Tiffany falou assim que chegamos. Nós não estávamos exatamente no meio da multidão, mas ainda assim havia pessoas para todos os lados. Algumas se conversando, outras apenas disfrutando de suas bebidas coloridas ou fumando, outras chupando os rostos uma das outras e girando as línguas. Típico.

- Nós nem nos esquentamos ainda, Tiffany! – Sooyoung disse, com a voz alta, igualmente. O som era extremamente alto. As pessoas dos dormitórios só não se importavam porque também estavam por ali, com toda a certeza.

- Onde ficam as bebidas? – Yuri indagou, sobre o barulho, e eu apontei para algum lugar em meio à multidão. Era quase imperceptível o estande montado em meio a todas aquelas pessoas. Eu aproveitei para registrar o momento com uma foto da multidão. É, eu sei, eu sou uma pessoa careta de mais para coisas do tipo.

- Nós podemos beber e dançar ao mesmo tempo, mesmo que vocês não devessem. – Tiffany novamente assumiu sua função entre nós: a de cuidar. No caso, impedir Sooyoung de passar vergonha, Yuri de arranjar problemas em casa ao chegar bêbada e eu de ficar num canto isolado da festa, usando o aplicativo de edição de texto do celular. Sincronização em nuvem foi a melhor coisa inventada, depois da internet e do computador. Era bastante cômodo poder escrever em qualquer lugar.

Impressionante. Eu não paro de pensar nessas coisas nem quando tem Steve Aoki destroçando meus tímpanos.

- Ah, qual é, Tiffany. – Yuri empurrou o ombro da Hwang, brincalhona. – Sério que, numa festa dessas, você vai bancar a babá?

- Eu não vou, eu quis passar uma imagem de responsável, apenas. – Tiffany sorriu de volta, mas eu sabia que, por dentro, ela estava desapontada por não poder beber tanto quanto queria. Nós ainda tínhamos uma longa viagem de madrugada. Eu não sei quanto a ela, mas eu preferia chegar viva. – Ué, cadê a Soo? – O questionamento de Tiffany finalmente nos fez perceber que Sooyoung já não estava mais entre nós.

- Onde Sooyoung poderia estar? Lógico que ela foi atrás de comida. – Eu ri e apontei quando vi a treinadora Pokémon coreana atravessar a multidão em direção ao bar. Tiffany tomou a dianteira após revirar os olhos e eu e Yuri fomos atrás, nos divertindo com a situação. De uma forma ou de outra, está aí a prova de que eu ainda não voltaria grávida. A não ser por concepção divina.

...

O show da tal da banda da faculdade já estava terminando. Nós decidimos fazer uma pausa, até pouco tempo atrás estávamos em meio à multidão, cantando e pulando com as músicas, mesmo quando não fazíamos ideia de quem diabos era a canção reproduzida - era uma banda cover, esqueci-me deste detalhe -, mas é o que acontece quando se está no meio de várias pessoas que gritam e cantam veementemente. As vibrações contagiam.

Como parte do encore, eles tocavam uma música famosa dos Artic Monkeys para fechar o show, depois de tocarem uma das músicas do mais recente álbum do RHCP. Nós agora assistíamos ao show, de longe, sentadas no gramado e sob uma árvore. Yuri e Sooyoung dividiam uma garrafa de cerveja, e Tiffany havia me presenteado com uma bebida rosa e florescente. Sabia que, no fundo, era para que ela desse alguns goles também.

Eu já sentia meu corpo mais quente, por conta do tanto que havia me movimentado e pelo álcool nas veias – não o suficiente para me deixar bêbada, mas um pouco mais alegre, falante e com sono, algo que é inevitável para mim. Meu roupão estava amarrotado na cintura, mas minha vontade maior era jogá-lo numa lixeira e me livrar dele de uma vez. Mas havia custado dinheiro. Também havia erguido as mangas da blusa e aberto os primeiros botões. Tiffany deveria estar derretendo por baixo daquele vestido.

De alguma forma, eu não me lembro como, entramos em um assunto um tanto sério e profundo: atrizes e cantoras por quem nós tínhamos uma queda. Parecíamos mais um bando de garotos do ensino médio do que universitárias falando, mas eu culpo o ambiente em que estávamos. Algo bastante engraçado sobre isso era ver Tiffany tentar entrar no assunto, falando que protagonista de tal filme era “gostosa”. Tudo bem que ela teve seu relacionamento falho com Taeyeon, mas, fora isso, ela era quase o exemplo de garota da classe média, hétero e de partido conservador. Ela acabou se tornando o alvo de críticas da turma, mas nós apenas ríamos de toda e qualquer discussão.

- O DJ voltou. – Tiffany cortou o assunto, quando ouviu a voz do rapaz, que também era um estudante, anunciar que a festa começaria novamente a todo vapor. Eu parei de falar qualquer besteira que eu considerava engraçada para Yuri e Sooyoung, assim que elas também olharam para a multidão, que só crescia próxima a cabine com as enormes caixas de som. A música começou a tocar, e todos gritaram como animais. – Você não vai escapar de dançar comigo hoje. – Tiffany falou para mim, em tom de ameaçada.

- Vamos, então, antes que eu comece a dormir aqui. – Eu deixei o copo vazio sobre o gramado. O pessoal do terceiro ano teria um trabalho enorme para limpar aquilo, havia garrafas, pontas de cigarros, e não duvido que camisinhas usadas, por todo lado. E pensar que eu faria parte do comitê organizador no próximo ano...

- Vocês também vão, não é? – Tiffany indagou para as outras duas, ao se levantar. Eu fiz a mesma coisa, mas também pensava onde eu poderia deixar a droga do sobretudo. Vestir estava fora de cogitação, e dançar com aquilo pesando em minha cintura, também.

- Eu não sei dançar. – Yuri fez careta e admitiu. Ela parecia fazer o tipo de que insiste nisso, até que alguém a convença a ir para a pista de dança, e então ela toma a atitude dos passos. Lá estava eu, novamente, tentando analisar as pessoas. Às vezes eu acertava. Tiffany abaixou os ombros, decepcionada.

- Eu vou ficar com a sis, para não deixar ela triste aqui, sozinha. – Sooyoung abraçou Yuri pelos ombros, com a mão que não estava ocupada com a garrafa de cerveja. Yuri fez uma careta para ela, claramente desaprovando a aproximação e as acusações feitas contra si.

- Se for por isso, pode ir. – Yuri empurrou Sooyoung para longe e pegou a bebida para si. Aquelas duas eram sempre assim. Ou se amavam, ou se odiavam. Tudo o que eu fazia a respeito era rir ou passar a mão pelo rosto, em negação.

- Quando as duas se decidirem, procurem por nós. – Pelo jeito, nem Tiffany estava com paciência para as discussões das duas. Tiffany firmou a mão em meu pulso e eu soube que seria puxada, querendo ou não. Pensei rápido e agarrei o roupão com a mão livre. Puxei-o da cintura e o joguei no colo de Sooyoung ao gritar para que ela tomasse conta. Eu já era arrastada pela multidão, parecia mais que eu fazia um cosplay mal feito de colegial, agora.

Não era a primeira vez que eu dançava em público, mas era a primeira vez em uma festa – que não fosse com Just Dance – e ao som de música eletrônica. Confesso que fiquei um pouco travada, mas só nos primeiros segundos. Com Tiffany gritando, dançando loucamente e fazendo qualquer um passar vergonha alheia, dançar já não parecia algo constrangedor a se fazer. Eu entrei em seus passos e ri de seu escândalo enquanto nos movíamos. Se estavam observando duas garotas loucas dançarem juntas, eu não me importava.

- Sabia que iam deixar de frescura rapidinho! – Tiffany gritou assim que parou de dançar, e eu fiz o mesmo. Não demorou mais do que alguns minutos para que Sooyoung e Yuri tivessem desistido de ficarem sozinhas. Quer dizer, mais ou menos. Tinha uma garota com elas. Baixinha, cabelos curtos e, a novidade, devia ser mais uma dos estudantes coreanos daquele lugar. Yuri estava usando meu sobretudo. Que belo crossover.  – Quem é a amiga? – Tiffany perguntou.

- Essa é Lee Sunkyu. É da minha sala. – Sooyoung as apresentou para nós. Provavelmente ela e Yuri já haviam se apresentado. Devia ser uma das garotas com quem ela dizia fazer os trabalhos de escola. – Essas são Jessica e Tiffany, são mais legais do que parecem, eu prometo. – Tiffany revirou os olhos com a nossa introdução dada por Sooyoung. Eu concordava com a shikshin, portanto, não fiz nada.

- Primeiro, aprendam a não me chamar de Sunkyu. Eu odeio nomes coreanos. – Sunkyu não tinha traços de sotaques asiáticos e, seu desgosto pelo nome civil, só confirmava a hipótese de que era tão californiana quanto alguém poderia ser. – Minhas amigas me apelidam de Sunny, podem me chamar assim. – Ela era bem amigável. Cumprimentou a Tiffany e a mim com beijos na bochecha. De mais para mim. – Tudo bem se eu ficar com vocês? É que estou sozinha na festa...

- Claro, fique a vontade! Sempre cabe mais uma na roda! – Tiffany disse, de modo extrovertido. Era ela a boa de fazer amizades com qualquer um ali. Eu não via problemas, mas certamente já havia dançado o suficiente.

Eu não sei dizer ao certo quanto tempo ficamos ali, na pista de dança, até porque em festas, creio que seja normal perder a noção de tempo. Nós estramos uma pequena competição de danças esquisitas por um tempo, mas depois que nos cansamos, só erámos mais umas dos que curtiam a música e conversavam, praticamente gritando ao se aproximar do ouvido alheio.

Pude notar algumas coisas a respeito de cada uma durante aquele momento. Tiffany era um imã natural de garotos mal intencionados, Yuri era um imã natural de garotas atiradas, comida era um imã natural de Sooyoung e, bem, eu gostava de tirar umas fotos – das coisas, não minhas -, de vez em quando. Ninguém, exceto Sunny, tentou chamar minha atenção, mas eu não reclamo disso, fazia parte da minha natureza de estar acostumada a estar sozinha. Até os assuntos forçados de Sunny tiravam um pouco de minha paciência. Não sou muito fã de conversa fiada, ou estranhos.

Apesar dos convites tentadores – playboys, garotas e canapés -, nós permanecemos juntas pelo resto da festa. Era o intuito desde o princípio que curtíssemos juntas. Eu fiquei contente por isso. Se fosse para ficar em uma festa sozinha, ou com Sunny fazendo perguntas íntimas de mais para quem acabara de me conhecer – vale dizer que ela agia assim com todo mundo -, eu iria ter preferido ficar em casa. Seguimos com o plano de pular aleatoriamente ao ritmo das batidas, rir dos outros e gritar uma nas orelhas das outras. Sooyoung estava mais distraída com a amiga, Tiffany feliz em ter a atenção dos garotos, então Yuri foi minha maior companheira de conversa, naquela noite.

 Para quem havia começado a semana lendo um livro antes das seis da manhã, esse foi um fechamento inesperado para mim. Talvez seja porque a Califórnia realmente saiba fazer festas, ou a universidade mude a vida das pessoas, mas foi divertido. Eu me sentia mais leve e despreocupada, mas sentia que a companhia das três tinha mais a ver com isso do que o álcool e a bagunça em si. Eu estava pronta para começar tudo novamente. Que viesse a segunda fase do quad.


Notas Finais


Mais música, para variar. Do nome do capítulo e a música que Tiffany ouve no carro: https://www.youtube.com/watch?v=ll_6A-ujiGk
Nos vemos em 2017. Bom réveillon à todos.


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