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História Note To Self. - Mais uma segunda-feira.


Escrita por: GorjessSpazzer e Lobertor

Notas do Autor


Eu disse que não iria demorar. Boa leitura!

Capítulo 4 - Mais uma segunda-feira.


Fanfic / Fanfiction Note To Self. - Mais uma segunda-feira.

Eu passava a minha tarde de domingo como passava qualquer outra tarde, de qualquer outro dia: sentada na cama com o laptop no colo e músicas aleatórias tocando, como se fossem minha trilha sonora. A única diferença entre meus fins de semana e o resto dos dias era que, dificilmente, você conseguiria falar comigo antes das dez, ou depois das onze, o que não era raro.

Não havia sido um final de semana divertido, e não porque eu não havia saído de casa, essa era minha diversão. Os dias foram tediosos devido ao trabalho que, sem novidade alguma, deixei para terminar de última hora. Comecei a fazer o que deveria logo após o almoço, ou café da manhã para mim. Já devia passar das três da tarde àquela hora. Eu deveria mandar aquilo para as minhas colegas de sala antes do fim da tarde, e então entregaríamos o trabalho completo para o professor no dia seguinte, pela manhã. Seria o fim da primeira etapa, depois vinham as apresentações.

Eu ouvi o som de notificação vindo dos estéreos do laptop. A música vinha das caixas de som em minha mesa, que quase nunca usava, apenas quando precisava de um mouse para jogar. Sobre as notificações, eu as ignorava se estava concentrada em algo, mas trabalhos acadêmicos nunca conseguiram prender minha atenção completamente. Eu tentava evitar, mas era quase impossível resistir à tentação.

Tinha algumas mensagens de grupos, dos quais eu nem sabia mais porque eu ainda fazia parte, exceto aquele criado por Tiffany, que agora contava com uma nova integrante, mas chegaremos a isso mais tarde. Eu tinha que responder Hyoyeon. Ela havia me mandado algumas fotos de sua última “aquisição musical”.

Eu nunca havia visto tanto postcard junto. Hyoyeon me explicou que havia sido um presente, por ter comprado na pré-venda, e eu admito que a invejei um pouco. Não era do álbum em si, ele não era de longe um de meus grupos favoritos. Eu deveria comprar algo antes do lançamento, algum dia. Hyoyeon me enviou mais uma mensagem, com uma pergunta:

“Você comprou o que faltava para ti, né? Da sub-unit. Qual das versões você pediu? A vermelha ou a verde?”.

O assunto de quase sempre, entre nós. E sim, eu havia aumentado em um a minha coleção de CDs. Agora só me restava esperar, ansiosamente, aquele negócio vir do outro lado do mundo até a porta de minha casa. Era uma tortura esperar, e eu sempre tinha sonhos relacionados, mas também era mão de vaca de mais para comprar algo com uma taxa de postagem mais cara, apenas para chegar mais rápido. Viria até mim, de qualquer forma.

“A única opção do site era a aleatória. Eu acho a vermelha mais bonita, mas pouco importa. Eu quero uma carta da mais nova. Já tenho duas da líder e a outra, apesar de ser uma de minhas favoritas, já faz parte da minha coleção. Que seja verde, mas que venha com a maknae.”

Não demorou muito para ela me mandar uma resposta, o que eu precisava ouvir na hora:

“Espero que consiga. Boa sorte.”

Chame-me de idiota por esperar tanto de uma carta aleatória, mas não julgue os que os outros têm como prioridade. Prioridade... O trabalho deveria ser prioridade, mas outra notificação se manifestou por via sonora. Era Yuri. Seu nome surgiu no topo da lista, à esquerda.

“Hey, Jung. Ocupada?”

Mais ou menos. Eu deveria estar.

“Terminando um trabalho, mas só preciso revisar e colocar as referências bibliográficas”.

Depois de pressionar a tecla de enviar, eu finalmente comecei a fazer o que disse a Yuri que eu estava fazendo. Não que eu estivesse mentindo, é que eu disse que iria fazer antes de começar. E também não é que eu não quisesse falar com ela, pelo contrário, mas seria pior ainda mentir... Certo? Esses trabalhos sempre me deixam estressada e confusa.

“Ah, então não vou te atrapalhar.”

Na verdade, ela estava me ajudando. As chances de eu arrancar meus próprios cabelos eram menores enquanto ela conversasse comigo. Pior que escrever um trabalho, era redigir referência por referência, verificar a ortografia. Eu não gostava desse processo nem em minhas próprias histórias.

“Você não atrapalha, pode falar.”

Eu queria conversar com Yuri, eu só não admitia esse tipo de coisa, fosse para quem fosse. Mas eu entendo as pessoas se sentirem como se estivessem me incomodando. Eu sou extremamente quieta, e demoro horas para responder – na vida real, sou muito desligada -, é fácil confundir minha falta de atenção com falta de interesse. Podem parecer a mesma coisa, mas não são.

De qualquer forma, eu terminei meu trabalho daquela forma. Conversando com Yuri, revisando e referenciando. Eu literalmente comemorei quando enviei o e-mail com o arquivo de texto com minha parte do trabalho para as outras quatro integrantes de meu grupo. Com palmas e um “finalmente” sussurrado, eu festejei minha liberdade. Pelo jeito, seria um fim de semana sem escrita criativa. Eu não aguentava mais olhar para o notebook. Fechei-o e deixei sobre a mesa inutilizada, depois de ter fechado todos os programas.

Eu ainda falava com Yuri, agora pelo celular. Nos últimos dias, eu tenho falado mais com ela em conversa privada do que com Tiffany, Sooyoung, ou no grupo, em si. Eu não via problema naquilo, na verdade. Elas deviam estar tão ocupadas quanto eu e, se meus assuntos eram com Yuri, não havia necessidade de perturbá-las com notificação. E outros motivos também, mas chegaremos a eles mais tarde, como disse anteriormente.

Estava deitada em minha cama, de bruços, rindo para alguma publicação que Yuri havia me marcado no tão odiado – por mim – Facebook. Eu não lembro se ria por conta de ser alguma estupidez qualquer, ou se eram filhotes. Deviam ser filhotes. Eu gosto de filhotes, mas meus pais não gostam de animais, o que é uma pena. Eu sempre quis um Maltês. Ou um Golden Retriever. Eu já devo ter dito que sou de extremos.

Contudo, apesar de minha preguiça, eu não conseguia ficar muito tempo na cama. Sentia-me inútil por perder tempo fazendo nada, por mais que, para meus pais, era sempre isso que eu estava fazendo: nada. Ao contrário do que eles achavam, eu queria fazer alguma coisa, mesmo que não fosse nada útil para eles. Ainda mais quando o lado de fora era abençoado pela “hora dourada”, o famoso pôr do sol. Sair de casa estava fora de cogitação, mas eu poderia passar algum tempo na varanda.

Com uma ideia em mente, eu me levantei da cama, com o celular no bolso dos shorts, e troquei a camiseta por uma cinza, de mangas cumpridas. Tirei o violão do case, peguei o capotraste e uma palheta branca de 0.7mm. Eu geralmente usava as que tinham até espessura ou menores para o violão, para a guitarra, eu preferia as pesadas e extrapesadas. É algo que faz diferença quando você gosta de tocar músicas do Maiden. Com o baixo, eu preferia usar os dedos, por mais que as pontas ficassem queimadas depois, por falta de costume com aquelas cordas. De todos, eu ainda usava mais o violão, às vezes por preguiça de ligar os equipamentos.

Eu me sentei ao chão da varanda. A varanda e a cortina do quarto de Kris estavam fechadas, e nem era minha atenção bater um papo agora. Eu cruzei as pernas e deixei o violão sobre a coxa direita. No chão, à minha frente, deixei a disposição o capotraste, a palheta, que facilmente se perdia ao piso, e meu celular, caso eu precisasse ver alguma letra ou cifra, mas sua principal utilidade era responder às mensagens de Yuri, entre uma música e outra.

Eu tinha a mania de escolher um artista para o dia, e tocar o máximo de suas músicas que conhecia. Mesmo se eu não me lembrasse como tocar, o aplicativo do celular me ajudava com os acordes. Há poucos dias eu tenho cismado com o Sheeran. Eu já conhecia algumas músicas suas, as da rádio, não minto, mas seu trabalho me parecia mais interessante de um tempo para cá. Eu já tinha salvado toda sua discografia e aprendido várias músicas em poucos dias. Eu costumo mergulhar de cabeça quando descubro artistas novos.

Com aquela bela visão da casa de Kris e seu jardim, eu me distraí com a música. Era uma das coisas que eu mais gostava de fazer. Se eu tivesse dinheiro suficiente para viver sem precisar trabalhar um dia sequer, eu provavelmente passaria os meus dias com o violão, o notebook para escrever histórias, e em viagens, quando o meu lado curioso implorasse para uma saída de casa. Até pessoas como eu se cansam de seus quartos, alguma hora.

Eu também tinha o costume de gravar alguma das músicas que eu tocava. Geralmente as minhas favoritas, ou as que eu queria ter certeza que eu estava cantando tão bem quanto eu achava. Não que eu me achasse a próxima Whitney Huston, bem longe disso, eu só achava que tinha certa noção de afinação. Eu não tinha confiança alguma com notas altas.

As escolhas do dia foram “The A Team”, “Tenerife Sea” e “Photograph”. De volta ao assunto dos tons, algumas delas, ao contrário do que mencionei, tinham partes que poderiam ser consideradas baixas de mais para a minha voz, mas o violão compensava, e eu era preguiçosa de mais para me preocupar com mudanças de tom. No final, eu gostei dos resultados. Não estavam perfeitos, mas era o suficiente para um luau descontraído, na sacada do próprio quarto.

Eu não sei se hoje em dia acharia esses áudios tão bons assim, mas na época eu os achei o suficiente para compartilhá-los com Yuri. Eu já havia cantado, por brincadeiras no carro, na presença delas, mas nada mais sério, com a real intenção de acertar as notas não só na voz, como no instrumento também. Eu não dei muitas explicações a Yuri. Apenas enviei, no meio da conversa, sem mais nem menos. Yuri me mandou um sinal de interrogação, pelos três arquivos de áudio. Eu entendia sua confusão.

“Apenas ouça.”

Eu respondi e bloqueei novamente a tela do celular. Eu toquei melodias de músicas do mesmo cantor aleatoriamente, dessa vez sem cantar. Apenas queria que o tempo passasse. Eu não iria responder até que Yuri tivesse ouvido os três áudios. Eu costumava mandar meus covers para Seohyun, mas era a primeira vez que mandava um para Yuri. Estava um pouco ansiosa, admito, quando dez minutos se passaram e eu peguei o aparelho novamente, para ler seu comentário.

“Sua voz é muito fofa. Parece o Pikachu.”

Pikachu?

Okay, eu ainda não havia escutado essa. Coisas como “cante mais alto”, “sua voz é bonita, mas eu só ouço o violão” eram frequentes, mas “parece o Pikachu” era novidade. Eu não sabia reagir aquilo. Não sabia se era um elogio, ou se ficava brava, mas, novamente, Pikachu?

“Não parece o Pikachu.”

Eu devo ter feito um bico, cara feia, ou os dois, ao responder. Claro, lembrei-me de agradecer pelo elogio, posteriormente, mas não é todo dia que sua voz é comparada a de um Pokémon. Aquilo ficaria marcado para sempre em minha cabeça. Eu só esperava não me lembrar disso todas as vezes que apertasse o botão “gravar”.

“Parece sim.”

Se valia a pena entrar naquela discussão? Não, mas nós entramos, de qualquer jeito. Em situações como essa, em que discordávamos, perdia quem decidisse ficar quieta primeiro. Nós duas éramos igualmente teimosas... Digo igualmente, pois sei que, se ela discordar de algum veredicto meu aqui, entraríamos em outra discussão tão fervorosa e importante quanto a sobre o tom de minha voz. Não nego, também, que o “fofa” talvez tenha me arrancado um sorriso. Elogios são sempre bons, independente de quem diz ou como vêm.

...

Era segunda feira pós Festa do Mausoléu e eu ainda não havia entregado o trabalho, isso porque ainda era cedo de mais, as aulas ainda não haviam começado. Mesmo assim, eu já estava em Stanford, mais precisamente, sentada em uma das escadas que levava ao prédio da faculdade de negócios. Eu não estava sozinha, Seohyun estava ao meu lado. Nós conversávamos, mas nossos olhos estavam vidrados nos laptops em nossas pernas; um cinza, com o logo de uma fruta brilhante, o outro preto, com três serpentes, como um tríscele, em verde florescente atrás. Só por isso, era perceptível quem realmente entendia de computadores e jogos ali. Não era eu.

- Eu ainda não acredito que você foi. – Seohyun ria quando seus dedos digitavam um código que eu não entendia, nem fazia ideia para que servia. Minhas frases faziam mais sentido para meros mortais. Ou talvez nem tanto. – Uma garota da minha sala disse que ia ser pesado.

- A única coisa pesada foi meu sono, quando cheguei em casa. Eu literalmente acordei para o almoço. – Foi minha vez de dar uma risada discreta, como um assopro pelo nariz. – Ano que vem é minha vez de organizar. Você será minha convidada.

- Você foi por pura e espontânea vontade? – Seohyun perguntou enquanto seus olhos examinavam cada linha que tinha escrito. Ela estalou a língua e apagou algumas delas. Devia ter se esquecido de algo, não sei dizer.

- Mais ou menos. Tiffany insistiu porque Sooyoung e Yuri também iriam. – Eu poderia ter negado, mas não o fiz, então parte daquilo foi sim por vontade própria. Não fui ameaçada por alguma faca em momento nenhum.

- Yuri é a de design? – Eu já havia comentado de Tiffany e Sooyoung para Seohyun, mas eu não me lembrava de ter falado sobre Yuri para ninguém. Dei de ombros e afirmei com a cabeça, mas me esqueci de que não olhávamos uma para a outra.

- Exatamente ela. – Foi minha vez de segurar o backspace por alguns segundos. A última frase que eu havia escrito não fizera sentido algum. Não era fácil falar e escrever ao mesmo tempo sem misturar as coisas. – Chega de falar sobre mim, e aquela sua amiga do segundo ano?

- Não me lembre, unnie. Eu estou tentando desapegar. – Seohyun suspirou e massageou o ombro direito, ao fazer uma pequena pausa. Não estávamos numa posição assim tão confortável, debruçadas sobre aqueles computadores.

- Por quê? Pensei que tivesse se aproximado dela. – Era algo que Seohyun costumava comentar comigo, as suas paixões que mudavam de tempos em tempos. Eu também confiava aquele assunto a ela, desde que nos conhecemos, mas, desde meu último relacionamento, era ela a única que falava. Não fazia mais de um semestre que eu tinha conseguido me livrar daquele sentimento louco, eu tinha reaprendido a respirar sozinha, sendo exagerada, e não queria me sufocar novamente, ainda.

- É, posso dizer que somos amigas agora. Mas eu tenho medo de ser só isso. – Seohyun fez um bico, por uns segundos, e eu a observei por pouco tempo. Quando voltei meus olhos para a tela de meu computador, eu ouvi seus dedos saltando sobre o teclado mecânico. – Ela é mais velha, linda, inteligente, e talvez não se interesse por mim desse jeito.

- Quer um palpite meu? – Fiz uma pequena pausa, para puro suspense. Eu estava bem teatral, nesse dia. – Faça algo a respeito antes de entrar na famosa friend zone. – Eu não sei se ainda usam essa palavra hoje em dia. – É frio lá, e sem volta.

- Você já esteve lá muitas vezes? – Seohyun me perguntou. Ela ria, se divertindo com minha resposta. Eu fiquei feliz com isso. Eu não queria iludi-la, dizendo para arriscar tudo às cegas, mas eu queria que ela tentasse, pelo menos. Às vezes eu sentia como se ela fosse uma irmã que eu mesma adotei.

- Nunca cheguei nem ao status de amiga. Mas eu já deixei algumas pessoas por lá. – Eu sorri torto e, felizmente, Seohyun entendeu e nós duas ríamos, dessa vez ao olharmos uma para a outra. “Jessica Jung, a arrasa corações” era bizarrice de mais para acreditar. Foram três garotos, nos tempos de escola, e um deles era Kris, mas isso não importa agora, ele tinha seus motivos, na época. Ah, teve outro por internet, mas esse eu fiquei sabendo por meu pai. Época do MSN, ele tinha minha senha. O garoto literalmente se declarou para o meu pai. Meu pai fez bem em ter o colocado para correr, eu faria o mesmo. – Esqueça-se de garotas ou garotos, termine o que tem para fazer. – Eu a repreendi, por brincadeira. Nós rimos mais uma vez e voltamos ao que fazíamos.

Era sempre bom passar tempo com Seo Juhyun, por menor que ele fosse.

...

Como em todos os dias da semana, ou pelo menos em todos eles dos quase dois últimos meses, depois de me servir e pagar pelo meu almoço, eu fui com minha bandeja para mesa onde Tiffany, Sooyoung e Yuri deveriam estar me esperando. Pelo menos Tiffany e Sooyoung deveriam estar lá, mas dessa vez, as quatro estavam lá. Quatro. Sunny estava ali também, para a minha surpresa. Eu me aproximei, de qualquer forma, e me sentei ao lado de Yuri. À nossa frente, estavam Sooyoung, na ponta direita, Sunny, no meio, e a Hwang, exatamente a minha frente.

- Boa tarde. – Eu as cumprimentei igualmente, com um sorriso. Eu ainda não havia visto nenhuma delas naquele dia, por ter passado a minha manhã com Seohyun. Elas retribuíram o sorriso, e não voltaram ao assunto anterior, se é que havia algum, antes de eu chegar.

- Sunny vai passar o almoço com a gente agora, você se importa? – Tiffany perguntou num tom tão doce que, mesmo se houvesse algum problema, eu não conseguiria discordar de forma alguma. Ainda mais com Sunny sorrindo para mim, Sooyoung e Yuri também me encarando. Eu apenas dei de ombros e peguei meus talheres. Elas logo voltaram a falar sobre qualquer assunto.

Eu não tinha nada contra Sunny, nem a conhecia a tempo suficiente para gostar ou desgostar dela, mas a situação me deixava um pouco desconfortável. Se eu não disse isso antes, e eu creio que já mencionei, eu não sou a melhor pessoa para me aproximar de estranhos, a não ser que haja alguma identificação. Eu não tinha muito a ver com Sunny, e eu não digo apenas de personalidade, até porque todas ali éramos bem distintas. Eu só não reajo bem perto de pessoas que mal conheço. Eu apenas não tenho vontade de falar apenas para não ficar em silêncio, e isso não me deixava à vontade. Ainda mais quando estou tentando almoçar.

Era sobre isso que estava me demorando tanto a comentar, dizendo que falaria sobre isso quando a oportunidade viesse, e cá ela está. Sunny também fazia parte do grupo das “amigas do almoço” e não só no aplicativo de mensagens, aparentemente. Não me levem a mal, é que eu estava acostumada com apenas eu, Yuri, Tiffany e Sooyoung. De repente, com a entrada de uma desconhecida, eu sentia que deixava de dizer várias coisas por conta dela. Não é algo do tipo “garota nova na área atrai toda a atenção”, era como “não assuste a garota, aja normalmente”. As três já estavam acostumadas com o meu jeito peculiar, às vezes, mas Sunny não.

Eu gosto de complicar as coisas. Era apenas a porra de uma “colega” nova.

- Entregou aquele trabalho que estava fazendo ontem? – Yuri perguntou diretamente para mim, talvez por ter ficado calada desde que cheguei. Tiffany, Sooyoung e Sunny ainda conversavam entre si. Eu não havia prestado atenção no assunto para saber do que falavam.

- Uhum, mas o professor ainda vai falar sobre a apresentação depois do almoço. – Respondi, entre uma garfada e outra. A apresentação não era, pelo menos para mim, a pior parte. Não era a melhor sensação ter que falar de um assunto maçante num discurso decorado para a turma toda, mas era melhor do que toda a burocracia do trabalho escrito. E significava a liberdade, também, do trabalho horroroso que tínhamos que fazer todo semestre.

- O que você acha, Jessica? – Sunny me perguntou, como se eu tivesse prestando atenção em algo que as outras três falavam, enquanto eu respondia Yuri e divagava sobre trabalhos acadêmicos.

- Sobre? – Eu questionei, para que me explicassem mais do assunto.

- Vai ter uma festa no dormitório da Sunny, você vai? – Tiffany me perguntou, ela estava animada. Eu torci o nariz instantaneamente. Ela achava que, por conta de uma, eu havia virado a amante de festas? Longe disso.

- Não, obrigada. – Eu não dei muita atenção, para não abrir brechas para insistências e coisas do tipo. Eu definitivamente não era o tipo que aproveitava a juventude. Não sou eu que digo, meu pai joga isso na minha cara todos os dias. Acho que elas perceberam que eu não estava muito a fim de falar, naquele dia, pois não insistiram e me deixaram almoçar em silêncio. Aquela tal de tensão pré-menstrual deveria estar dando o ar de sua graça. Eu não as culpava, e sentia muito por minha grosseria além do comum.

...

Como eu havia dito para Yuri, a segunda aula daquele professor foi basicamente ele dando instruções e fazendo exigências quanto à apresentação que teríamos na próxima segunda. Power Point, máximo de dez minutos e com foco na prática que executamos em uma empresa seguradora, no caso de meu grupo. Pelo menos isso, os trabalhos seriam mais diversificados, menos maçantes de apresentar ou assistir.

O período da tarde foi, basicamente, aquilo. Eu tinha duas horas livres, depois de ter saído daquela classe congelante, se fosse com Maurice. Teria de esperar uns minutos a mais, se quisesse ir com Tiffany. Eu ainda não havia decidido. De qualquer forma, eu deveria me preocupar com o que eu deveria passar o tempo, para que o tédio não me matasse antes que eu pudesse voltar para casa. Antes disso, contudo, eu teria que devolver os livros que usei para o trabalho. Eu vinha renovando o empréstimo por duas semanas, e era hora de me livrar daquele peso extra.

Eu fui à biblioteca mais próxima, onde havia pegado aqueles livros, e agradeci pelo clima ali estar um pouco mais quente. Novembro começaria no dia seguinte, e a brisa já ficava mais fria a cada dia. Caminhei até o balcão, onde duas bibliotecárias estavam sentadas, do outro lado, atrás dos computadores. Uma delas estava ocupada, então eu fui até a mulher loira, de cabelos curtos, que vestia uma camisa de gola rolê azul clara. Trocamos um cumprimento e sorrisos educados, quando ela me notou ali.

- Devolução? – Ela perguntou ao apontar para os livros, os quais eu havia tirado da mochila em meu caminho até ali. Eu demorei um pouco para assentir e passar os três livros para ela, porque, a senhora que eu não vi o nome, era como uma versão mais velha da Ellen DeGeneres. Eu me distraio fácil. “Ellen” escaneou o código de barras dos livros com um leitor e me deu um okay, que a situação estava resolvida e a devolução constava no sistema. Eu agradeci e dei meia volta, em direção à saída da biblioteca.

- Hey, Jessica!

Primeiro, eu pensei em ignorar, já que não era a única Jessica em Stanford – lado ruim de não ter um nome coreano -, mas a curiosidade, como sempre, falou mais alto. Discretamente, eu olhei em direção à voz e encontrei Yuri com seu computador e caderno sobre uma das mesas, mais próxima à janela, acenando para mim. Eu não pensei duas vezes. Caminhei sobre aquele carpete vermelho e puxei uma das cadeiras para me sentar. Deixei a mochila sobre a mesa de madeira amarronzada – não sei muito sobre madeira - e envernizada.

- O que está fazendo? – Eu perguntei ao me ajeitar de modo mais confortável naquela cadeira. Yuri olhava para o computador, mas o lápis estava em mãos. O caderno, pelo menos onde eu podia ver, estava em branco.

- Uma caixa de leite. De todas as coisas do mundo, o professor pediu para elaborarmos uma caixa de leite. – Eu ri pelo fato de Yuri não estar muito contente em ter que desenhar aquilo. Descontente não era a palavra certa, ela deveria estar muito puta, pela sua cara de tédio. Era engraçado vê-la assim. – Como ele quer que uma caixa de leite seja inovadora?

- Coloque um código QR nela. – Eu dei a sugestão mais boba possível, sem me importar se Yuri iria olhar feio para mim ou não. Às vezes, eu fazia esse tipo de piada, as que eu achava graça sozinha. Felizmente, Yuri riu junto comigo. – Acho que já usam isso.

- O professor deve estar brincando conosco. – Yuri negou com a cabeça e ficou a encarar o papel, como se pensasse no que desenhar, como começar. Eu arriscaria dizer com a caixa de leite, se não estivesse ocupada.

- Você é caloura, todos brincarão contigo. – Eu brinquei mais uma vez. Dessa vez Yuri fez careta para mim. Eu apenas ri para ela e tirei meu próprio computador da mochila. Eu havia decidido o que fazer. Aproveitaria o tempo livre para escrever, e faria qualquer outra coisa, quando estivesse em casa.

- Eu quero que esse ano acabe logo então. – Yuri coçou a cabeça, pelo menos onde o seu boné não cobria, em sinal de estresse. Eu dei um curto sorriso para ela e deixei que ela fizesse seu trabalho, e eu parti para o meu. Nós estávamos em silêncio e concentrada por alguns minutos, ou ao menos eu estava, até que Yuri voltou a falar. – Mais trabalho?

- Não, por enquanto. – Eu parei de digitar e ri para a pergunta de Yuri. Eu também não duvidava mais trabalhos aparecerem. Faltavam quase um mês e meio para o fim das aulas, tempo suficiente para que professores exigissem trabalhos, por mais que fossem simples, em comparação ao último. – Só estou escrevendo.

- O que? – Yuri não conteve a curiosidade, ou impulsividade da pergunta. Eu não via motivo para deixar de responder. Nós já havíamos conversado sobre aquele tipo de história com Sooyoung, se minha memória não falhava, eu apenas não havia mencionado nada sobre escrita.

- Isso aqui. – Eu disse após ter aberto a página da internet em meu laptop. A maioria dos prédios fornecia sinal de internet sem fio, que você poderia acessar com suas credenciais da universidade. Virei o notebook para ela. Não esperava que conhecesse, na verdade, existem histórias de mais no site, para todos os gostos.

- Omo... – Yuri disse, em coreano. Ela já havia admitido que não sabia muito do idioma, mas, para a maioria dos descendentes de asiáticos, não saber o mínimo da língua de origem era como morar na Califórnia e não saber o mínimo de espanhol. – É você que escreve isso? – Yuri arregalou os olhos ao entreolhar o nome de usuário e a mim, como se isso fosse confirmar a minha identidade.  – Heol, é uma das minhas favoritas!

- Sério? – Foi minha vez de olhá-la com descrença. Sempre que eu ouvia essas coisas, além de lisonjeada, eu me sentia um pouco iludida. Existem muitas histórias boas para as minhas serem as favoritas de alguém. Eram minhas, claro que eu gostava delas, mas admitia que poderiam ser apenas um monte de besteira, para a maioria das pessoas.

- Sim! Espere! – Fiquei observando enquanto Yuri mexia em meu computador agora. Eu me perguntava o que ela queria me mostrar em meu próprio aparelho. Algo que eu ainda não tinha visto? Duvidava.

- Não vale ler o que eu estava escrevendo... – Eu brinquei, mas na verdade não queria que ela lesse. Se ela acompanhava a história, teria que esperar como todas as outras pessoas.

- Poxa, me deu ideia tarde de mais. – Yuri já tinha virado o notebook para mim, e fez bico pela frustração. – Esse primeiro comentário constrangedor aí sou eu. – Eu olhei para a tela e li o comentário. Eu reconhecia o ícone utilizado por Yuri, eu gostava dele, na verdade, até já tinha salvado aquela montagem do próprio perfil dela.

- Uau... Isso é do ano passado! – Eu não sabia direito como reagir, nós apenas rimos da situação. Era um tanto louca. Era como se Tiffany tivesse me apresentado para uma pessoa que eu já “conhecia”.

- Eu vou apagar isso depois. – Yuri coçou a nuca, constrangida, e voltou ao seu desenho. Dessa vez, o retângulo no papel já parecia mais com uma caixa de leite. Ela, aparentemente, não estava com a mínima pressa de terminar.

- Não faça isso, é a primeira interação. – Sorri para ela e fechei a página atual para voltar a minha escrita. Eu olhei para Yuri uma última vez, e ela voltou a olhar para o seu computador também. Sob pressão ou não, era melhor que nós fizéssemos o que tínhamos a fazer.

- Jessica... - Yuri me chamou mais uma vez, depois de um tempo. Novamente, eu parei o que fazia e cruzei os braços sobre a mesa. – Desculpa, eu to te interrompendo pra falar besteira. – Eu neguei com a cabeça e sorri, indicando que ela poderia seguir em frente. Não me incomodava, na verdade. – Como foi seu primeiro fora?

- Meu primeiro fora? – Eu mais repeti a pergunta para mim do que usei minha memória, eu sabia a resposta. Só era um assunto meio aleatório, mas comum em conversas de jovens normais, como a que eu tive com Seohyun, pela manhã. Nem todos gostavam de falar sobre jogos, tecnologia e cantores orientais por todo o tempo. – Nunca levei um fora, por não ter tido coragem de me declarar. – Foi quase uma mentira. Eu havia o feito uma vez, e fui aceita, mas a pergunta não foi sobre isso.

- Por que não? – Yuri franziu a testa para mim. Por ela ter continuado, eu percebi que os nossos laptops continuariam ligados apenas para descarga. Nós mal olhávamos para eles.

- Eu sou medrosa. Sabe, a história de gostar da amiga hetero, outras eu mal conhecia. – Dei de ombros. Eu nunca fui o tipo de pessoa que ligava para relacionamentos, beijar bocas ou transar loucamente, como a maioria dos adolescentes. Só uma vez o sentimento foi forte o bastante para que eu admitisse para alguém.  – E você? – Eu mudei o rumo da conversa para ela. Nada de proveitoso viria de mim, com aquele assunto.

- Foi quando eu estava no ginásio. – Uou, precoce. Nessa época eu me importava mais com as séries do Disney Channel. – Eu tinha essa amiga que eu gostava, e nós passamos um dia juntas. Sabe, algo como assistir filmes e ficar de melação. Eu só não notei que era melação entre amigas. Eu me declarei por Facebook, depois, e fui quase crucificada por ela. - E eu que guardo mágoas da rede social. – Eventualmente eu superei isso e outras histórias vieram.

- Tipo? – Eu perguntei. Já que Yuri estava empolgada com aquele assunto, eu apenas a encorajei a falar. Seria uma forma de conhecê-la um pouco mais. Ela parecia ter boas histórias para contar.

- Tipo meu primeiro beijo, com alguém que eu não conhecia, no banheiro da festa da aniversariante. Foi horrível e hoje a garota está grávida. – Eu ri com aquela história. Era quase pior do que a antiga eu sendo arrastada por uma amiga para um jogo da garrafa. Também foi horrível e, eu suspeito, que hoje o rapaz seja gay. Ele tinha seus jeitos. Isso foi quando eu morava em San Mateo. – E então teve uma fase complicada em que eu gostava de duas garotas.

Eu não pude evitar me sentir um pouco... Decepcionada? Não sei se eu tinha o direito, mas foi inevitável a lembrança. Yuri continuou falando sobre suas experiências, e eu aquiesci as suas palavras, mas minha mente estava focada em outro lugar. Em outro tempo, na realidade, mais exatamente, entre o ano anterior e início deste.

Sabe quando você é o tipo de pessoa que seu ano pode depender única e exclusivamente de um único ser? Eu fui esse tipo de pessoa com Park Jiyeon. A conheci por meio da história que ela escrevia, por um comentário meu, e descobri que ela lia as minhas também. Ela enviou um pedido de amizade, e eu aceitei, puxou conversa, e eu gostei de bater papo com ela, perguntou meu número, e eu baixei o aplicativo de mensagens por conta disso. Eu não tinha motivos para usá-lo antes, mas Jiyeon era de Sacramento. A possibilidade de eu visita-la para um chá da tarde era ínfima.

Jiyeon era o tipo de garota que sabia como fazer alguém se cativar por ela, e eu fui presa fácil, desde o primeiro dia. Eu respondi positivamente aos seus flertes desde o princípio e não me faço de inocente desinformada. Parte de mim era consciente, eu sabia dos riscos e o que estava fazendo, mas outra agia como se ela tivesse toda essa influência sobre mim.

E talvez tivesse. Eu não sei dizer ao certo quando, mas eu desenvolvi sentimentos por Jiyeon. O problema é que eu sabia que ela tinha outra garota em mente, Park Hyomin, essa que era de Los Angeles. As duas tinham uma amizade complicada, e tinham várias dúvidas sobre engatar em um relacionamento. Jiyeon sempre me dizia que não tinha certeza de seus sentimentos por Hyomin, e que tinha alguém que estava roubando parte de seu coração, aos poucos.

Suspeitei que fosse eu, então eu pedi a ajuda de Lee Jihyun – era de uma cidade próxima a Sacramento, nem falo mais com ela, mas éramos em quatro, assim como somos, hoje, eu, Tiffany, Sooyoung e Yuri – para buscar algumas informações. Eu as consegui, mas ganhei mais uma competidora. Essa não me preocupava muito, apesar disso. Eu não sei o que Jiyeon fazia para cativar tanta gente, apesar de ser completamente insana.

E eu fui louca o suficiente para não impedir meus sentimentos. O pior de tudo era aguentar os ciúmes das interações entre Jiyeon e Hyomin, enquanto Jihyun me encorajava, apesar do que sentia. Também tinha Jiyeon me dando esperanças, como da vez que falou que, se o que sentisse por Hyomin fosse tão forte assim, ela não teria uma segunda pessoa em mente. E eu, a todo custo, tentava gostar de Hyomin. Ela era uma boa pessoa, mas eu a via como um risco. Jiyeon gostava verdadeiramente dela, ela era bonita para caralho, não tinha como eu ter chances. Minha autoestima era ainda pior, assim como eu não tinha qualquer amor próprio.

Foi essa a única vez que eu tomei coragem para me confessar, porque eu não queria continuar chorando pelos cantos – literalmente – por minha falta de coragem. Eu atirei às cegas e o fiz, antes de me deitar. Eu tentei dormir, mas não consegui, até Jiyeon me responder. Eu lembro que fiquei feliz pelas palavras. Ela correspondia os sentimentos, assim como eu tinha quase certeza, e reiterou que não sabia se o que sentia por Hyomin era concreto.

Não sei dizer ao certo quantos, mas dias depois ela me pediu em namoro, e não tinha como eu não aceitar. Contudo, a alegria de estar namorando pela primeira vez, enfim, durou pouco. Hyomin ainda mexia com Jiyeon, e ela deixava isso claro para mim. Inclusive, nos primeiros dias de namoro, ela assumiu ter tido uma recaída, fosse aquilo o que tenha sido, eu não entrei em detalhes, pois queria me manter cega de qualquer coisa em relação à Hyomin, mas ela se mostrou arrependida. Ainda disse que havia se punido por isso. Borderline. Eu não queria culpa-la ainda mais.

Dias após o nosso primeiro mês tivemos o primeiro de muitos términos. Nós vivíamos assim, aos trancos e barrancos, e eu achava que isso era o normal para nós. Com as crises, toda a desconfiança de minha parte, era o que fazia nossa relação ser assim, tão real, para mim, naquele tempo. Eu estava me destruindo aos poucos, na realidade. Sim, nós tivemos momentos bons, muitos deles, inclusive. Mas eram alguns sorrisos para compensar a tempestade de sentimentos negativos em que eu me encontrava. Medo, ansiedade, dependência, entre outras coisas. Mas eu vivia por aqueles sorrisos.

Aos poucos, Jiyeon começou a se afastar. Primeiro de Jihyun, depois de Hyomin. Eu me lembro de que, uma vez, em conversa privada com Hyomin, ela disse que eu era a única em contato com Jiyeon, e que eu deveria ficar por perto, supus que as coisas não estavam fáceis para ela. E eu fiquei, até Jiyeon se afastar completamente de mim e partir para um intercâmbio qualquer, na Coreia.

Eu tentei, várias vezes, ir atrás, mas nem minha falta de carinho comigo mesma resistiu a muito tempo. Na última vez que falei com ela, ela não tinha meu número salvo. Ela me perguntou “quem é?” quando lhe desejei feliz aniversário. Atrasado por quatro dias, eu também não fui a melhor namorada que ela podia ter, admito. Eu não sabia me relacionar com pessoas “normais”, quem dirá alguém que merecia outro tipo de atenção, mais cuidadosa, coisa que eu nunca fui.

Apesar de toda essa porcaria, eu não culpo Jiyeon. Ela tinha seus problemas, e eu estaria mentindo se dissesse que estava completamente sã na época. Pode parecer simples, em sua versão resumida, mas era algo que testava a mente de qualquer um. Ter um relacionamento desses logo de primeira, quando está entrando na vida adulta, se odiando por ter entrado em um curso que desprezava, vendo toda a sua fonte de alegria e tristeza indo embora para nunca mais, são coisas que destroem seu emocional, e a razão se perde junto. Foi essa a tal segunda vez que digo que fui ao fundo do poço.

A diferença, é que dessa vez eu aprendi algo. Não faria a mesma burrada duas vezes. Não me privaria de gostar de alguém, caso acontecesse, mas eu saberia ler os sinais, dessa vez. Se eu tivesse prestado atenção em qualquer coisa além de Jiyeon no passado, como nos conselhos de Kris, eu teria evitado algumas dores de cabeça.

Eu olhei para Yuri e ela ria de alguma vez que foi com uma amiga para o parque, acabaram ficando e tomando milk-shake em seguida. Eu não havia prestado atenção na história toda, mas forcei uma risada, junto a ela, para que não a constrangesse. Eu havia escutado a parte interessante da história, de qualquer forma.

- Namorada? – Perguntei, para continuar o assunto. Dessa vez eu prestaria atenção, em compensação. Era uma forma de dizer que eu tinha ouvido cada uma de suas palavras e estava interessada em saber. Tinha certa curiosidade, mas poderia morrer sem saber daquilo tranquilamente.

- Uma vez, mas não me faça falar sobre. – Yuri fez careta e negou com a cabeça. Eu não insisti. – E você?

- Uma. – Eu decidi que abriria a boca, um pouco, para que Yuri não fosse a única a falar. – Tinha essa garota que eu gostava, mas ela gostava de outra também. Só que eu fui mais rápida, e ela ficou comigo, no final, mas foi complicado.

- E por que terminaram? – Yuri perguntou ao apoiar o queixo sobre a palma da mão direita, cujo cotovelo estava sobre a mesa.

- Não houve um término formal. Ela só se afastou. – Eu dei de ombros, não estava a fim de repassar toda aquela história por minha cabeça. – Eu era muito trouxa, eu agradeço por ela ter me despertado para a vida.

- Não consigo te imaginar nessa situação. – Yuri riu divertidamente com meu ainda mais breve resumo de minha única relação, fadada ao fracasso. Eu também não conseguia me imaginar agindo novamente daquela forma. Estou grata por você ter amadurecido, Jessica Jung.

- Acontece com todos, eventualmente. – E assim encerramos aquele assunto, pelo menos. Nós continuamos conversando sobre mais coisas, enquanto fingíamos que fazíamos alguma coisa nos computadores ou cadernos. As bibliotecárias olhariam feio para nós, nós riríamos e ficaríamos quietas por uns segundos, para voltar a sussurrar uma para outra novamente, depois. Foi assim que passamos aquelas duas horas na biblioteca.

...

No horário de sempre, eu e Yuri fomos juntas ao estacionamento principal, onde Tiffany deixava o carro. De longe eu pude avistar a carcaça vermelha e fosca, não por ser originalmente assim, mas pelo tempo. Sooyoung estava ali, bebendo o que parecia ser um milk-shake enquanto conversava com Sunny. De sexta para cá, parece que a baixinha, de repente, está em todo lugar. Eu ri com tal pensamento. Provavelmente ela e Sooyoung se conheciam bem, e tenham se aproximado por conta da festa, não sei.

- Vejamos se não são Bonnie e Clyde do Vale do Silício, chegando juntas novamente. – Sooyoung brincou, com o sorriso perverso de sempre que enchia a paciência de Yuri. A Kwon riu envergonhada e eu apenas dei risada da comparação.

- Nós só matamos o tempo na biblioteca. – Entrei na brincadeira, referenciando os atos nada legais, juridicamente falando, do casal daquele filme jurássico. Verdadeiramente falando, em uma realidade distante, talvez fosse legal sentir a adrenalina de roubar bancos... Veja só as fotos de Bonnie na Wikipedia. Ela sim sabia posar para fotos com armas sem parecer babaca, não que isso a fizesse uma pessoa boa.

- Tiffany ainda não chegou? – Yuri perguntou ao se apoiar também na lataria do carro, ao lado de Sooyoung. Geralmente, Tiffany chegava primeiro que nós duas. Yuri, porque tinha seus horários malucos de aula, e eu porque me distraía facilmente com as coisas. Tempo não é bem meu forte.

- Sem sinal dela por enquanto. – Sunny respondeu. Ela dividia o milk-shake com Sooyoung. Inclusive me ofereceu, mas eu preferia não compartilhar tanta baba com as duas. Yuri deve ter seguido o mesmo raciocínio. – Eu vou indo, Soo. Nós nos falamos amanhã. – Sunny devolveu o copo transparente pela metade para Sooyoung e cumprimentou a todas nós antes de se afastar. Sunny e seus beijinhos.

- Será que Tiffany vai demorar? Eu ainda posso pegar o ônibus... – Eu fiz sombra sobre meus olhos para olhar ao longe, a procura de nossa motorista. Já começava a ficar escuro mais cedo, mas os últimos raios solares ainda se faziam presentes.

- Você não chega mais rápido com a Tiffany? – Yuri foi quem perguntou. Sooyoung também me olhava, esperando uma resposta. Creio que não foi ela quem fez a pergunta por que sua boca estava ocupada com o canudo.

- Depende do quanto ela fala. – Elas sorriram com minha resposta. Se bem que, eu preferia que Tiffany falasse e dirigisse devagar a ela não calar a matraca e pilotar como uma corredora da Nascar. Corridas são legais, mas não na estrada, em meio a caminhões.

- Se tanto faz, vem com a gente. Passeie um pouco por Palo Alto. – Yuri disse aquilo para tentar me convencer. Palo Alto era legal, mas eu sempre passava pelas mesmas ruas, havia pouca diferença no dia a dia. Seria legal passar um dia com Yuri e Sooyoung em São Francisco, eu viajei novamente. Quem sabe... Contanto que não me fizessem andar de bonde. Isso é tão turístico que chega a ser brega.

- Você não vai entrar com isso no meu carro. – Eu não me virei para trás para olhar, e pouco importava o que a frase dizia, pelo tom de voz, estava claro que se tratava de Tiffany. Sooyoung não ligou para bronca, como esperado, continuou sugando o canudo. Certamente não iria parar até beber a última gota. – Termina isso, ou vai de ônibus.

Apesar da ranzinza inicial, Tiffany sorriu e destravou as portas com o controle do carro. Ela deu a volta, para entrar ao lado do motorista, e Sooyoung continuou escorada na porta da frente, do passageiro. Ela continuou ali, mesmo enquanto eu a encarava silenciosamente, pedindo para que saísse. Eu a xinguei em um sussurro e ela riu, sem afastar sua boca do copo ou se mover. Sem me importar muito com suas brincadeiras, eu apenas entrei pela porta que Yuri já havia aberto, atrás, a obrigando a se mover para o lado esquerdo.

Quando Sooyoung enfim terminou sua bebida, o que não demorou muito, e se sentou no que eu já considerava meu lugar no carro, Tiffany deu partida. Esse foi um dos dias em que estávamos tranquilas ou cansadas de mais para entrarmos em conversas agitadas. Os assuntos eram ocasionais, a música era baixa, e as estradas, tranquilas. Acho que o inverno estava realmente chegando.

Às vezes parece que meu dia acaba quando saímos dos arredores de Stanford, depois de deixar Sooyoung e Yuri em suas casas, respectivamente. O sentimento de estar voltando para casa era aconchegante, mas eu realmente não fazia nada de mais por lá. Qualquer coisa mais interessante aconteceria na universidade. Não é como se muita coisa acontecesse em casa, quando estou sozinha, no quarto.

Como Tiffany estava mais tranquila, eu aproveitei para puxar algum assunto com ela, apenas para saber o que havia feito na faculdade e se estava bem. Tiffany poderia estar sempre sorrindo, mas, de acordo com ela, isso não refletia seus reais sentimentos a todo tempo. Fosse aquilo drama ou verdade, eu preferia conversar com ela, tirar minhas próprias conclusões, e ajudar, se necessário. Não que eu fosse de grande ajuda. Nunca fiz bem o tipo de amiga psicóloga.

Tiffany me contou sobre o que havia aprendido de empolgante, e eu não entendi bulhufas, me falou um pouco como andavam as coisas em casa e com quem convivia. Pouco, das pessoas, e mais sobre Prince e Princess, seu casal de malteses. Eram fofos. Eu também meio que preferia falar de animais a falar sobre pessoas. Talvez por isso Tiffany goste tanto de veterinária. Pessoas são difíceis de mais de lidar, vamos cuidar das vidas dos bichos, então.

Conversas lideradas por mim nunca são profundas ou substanciais, pelo contrário, podem ser bem inúteis e breves, mas, dessa vez, isso contribuiu para que eu ao menos chegasse cedo em casa. Algo em cerca de meia hora, em comparação, caso eu tivesse pegado o ônibus. Era bastante tempo, o que eu levaria no banho, provavelmente.

Assim que cheguei em casa e deixei os sapatos à porta – um dos poucos costumes mantidos em casa -, eu encontrei Krystal sentada no sofá, com um balde cheio de salgadinhos de queijo, já no seu uniforme de treino. Ela não tinha a melhor dieta de atleta. Eu roubei um de seus salgadinhos apenas para incomodá-la e segui para a cozinha, cumprimentar minha mãe. Tivemos a clássica conversa que se resumia em “como foram as aulas?” e “bem”, enquanto eu bebia um pouco de água. Meu pai estava no trabalho durante a tarde e noite, nesse dia.

Eu fiquei um tempo na sala, com Krystal. Ela via alguns canais do YouTube, a maioria sobre jogos. Eu acompanhava alguns deles. Nós conversávamos sobre as notícias daquela indústria e compartilhávamos nossas opiniões, e eu aproveitei para checar as mídias sociais, enquanto isso. Não me lembrava de ter o feito antes, naquele dia.  

Krystal me contou que teria um campeonato no próximo fim de semana, e eu disse que ela poderia contar com minha presença. Essas coisas geralmente levavam o dia todo, mas era divertido. Eu era como a torcedora número um e equipe de Krystal. Sempre que podia e ia, eu era quem filmava suas corridas. A desculpa era que mostraria para o pai, em casa, mas eu não tenho certeza se ele viu algum desses vídeos, que eu armazenava em meu computador. Posso ser o tipo de irmã coruja, às vezes, apesar de não gostar muito das demonstrações de afeto excessivas da minha irmã mais nova.

Eu fiquei ali, vendo vídeos e curtindo fotos no Instagram até Krystal partir para o treino. Eu desliguei a televisão, que minha caçula havia deixado ligada por pura folga, e subi com minha mochila para o segundo andar.  Tomaria um banho quente e iria para o meu quarto, onde ficaria até ter que descer para o jantar, às sete. Era costume jantar cedo, mas eu preferia que fosse assim. Eu dormia pouco depois das dez, para acordar às cinco da manhã. Eu tinha que reservar um tempo de sono, ou seria impossível lidar comigo. Eu já sou naturalmente complicada.

De banho quente tomado, eram assim mesmo no verão, eu fui para o meu quarto, para me trocar e arrumar o cabelo; sem secar, porque eu tinha preguiça de fazer isso todos os dias, mesmo no frio. Como já tinha escrito pela manhã, eu tirei aquele tempo para assistir a algum drama coreano, eu assistia os que tinham algum ídolo que gostava, e para estudar o idioma, em sequência. A sensação de quando eu praticava era boa, principalmente quando aprendia expressões novas, mesmo que poucas.

Eu desci novamente as escadas para fazer companhia a minha mãe no jantar. Se não fosse algo prático de ser feito ou um lanche, comíamos a sobra do almoço. Hoje foi o último caso. Eu não reclamava, mesmo quando almoçava em casa e comia coisa repetida, ou se estava um pouco frio no meio, depois de esquentar no microondas. É que o tempero de minha mãe é realmente muito bom, e não é porque é tempero de mãe. Ela e minha avó, por parte de pai, poderiam investir facilmente nesse ramo. Minha vó já teve um restaurante, inclusive, mas isso não vem ao caso.

Krystal chegou do treino assim que eu havia terminado o jantar, e foi na mesma hora que meu pai me ligou, para me avisar que havia mandado um e-mail para mim que poderia me interessar. Eu apenas cumprimentei Krystal rapidamente, ela sempre chegava mais interessada na comida do que em qualquer outra coisa, e corri para o quarto.

Eu esperei pacientemente, ou nem tanto assim, o laptop ligar. Dessa vez eu sentei à escrivaninha, já que o computador estava sobre ela, e eu não pensei muito. Queria apenas ver o que diabos meu pai havia mandado para mim. Então, assim que acessei meu e-mail, ignorei os demais e fui direto para aquele cujo ele era o remetente.

Era um e-mail direcionado da intranet da empresa onde ele trabalhava, sobre estágios para o ano seguinte. Aquilo me animou. Eu precisava de um estágio, e trabalhar junto com ele seria bastante conveniente. Tinha a proposta que recebi do professor, sobre San Mateo, que era mais certa, mas, fora a indicação, nada me deixou animada. A proposta não era muito boa, e eu, muito exigente para quem nunca havia trabalhado na vida.

Eu fiz a minha inscrição, me virei para fazer um currículo nem tão bom assim, mas que foi facilitado pelas instruções do próprio site. Tiveram umas provas que tive fazer, como de língua inglesa, chinês – que coloquei como segundo idioma -, Q.I e um teste de personalidade. De todas elas, acho que me saí bem na de chinês. Não garanto sobre o de Q.I, os trinta segundos em contagem regressiva no canto da tela me deixaram nervosa e diminuíram minha inteligência matemática. Eu não sou a pessoa mais rápida para responder problemas, por pensar de mais.

Fazer quatro provas sob pressão e em sequência foi a maratona mental que eu precisava para convencer a mim mesma de que eu deveria ir para a cama mais cedo. Passei novamente no banheiro, para fazer minha higiene bucal e toda uma frescura de cremes e sabonetes em meu rosto – tive problemas com acne e não esperava ter mais -, para então voltar ao quarto e trocar minhas roupas por uma blusa extremamente grande, e antiga, e shorts de pano leve, ao invés dos jeans. Era isso que eu chamava de pijama.

Escondi-me em baixo das cobertas, deitada, com a luminosidade do celular no mínimo, para não forçar os olhos. Um fato sobre mim é que eu evito usar luzes o máximo que posso. Eu gosto de aproveitar o máximo da luz natural, e gosto do escuro. Principalmente para relaxar. Eu não tinha um abajur, infelizmente. Seria bom para ler livros, à noite. Eu também preferia ter os livros de papel, mas, infelizmente, sairia muito caro imprimir todas as fanfictions que eu gostava de ler. Ou todos os livros da minha lista de leitura. Eu sou mesmo pão dura.

Depois de três capítulos ou mais, eu já não sabia se meus olhos piscavam ou fechavam por um tempo indeterminado, quase como num cochilo. Eu duvidava que tivesse entendido qualquer um dos últimos parágrafos pelos quais meus olhos haviam passado; não digo que tinha os lido. Eu iria desligar o aparelho para dormir, mas ele vibrou, me notificando uma mensagem. Era Yuri.

“Ainda acordada?”

Ela teve sorte, por pouco teria uma resposta negativa, pelo meu silêncio, ou porque eu responderia o óbvio na manhã seguinte.

“Mais ou menos. O sono está forte.”

Yuri nunca demorava muito para responder, ao contrário de mim. Novamente digo, não é por descaso, é só que outras coisas me entretinham. Eu via a notificação, sabia que tinha que responder, o que responder, mas um mísero vídeo em meu feed poderia se transformar em minutos e mais minutos. Dessa vez eu respondi rapidamente, porém.

“Eu já estava prestes a ir dormir. Você acorda a que horas para vir pra cá?”

Era bom saber que eu não era a única morrendo de sono. Apesar disso, eu poderia dormir alguns minutos mais tarde, para falar um pouco com ela. Não havíamos nos falado desde que Tiffany a deixou em frente a sua casa.

“Umas 5h e pouco. Chego a Stanford pelas 6h30.”

É, isso era bem cansativo. Eu gostava da viagem, acordar tão cedo... Isso é outra história, mas as paisagens ao amanhecer faziam valer a pena. Stanford também, é claro.

“Isso é bem cedo... Enfim, eu não vou te incomodar a essa hora da noite, descanse bem. Boa noite, e nos vemos amanhã?”

Eu não sabia por que a pergunta, eu não sou do tipo que falta às aulas, mas dei de ombros para isso. Eu deveria parar de ser tão chata com tudo.

“Obrigada, e você também. Nos vemos amanhã, com certeza. Boa noite.”

Eu tenho consciência de que essa foi uma das vezes em que eu sorri ao digitar a mensagem, sem ter minha mãe ou Krystal para jogarem isso na minha cara. É bem comum eu fazer careta sozinha, aliás, eu não tenho muita noção das minhas expressões faciais.

Pelo bem das boas maneiras online, eu permaneci algum tempo, encarando o celular, para ter certeza de que Yuri não tinha mais nada a dizer. Ela não disse, mas também não sei o que eu esperava. Desliguei o celular e o deixei sobre o criado mudo, sem abajur, ao lado esquerdo da cama. Puxei a coberta para cima e me virei para o lado da parede – eu tinha que dormir virada para o lado da parede-, com a sensação de que havia começado bem a semana. Era mais fácil dormir com a sensação de que o dia havia sido proveitoso.

Eu ainda não sei o que existe de tão ruim, para as pessoas, em dias de segunda-feira. 


Notas Finais


Acho que não há necessidade de colocar links das músicas citadas dessa vez, não são tão ligadas ao conteúdo do capítulo.
Acho que posto novamente ao fim desse mês, então nos vemos em breve.


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