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História Note To Self. - Ninguém precisa de férias de inverno.


Escrita por: GorjessSpazzer e Lobertor

Notas do Autor


Boa leitura :3

Capítulo 9 - Ninguém precisa de férias de inverno.


Fanfic / Fanfiction Note To Self. - Ninguém precisa de férias de inverno.

Não havia sinal de sol nas praias da costa oeste, mais especificamente em São Francisco. O dia era nublado, havia chovido há pouco tempo e a neblina tomava conta da cidade. A cinquenta graus, em Fahrenheit, eu e Tiffany éramos as únicas malucas na praia. O mar estava quase cinza, e as ondas tão grandes que eu tinha o receio de que o “The Big One” – o terremoto previsto que assombra a vida dos californianos – aconteceria ali mesmo. Ao contrário da última vez que estivemos ali, nós nos encolhíamos para fugir do vento. Tiffany colocava as mãos nos bolsos de sua jaqueta cor de rosa, um gorro preto cobria sua cabeça. Eu deixei o capuz de meu casaco levantado e fungava a todo o momento. Basta o tempo esfriar para o meu nariz começar a escorrer.

- Fala logo o que você queria dizer. – Tiffany cruzou os braços. A garota de LA batia o queixo. Pergunto-me como ela se sairia ao norte do país. Dei uma risadinha antes de responder.

- Ligaram, sobre o estágio em San Mateo. – Tiffany olhou para mim e eu vi um sorriso começar a se formar em seus lábios. – Eu rejeitei.

- Você está louca?! – Tiffany até se esqueceu do frio. – Jessica, você está negando dinheiro e oportunidades!

- Sete mil e duzentos dólares ao ano. – Fui específica, Tiffany continuou a me julgar em silêncio. – Isso não paga nem a faculdade.

- Ótimo para quem ganhava cinquenta dólares dos pais por mês. – Tiffany revirou os olhos.

- Não é sobre dinheiro. Eu não tenho bons laços com governo. – Dei de ombros. – Não tinha outro benefício, iria ocupar todo o meu dia por uma merreca, fazendo um trabalho de merda. Não compensaria a dor de cabeça.

- Então não reclame sobre sua dependência dos pais depois. – Tiffany se mexeu, apostei que estava louca para ir embora.

- Eu vou, até encontrar um emprego decente. – Sorri e Tiffany riu junto.

- Você é muito chata. – Tiffany empurrou meu ombro. – Pelo menos já sabe quando tira a carteira de motorista? Eu não sou seu Uber.

- No primeiro semestre do próximo ano, logo nós revezamos o carro. Prometo não te matar. – Tiffany resmungou como se dissesse “acho bom que seja assim”. – Não vejo a hora de essa semana acabar, eu não aguento mais acordar cedo todos os dias.

- Eu também estou morta de cansaço, essas provas sempre me dão dor de cabeça. – Tiffany massageou as têmporas. – Tem certeza que você quer férias? – Sorriu para mim. – Vai aguentar ficar tanto tempo sem ver a Yul?

- Vai se ferrar. – Ri ao empurrar seu ombro e desencostei da pedra onde estava. – Vamos pra casa, vai. Eu já não estou sentindo a ponta dos meus dedos. – Falei ao checar as unhas, mais arroxeadas que o comum.

- Finalmente, eu estava pensando em te jogar na água como vingança. – Tiffany me acompanhou enquanto saíamos da areia, subindo entre o gramado e pedras da trilha para a pista logo acima.

- Eu posso subir num desses coqueiros e tacar um daqueles em sua cabeça. – Apontei para uma das árvores enquanto esperávamos o sinal de pedestres abrir.

- Duvido que você consiga. – Ouvimos o som que indicava que o semáforo para nós estava verde e começamos a andar. – Até porque são palmeiras, não coqueiros.

- Desculpa, expert em botânica. – Eu apenas sorri, eu também acho que não conseguiria escalar um negócio daquele, independente do nome.

- Nos vemos amanhã, então. Vou sair com Michelle agora à noite. – Michelle é a irmã de Tiffany, só para deixar claro.

- Divirtam-se.

Despedimos-nos e seguimos caminhos diferentes. Tiffany foi para o ponto de ônibus da quadra seguinte, à esquerda, e eu segui reto o aclive por boas e longas quadras. Achei que estava frio demais para andar de bicicleta, mas minhas pernas também não gostaram muito de terem tanto trabalho com as ladeiras. Pelo menos nas primeiras quadras o vento impulsionou minha subida.

Quando enfim cheguei à rua de casa, eu sentia os dedos e todo o resto do corpo. O exercício foi bom para esquentar, não o suficiente para me fazer suar, o que veio de bom grado. Procurei pelas chaves em meus bolsos e atravessei a rua com o chaveiro já em mãos. Tinha planos de revisar a matéria para a prova do dia seguinte.

- Ei, Jess!

Olhei para cima, já na calçada, e vi Kris abrir a janela do quarto da frente. Pelo que me lembrava, aquele era o quarto de sua mãe.

- Fala, Kris! – Respondi enquanto ele impedia as cortinas de voarem para o lado de fora.

- Esse mês vou ver de pegar uma grana com minha mãe. Vamos marcar de comer uma pizza, na sua casa ou aqui? Como bons jovens americanos, pizza, frio e filme. – Kris sabe meu tipo de programa. Nada melhor do que pizza e sofá.

- Fechado. Pode ser onde você achar melhor. – Respondi com um sorriso. – Ou na sua casa, aí você banca a pizza. – Sorri amarelo.

- Que engraçada, amiga. – Olhou para mim com ironia, mas sabíamos que brincávamos um com o outro. – Eu te aviso quando estiver com a grana, agora entra em casa. O quê você está fazendo na rua, num gelo desses?

- Fui conversar com Tiffany lá na praia. – Expliquei, indicando com a cabeça para o lado errado, provavelmente.

- Vou querer saber dos babados também, me manda mensagem porque nem ferrando que eu vou ficar na janela falando contigo. Tchau. – E assim Kris fechou as janelas, sem muita opção.

Ri sozinha, subi correndo os degraus até a porta e agradeci o calor da casa, depois de fechar a porta. Estava tudo muito silencioso para Krystal e meu pai estarem por ali – os dois falam muito alto juntos -, por isso tirei os sapatos e fui até a cozinha, onde minha mãe teria uma resposta para mim.

- Foram correr, esses loucos. – Minha mãe respondeu ao cortar o repolho em pequenas tiras. – Sua irmã já está com começo de resfriado e seu pai, invés de mandar a menina descansar, faz o contrário. Já disse que não vou levar ninguém ao médico. Você também, viu? Vê se toma um banho quente e venha jantar depois. Não quero ninguém doente ou desmaiando de fome por aí, nunca vi alguém passar a tarde toda sem comer.

Ouvi todo o seu monólogo enquanto enchia uma garrafa de meio litro com água.

- Já venho. – Foi minha simples resposta, antes de me mandar dali e subir as escadas em direção ao meu quarto.

A primeira coisa que fiz ao chegar foi pegar o celular sobre a escrivaninha e me jogar sobre o colchão. Abri o aplicativo de mensagens e vi que Kris já me exigia explicações. Fiz de tudo para resumir a minha conversa com Tiffany em poucas linhas de texto. Eu queria mesmo tomar um banho o quanto antes e tinha mais mensagens para responder. Não eram tantas, alguma coisa de Eunji e outra de Yuri, algumas notificações de outros aplicativos também, mas eu não fazia questão de ver essas agora.

Que os outros não levem a mal, mas a mensagem de Yuri era a que me interessava mais no momento. Respondê-la seria a última coisa que eu faria, ou foi o que eu determinei a mim mesma ao abrir a conversa. Eu ri para o que ela havia mandado.

“Morreu.”

Ainda não, para minha felicidade.

“Desculpa a demora, é que eu dei uma saída rápida.”

Desculpei-me pelo desaparecimento repentino e expliquei onde estive, sobre o que falei com Tiffany, quase a mesma coisa que já havia dito a Kris.

“Quero que me conte direitinho isso amanhã. A gente se encontra no lugar de sempre.”

“Feito.”

Agradeci por não ter que digitar bíblias novamente. É horrível contar várias vezes a mesma história, ter que escrever só torna tudo pior. Decidi que se continuasse deitada daquele jeito, não iria me levantar tão cedo para ir para o banho. Peguei roupas limpas em meu armário, fiz questão de levar o celular comigo e fui para o banheiro principal, que ficava entre meu quarto e o de Krystal. Tinha outro no quarto dos meus pais, mas nem eu nem minha caçula gostávamos de usá-lo. Afinal, minhas coisas ficam no banheiro principal, dentre outros motivos existentes que não valem palavras.

Deixei o telefone sobre a pia e puxei a camiseta de baixo junto com o moletom quando escutei o telefone vibrar sobre o mármore. Joguei as peças no cesto de roupas sujas e desbloqueei o celular para ler e responder à mensagem.

“O que está fazendo agora?”

Dei um jeito de digitar com a mão esquerda enquanto a outra desabotoava meus jeans.

“Strip-tease para o espelho. Você?”

Aproveitei que já estava com o celular em mãos para abrir o aplicativo de músicas, o de streaming. Tinha mais canções ali do que na memória do celular. Mais de quatro mil, da última vez que eu chequei, porém, o aleatório consegue fazer o milagre de tocar sempre as mesmas coisas.

“Morrendo de inveja... Brincadeira, kk. Acho que vou jogar um pouco.”

Viciada.

“Faça isso. Eu vou pro banho, logo volto.”

Eu não fiquei para ver a resposta, estava ficando frio. Com as roupas todas no cesto, corri para baixo da água quente do chuveiro, ao som de uma banda nova que havia encontrado. Chama We Lost The Sea, dizem que é o post rock, um gênero sobre o qual eu nada sabia até horas atrás. “Departure Songs” não é lá um nome de um álbum cujas músicas parecem ser animadas para um banho, mas eu gostei. O algoritmo do Google te conhece, agora eu tenho provas disso.

Por causa das vibrações da música, acho que acabei demorando de mais no banho. Tentei compensar isso ao me vestir depressa, deixando o cabelo mal seco e certamente digitando algo errado ao responder Yuri, parabenizando-a por sua vitória no jogo. Antes que minha mãe viesse me puxar pelos cabelos, desci as escadas às pressas, de volta à cozinha. Sentia minha barriga roncar.

- Está pronto? – Perguntei ao atravessar a sala enquanto guardava o celular no bolso do novo casaco.

- Ainda não comecei. – Eu ouvi meu estômago chorar. – Venha aqui, me ajude a fazer esse bolo e seu jantar sai mais rápido.

- Do quê? – Como disse antes de entrar na cozinha, não tinha visto o achocolatado sobre o balcão. Não sei e minha mãe não me ouviu, ou se percebeu que eu havia visto, mas não me deu resposta.

- Prende esse cabelo enquanto eu pego as coisas. – Usei um elástico que tinha no pulso para pender o cabelo em um coque. Dei mais uma espiada sobre o que já estava ali em cima e notei que a forma já estava untada. Menos mal. Não sei se sou a única que acha nojento untar formas com manteiga.

Sabe, todos nós devemos nos precaver das intenções de nossas mães. Esqueçam que vão ajudar quando forem chamados nessa situação. A única coisa que minha velha fez foi ler a receita em voz alta e me passar as coisas. Eu não digo que sou boa na cozinha, até porque o que sei fazer se restringe a arroz e macarrão instantâneo, então fiquei um pouco preocupada em relação ao bolo, mas minha mãe admitiria o resultado positivo mais tarde.

Eu fiquei no sofá quando minha mãe resolveu cozinhar alguma coisa. As últimas semanas de aula estavam sendo tão exaustivas que, por meia hora, eu me permiti não fazer nada além de deitar e responder Yuri entre uma brisa e outra, às vezes nem percebendo que o telefone vibrava em minha barriga. Para a sorte de Yuri, eu achava estranho quando ficava muito tempo, em minha cabeça, sem uma resposta sua, quando na verdade era eu quem tinha esquecido de responder.

Apesar de eu viver com a cabeça no mundo na lua – palavras de minha mãe -, nós conversamos bastante. Ah, e eu fiz questão de passar a banda recém-descoberta para ela. Ela me disse que gostou, pelo menos. Eu não sou do tipo que protege as bandas indies para si. Acho que curtir algo junto com alguém é mais legal do que pagar de diferente por aí, mas isso é só eu pensando demais sobre coisas inúteis, como sempre.

 

...

 

Era a última quinta-feira do ano que eu iria para Stanford, e este fato me encorajou um pouco a sair da cama às cinco e vinte da manhã. Torradas e achocolatado para dentro e então eu para fora, num dia feio pra cacete. Finas gotas de chuva pingavam em meu casaco enquanto eu esperava pelo ônibus, o céu nublado e o nevoeiro persistiram. Eu até gostava da ambientação Silent Hill, mas me dava mais vontade de voltar para de baixo das cobertas.

Ouvindo mais bandas de post-rock, prevejo que esse se tornará um de meus gêneros favoritos, segui meu caminho para a universidade. Uma pequena atualização sobre minhas leituras: eu estou a mais ou menos um quarto do terceiro livro do menino bruxo. Bem rápido para quem alterna a leitura com fanfiction, estudos e sono.

A distância parecia mais curta com alguma distração. Assim que cheguei à Stanford, segui um percurso diferente dos demais alunos. Eu tinha uma pequena caminhada para fazer. Cruzei todo o campus pela lateral dos prédios centrais e fui até o limite dos fundos. A corrente do portãozinho de ferro estava sempre aberta, era questão de desenrolar das grades e então deixar da mesma forma antes de subir pela pequena trilha.

Para minha surpresa, e uma bem agradável, Yuri já estava ali. Tinha um livro sobre a mochila e o caderno aberto no colo. Eu coloquei minha mochila ao lado da sua e me sentei à sua esquerda. Tinha muito texto em seu caderno, supus que fosse algo a respeito de história da arte ou coisa parecida.

- Bom dia. – Cumprimentei com um sorriso e ela tirou os olhos do caderno, só então notando minha presença.

- Bom dia. Foi mal, é que eu estava concentrada nisso aqui. – Yuri sorriu envergonhada. – Tenho que ir bem na prova de hoje. É tão boba que confunde. Não quero ser a única a ficar de exame.

- Relaxa, a Tiffany também está pelo pescoço com uma matéria. Vocês passam fácil. – Tentei convencer Yuri do contrário, mas era sempre difícil nesses casos.

- Fácil para você falar, nerd. – Yuri revirou os olhos.

- A Nerd que tem que tirar no mínimo oito nessa prova para ficar sem exame também. – Isso me fez me lembrar de que deveria estudar mais um pouco. Eu já tinha ido dormir mais tarde por revisar toda a matéria, mas era bom garantir. – Vai ser como ver quem se safa.

- Que os jogos comecem. – Disse Yuri e eu ri de sua referência.

- O primeiro desafio é sobreviver a esse frio. – Abri em meu celular um dos arquivos em PDF que o professor havia mandado, como base de estudo. – Você poderia ter escolhido um lugar mais quente para ficar.

- É que eu já sou quentinha. – Yuri se gabou. Eu daria outro nome para isso, mas decidi só mostrar a língua. Yuri ficou um tempo a me encarar em silêncio antes de continuar. – Vem cá. – Yuri levantou o braço e eu uma das sobrancelhas. – Então fica com frio aí.

- Chata. – Resmunguei.

- Você é mais. – Yuri fez beicinho e voltou a prestar atenção em seus estudos. Eu fiz o mesmo, mas só depois de segurar o riso por sua cara de birra.

...

Acho que deveria ter aceitado o abraço de Yuri quando tive a chance. Comparado aos arrepios que sentia sempre que o vento lá fora batia contra meu rosto, só fui me sentir quente quando cheguei na sala de aula. Era um milagre que não houvessem ligado o ar-condicionado. Também era algo extraordinário o fato de eu estar nervosa para uma prova. Não aconteceu nem durante os vestibulares.

Como na maioria dos casos, tanta preocupação não serviu para nada. Comparada a última prova, essa havia sido uma mão na roda. Ou a porcentagem de pessoas que se dariam mal nessa matéria era tão alta que o professor resolveu facilitar para os alunos, o que o conhecendo, era impossível, ou eu estudei demais e virei quase uma enciclopédia da matéria. Eu tinha certeza do oito, mas era possível nove, se tivesse acertado as que fiquei com alguma dúvida. Eu já tinha aceitado o fato de que sempre seria a nerd da sala.

Confiante e mil vezes mais relaxada, larguei a prova na mesa do professor que mal fez questão de olhar na minha cara. Eu também tinha cansado do bigode dele, então agradeci por esse fato. Livre de desânimo, segui pelo corredor sem preocupações e músicas vindo dos fones de ouvido – Eraser, também não superei meu vício em Divide. Acho que o volume estava um pouco alto. Eu não escutava as pessoas ao meu redor, por consequência não ouvi nenhum passo quando alguém se aproximou de mim e colocou a mão em meu ombro. Eu dei um salto e minha cara de susto deve ter sido horrível, porque Tiffany apontou para mim com uma das mãos, cobriu a boca com a outra e se curvou de dar risada.

- O que foi, palhaça? – Puxei os fios dos fones, deixando-os pendurados na gola da blusa.

- Nada, ué. Só ia dar oi. – Tiffany continuava sorrindo. – Já terminou a prova? – Eu resmunguei em sentido positivo enquanto parava a música em meu celular. Não ouviria muita coisa com Tiffany por perto.

- Eu estava pensando em ir até o refeitório, mas está cedo demais pra almoçar. – Falei ao colocar o celular de volta ao bolso da calça.

- Vamos dar uma volta por aí. Nós duas nunca fizemos isso sozinhas em Stanford. – Eu nem poderia negar, Tiffany já havia passado o braço sobre meu ombro.

- Para onde? – Comecei a andar em direção ao lado de fora, mesmo sem destino decidido.

- Sei lá, vamos só andar e bater um papo. – Tiffany decidiu e eu concordei em silêncio. A amante da cor rosa resolveu fazer mistério, e não disse nada até sairmos daquele prédio. Só voltou a abrir a boca quando demos uma meia volta no Quad. O resto do tempo fiquei me remoendo de curiosidade. – E aí, falou com Yuri hoje de manhã?

Eu sabia que o assunto não era aleatório.

- Como sempre. – Respondi da forma mais despretensiosa que consegui.

- E falaram sobre o que? – Eu quase ri daquele repentino interesse de Tiffany. Não sei o que ela esperava que fosse, na verdade até desconfiava do que ela e Yuri estavam tramando, mas era cedo para tirar uma conclusão.

- As provas de hoje... E enchi o saco dela, para variar. – Tiffany fez beicinho, decepcionada com a resposta.

- Ah, sim... E vocês vão se falar mais tarde? – Tiffany Hwang, sinônimo de discrição.

- Não sei, Tiffany!  - Eu não consegui segurar a risada dessa vez. – Se eu encontrar a Yuri mais tarde te chamo, aí você participa dos assuntos sobre os quais está tão interessada.

- Não precisa. – Tiffany forçou um sorriso. – É que é tão bonitinho ver vocês se dando bem que eu fico curiosa.

- Sei... – A olhei com desconfiança, mas ela logo “quase” mudou de assunto.

- Sica, você gosta dela, não é?

Dizem que quem cala consente, mas eu duvidei que Tiffany fosse se contentar com isso.

- Me responde! – Reclamou Tiffany, empurrando meu ombro. Eu olhei para ela, brava, mas não teve efeito. – Vai, por favorzinho.

- Depois de você quase ter deslocado minha clavícula eu não deveria. – Girei meu ombro direito, com a mão esquerda apoiada ali. Tiffany continuou com o biquinho. – Eu gosto. Satisfeita?

- A-há! – Pelo jeito sim. Tiffany tinha seu indicador quase tocando meu nariz e um sorriso tão grande que chegava a ser assustador. – Nossa, eu tinha certeza que sim! Isso é tão óbvio e vocês são tão lindinhas juntas, eu sabia que você gostava dela!

- Por que pergunta, então? – Forcei uma risada. Era melhor do que morrer de vergonha.

- Nossa, é sério! Eu fico tão feliz! Me agradece, viu? – Fiz careta para Tiffany e ela continuou. – Fui eu que apresentei uma a outra, sou praticamente o cupido.

- Cedo para agradecer, cupido. Sabe, quando eu cheguei, eu pensei que choveria o dia inteiro, mas o sol está saindo. – Desconversei por brincadeira e apontei para cima. Tiffany riu, só que me empurrou de novo.

 - Para de ser idiota. Não vamos falar de tempo, vamos falar de Yuri. – Tiffany se sentou em um dos bancos de madeira próximos à entrada e eu não tive muito escolha a não ser sentar ao seu lado.

- Falar o que dela? – Dessa vez minha risada não foi forçada. – Quer que eu dê uma de Tiffany em relação à Taeyeon? – Era minha vez de provocar. Tiffany fechou a cara e eu comecei com as imitações. – Nossa, eu devo ser Taeyeonsexual. Você não tem noção do que aquela garota faz comigo só de falar de forma mais dura comigo, Jessica.

- Jessica.

- Como se eu quisesse se saber o que passa dentro da sua calcinha.

- Tá, vamos falar do tempo.

- Poxa, eu estava me empolgando com o assunto... – Dessa vez eu mereci a porrada.

- Você é muito chata. – Tiffany apoiou as costas no banco e cruzou os braços, eu dei de ombros. – Da sua calcinha eu também não quero saber, isso é seu problema com a Yuri. Eu quero saber outras coisas.

- Vai se foder. – Foi minha vez de resmungar.

- Queria. – Tiffany riu e eu fiz cara de nojo para ela. – Me responde, a Yuri sabe?

- Claro que não. – Aposto que Tiffany já tinha a resposta e estava se fazendo de boba.

- Eu posso falar?

- Não, essa fase da vida já passou. – Eu ri de sua ideia.

- Você vai falar? – Tiffany estava pagando de entrevistadora.

- Quem sabe. – Dei de ombros, nada que fosse animá-la.

- Gente, o que é isso? – Eu segui o olhar dela e encontrei com o time masculino de natação cruzando a reta do Quad, vindo da entrada em sentido ao pavilhão esportivo. Tinha bastante coisa para garota qualquer reparar, mas eu foquei nas sunguinhas vermelhas com tênis de corrida coloridos e chamativos. Tinha como ser mais brega? – Jessica, olha aquele fortinho do meio, o de cabelo arrepiado.

- Desculpa, amiga, eu queria opinar, mas desse jeito não dá, não. – Eu mordi o lábio para me conter o máximo que pude, ao olhar o interesse de Tiffany, mas abaixei a cabeça para dar risada. Era muito ridículo. – Desculpa, esse figurino é muito brocha.

- Ah, mas ele é bonitinho... O corpo também. – Tiffany sorriu de lado, mordendo o lábio por um motivo diferente.

- A sunga era pequena. – Foi só para acabar com a diversão dela, e funcionou; Tiffany se levantou na mesma hora.

- Vamos almoçar, sua chata. Não dá para conversar contigo.

Se eu fiquei ofendida? Nem um pouco. O sorriso que eu tinha comprovava isso.

 

...

 

Eu e Tiffany chegamos juntas à mesa onde Sooyoung já estava, na companhia de Sunny. Sooyoung começou, e as três voltaram com aquele assunto mais do que passado sobre provas e estudos. Por sorte, essa monotonia dos assuntos acabaria no dia seguinte. Os assuntos de início de semestre sempre são mais legais. No fim de ano, todos só sabem reclamar.

Yuri chegou à mesa mais apressada do que de costume. Além da bandeja com o seu almoço, estava com um caderno de baixo do braço. A primeiro momento eu imaginei que fosse para estudar. Yuri se sentou a minha esquerda, o espaço disponível, abriu o caderno em uma página específica e empurrou para o meu lado.

- Tenho que entregar isso aqui depois do almoço. A professora fez a gente escrever uma história curta, e eu quero que a escritora aí dê uma olhada. – Assim que Yuri terminou de explicar, eu assenti e desviei os olhos para o papel.

Era uma história meio brisada, um pouco dramática, mas interessante. Passava-se em uma escola para crianças especiais, extraordinárias, cujas protagonistas eram uma vampira, uma loba e uma híbrida entre os dois. Também havia uma antagonista, uma mulher estátua – era assim que as protagonistas a chamavam, e por isso não guardei o nome do que ela era -, que não fazia nada além de assassinar os alunos que olhavam para os seus olhos, e não pagava por isso. Leve em conta que ela era uma aluna como qualquer outra.

Fora do conflito entre o trio e a aluna esquisita, havia as discussões internas. A híbrida e a loba se deram bem no primeiro instante, ao contrário da vampira, que a primeira coisa que fez foi arranjar briga com as duas, após matar um lobo comum na floresta, para se alimentar. Depois que a Guerra Fria entre as três foi estabelecida, o convívio foi forçado contra as suas vontades. Isso porque tinham uma amiga em comum, uma ninfa. Eu disse que o nível da viagem era grande.

As confusões continuaram por algum tempo. Ficou implícito que a vampira tinha algum interesse na melhor amiga ninfa e um ciúmes exacerbado em relação à ela e a loba. Eu, na situação da híbrida, ficaria com a maior cara de taxo. Esse motivo a mais só intensificou a desavença entre a loba, que ficava com a híbrida pelos cantos, e a vampira, que cada vez menos confiava que teria algo com a amiga ninfa. A briga se tornou física algumas vezes e, na pior delas, trouxe revelações das duas partes. A loba teve seu vilarejo destruído por vampiros, a vampira tinha memórias traumáticas de ter matado várias pessoas graças a um pai que ela odiava. As histórias não se interligavam, mas a dose de drama não foi pequena.

Depois do momento intenso, as coisas começaram a se acertar para o trio, o que incluía nadar em um lago frio com pouca roupa. Ah, e claro, seguia a clássica linha do triângulo amoroso, mas neste caso todas as partes consentiam. A história era curta demais para dizer que o ódio se tornou amor, mas pelo menos havia atravessado a porta do quarto. Era loucura de mais, mas não era ruim.

- Quando você vai escrever o segundo capítulo? – Perguntei e Yuri riu. Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ouvi o caderno ser arrastado para o outro lado da mesa.

- Vamos ver se você sabe escrever algo além do seu nome. – Sooyoung levantou o caderno a altura dos olhos enquanto mordia uma batata frita.

- Devolve isso. – Yuri se levantou para tentar pegar, mas Sooyoung afastou o caderno dela.

- Ai, para de ser chata. Eu quero ler também. – Tiffany deu a volta na mesa e se sentou ao lado de Sooyoung. Sunny também se aproximou da shikshin para ler a tal história, que tinha mais detalhes que eu não mencionei, já que não fazia respeito ao tema central. Eu fiquei a observá-las enquanto comia, tentando adivinhar, pelas suas expressões e pelo pouco que falavam, em que parte da história estariam. Yuri só bufava e batia os talheres no prato com mais força, de vez em quando.

- Que porra de apelido é Lobertor? – Sooyoung começou a rir ao chegar ao fim da história e eu dei uma risadinha. Na última cena, depois de você sabe o quê, a loba pedia para que as outras duas se aproximassem dela, pois era quente como um “lobertor”. Era uma boa brincadeira de palavras e eu sabia que Sooyoung iria pegar no pé por causa disso.

- Sei lá, veio à cabeça na hora. – Yuri deu de ombros e dessa vez conseguiu pegar seu caderno.

- Eu gostei, achei muito fofo. Vou te chamar assim agora! – Tiffany bateu palma ao sorrir para Yuri, que fez careta. Sooyoung não se aguentou e deu uma risada escandalosa.

- Não precisa, amiga. – Disse Yuri, de nariz torcido para Tiffany.

- Precisa sim, eu achei tua cara. – Sooyoung incentivou. – Aposto que a Jessica concorda.

- Claro. Vive dizendo “frio? Que frio?”. O apelido justifica o fato de ter esse fogo todo. – Concordei e dei um gole no suco, usando o canudinho e fingindo que não percebia Yuri a me julgar.

- Vou nem falar de onde vem isso, mas a história tá boa sim. – Sooyoung elogiou, por fim.

- De verdade? – Yuri buscou confirmação. A maioria assentiu, mas Tiffany ainda tinha uma queixa a fazer.

- Tipo, está maravilhosa, mas eu acho que essa híbrida só atrapalha a loba e a vampira. – Sooyoung ficou indignada com a observação de Tiffany. – Faz a continuação, ela morre para a estátua e as outras ficam livres.

- Ai, credo. – Eu fiquei chocada, mas nem tanto. Às vezes Tiffany era meio bruta.

- Morre nada! A híbrida é a melhor personagem da história! Enquanto as outras duas estão se matando ela só quer amar e ser amada, nada a ver ela morrer. – Sooyoung defendeu seu ponto de vista e a discussão se prolongou por muito tempo. Era bem mais divertido que provas, de fato.

- Ignora e deixa do jeito que está. – Eu murmurei para Yuri enquanto a discussão de Tiffany e Sooyoung ficava mais acalorada, com Sunny a expressar sua opinião também. Yuri fechou o caderno e enfim pôde comer em paz.

Quero dizer, mais ou menos. O debate importantíssimo continuou até que saíssemos para as provas da tarde. No fim, eu ri o bastante para ficar um pouco mais animada quanto a ir para a sala. Provas com cálculos eram cansativas, mas eu havia estudado o bastante. Ao sentar em meu lugar de sempre, coloquei só o material que precisaria sobre a mesa e por um segundo eu pensei que as provas seriam canceladas. As luzes da faculdade se apagaram por quase três minutos e eu só consegui rir e pensar em Seohyun, não que isso faça sentido para alguém além de nós duas.

 

...

 

Eu costumo ocupar quase todo o tempo para a realização da prova quando se trata de matemática, não por esquecer das fórmulas ou não entender os enunciados, mas por minha mania de fazer a prova duas vezes, principalmente as contas. Saí da sala às três, porém ainda teria uma hora e meia até o ônibus deixar a faculdade ou Tiffany sair de sua prova. Chequei o celular em busca de algum sinal das garotas, e só Yuri havia se pronunciado até então. Disse que estava na biblioteca e para lá eu fui.

Reconheci Yuri pelo boné. Estava de costas para mim, em uma mesa próxima à uma das estantes da parede e passava um desenho de seu caderno para o computador, com uma mesa digitalizadora. Eu quis descobrir se tratava de um trabalho ou não, mas não quis chamar atenção. Fiz questão de pisar com cuidado, que os chaveiros que tenho pendurados na mochila não fizessem barulho e espiei o que ela fazia por cima de seu ombro. Eu já devo ter dito isso, mas Yuri tem um cheiro bom.

De volta ao desenho. Ainda não estava colorido, Yuri ainda terminava os primeiros traços. Tinha a figura de duas garotas sentadas, de costas para quem vê, a da esquerda coçava a nuca e havia pontinhos no céu, que pensei se tratarem de estrelas. Eu iria fingir que não havia notado a referência.

E claro que Yuri me notou bem mais rápido do que eu demorei para explicar.

- Yah, sai daqui! – Yuri colocou uma das mãos em frente à tela e a outra tentou me empurrar para o lado, mas eu relutei.

- Por quê? Deixa eu ver, está bonitinho. – Eu ri à medida que Yuri ficava vermelha.

- Porque não. Nem está pronto ainda. – Yuri fechou o notebook e eu decidi parar de irritá-la. – Senta do outro lado para eu continuar.

- Ai, que fresca. – Revirei os olhos por brincadeira e dei a volta na mesa, mas parei antes de me sentar. – Só se eu puder ver depois. – Yuri parou para pensar, por um momento.

- Tá, só dê privacidade à artista. – Yuri voltou ao tom descontraído e eu enfim me sentei a sua frente. – Você também deveria escrever, faz tempo que você não posta nada.

- Está com saudade? – Sorri ao colocar a bolsa e o celular sobre a mesa. Abri o zíper maior para tirar de lá o laptop. – Já ia fazer isso.

- Não. Sempre que vou ver se tem algo para ler, não tem nada. É sua obrigação atualizar, nesses casos. – Yuri fingiu descaso e eu ri ao ligar o computador. – Vou confiscar isso aqui. – Yuri pegou meu celular e colocou no bolso do casaco. – Você é muito distraída.

- Poxa... – Deixei os ombros caírem. – Vou fingir que você não está aí também.

- Aí não. – Yuri protestou e sorriu em seguida. – Eu aceito spoilers sempre que quiser falar.

- Aí você me distrai. – Cruzei os braços sobre a mesa enquanto esperava o arquivo de texto abrir. – Pensei que o foco fosse ser produtiva.

- Também, mas também gosto de saber de tudo em primeira mão. Mas desculpa se minha beleza tira seu foco. – Yuri deu um sorriso convencido e abriu o notebook.

Eu poderia concordar, mas...

- Você fala demais. – Eu sorri e ela fechou a cara.

- Vai escrever. – Falou ao fazer uma expressão séria.

- Vai desenhar. – Tentei imitá-la e neguei com a cabeça ao voltar meus olhos para a tela do notebook. Acho que vale uma historinha minha aqui. Quando comecei a escrever, eu sempre me perguntava como as pessoas conseguiam digitar sem olhar para o teclado, mesmo já usando o computador há muito tempo. Hoje eu me pergunto como que escrevem sem olhar para a tela. Às vezes vale aquela espiadinha, no meu caso, mas para as funções que pouco uso. Os dedos já sabem onde está o que querem.

Nós ficamos mesmo em silêncio por algum tempo. Como Yuri estava bem concentrada com seu desenho e eu com o que escrevia, invés de puxar assunto e interromper nosso fluxo criativo eu tirei os fones da mochila e conectei ao computador. Música sempre serviu como fonte de concentração, inspiração e estímulo e, por sorte, meus fones atuais ainda pegavam. Poucos deles duram mais que três meses, talvez porque eu compre sempre os mais baratos, ou é só um dom meu destruí-los.

Minhas únicas pausas eram apenas para imaginar a cena do modo mais realista possível – mesmo que a história envolvesse algum tipo de viagem espacial futurista -, ou para pensar na palavra mais adequada. Em geral elas vêm naturalmente. Tão naturalmente que até algumas cujo significado eu não me lembro surgem, oriundas do hábito de ler dicionários na infância, e então eu tenho que checar o significado para ver se é mesmo utilizável. Também é comum eu esquecer de certas palavras, e ficar minutos tentando lembrar de algum sinônimo, para então buscar pela palavra que eu preciso. “Contudo” e “entretanto” têm diferenças para mim, pode ser só frescura, mas acho que cada uma traz um peso diferente consigo.

Fora desse papo semântico, eu tinha minhas manias ao escrever. Apoiar a mão sobre o queixo, coçar a cabeça, principalmente coçar a cabeça, e olhar para o nada enquanto a cena toda se passa por minha mente. Um fato engraçado sobre a última parte é que as vezes eu tenho preguiça de passar alguma cena para o “papel”, ou só fico matutando qual seria a melhor forma de fazê-la. Essas partes que me deixam mais insegura levam mais tempo para serem escritas do que um conjunto de mil palavras espontâneas.

Para fazer graça, vou chamá-las de pedágios criativos na estrada da escrita. Enquanto os bloqueios não oferecem alternativas para que você chegue ao seu destino, o pedágio requer apenas que você esteja disposto a pagar o necessário para que possa prosseguir. Só que é chato ter que parar para contar as moedinhas quando você vem de uma pista de alta-velocidade. Só uma reflexão, num parágrafo que sairia em um artigo de blog fuleiro para inspirar autores iniciantes.

A música, pelo menos dessa vez, não me ajudou tanto em concentração ou mesmo evitar esses pensamentos aleatórios. Em minhas pequenas pausas, quando meu olhar errava o nada e se concentravam em Yuri... Era bonitinho o jeito que ela estava concentrada, mas eu não queria ficar encarando também. Só não sei depois de quanto tempo eu me dava conta disso.

Eu ainda estava bem confusa, e não era em relação aos meus sentimentos. Eu já havia aceitado que gostava dela, sem qualquer desculpinha, mesmo que meu jeito de gostar seja bem esquisito. Eu já suspeitava quando tive a rejeição quase que mágica à Sunny no primeiro momento. Meu “gostar” se manifesta por ciúmes, e eu não tenho certeza quanto as outras fases, mas posso tentar entender no momento.

 Eu acho que descrever como “toma o ar que respiro” ou “faz meu coração parar” são mais como preocupações de saúde do que românticos, e eu não gosto de borboletas para dizer que habitam em meu estômago, apesar de darem o toque de conto de fadas que muitos procuram, sem saber, nas histórias. Antes de me etiquetarem como “fria”, vocês não podem dizer isso para alguém que funciona à base de Sheeran e baladas coreanas sobre amores incertos. Eu só tenho meu jeito e acho que ele é menos mágico.

Também não sou cientificista o suficiente para lhes dizer quais eram os níveis de adrenalina em minha corrente sanguínea quando Yuri estava por perto ou não, mas eu acho que as pessoas não estão erradas quando dizem que “rolou química”. Que procurem significados maiores para o amor, mas eu prefiro o básico, o que até contradiz todos esses meus rodeios mentais. Que me chamem de esquisita depois disso tudo, mas, pelo menos, quando eu e Yuri apertamos pela primeira vez, não houve nenhum choque elétrico. Não sei vocês, mas eu não namoraria o Pikachu.

Para mim é mais simples. Primeiro, você gosta da aparência da pessoa, você gosta do jeito, da voz ou do que a pessoa diz, gosta do cheiro e de simplesmente estar perto ou manter contato. Em resumo, um conjunto de coisas que te levam a se interessar pela pessoa. Ela não precisa fazer muito para que o tempo ao seu lado seja agradável, e eu acho que esse é o ponto mais importante, sentir-se confortável para abordar qualquer assunto, dos assuntos mais delicados às tolices mais aleatórias. Eu não sou de falar muito, mas eu gostava de ouvir Yuri tagarelar, nunca era tedioso. Na verdade, eu sinto que meu humor melhora com nossas conversas. Se eu sentia tudo isso, tudo indicava que Yuri correspondia e ainda me fazia bem, eu estava sendo idiota por querer ignorar.

- Pensando no que?

Pisquei uma vez antes de me dar conta de que Yuri me encarava.

- No que escrever. – Eu sei que mentir é feio, mas admitir com “você” também é vergonhoso. – Meio sem ideia.

- Então vem pra cá, vou deixar pra terminar isso em casa. – Yuri bateu no banco ao seu lado. – Quero conversar agora, vem mais perto.

- Um minuto. – Demorei uma pequena fração do que prometi para salvar o arquivo e desligar o computador mais uma vez. Yuri tirou a mochila do banco e a colocou sobre a mesa para que eu pudesse sentar e me devolveu o celular.

- Obrigada. – Não que eu fosse usar no momento. Ele voltou para o bolso, só que o meu, no caso. – Sobre o que quer falar?

- Não faz essa pergunta que você me complica. – Yuri riu e tirou os olhos do computador. – Tem prova nos dois tempos amanhã?

- Não, só pela manhã. E você? – Continuei com o assunto.

- Também. Você fica? – Dei de ombros para a pergunta de Yuri, ainda não tinha decidido isso. Poderia pegar o ônibus do meio dia se quisesse. – Ah, fica. Aí a gente vê com as garotas de comemorar o fim das aulas.

- Tudo bem. – Concordei. Não faria algo mais importante em casa.

- Oh, será que o wi-fi daqui é bom o suficiente para jogar? – Yuri perguntou ao mover o cursor do mouse ao redor do ícone do jogo instalado em seu computador, um “L” dourado que se sobressaia ao círculo azul. Eu o conhecia, porque o tinha em meu laptop também. Coisa da Krystal.

- Você me chama para conversar e vai jogar? – Reclamei e Yuri sorriu amarelo ao clicar sobre o ícone, abrindo a tela de login.

- Se você jogasse poderíamos fazer isso juntas... – Yuri deixou a frase no ar ao preencher os dois campos vazios. Yulyulk era o usuário dela para a maioria de suas contas.

- Hoje não. Você vai me explicar o que faz. – Yuri fez bico, não muito feliz com minha resposta, mas assentiu de qualquer forma. Eu percebi que ela olhava para os lados, sobre a mesa, a procura de algo e me adiantei ao lhe estender os meus fones de ouvido a ela. – Pode usar.

- Valeu. – Yuri sorriu e desenrolou os fones antes de conectá-los ao computador. Percebi que ela ainda estava a fim de conversar quando só colocou um dos auriculares na orelha. – Vou ganhar uma para você.

- Boa sorte, então. – Ri de sua promessa e fiquei a observar enquanto ela configura as coisas para sua partida. Notei que seu tique em arrumar a franja estava novamente evidente. Ainda mais que tinha a cabeça um pouco abaixada enquanto olhava para tela, o que fazia com que caísse sobre os olhos. – Coloca isso para trás, não vai ganhar com a estratégia “cachorro de madame”.

- Nem fodendo, credo. Deixa minha franja quieta. – Yuri cobriu a testa com as mãos, impedindo que eu brincasse com seu cabelo. Eu estava decidida a provoca-la, então puxei o seu boné pela aba e o coloquei em minha cabeça. – Ei, devolve! – Reclamou, indecisa entre tirar o boné de mim ou confirmar a partida.

- Calma. – Eu ri ao me esquivar dela e tirei o celular do bolso, usando o atalho da tela de bloqueio para abrir a câmera mais rapidamente. – Fiquei bonitinha com ele, vou tirar uma foto e já devolvo.

- Para mandar um snap você esquece, agora é só roubar meu boné que já vira a louca das fotos. – Yuri estalou a língua e negou com a cabeça enquanto sua partida já carregava.

- Se reclamar não ganha a foto. – Yuri hesitou no início, mas logo esticou o braço em minha direção. – Olha, vai começar! – Não foi blefe, o campeão de Yuri já estava aguardando comando.

- Sorte a sua. – Yuri resmungou e tornou a olhar para a tela. Tirei uma foto e várias de segurança antes de guardar o celular. Eu fiquei com o boné por algum tempo antes de devolver a ela, ajeitando-o sobre seu cabelo. – Aigoo, assim fica difícil.

- Vou ficar quietinha. – Ergui as mãos em rendição e deixei que Yuri jogasse seu jogo em paz.

Eu consegui ficar observando o jogo e ouvindo as suas instruções nos primeiros minutos. Eu não sei como as pessoas têm paciência para ficar em uma única partida por tanto tempo, pois, quando a partida nem havia chegado a metade eu já havia desistido de prestar atenção. Yuri continuou a puxar assunto, de vez em quando, mas ela mesma os interrompia para reclamar de algo do jogo. Chamem-me de louca, mas eu acho engraçado como ela perde a paciência com facilidade. Eu fiquei entre observá-la e tentar dormir por um bom tempo, até que decidi ler um pouco. Eu havia deixado a série de bruxos de lado na semana de provas e tinha até me esquecido do quão legal é ler isso. Estava na hora de tirar leitura e escrita do atraso.

A partida de Yuri durou quase uma hora e, invés de começar uma nova, ela deu a ideia de esperarmos Tiffany lá fora; era melhor do que a opção de deixar a Hwang esperando, além de que poderíamos conversar sem nos preocupar com o barulho. Yuri colocou suas coisas na mochila, eu levantei e coloquei a minha no ombro enquanto a esperava, bocejando.

Nós seguimos para o estacionamento e não havia nenhum sinal de Sooyoung ou Sunny nos bancos próximos. Resolvemos ficar apoiadas no carro de Tiffany enquanto esperávamos. Sooyoung logo se juntou a nós, sua pequena demora foi devido a ela ter ido levar Sunny até a porta do dormitório. Tiffany chegou depois de algo entre cinco e dez minutos e nós finalmente pudemos entrar no veículo.

- Que horas acabam as provas pra vocês amanhã? – Tiffany, assim como todas nós, passava o cinto de segurança pelo corpo.

- As minhas e da Yuri vão até meio dia. – Tomei a iniciativa para responder e Tiffany deu partida no carro, que tremeu todo com o arranque do motor.

- Eu vou até às três mesmo. – Disse Sooyoung, em seguida. – Por quê?

- Por que eu vou sair ainda no horário de sempre, e quero saber quem está a fim de esperar. – Tiffany engatou a ré e manobrou o carro à direita para sair da vaga de estacionamento.

- Eu e Jessica vamos ficar, não deixa a gente pra trás. – Yuri respondeu por mim dessa vez.

- Eu vou fazer que nem a arregona e ficar também, então. – Eu sabia bem o motivo que Sooyoung tinha para ficar mais tempo por ali.

- Feito. – Tiffany riu do que Sooyoung havia dito e enfim saiu do estacionamento com o carro. Eu fiquei quieta, observando a janela, pensando se era trouxa demais por desconfiar do “arregona” de Sooyoung ou havia mesmo algo ali que, ao que tudo indicava, eu era a única a não saber.

 

...

 

Não havia alguém que acordasse tão feliz àquela hora da manhã quanto eu no último dia de aula. Eu acho isso até um pouco controverso, pois mal vejo a hora de voltar para casa para passar todo o dia no sofá, em comemoração. Certo que eu chegaria no horário de sempre em casa, mas não teria muitas preocupações. Poderia tomar uma dose de café para me ajudar a dormir mais tarde, não teria que me preocupar com estudos ou trabalhos e poderia aplicar todo o tempo do mundo ao que tivesse vontade, mesmo que fosse não fazer nada. Eu iria com a guitarra, já não nos vemos há um tempo, apesar de eu treinar no mínimo uma vez por semana com o violão.

A única coisa que pôde estragar meu dia e tirar o sorriso do rosto eu descobri assim que cheguei à universidade. O ônibus estava quente, por conta do aquecedor, e só quando saí dele senti falta de algum casaco. Eu tenho a mania de deixa-lo “dobrado” na mochila quando chego em casa, hábito que minha mãe não aprova nem um pouco, sempre briga e me faz colocar no armário. Acho que dessa vez alguém fez o favor de guardar e não brigar. De qualquer forma, o plano era não congelar até o fim do dia.

Outro lado ruim de ter esquecido o casaco é não ter onde colocar as mãos. Pensei nisso enquanto esperava pelo meu cappuccino. Sim, eu havia tomado café da manhã em casa, mas, como sempre, foi achocolatado gelado, e eu precisava de algo para esquentar. Agradeci a atendente com um curto sorriso e adicionei um pouco de açúcar à bebida antes de jogar a pequena colher transparente no lixo e então seguir para uma das mesas vazias.

Fiquei ali, bebericando café e lendo as notícias, como meu avô o faria, tirando que ele trocaria o smartphone pelo clássico de papel.

- Oi. – Yuri chegou um pouco afobada, uns minutos mais tarde do que o comum. Faltava pouco menos de vinte minutos para o início da prova. Parecia ansiosa, era bom saber que eu não era a única assim em relação às férias. Ou talvez fosse pela prova, ou outro motivo que eu desconhecia.

- Quer? – Ofereci meu café depois de retribuir seu sorriso.

- Não, valeu. Na real, eu to pensando em comprar um chá. – Yuri jogou sua mochila sobre a mesa, abriu um dos zíperes e tirou algum dinheiro de sua carteira. – Uh... Vou comprar alguma coisa e já volto, me espera.

- Estou sem pressa, relaxa. – Ri de seu afobamento e bebi um pouco mais de meu cappuccino. Fiquei entre olhar qualquer coisa no celular e observar Yuri inquieta na pequena fila formada ali. Tive a impressão de que ela já havia tomado meio litro de café. Eu fico quase no mesmo estado quando exagero, e minhas mãos tremem. Percebi isso durante um dia da semana de provas, quando bebi café antes de sair de casa e mais ao chegar à Stanford. Eu fiquei bem alerta, o que era a intenção, mas, se o professor pensou que eu estava nervosa – ou sob heroína - quando fui assinar a lista de presença, foi muito enganado.

- Desculpa a demora, é que eu me enrolei toda para sair de casa. – Yuri se desculpou ao voltar à mesa e se sentou ao meu lado. Tinha o café e croissant de quase sempre em mãos.

- Tudo bem, só come devagar, ainda tem tempo. – Ri de sua pressa para mastigar o pão e ela sorriu sem mostrar os dentes. – Prova do que hoje?

- Representação gráfica. – Yuri deu um gole no café e franziu a testa por conta da quentura do líquido. Eu não fazia ideia do que se tratava a matéria, mas poderia chutar. – E você?

- Direito tributário. – Vinha daí toda a minha despreocupação com a prova de sexta. Era uma prova extensa, de mais, mas eu havia dominado bem a matéria desde a primeira avaliação. Com uma nota ótima garantida no boletim, eu estava segura de que poderia repetir o feito dessa vez, por ser menos conteúdo e mais específico do que todos aqueles conceitos que já havia aprendido.

- Parece chato. – Yuri fez careta de desgosto.

- Eu meio que gosto. É melhor que Processos Organizacionais e coisas com cálculo. – Dei de ombros. Direito era uma área pela qual tinha certo interesse, não pela profissão, mas pelo conteúdo.

- Bom, boa sorte com sua prova então. – Yuri sorriu e levantou o copinho de plástico.

- Igualmente. – Eu entendi sua intenção e nós fizemos um brinde de café. Dei risada e neguei com a cabeça, a reação dela foi parecida. – Que idiotice.

 

...

 

Não teve nada como apagões repentinos ou coisas estranhas durante a realização da última prova. Eu demorei um tempo para terminar, por conta dos textos enormes que o professor usava para exemplificar os conceitos, que pouco tinham mais de duas ou três linhas na resposta. As de resposta múltipla eram as que eu menos gostava. O professor também tinha mania de botar pressão na questão dissertativa. Ele pedia algum conceito -  isenção tributária, por exemplo – e preenchia uma folha, frente e verso, com linhas. Eu enrolava o máximo que podia e tentava me lembrar tudo o que conseguira guardar do conceito para passar para o papel, mas nunca consegui preencher sequer a frente.

O lado bom de ter uma prova para o qual você se considerava bem preparada, no último dia, é que, depois de fazê-la, você não fica preocupado em relação ao conteúdo. Eu poderia me considerar de férias, apesar de ainda estar aguardando a nota do professor bigodudo. Essa só me tiraria um dia da primeira semana de janeiro antes das aulas oficiais, mas seria melhor dar um tempo entre minha relação com Stanford. Sem exceções.

Quando cheguei ao refeitório, dessa vez até mesmo Yuri estava lá. As quatro estavam bem animadas quanto a algum assunto sobre o qual eu não fazia ideia do que se tratava, isso porque elas se calaram conforme eu me aproximava. Essa coisa é sempre esquisita. Eu as encarei e elas só continuaram a mastigar ou elogiar a comida, o que não era algo que acontecia muito. Parabéns às rainhas do disfarce.

- Como foi a prova? – Tiffany foi quem abriu a boca primeiro, com o sorriso tão forçado quanto poderia ser.

- Tranquila. – Um pouco de comida para dentro antes que eu respondesse. – Se essa for a vontade do universo, eu só vejo vocês ano que vem no primeiro dia de aula. Já não aguentava mais. – Tiffany fechou a cara e eu ri para ela.

- Quanto amor enrustido, Jung. – Sooyoung entrou na brincadeira. – Aposto que no primeiro dia de aula você vai ser a primeira a estar aqui, de tanta saudade.

- Ela é sempre a primeira a chegar. – Tiffany respondeu o óbvio. Nem sempre, e Yuri sabia que não. Olhei para ela e vi que sorria.

- Na verdade não, Sunny chega primeiro que todo mundo. – Corrigi só para discordar.

- Há, há, engraçadinha. Ela mora aqui. – Tiffany revirou os olhos e as demais riram de minha resposta.

Pelo resto do almoço, a conversa se dividiu um pouco. Sunny e Sooyoung começaram uma conversa de casalzinho em que ninguém quer se meter; Tiffany, Yuri e eu tivemos assuntos aleatórios. Tiffany puxava a maior parte dos assuntos, o que era o comum de quando ela estava por perto. A maior parte dos seus tópicos eram reclamações sobre a vida ou garotos. Dessa vez, se tratava do segundo. Um garoto de descendência japonesa. Não sei dizer nada sobre ele, mas Tiffany contou sobre a espécie de encontro dos dois. Se daria certo ou Tiffany estaria reclamando do garoto daqui a uma semana, eu não fazia ideia.

A conversa durou bastante tempo, tanto que nem percebi quando nossos pratos ficaram vazios. Sunny foi a primeira a se levantar e foi quem convidou Tiffany e Sooyoung a fazerem o mesmo. A princípio eu fiquei confusa, mas eu lembrei que as três ainda teriam mais avaliações.

- A gente vai lá, então. Falou, as duas. – Sooyoung fez questão de dar a volta na mesa, dar três tapinhas nas costas de Yuri e bagunçar meus cabelos antes de se mandar. Sunny se despediu depois dela, com um sorriso para mim e um aperto nos ombros de Yuri para então seguir a namorada.

- Até mais tarde. Não se atrasem. - Tiffany sorriu e acenou para nós duas, mas eu a vi piscar para Yuri. Eu pensei em correr para longe dali. Se eu não estava me fazendo de trouxa, eu tinha motivos em estar ansiosa.

- Ei, Sica. – Yuri tirou minha atenção das costas de Tiffany para ela. – As meninas do time falaram que iam fazer uma confraternização de último dia... Tudo bem se eu te deixar sozinha por um tempinho?

- Tudo bem, vai lá. – Sorri e indiquei com a cabeça para a minha direita.

- Valeu, e foi mal, eu disse que ia ficar contigo e tal. – Yuri coçou a nuca, sem jeito. Eu sempre achei o gesto fofo.

- Você vai se atrasar, vai logo. – Eu empurrei seu ombro, sem muita força.

- Está me expulsando? – Yuri fingiu indignação e eu aquiesci ao erguer as sobrancelhas. – Você tem sorte que eu sou amorzinho demais, viu? – Yuri colocou os braços para trás e tirou seu casaco, estendendo para mim. Dessa vez eu franzia  testa. – Eu estou vendo teu braço arrepiado daqui, sem contar as mil vezes que eu ouvi você resmungar “vento frio” que nem uma velha chata.

- Não vai precisar? – Eu hesitei ao olhar para a peça de roupa.

- Elas provavelmente vão armar um jogo ou campeonatinho de despedida, então não. Sem contar que isso nem frio é. – Não sei se era algo a se gabar, mas Yuri o fazia mesmo assim.

- Você também é Lobertor quentinho? – Eu ri com a menção e peguei o casaco de sua mão para então vesti-lo.

- Admite, é um bom apelido. – Yuri sorria ao me observar e eu fiz uma expressão pensativa ao ajeitar a jaqueta nos ombros.

- Bem, é melhor que Charmander. – Eu brinquei e Yuri fechou a cara assim que entendeu.

- Brinca que eu venho buscar isso de volta. – Yuri estreitou os olhos para mim e então sorriu. – Até mais, chata.

- Até mais, chata. – Repeti suas palavras. Yuri sorriu para mim mais uma vez e então se afastou, com a mochila pendendo em um dos ombros.

Eu fiz o mesmo. Peguei minha mochila e qualquer coisa que havia deixado sobre a mesa – quase larguei o celular e o cartão da universidade por ali -, e parti rumo ao desconhecido. Bem, quase isso. Eu já havia explorado boa parte do campus quando caloura – e me senti Robert Langdon quando fui parar no subsolo, quase sem querer -, mas ainda não sabia para onde ir.

Preguiça de escrever, preguiça de ler. Decidi começar as férias com um passeio sem rumo, até escolher, de fato, como passaria o tempo. Andar por horas não era opção. De um modo de outro, coloquei o Divide, de novo, para tocar e guardei o celular no bolso do casaco de Yuri. Não duvido que estivesse inspirando com muito mais força do que o necessário, mas pelo menos não estava cheirando a roupa como uma maluca, ou assim os outros pensariam. Eu realmente quis dizer isso quando disse que Yuri tinha um cheiro gostoso.

- Unnie, gostei da jaqueta nova! – Seohyun vinha na direção oposta e, como sempre, parecia apressada. Tinha um sorriso de canto e eu notei aí que ela suspeitava de quem era a dona.

- Não sei o que você ainda está fazendo aqui, o segundo sinal já bateu. – Eu não precisei dizer mais nada. Seohyun grudou a mochila em seu corpo e acelerou sua corrida para dentro do prédio. Foi um encontro rápido e triste, eu não tive tempo de provoca-la quanto à falta de energia do dia anterior.

Eu decidi que iria ler um pouco, no fim das contas, e desviei meu caminho aleatório para a biblioteca. Não estava tão longe e o vento não me atrapalhava mais, além de que eu não tinha muita pressa para chegar. Algo bem estranho aconteceu no meio do caminho, porém. Vi Hyoyeon sair do jardim botânico, olhando para todos os lados, como se estivesse desconfiada. Antes que eu perguntasse o que diabos ela estava fazendo ali, Hyoyeon veio em minha direção.

- Aí está a sumida. Anda fazendo programa? – Hyoyeon e sua maneira única de dizer as coisas. Eu adoro essa garota.

- Só se você tiver carro, gata. – Hyoyeon fez cara de nojo com a minha resposta.

- Não coloco aranha para brigar nem me meto nessas promiscuidades. – Eu fiz cara de desconfiada, mas Hyoyeon ignorou. – Bem que eu já te vi algumas vezes colada numa lata-velha vermelha com outra sapatão. – Eu me pergunto como Tiffany reagiria ao ter seu bebê chamado de lata-velha. Eu não me importava com o apelido carinhoso.

- E o que você estava fazendo por ali? – Apontei para as árvores com o queixo, já que as mãos estavam nos bolsos da jaqueta há algum tempo. – Só tem drogado.

- Eu finalmente entrei no clube de ufologia. – Eu disse que só tinha drogado por aquelas bandas. Eu gosto de alienígenas e até assistia aquele programa do History. Eu acredito sim que eles existam, mas devem estar à anos-luz de distância e não querem destruir a terra ou são deuses para uma civilização antiga; talvez sua única preocupação seja respirar ou algo muito mais primitivo do que isso.

Eu encontro Hyoyeon e na mesma hora começo a expor meus pensamentos mais loucos sobre vida além da Terra, que merda.

- E quando vocês vão começar a investigar plantações de milho? – Isso meio que me lembrou de Todo Mundo Odeia o Pânico. Eu ainda não acredito que meus pais deixaram Krystal assistir a ele quando tinha menos de dez anos de idade.

- Não sei, os veteranos só falaram um pouco da relação de alguns fatos que podem comprovar que os alienígenas existem, mas o governo esconde. – O governo escondeu tão bem que um bando de universitários conseguiu a informação sem muitos problemas. – Na volta das férias eles vão falar da relação entre a formação dos Estados Unidos e os alienígenas, sabe, sobre os pais fundadores.

O engraçado é que eu poderia muito bem estar na situação da Hyoyeon há alguns anos.

- Você não tem prova não? – Perguntou Hyoyeon, antes que eu pudesse dizer que achava o assunto divertido.

- Eu já fiz, vou ficar aqui até conseguir a carona com a sapatão. – Eu juro que tentei não rir. Hyoyeon se juntou a mim, pelo menos.

- Ah, tá. Eu já vou para casa, cansei desses doidos de Stanford. Já não basta o tanto de dinheiro que eu dou pro governo, ainda tenho que pagar para vir para o hospício. – Seria loucura se eu concordasse com ela? Jessica e Hyoyeon, as anarco-capitalistas da universidade. – Até ano que vem, vê se não arranja uma DST até lá.

- Você também. – Sorri ao devolver seu cumprimento, Hyoyeon já se afastara de mim havia alguns passos.

- Deus me livre! – A “puritana” disse uma última vez e eu deixei que ela seguisse seu caminho, fazendo o mesmo na direção oposta.

Eu gostava dessas amizades loucas. Eu também parecia uma delas, rindo sozinha e de modo quase psicopático, aparentemente sem motivo para as outras pessoas. Eu já não dava a mínima para elas, na verdade.

 

...

 

Eu fui, de fato, para a biblioteca. Li boas páginas; até a parte em que Harry descobre a relação entre Black e seu pai eu estava consciente. Depois disso, tudo foi ficando confuso e eu não retinha tantas informações; as piscadas demoravam tempo demais e as letras ficavam cada vez mais borradas. Não sei quantas páginas eu li apenas por ler, também não sei dizer o que elas me contaram.

A próxima coisa que eu me lembro é de um incômodo na bochecha direita e alguém mexia meu ombro esquerdo. Eu ajeitei minha postura e olhei para o livro, assustada. Suspirei pelo alivio em saber que não havia o molhado.

- A soneca estava boa, hein? – Olhei para a minha esquerda e vi Yuri rindo. – Te chamei umas três vezes, pensei que estava morta.

- Foi mal, acho que eu estava meio morta mesmo. – Cocei os olhos com as palmas das mãos e pisquei algumas vezes. Peguei o livro e o coloquei na bolsa.

- Acha? – Yuri riu e eu me levantei. – Me acompanha num lugar.

- Ué, não está na hora de ir embora? – Pisquei em confusão.

- Já passou. – Yuri me mostrou as horas em seu celular. Já se passava das seis da tarde. – Relaxa, Tiffany ficou pra alguma festinha, Sooyoung também ainda está por aqui, aí eu tomei a liberdade de falar que você ficava também. – Yuri sorriu amarelo.

- Pelo menos eu consegui dormir o que queria. – Ri e toquei seu ombro, guiando-a para a saída. – Vamos, para onde quer que seja.

- Calma, primeiro ao refeitório. To morrendo de fome, ainda mais depois de jogar. – Yuri colocou as mãos sobre a barriga. Eu tinha notado seus cabelos meio úmidos, não de suor.

Nós seguimos para o refeitório de sempre. Assim como durante as manhãs, antes das aulas, o movimento não era tão intenso assim. Confesso que ver aquele monte de porcaria na vitrine da lanchonete despertou minha fome e, por sorte, havia apenas dois garotos a nossa frente. Yuri pediu croissant e coca, um de seus clássicos, e eu fui com a mesma coisa. Abriria uma exceção para refrigerante.

Com o “jantar” embrulhado em um saco e lata de alumínio – pelo menos no meu caso – congelando nossas mãos, nós saímos do prédio mais uma vez. Eu tentei fazer com que Yuri dissesse aonde iríamos, mas ela foi impassível. O sol terminava de se por, tinha um pouco de laranja no céu azul escuro, próximo às montanhas, e era para lá que nós seguíamos. Eu já sabia para onde Yuri me levava. O problema era só passar pelo meio da mata, à essa hora, e ter o azar de encontrar Hyoyeon ou coisa pior ali. Apenas fiquei em dúvida sobre todo o drama que Yuri estava fazendo para ir ao descampado. Eu não tinha muito a reclamar, porém, pelo menos não de sua companhia. Nós nos sentamos ali e usamos nossas mochilas como mesa, para apoiar o lanche.

- Você tem certeza que não está com frio? – Enquanto eu desenrolava meu croissant, Yuri já mordia o dela.

- Absoluta. – Disse entre uma mastigação e outra. – Hm, isso aqui é muito bom.

- Chamander. – Murmurei ao morder o pão, mas Yuri ouviu e fez questão de corrigir.

- Lobertor.

- Mas está bom mesmo. – Sorri sem mostrar os dentes. Yuri semicerrou os olhos para mim e resmungou.

- O que pretende fazer nas férias? – Yuri decidiu mudar de assunto.

- Não tenho certeza. Não vou sair muito da região de São Francisco, é muito difícil meus pais decidirem viajar no final de ano. E se saímos é por pouco tempo e curta distância. – Meus pais são muito fixados na cidade e vizinhança. Nossas viagens para longe costumavam ser para Los Angeles, o que dava pouco tempo em um avião, para ver a família de minha mãe. Todas as poucas vezes que saí do estado foram para um único lugar: Nova Iorque. Era onde meu pai gostava de fazer compras mais caras e onde, à propósito, Kris havia nascido e passado boa parte de sua vida. – E você?

- Também acho que fico a maior parte do tempo em casa. Talvez meus pais queiram me arrastar pra praia, eles fazem isso mesmo no inverno. – Yuri não parecia muito feliz diante dessa possibilidade. – Eu vou ficar bem se me deixarem em casa, com meu joguinho, a mantinha e café.

- Entendo. Dispenso o seu jogo, mas faz um bom tempo que não jogo The Sims... Além de que quero zerar os objetivos secundários do Syndicate. – Eu não sei se ainda faço o tipo gamer, eu jogava bem mais na época de escola. Agora me limito mais a alguns títulos.

- Chatos. – Yuri cantarolou ao revirar os olhos e eu empurrei seu ombro de leve, com o meu.

- O seu é. – Retruquei e Yuri devolveu o empurrão da mesma forma.

- Como pode falar isso sem jogar? Os seus me dão sono. – Yuri fingiu bocejo.

- Eu já joguei, ou tentei. Kris e Krystal jogam, e os dois já me fizeram jogar, com Kris primeiro. Demora demais e eu sou horrível. – Eu não minto. A coisa mais divertida do jogo era a personagem. O que há de mais fofo que uma menina e um urso?

- Você jogou com eles? Vai ter que jogar comigo também algum dia. – Yuri disse em tom de decisão e eu aquiesci depois de um tempo, para então abrir minha latinha de refrigerante.

- Uma vez só. – Levantei o indicador e Yuri fez cara de quem ia reclamar. – Isso ou nem jogo.

- Tá, chata. – Yuri apoiou seu refrigerante na coxa, puxou sua mochila para perto com a mão livre e me entregou seu celular, já desbloqueado. – Anota o usuário da sua irmã, se não tiver problema. E o seu, se lembrar.

- Ela tem duas contas, mas só me lembro de uma. Das minhas eu não faço ideia. – Eu entreguei meu meio-croissant para Yuri, abri seu bloco de notas e digitei o nome antes de nós fazermos a troca. – Diz que é a “amiga da Jessica”, aí ela aceita.

- Ela sabe de mim? – Yuri aparentou estar surpresa e feliz com o fato.

- Krystal sabe quase de tudo. – Além de Kris e Yuri, é com a dongsaeng que eu consigo falar com as duvidas da vida e coisas parecidas. É recíproco. Principalmente antes de dormir. Ela vem ao meu quarto ou eu vou ao dela e conversamos até altas horas da madrugada e, claro, ao som de nossa mãe gritando para irmos dormir de uma vez.

- Já sei com quem posso fazer umas perguntinhas... – Yuri sorriu de canto.

- Não pode não, vou mandar ela não te responder. – Mostrei a língua e Yuri murmurou um “poxa” ao rir.

- Aí fica injusto. Eu me exponho mesmo sem querer e você não diz nada. – Yuri reclamou e eu sorri amarelo. – Depois eu que me faço de misteriosa.

- Você fez sim, hoje. – Ela e todas as outras. Eu ainda me perguntava onde Yuri queria chegar.

- Foi minha vingança. – Yuri riu e desviou seu olhar para baixo, continuando a comer em silêncio. Eu olhei para o horizonte à nossa frente, e não havia mais sinal de sol a ser visto. Era uma pena não ter registrado o momento, mas o céu estava tão bonito quanto antes. As estrelas estavam cada vez mais brilhantes, à medida que escurecia. – Bonito aqui, não?

Vi que Yuri seguia o meu olhar e tornei a olhar para cima. Aquiesci com um sorriso e amassei o que sobrou do pão, ou seja, sua embalagem e terminei meu refrigerante, deixando o lixo apoiado sobre minha mochila.

- Nós tínhamos que vir a noite algum dia. – Eu não lembro se havia sido Yuri ou eu a dizer isso ou eu, mas brinquei com a referência. Yuri riu baixo em concordância e fez o mesmo com o que havia sobrado de seu jantar.

- Hm... Jessica. – Aí vinha o “Jessica”, acompanhado de um frio na barriga. Eu sabia que Yuri queria alguma coisa. – É... Posso falar sério um pouquinho? – Yuri se sentou de modo mais confortável e eu aquiesci devagar.

- Claro. – Eu sorri e Yuri mordeu o lábio inferior.

- Vai ser um pouco estranho, mas lá vai. – Yuri estava inquieta em seu lugar e eu pude perceber que ela se esforçava para não desviar o olhar do meu. – Lembra como me conheceu? A Fany nos apresentou e depois começou com toda aquela coisa de shipper.

- Nós nos incomodávamos bastante com isso no começo. – Dessa vez meu sorriso não foi forçado.

- E nosso único assunto era prova, mesmo quando faltavam meses para elas. – Não pude concordar mais com o que Yuri dissera. – E então nós passamos a nos falar todos os dias, e eu confesso que é bem esquisito quando eu vacilo e perco o primeiro alarme. – Também concordei com a segunda parte.

- Você fala de mim, mas é dorminhoca igual. – Eu brinquei só para tentar deixar o clima mais tranquilo, não sei se funcionou. Esqueça o que eu disse há centenas de palavras atrás, ou talvez eu sofra de insuficiência cardíaca.

- Você ainda ganha. – Yuri deu um sorriso nervoso de novo. – Sabe... Quando você se apaixona pelo jeito da pessoa? A voz dela, as manias, os defeitos... – A última coisa que notei foram as bochechas vermelhas de Yuri. Dessa vez eu que não consegui encarar por muito tempo. – Tanto eu quanto você, a gente sabe como esse lance de gostar de alguém que mora do outro lado do mundo e tal, e eu me pergunto desde quando sou tão trouxa pra cair nessa duas vezes. Mas, sei lá, talvez desse certo dessa vez, se as duas partes levassem a sério. Talvez o que eu sinta ainda não seja amor, mas tá forte. Não dá pra ignorar mais.

Eu coloquei as mãos nos bolsos da jaqueta, sem saber onde mantê-las ou para onde olhar. Por mais que quisesse encarar Yuri o tempo todo, estava difícil. Eu tinha certeza de que ela não era a única corando.

- Eu estou apaixonada por você, se não estava óbvio isso. – Estava, mas ouvir diretamente são outros quinhentos. – Eu sei que eu tô me enrolando toda, mas eu só quero te pedir uma coisa. É bem gay dizer isso, mas, Jessica, você quer namorar comigo? – Talvez eu tenha insuficiência cardíaca e mal de Parkinson. – Eu meio que... Meio não, eu quero pegar na sua mão, te abraçar, assistir filmezinho e dar uns beijinhos, essas coisas melosas de casal. Tipo, eu to falando isso tudo sem saber se ao menos você gosta de mim, mas eu queria tentar. Desculpa se eu soei idiota ou gay, provavelmente eu fui, é que foi muito rápido e você sabe que eu não consigo ficar quieta. É que, sei lá, até suas mensagens de boa noite me deixam abobada e... É, já chega eu já falei demais.

Yuri abaixou a cabeça e ficou a brincar com seus dedos. Eu fiquei em silêncio nos primeiros segundos. Não por estar pensando em minha resposta, mas em como fazê-la a altura de tudo que Yuri havia me dito. Eu iria com o simples.

- Eu quero. – Yuri ergueu a cabeça, desacreditada. – Eu quero namorar contigo. – Eu poderia estar morrendo de vergonha, mas meu sorriso era natural, talvez um pouco bobo. – Eu quero fazer essas coisinhas de casais e fazer isso funcionar dessa vez.

- Sério isso? – Yuri arregalou os olhos. – Tipo, sem zoeira? Você quer mesmo?

- É sério, eu quero. – Mordi o lábio para não rir tanto de sua reação.

- Ai, meus sentimentos. – Yuri apoiou uma das mãos no gramado e levou a outra ao peito. – Nossa, eu não sei se deu pra perceber porque não está muito claro, mas eu devo estar muito vermelha. – Dava para notar sim. – Nossa, eu to muito feliz... Cara, você aceitou... – Yuri parou de falar quando eu apertei sua bochecha de leve. – Ai, não faz isso comigo, Sica.

- Desculpa, é que você estava sendo muito fofa. – Soltei seu rosto. Acho que estávamos competindo quem faria a melhor cara de boba.

- Espera... – Yuri ficou séria novamente ao que se lembrou de algo. – A pessoa que você disse que estava gostando... Era eu?

- Uhum. – Foi minha vez de coçar a nuca com a mão livre, os dedos da outra se mexiam por conta do constrangimento e nervoso.

- Ai, meu deus. Me abraça. – Yuri abriu os braços e eu me aproximei mais dela para que aquilo pudesse ser feito. Seus braços envolveram minha cintura e os meus circularam seu corpo um pouco mais acima. Yuri apertou um pouco o contato e eu apoiei minha cabeça em seu ombro.

Nós ficamos assim por um tempo, não estávamos com pressa de desfazer o contato. Yuri relaxou seus braços e eu me afastei um pouco, não o suficiente para apartar o abraço. A partir daí, foi tudo muito natural. Nós já trocávamos olhares quando eu tirei minha cabeça de seu ombro, e não aumentamos a distância de um palmo entre nossos narizes. Eu sabia o que Yuri queria, pelo trajeto que seus olhos faziam, e eu não minto que estava desejando a mesma coisa. Yuri tocou minha bochecha esquerda, fazendo carinho ali com o polegar, e eu fechei os olhos, como um sinal positivo.

Eu sempre sinto leves cócegas quando nossos lábios se tocam, os de Yuri eram bem macios. Nós não nos apressamos dessa vez também. Os movimentos eram calmos e delicados, às vezes curtos. Nós repetimos isso algumas vezes, até a outra mão de Yuri tocar minha cintura e ela tomou a iniciativa para aprofundar o beijo. Eu apenas concedi passagem e senti minha nuca se arrepiar quando nossas línguas fizeram contato. Ficamos assim por algum tempo, num ritmo lento, até que um som nos chamou atenção: era o meu celular vibrando na mochila.

- Ah, não... – Yuri resmungou quando eu me afastei e puxei a mochila, para abrir o bolso menor. Coloquei o celular a altura da orelha depois de deslizar o dedo sobre a tela.

- A Fany tá mandando vocês virem logo, ou vai largar as duas aí. Beijo. -Não tive tempo de responder, Sooyoung desligou logo em seguida.

- Quem era? – Yuri perguntou enquanto eu ainda olhava para a tela.

- Sooyoung. Tiffany está nos ameaçando. – Eu me levantei e juntei minhas coisas dentro da mochila.

- Ah, mas já? Tá cedo... – Yuri reclamou e eu fui até ela. Estendi minha mão e ela segurou, depois de hesitar um pouco. – Que saco.

- Antes que nossas mães pensem que fomos sequestradas. – Yuri colocou a mochila no ombro e aquiesceu. Eu nunca a vi tão decepcionada para ir embora. Confesso que minha vontade de ir rápido para casa também havia passado.

- Tem razão.  Vamos lá, então. – Yuri deu um sorriso e me puxou para mais perto, em um abraçado de lado. Eu passei o meu ao redor de sua cintura e nós seguimos juntas em direção ao estacionamento, sem pressa nenhuma de chegar lá.

...

Quando avistei o carro, notei Tiffany e Sooyoung a conversar, apoiadas no veículo. A mais alta cochichou algo para Tiffany e a Hwang, antes de costas para nós, se virou com o maior sorriso do mundo. Sooyoung também tinha um dos cantos de seus lábios erguido. Eu tinha certeza que elas sabiam de algo. Tiffany começou a bater palmas e dar pulinhos.

- Olha, eu vou na frente hoje. Não vou atrás com vocês nem que me paguem. – Sooyoung sorriu, então abriu a porta do carona e entrou no carro.

- Nossa, eu estou tão feliz por vocês! – Tiffany nos agarrou ao mesmo tempo, resultando em um abraço um pouco estranho. – Viu? Eu dizia desde o começo, vocês só não me ouviam!

- Eu quero saber que macumba você vez. – Yuri sorriu, com o vermelho de volta às suas bochechas.

- Ei, Tiffany! Eu quero ir pra casa! – Sooyoung gritou, com metade do corpo para fora da janela. Eu agradeci, pois sentia que Tiffany poderia quebrar uma de minhas costelas à qualquer momento.

- Me deixa curtir o momento, por favor?! – Tiffany nos soltou e deu a volta no carro, rumo a porta do motorista.

- Eu que queria ter curtido mais o momento. – Yuri resmungou para então estalar a língua. Eu ri e a empurrei para dentro do carro, nós duas entramos pela mesma porta. Às vezes era ela a velha resmungando.

Ao contrário do que eu pensei, Tiffany e Sooyoung não falaram muito, mas eu percebia que elas olhavam bastante pelo retrovisor, até porque eu estava sentada no lugar do meio. Era como “vou dar a vocês privacidade”, sem o fazer. Aposto que Yuri também não estava cem por cento confortável com a vigilância. Ela só me puxou para mais perto, eu apoiei a cabeça em seu ombro. Yuri deixou um beijo em minha cabeça e ficamos cochichando conversas ao longo do caminho. Eu duvido que Tiffany e Sooyoung ao menos tentavam não ouvir, não eram boas em disfarce.

Como de costume, Sooyoung foi a primeira a ser deixada em casa. Um par de olhos a menos, o que já era bastante coisa, considerando que Tiffany tinha que olhar na estrada, mas eu notei o sorriso dela, e aposto que Yuri também. Como sempre também, em menos de dez minutos fomos de Midtown à Old Palo Alto. O tempo parece passar mais rápido quando você não quer.

- Valeu, Tiffany. – Dessa vez eu suspeitei que Yuri não agradecia apenas a carona. – Até o próximo quad.

- Por nada, Yul. – Tiffany deu um de seus sorrisos enormes. – Aproveite as férias de inverno.

- Você também. – Yuri sorriu para a motorista e em seguida olhou para mim, eu notei que ela estava pensando no que dizer.

- Eu vou lá para a frente. – Eu disse e Yuri assentiu. Pegamos nossas bolsas, Yuri abriu a porta da direita e nós duas saímos do carro. Yuri se virou para mim depois que eu fechei a porta com meu próprio corpo.

- Eu não queria ter que dizer “até janeiro” pra você. – Yuri riu, sem muito humor.

- Vão ser duas ou três semanas. – Eu tentei fazer as coisas parecerem melhores, não que tenha adiantado.

- Eu queria ter aproveitado mais um pouco, mas eu falo de mais. – Yuri coçou a nuca e eu ri. O jeito que ela tentava falar de tudo ao mesmo tempo durante seu pedido, bem, julgue o que quiser, foi fofo para mim. – Eu ainda estou meio boba.

- É, eu to vendo isso. – Sorri e Yuri riu ao olhar para a calçada. Ela olhou para trás e para os lados algumas vezes antes de se aproximar de mim.

- Posso ganhar um beijo de despedida? – Yuri tocou minha bochecha e eu assenti. Nós trocamos sorrisos e ela se aproximou mais para um beijo. Eu estava meio preocupada que seus pais ou irmãos olhassem pela janela, mas deixei isso de lado ao tocar sua cintura assim que Yuri aprofundou o beijo. A hora de parar deveria chegar, ou por que era um pouco arriscado, ou o real motivo, a buzina de Tiffany. Nós nos afastamos ao rir.

- Acho que ela está com pressa. – Yuri riu do que eu disse.

- Me manda mensagem quando chegar em casa. – Eu assenti e Yuri deixou um breve selinho em meus lábios antes de dar as costas para mim, rumo a porta da frente.

- Ah, Yuri! – Eu a chamei e Yuri olhou para trás, a tempo de agarrar sua jaqueta no ar. – Quase me esqueci disso.

- Tem certeza que não quer ficar? Tem meu cheirinho. – Yuri deu um sorriso convencido ao aproximar a peça de roupa do próprio rosto.

- Tchau, Yuri. – Revirei os olhos por brincadeira e Yuri riu antes de continuar seu caminho. Eu abri a porta da frente e me sentei no banco do carona, deixando a mochila entre meus pés.

- Cedo demais para agradecer agora? – Tiffany deu daqueles seus sorrisos pretenciosos enquanto eu fechava o cinto.

- Não. – Eu ri, com os olhos no painel antes de desviá-los para a casa à direita. Yuri já havia entrado.

- De nada. – Tiffany ainda sorria quando deu partida no seu velho sedã vermelho. Eu inclinei meu banco para trás, de modo que via apenas as luzes passando pelo para-brisa, ofuscando um pouco da noite estrelada.

Talvez eu não precisasse tanto assim de férias.


Notas Finais


Acho que vou manter as atualizações mensais, mesmo. Assim tenho mais coisa a dizer.


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